Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4361/16.1T8SNT.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DO DIREITO À VIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IÉ entendimento consolidado na jurisprudência dos Tribunais superiores que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00.

IIPonderando que à data do acidente de viação que vitimou a mãe os autores - que tinham respectivamente 24 e 26 – sofreram natural e profundo desgosto, angústia, tristeza e perturbação e tendo em conta que se encontrava agendado o casamento da vítima para o dia em que o acidente ocorreu, o que naturalmente transformou um dia de celebração em dia de consternação, sendo certo que os autores mantinham com sua mãe uma estreita e profunda ligação familiar, não obstante não viverem com ela em Portugal – em obediência aos critérios legais postos nomeadamente nos artigos 496.º, n.º 4, conjugado com o artigo 494.º, ambos do Código Civil - não é de considerar exagerado o montante 20.000,00 € para cada filho, a título de danos não patrimoniais

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


1.Pretensão sob recurso: revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva a recorrente dos pagamentos a que foi condenada.

1.1.Pedido: condenação das RR.: i) a pagarem aos autores a quantia de € 187.509,99, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da morte de CES., na proporção da responsabilidade civil subjetiva que venha a ser apurada; ii) a título subsidiário, e caso se conclua pela inexistência de culpa de qualquer dos condutores dos veículos segurados para a produção do acidente, a condenação das rés a pagar aos autores a quantia de € 187.509,99, por força da responsabilidade objetiva prevista no artigo 506.º do Código Civil, nas proporções que vierem a ser fixadas; iii) a condenação das rés ao pagamento de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram os AA., em síntese, que as indicadas quantias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do acidente de viação que descrevem, ocorrido a 08-12-20…, ao km 1 do IC 19, no qual, em consequência de embate entre o veículo pesado de mercadorias de matrícula …, pertencente a “RT, Ld.ª” – que transferira para a ré X…a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a respetiva circulação – e conduzido por FM, e o ciclomotor de matrícula …, pertencente a RV – que transferira para a ré Tranquilidade a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a respetiva circulação – e pelo mesmo conduzido, CES – mãe dos autores –, passageira transportada no ciclomotor, sofreu lesões que causaram a sua morte, como tudo melhor consta da petição inicial.

A R. “X–Companhia  de …seguros, S.A.” contestou, alegando, em síntese, que aceita a transferência da responsabilidade civil em causa e impugnando factualidade relativa às circunstâncias em que ocorreu o acidente e aos danos invocados pelos autores, como tudo melhor consta do articulado apresentado.

A R. “Companhia de Seguros Y, S.A.” contestou, alegando, em síntese, que aceita a transferência da responsabilidade civil em causa e impugnando factualidade relativa às circunstâncias em que ocorreu o acidente e aos danos invocados pelos autores, como tudo melhor consta do articulado apresentado.

Foi proferida decisão do seguinte teor: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação, em consequência do que:
a)-Condeno a 1.ª ré, X – Companhia … de Seguros, S.A., a pagar aos autores a quantia de € 105 000 (cento e cinco mil euros) acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, contabilizados às taxas legais, absolvendo-a do mais peticionado;
b)-Absolvo a 2.ª ré, Companhia de Seguros Y, S.A., do pedido formulado.
Custas por autores e 1.ª ré, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique e registe. ”.

1.2.Inconformada com aquela decisão, a R. apelou, tendo formulado as seguintes conclusões:

1)O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, o qual, para além de ter feito um erro notório na apreciação da prova produzida no autos, designadamente a prova testemunhal, fez uma interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar ao caso concreto, razão pela qual o presente recurso visão não só a alteração da matéria de facto (quanto aos pontos b), d), e), v), x) e z) do elenco dos factos provados e e) a i) dos não provados) como também a matéria de direito porquanto a decisão da qual se recorre violou o disposto nos artigos 483.º/1, 487.º, 506.º, 562.º, 563.º, 564.º/1, 566.º/1, 2 e 3 e 570.º/1 do Código Civil, 3.º, n.º 2 e 35.º do Código da Estrada.
2)Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, visa o presente recurso a renovação da prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, nomeadamente no que respeita aos depoimentos prestados pelas testemunhas FM e JBP, cuja revisão se requer.
3)Na verdade, e tomando como ponto de partida o disposto nos pontos b), d) e e) do elenco dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, na qual o Tribunal de 1.ª Instância se sustentou para atribuir ao condutor do pesado 100 % da responsabilidade pelo acidente ocorrido, socorrendo-se do seu alegado excesso de velocidade, entende o Recorrente, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal não poderia ter extraído tal conclusão com base na prova produzida quanto a tal facto.
4)Em primeiro lugar, porque o douto Tribunal entendeu, erradamente, que todas as partes processuais acordaram que o ciclomotor circulava à frente do veículo pesado de passageiros no momento do embate, e que foi o veículo pesado seguro na ora Recorrida que embateu no ciclomotor em que seguia a mãe dos ora Autores. Posição esta que a ora Recorrente deixar de discordar desta conclusão dado que não é, nem foi no seu articulado, subscritora de tal versão do sinistro, nem poderia ter sido porquanto tal versão não corresponde ao que realmente aconteceu no fatídico dia 08.12.2013.
5)Em segundo lugar, porque do depoimento da testemunha FM, condutor do veículo pesado, não é possível chegar-se à dinâmica a que chegou o douto tribunal.
6)Em terceiro lugar, porque este depoimento não pode (de forma alguma) ser considerado suficiente para se poder dar como provado tais factos.
7)Por fim, porque o Tribunal desvalorizou o depoimento da testemunha supra identificada, o que seria suficiente para se considerar provada a versão do acidente trazida aos presentes autos pela ora Recorrente.
Acresce que,
8)Tal versão, principalmente no que respeita à conduta do condutor do ciclomotor foi bastante coerente e peremptória, pelo que não entende a ora Recorrente o porquê de, sem razão, tal versão ter sido desconsiderada por completo pelo douto Tribunal.
9)Assim, a versão narrada pelo condutor do veículo pesado, e única testemunha do acidente, é conforme com a que vem sido defendida pelo Recorrente no decurso desta acção, e que encontra sustentação no seguinte no Auto elaborado pelas autoridades policiais.
10)Acresce que, caso o depoimento da testemunha FM não tivesse sido incorrectamente desconsiderado quase que por completo, teriam sido considerados provados os pontos e) a i).
11)Considerando que se trata de factualidade essencial, porquanto consiste na diferença entre a responsabilização ou não do condutor do veículo seguro na ora Recorrida na produção do acidente em apreço, ou pelo menos, na medida de responsabilidade a atribuir a cada um dos intervenientes, entende a Recorrente, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal deveria ter sido mais cauteloso na apreciação desta prova testemunhal.
12)De facto, da análise da douta sentença recorrida, e salvo o devido respeito, parece resultar uma forçosa desresponsabilização do condutor do ciclomotor, como se a sua conduta não fosse de reprovar, e como se este ocupasse unicamente a posição de uma das vítimas do acidente em causa nos presentes autos.
13)Nesta medida, da versão do sinistro narrada pela testemunha FM, é forçoso concluir que este nada podia ter feito para evitar o infeliz embate que aqui nos conduziu.
14)Com efeito, o condutor do veículo pesado disse peremptoriamente que, no dia e hora do sinistro, o ciclomotor circulava à sua direita, na berma da faixa de rodagem, e não na sua via e à sua frente conforme foi dado como provado, sendo que ao se deparar com uns pinos ali existentes, assustou-se e “mandou-se para a minha (sua) frente e eu aí já não consegui fugir” (depoimento da testemunha Fernando)
15)Disse ainda não ter dúvidas que o embate entre os veículos não foi frontal, que se deu no seu lado direito, e que a mota “fugiu para debaixo do seu camião porque ia a virar”.
16)Quanto aos pontos v), x) e z) dos factos provados tenha-se em conta que a prova produzida nos autos quanto a estes factos nunca poderia ter dado azo a que os mesmos fossem considerados provados sem mais.
17)De facto, e nas palavras do douto Tribunal, estes factos assentaram, única e exclusivamente no que foi referido pela testemunha CES.
18)Entende a Recorrente, que tal prova não pode em caso algum ser suficiente para o efeito tendo em conta que a referida testemunha mostrou que não tem qualquer conhecimento directo desses factos.
19)Contrariando a tese do Tribunal a quo, de que esta testemunha revelou conhecimento das consequências sofridas pelos Autores em resultado do falecimento de sua mãe, a Sra. CES disse que nunca viu os Autores, nem ao tempo dos factos, uma vez que não foi ao funeral da vítima, sendo que falou apenas uma vez com a Autora, para lhe dar os pêsames pelo sucedido e que esta estaria triste.
20)Tendo em conta que para além deste depoimento não foi produzida qualquer prova adicional nesse sentido, entende a Recorrente que estes pontos nunca poderiam ter sido dados como provados.

21)Do exposto resulta a necessária alteração da matéria de facto nos seguintes termos:
a.-Integração dos pontos b), d) e e) dos factos dados como provados no elenco dos factos dados como não provados, pois não é possível concluir que foi o veículo seguro que embateu no ciclomotor, que o ciclomotor circulava à frente do veículo pesado de mercadorias e que o embate se deu entre a parte frontal deste e parte traseira daquele.
b.-Integração do pontos e), f), g), h) e i) dos factos não provados no elenco dos factos dados como provados, Pois que da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente do depoimento da testemunha Fernando Mendes, resulta que o condutor do ciclomotor circulava à direita do veículo pesado e que, de forma repentina e inesperada, invadiu a via de transito por onde circulava o veículo pesado, não sinalizando tal manobra, pelo que o condutor do veículo seguro na ora Recorrida não conseguiu evitar o embate, tendo apenas tentado desviar a sua trajectória para a via localizada à sua esquerda, a fim de evitar o embate.
c.-Integração do ponto v), x) e z) dos factos dados como provados no elenco dos factos não provados, pois não foi produzida prova suficiente no sentido de se considera provados a relação de proximidade entre os Autores e a sua mãe e, consequentemente, todo o sofrimento que adveio da morte desta naqueles.

22)Não tomando em consideração todos os factos juridicamente relevantes para a decisão proferida nos presentes autos entende a Recorrente, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal também não cuidou de aplicar correctamente os preceitos jurídicos em questão, desde logo porquanto a responsabilidade pelo acidente de viação ocorrido se ficou a dever à conduta imprudente e temerária do condutor do ciclomotor, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 3.º/2 e 35.º do Código da Estrada e artigo 483.º do CC, o que necessariamente leva à absolvição do ora Recorrente da Instância.
23)A douta Sentença proferida, até pelos motivos já expostos, para além de ter feito um erro notório na apreciação da prova, tendo em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas acima identificadas em sede de julgamento, bem como todos os elementos constantes dos autos, fez uma incorrecta interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar ao caso em concreto.
24)Conforme acima de referiu, tal factualidade resulta de uma incorrecta valoração da prova produzida em julgamento, nomeadamente pelo depoimento da testemunha FM ter sido desvalorizado pelo douto Tribunal.
25)O veículo seguro na Recorrida circulava na via de trânsito mais à direita do IC 19, em pleno cumprimento de todas as regras estradais. Por sua vez, o ciclomotor circulava à direita do veículo seguro, fora da faixa da rodagem. Sucede que, o condutor do ciclomotor, de forma inesperada e repentina, invadiu a via de trânsito por onde circulava o veículo pesado, pelo que este viu a sua marcha, de forma abrupta, interrompida com a presença do ciclomotor.
26)Nada podendo o condutor do veículo pesado de mercadorias fazer para evitar o acidente, o qual apenas se deveu à conduta imprudente e temerária do condutor do ciclomotor.
27)Por outra parte, o condutor do ciclomotor não avisou atempadamente da sua intenção de executar tal manobra, não tendo efectuado qualquer sinal luminoso e ou sonoro.
28)Assim, o condutor do veículo seguro na ora Recorrida não teve tempo para impedir o embate, não obstante a sua manobra de recurso no sentido de desviar a sua trajectória para a faixa à sua esquerda.
29)Concluindo-se, assim, que a alegada velocidade excessiva do veículo seguro na ora Recorrente não foi concausal do acidente.
30)Ainda que assim se entenda, porque verificada esta dinâmica, a responsabilidade pelo acidente dos presentes autos sempre teria de se apurar nos termos do disposto no artigo 506.º do C.C., procedendo-se à repartição da responsabilidade por ambos os condutores, em proporção nunca inferior a 50 % da responsabilidade ao condutor do ciclomotor.
31)Desta forma, andou mal o douto Tribunal a quo na não aplicação do disposto no artigo 570.º do CC, apreciando incorrectamente a medida de responsabilidade das partes, atendendo à gravidade da culpa do lesado nos termos do artigo 487.º do CC, que contribuiu para o acidente, actuando com dolo, motivo pelo qual se requer, desde já, a revogação da douta sentença proferida e a sua substituição por uma decisão que atribua ao condutor do ciclomotor uma responsabilidade em igual medida ao condutor do …, não inferior a 50%.
32)No que diz respeito à indemnização atribuída aos Autores a título de dano morte, não concorda o Recorrente com a mesma porquanto considera a mesma desajustada, por manifestamente excessiva.
33)Ora não obstante seja sempre lamentável e dolorosa a perda de ente querido, não pode a ora contestante concordar, face aos critérios jurisprudenciais actualmente seguidos.
34)Com efeito, o montante fixado a título de perda do direito à vida viola os critérios jurisprudenciais vigentes no ordenamento jurídico nacional, bem como as normas vertidas nos arts. 494º e 496.3 do CC, pelo que deve ser substancialmente reduzido.
35)Sendo que, como é consabido, têm actualmente as Instâncias Superiores vindo a fixar montantes indemnizatórios, a título de perda do direito à vida da vítima, em montantes mais próximos dos € 50.000,00. – Acs. do STJ de 20/09/2007, 18/10/2007, 30/10/2007, 14/02/2008, 30/10/2008, 18/11/2008, 12/02/2009, 05/02/2009, 07/07/2009, 09/09/2009 e 24/11/2009 – Caderno “Os danos não patrimoniais na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça” 2004-2010 e Acs. da Relação do Porto e Guimarães.
36)Entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, merecer reparo a douta Sentença nesta matéria, optou, sem mais e sem qualquer fundamentação, por ignorar as decisões superiores nesta matéria e atribuir um montante muito superior, que no entendimento da Recorrente se mostra desmesurado.
37)Assim, tendo em conta os critérios legais para fixação da indemnização entende-se que o montante fixado a titulo de indemnização pela perda do direito à vida em €65.000,00 é, salvo o devido respeito, exagerado, considerando-se, de harmonia com os valores da jurisprudência, que o seu montante deveria ser fixado em quantia não superior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por esta ser a mais equilibrada, justa e adequada à realidade do caso concreto e conforme ao sentido que vem sendo jurisprudencialmente decidido pelos nossos Tribunais Superiores e, designadamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
38)Quanto aos danos não patrimoniais, e salvo melhor opinião em contrário, a ora Recorrente não concorda com a atribuição de uma indemnização a esse título, porquanto analisando a matéria dada como provada, inexiste direito à indemnização reclamada, atendendo que não se provou nos autos os danos concretamente causados.
39)O montante da indemnização (por danos não patrimoniais) será fixado equitativamente» (art. 496, n.º1 do CC), isto é, «tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» (ANTUNES VARELA - HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, vol.1º, anotação 6ª ao art. 496º).
40)Sem prejuízo dos progressos efectuados, por contributo doutrinário e aperfeiçoamento jurisprudencial, tem-se por certa a dificuldade desta tarefa – a (quase) impossibilidade técnica de valorar o que, intrinsecamente considerado, é insusceptível de quantificação monetária e retorno pleno ao status quo ante.
41)No entanto, considera a Recorrente que o montante agora arbitrado mostra-se manifestamente exagerado face à matéria dada como provada nos autos.
42)Nesta medida, e sem querer parecer demasiado cruel, entende a ora Recorrida que os Autores não lograram demonstrar a existência de efectivos danos não patrimoniais decorrentes da infeliz morte da sua progenitora.
43)Tanto mais que ficou provado que a mãe dos Autores viveu afastada dos mesmos quase que metade da vida destes.
44)Bem sabemos que, em regra, o falecimento de um dos progenitores gera um grande desgosto, uma grande tristeza, um grande abalo nos seus filhos.
45)Não obstante, não nos podemos esquecer que em processo civil estamos perante um processo de partes, em que os interesses aqui em causa são interesses particulares, subjectivos.
46)Deste modo, e apesar de estarmos perante uma situação bastante infeliz, que choca qualquer um de nós, não podemos descurar as necessidades probatórias que a lei civil e processual civil exige.
47)Face ao supra exposto, entende a ora Recorrente, e salvo melhor opinião em contrário, que os Autores não lograram fazer prova da existência de danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito, pelo que deve ser alterada a douta sentença na medida em que deve a ora Recorrente ser absolvida do montante a que foi condenada a este título.
48)Por tudo o que se encontra exposto, a douta sentença violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º e 570.º do Código Civil, pelo que se impõe que a mesma seja revogada e substituída por outra que absolva o Recorrido do pedido formulado nos autos, o que desde já se alega e requer para todos os efeitos legais.

Os AA. contra-alegaram,tendo formulado as seguintes conclusões:

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

Do erro na apreciação da prova

1ª.Nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 640º do CPC, a impugnação da matéria de facto em sede de recurso apenas pode merecer provimento quando se demonstre que a argumentação aduzida pelo recorrente vai para lá da mera existência de uma opinião diversa sobre a prova produzida – demonstrando-se a ocorrência de erros de julgamento, e não apenas de uma convicção formulada pelo juiz à luz das normas legais aplicáveis e do princípio da livre apreciação da prova.
2ª.Prendendo-se a impugnação promovida pela ora Recorrente exclusivamente com a apreciação da prova testemunhal produzida em julgamento, refira-se que o princípio da livre apreciação pelo juiz se encontra consagrada quanto a tal meio probatório no artigo 396º do CC – sendo assim necessária a demonstração da existência de um efectivo erro, e não apenas a manifestação de uma opinião diversa. Dos pontos b), d) e e) da matéria de facto provada, e dos pontos e), f), g), h) e i) da matéria de facto não provada
3ª.Não pode a ora Recorrente pretender que o depoimento prestado pela testemunha FM seja desconsiderado para efeitos de prova da velocidade excessiva a que seguia o veículo pesado de mercadorias, para logo de seguida defender que esse mesmo depoimento seria suficiente para dar como provada a dinâmica do acidente que foi por si defendida nos autos – entendimento contraditório que conduziria inelutavelmente à valoração de tal depoimento numa modalidade a la carte consoante o que fosse mais favorável à Recorrente.
4ª.No que diz respeito ao depoimento da testemunha FM, é notório que o Meritíssimo Tribunal a quo apreciou a sua força não só através da recolha directa de tal testemunho em julgamento, mas também a partir da sua contraposição à demais prova produzida: quanto à velocidade a que o veículo pesado seguia, atendeu-se à informação constante do registo de tacógrafo; quanto à restante dinâmica do acidente, atendeu-se ao teor da participação de acidente e do respectivo croquis.
5ª.Tal depoimento não poderia ser assim integralmente valorado apenas em virtude de se tratar da única testemunha ocular do acidente – o que resultou directamente da infeliz circunstância de os restantes dois intervenientes terem falecido nesse sinistro –, tanto mais que as informações que foram prestadas em julgamento não têm correspondência integral com a restante prova produzida.

Dos pontos v), x) e z) da matéria de facto provada.

6ª.Decorre do depoimento claro e objectivo da testemunha Jacqueline Pimenta 28 que esta conhecia a natureza da relação entre os ora Recorridos e a sua falecida mãe por força da sua longa amizade com esta última, e das frequentes conversas que mantinha com a sua amiga, bem como que se apercebeu do estado emocional do Recorridos quando os contactou directamente de modo a transmitir-lhes os seus pêsames e a tentar perceber como estavam a encarar tal situação difícil.
7ª.A testemunha JP reproduziu em audiência informações que lhe foram directamente transmitidas quer pelos ora Recorridos, quer pela falecida CES, não se duvidando, portanto, do seu conhecimento directo de tais factos, conforme decorre da própria Jurisprudência do Venerando Tribunal ad quem.
8ª.É de salientar que a ora Recorrente não produziu qualquer prova que infirmasse o teor do depoimento de Jacqueline Pimenta, e que pudesse colocar em questão os pontos v), x) e z) da matéria de facto provada.
9ª.Apenas para demonstrar a fragilidade da argumentação da ora Recorrente – e sem nunca conceder –, resulta do Acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça no dia 15 de Abril de 2009 que o sofrimento, tristeza, perturbação e angústia que a morte de uma mãe causa aos seus filhos é um facto notório, o que por maioria de razão terá também de se aplicar às especiais circunstâncias que rodearam a morte em causa, e que se traduziram num choque profundo para os Recorridos: um acidente brutal ocorrido horas antes da cerimónia de casamento da falecida.
10ª.O Meritíssimo Tribunal a quo realizou uma análise crítica e abrangente de toda a prova produzida nos autos, sendo que a sentença recorrida se mostra compatível com a mesma, bem como com a Jurisprudência e a Doutrina aplicáveis, sem que se possa identificar a ocorrência de qualquer erro de julgamento, pelo que a mesma deve ser confirmada sem que a impugnação da matéria de facto promovida pela ora Recorrente mereça provimento.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO.

Das consequências atinentes à impugnação da matéria de facto

11ª.Confirmando-se a decisão proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo quanto à matéria de facto, não pode ser dado provimento à alteração da decisão proferida no que diz respeito à responsabilidade pela produção do acidente, não se verificando qualquer violação legal ou qualquer erro de determinação das normas aplicáveis.
12ª.Não pode também merecer provimento a pretensão da Recorrente dirigida à não atribuição de uma indemnização aos Recorridos decorrente dos danos morais por si sofridos, sendo que a partir da matéria de facto considerada provada pelo Meritíssimo Tribunal a quo é evidente que tais danos se verificaram.
13ª.Não merece qualquer acolhimento o facto levantado pela Recorrente relativamente ao afastamento entre os Recorridos e a sua mãe, motivado por viverem em países diferentes – conforme resultou da prova produzida, mesmo considerando o afastamento das suas residências tratava-se de uma família unida que mantinha uma profunda ligação, e que no dia 8 de Dezembro de 2013 só não pode estar presencialmente reunida em celebração familiar porque um brutal acidente de viação ceifou a vida de CES.
14ª.Em face da matéria de facto provada, e tendo em consideração o disposto no artigo 496º do CC, andou bem o Meritíssimo Tribunal a quo ao condenar a Recorrente ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00 a cada um dos Recorridos – valor esse que se mostra consentâneo com a Jurisprudência, conforme demonstrado na sentença recorrida.

Do valor da indemnização atribuída aos ora Recorridos pelo dano morte

15ª.Alegou a ora Recorrente que a indemnização atribuída aos ora Recorridos a título de dano morte é manifestamente excessiva em função dos critérios jurisprudenciais actualmente seguidos, mencionando diversos acórdãos proferidos por Tribunais Superiores; porém, não o faz de uma forma séria e rigorosa, desde logo pelo facto de todos os acórdãos citados remontarem aos anos de 2007, 2008 e 2009.
16ª.Parece a ora Recorrente desconhecer que no que diz respeito ao valor concedido a título de indemnização pela perda do direito à vida tem existido um grande desenvolvimento jurisprudencial ao longo dos anos, pelo que os acórdãos citados nas alegações de recurso se mostram já desfasados em face de desenvolvimentos vertidos em decisões mais recentes – o que é reconhecido pelo próprio Colendo Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos proferidos no dia 12 de Setembro de 2013 e no dia 31 de Janeiro de 2012.
17ª.Do Acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça no dia 12 de Setembro de 2013 resulta o entendimento de que para o ressarcimento do dano morte deveria ser estabelecido um valor tendencialmente fixo de € 65.000,00; já no Acórdão proferido no dia 29 de Outubro de 2013, desenvolveu-se a ideia de que as oscilações a tal valor tendencialmente fixo poderiam ser motivadas quer pela maior ou menor idade das vítimas, quer pelas suas circunstâncias de vida – entre os € 50.000,00 para casos de vítimas com uma idade já avançada, em que se possa considerar que estavam já no ocaso da sua vida, e os € 80.000,00, podendo mesmo atingir-se os € 100.000,00 em casos de vítimas jovens.
18ª.No caso da falecida mãe dos ora Recorridos, notoriamente não estamos perante uma pessoa de avançada idade já no ocaso da sua vida: à data do seu falecimento, a vítima tinha 51 anos de idade e encontrava-se laboral e socialmente inserida, sendo que o seu casamento estava agendado para o preciso dia em que acabou por ocorrer o seu falecimento – ou seja, o dia que iria marcar o início de uma nova fase da vida de CES acabou por ficar marcado como o último dia da sua vida –, pelo que está em causa uma pessoa que em circunstâncias normais teria ainda várias décadas de vida pela sua frente, que se encontrava activa na sociedade e que estava prestes a abraçar uma nova etapa da sua vivência.
19ª.Em face do circunstancialismo do caso concreto e da Jurisprudência analisada, é assim de excluir em absoluto a atribuição do valor de € 50.000,00 pretendido pela ora Recorrente; aliás, a ser alterado o valor atribuído pelo Meritíssimo Tribunal a quo, a questão a analisar seria sempre a sua mudança para valores superiores e nunca inferiores!
20ª.Recorrendo a um caso bem ilustrativo, no Acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça no dia 15 de Setembro de 2016 foram atribuídas duas indemnizações no valor de € 70.000,00 a duas vítimas com 67 e 61 anos de idade – ou seja, um valor superior para vítimas com uma idade superior à falecida mãe dos Recorridos!
21ª.A sentença recorrida mostrou-se assim consentânea com a linha geral que vem sido seguida pela Jurisprudência recente – que, contrariamente ao que alega a ora Recorrente, foi vastamente analisada na decisão – pelo que a atribuição de uma indemnização no valor de € 65.000,00 aos ora Recorridos a título de dano morte respeita integralmente as normas legais aplicáveis.

1.3.Como é sabido, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos dos artigos 608.º, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC.
Assim, considerando as conclusões da apelante, as questões essenciais a decidir no âmbito do presente recurso, consistem em saber se: (i) é de alterar os pontos b), d), e), v), x) e z) dos factos provados e e) a i) dos factos não provados; o acidente apenas ficou a dever-se a conduta temerária do condutor do ciclomotor, não tendo sido concausal ao acidente a alegada velocidade excessiva do veículo seguro na R.; o montante do dano pela perda do bem vida não deve exceder o valor de 50.000,00; é excessivo o montante atribuído a título de danos não patrimoniais e nem sequer os AA. lograram fazer prova da existência deste tipo de danos.

II.Fundamentação.

II.1.Dos Factos.

Além do que consta do precedente relatório, importa considerar que, em primeira instância, foram dados como provados os seguintes factos:

a)-No dia 08-12-20.., pelas 06h55m, o ciclomotor de matrícula … circulava pelo IC 19, no sentido Lisboa – Sintra, conduzido por RV e transportando como passageira CES;
b)-Ao chegar ao km 1 da via referida na alínea a), na freguesia da Buraca, concelho de Amadora, o ciclomotor foi embatido pelo veículo pesado de mercadorias de matrícula …B, conduzido por FM, que aí circulava no mesmo sentido de marcha;
c)-Na ocasião, o veículo pesado de mercadorias circulava a cerca de 90 km/hora;
d)-Aquando da ocorrência do embate, o ciclomotor circulava à frente do veículo pesado de mercadorias;
e)-O embate ocorreu entre a parte frontal do veículo pesado e a parte traseira do ciclomotor;
f)-No local onde ocorreu o embate, a via desenvolve-se em reta e encontra-se dividida, por um separador central, em duas faixas de rodagem, uma destinada à circulação no sentido de marcha referido na alínea a) e a outra à circulação no sentido contrário;
g)-A faixa de rodagem destinada à circulação no sentido referido na alínea a) era composta por três vias, divididas por linhas descontínuas, acrescidas de uma via localizada à direita e destinada à ligação ao IC 17;
h)-O embate ocorreu na via da direita, das três referidas na alínea g), localizada à esquerda da via de ligação ao IC 17;
i)-No local do embate, o pavimento encontrava-se em bom estado de conservação e seco;
j)-Após o embate, o ciclomotor e os seus ocupantes foram arrastados pelo veículo pesado ao longo de uma distância de cerca de 120 metros, vindo o ciclomotor a incendiar-se e a imobilizar-se na via central, das três vias referidas na alínea g), e o veículo pesado a imobilizar-se poucos metros atrás, na mesma via;
l)-Em consequência do embate e do arrastamento referidos, CS sofreu lesões que causaram a sua morte, verificada no local;
m)-À data do embate, o ciclomotor de matrícula … pertencia a RV;
n)-À data do embate, o veículo pesado de mercadorias de matrícula …  pertencia a RT, Ld.ª;
o)-Aquando da ocorrência do embate, FM era funcionário da empresa RT, Ld.ª;
p)-… e conduzia o veículo pesado de mercadorias no exercício das suas funções;
q)-O condutor do veículo pesado tinha iniciado a sua viagem às 23h55m do dia anterior ao referido na alínea a) e percorrido cerca de 538 km, tendo nesse período realizado uma pausa, de duração não apurada;
r)-À data da sua morte, CES era solteira e tinha 51 anos de idade;
s) Os autores JM, nascido a 25-07-1989, e KM nascida a 31-01-1985, são filhos de CES;
t)-Através de escritura de habilitação outorgada no dia 19-12-2013, em Cartório Notarial sito em Lisboa, foi reconhecida a qualidade dos autores JM e KM, como únicos herdeiros de CES;
u)-Encontrava-se agendada para a data referida na alínea a) a cerimónia de casamento civil entre RV  e CS;
v)-Os autores sofreram um profundo choque com a morte de CES, agravado por ter ocorrido num dia que previam ser de celebração familiar, em virtude do facto referido na alínea u);
x)-Os autores mantinham com a sua mãe uma estreita e profunda ligação familiar;
z)-A morte de CES causou aos autores intenso sofrimento, tristeza, perturbação e angústia;
aa)-CES nasceu no Brasil e, em data anterior a maio de 2004, emigrou para Portugal, onde passou a residir e a trabalhar;
ab)-Os autores permaneceram no Brasil;
ac)-Em Portugal, CES trabalhava no serviço doméstico, contribuindo para a Segurança Social sobre um salário convencional;
ad)-Pela apólice n.º AU…, a ré X Companhia de Seguros, SA declarou, perante RT, Ld.ª; assumir o ressarcimento da responsabilidade civil derivada da circulação do veículo pesado de mercadorias de matrícula ..;
ae)-Pela apólice n.º 000…, a ré Companhia de Seguros Y, S.A. declarou, perante RV, assumir o ressarcimento da responsabilidade civil derivada da circulação do ciclomotor de matrícula ….

Em primeira instância, foram dados como não provados os factos seguintes:

a)O condutor do veículo pesado não realizou qualquer pausa durante a viagem referida na alínea q) de 3.1.1.;
b)O condutor do veículo pesado realizou várias pausas ao longo do percurso referido na alínea q) de 3.1.1.;
c)Na sequência do embate referido na alínea b) de 3.1.1., CS foi atropelada pelo veículo pesado e o capacete que trazia ficou sob tal veículo;
d)O ciclomotor circulava na raia da bifurcação existente de acesso do IC 17 ao IC 19;
e)O ciclomotor circulava à direita do veículo pesado;
f)O ciclomotor, de forma inesperada e repentina, invadiu a via de trânsito por onde circulava o veículo pesado;
g)O condutor do ciclomotor não sinalizou a sua intenção de executar a manobra referida na alínea f);
h)O condutor no veículo pesado não teve tempo para impedir o embate;
i)Antes da ocorrência do embate, o condutor do veículo pesado desviou a trajetória da viatura para a via localizada à sua esquerda, a fim de evitar o embate;
jO condutor do veículo pesado iniciou manobras no sentido de ultrapassar o ciclomotor, com o intui de circular na via central;
l)O embate ocorreu no decurso das manobras referidas na alínea j);
m)A atração mediática dada ao acidente e suas consequências sobrecarregou a já de si elevada pressão psicológica que se abateu sobre os autores no seguimento do sucedido;
n)Os autores foram criados pela sua mãe;
o)–CES enviava mensalmente, aos autores, uma contribuição financeira de cerca de € 150, destinada ao respetivo sustento e ao financiamento dos estudos do 1.º autor;
p) No exercício das funções referidas na alínea ac) de 3.1.1., CES chegou a receber uma média mensal de cerca de € 700;
q) … auferindo, à data da sua morte, o valor mensal cerca de € 500.

II.2 Recurso de facto.

A R. pretende a alteração dos pontos b), d), e), v), x) e z) dos factos provados e e) a i) dos factos não provados

II.2.1.1.Quanto à pretendida alteração dos pontos b), d), e), v), x) e z) dos factos provados
A R. questiona estes pontos da matéria de facto, limitando-se, no essencial, a transcrever pequenos excertos de depoimentos que, no seu entender, provarão uma versão diferente da plasmada nos factos criticados e com fundamento na desconsideração, sem fundamento, do depoimento da testemunha FM.

Afigura-se-nos que não assiste qualquer razão à recorrente, com base quer na documentação pertinente junta aos autos, quer nos depoimentos das testemunhas a cuja audição integral procedemos.

Vejamos:

Relembra-se que os pontos b), d), e), relativos à dinâmica do acidente  têm o seguinte teor:

b)-Ao chegar ao km 1 da via referida na alínea a), na freguesia da Buraca, concelho de Amadora, o ciclomotor foi embatido pelo veículo pesado de mercadorias de matrícula …, conduzido por FM, que aí circulava no mesmo sentido de marcha;
d)-Aquando da ocorrência do embate, o ciclomotor circulava à frente do veículo pesado de mercadorias;
e)-O embate ocorreu entre a parte frontal do veículo pesado e a parte traseira do ciclomotor.

Sobre esta matéria alusiva depuseram as testemunhas FM - o condutor do pesado que interveio no acidente - e a testemunha TB, que trabalha na Y desde 2011, na sua qualidade de perito, funções que desempenha há cerca de 23 anos (com referência à data do julgamento).

Afigura-se-nos que a testemunha FM fez um depoimento que denota uma discrepância entre o que ela própria relatou ter percepcionado e os resultados do embate que depois, ela própria acabou por constatar e ainda o relato que terá feito à testemunha TB.

Com efeito, a testemunha FM relatou ter avistado o motociclo a cerca de 100 metros à sua frente, mas seguindo pela berma. Quando o condutor do mesmo motociclo se deparou com uns pinos que demarcavam uma faixa de aceleração, o mesmo guinou bruscamente para a esquerda e, nesse momento, a testemunha não pôde evitar o embate, referindo que deixou de ver a mota a qual “fugiu para a frente do camião” que a testemunha conduzia. Tentou reagir logo, mas à velocidade a que seguia (admitiu que circulava a 90 Kms/h, embora o limite ali fosse de 80Kms para pesados), “não podia fazer muito”:  desviou-se para a esquerda e travou suavemente. Referiu que não se apercebeu do embate, embora admitindo que o mesmo ocorreu.
A testemunha referiu também que o embate foi lateral, tendo depois, esclarecido que a mota, depois do embate ficou presa entre o guarda-lamas e a roda e foi arrastada pelo lado direito da frente do camião.
Vemos assim que a dinâmica relatada por esta testemunha é consentânea com a factualidade descrita e dada como provada pela primeira instância.

De modo ainda mais enfático, depôs a testemunha TV, perito que procedeu à peritagem do sinistro e que na altura (cerca de 15 dias após o acidente dos autos) teve acesso ao croquis que lhe foi facultado pelas autoridades. Além disso, passou pelo local (trata-se de uma via rápida) e, por essa altura, ouviu as declarações do condutor do pesado (a testemunha FM) que lhe fez um relato escrito, tendo ainda ouvido familiares do condutor do motociclo e tendo averiguado da localização dos danos nos veículos.

Neste âmbito, constatou que do motociclo - que ficou destruído - restaram apenas os ferros. Quanto ao camião, os danos já haviam sido reparados, no essencial.

Esta testemunha mencionou que, ao deslocar-se, passando pelo local, verificou que no local do embate não existe qualquer faixa de aceleração nem pinos. Isso existe um bocadinho antes, na saída do IC 17 e ao entrar para o IC 19. Trata-se de um recta com três faixas de rodagem (número também avançado pela anterior testemunha).

Esta testemunha referiu ao tribunal que o condutor lhe havia dito que avistara o ciclomotor que circulava muito devagar e que o tentou ultrapassar”.

Do que se apercebeu da observação directa e do relato do dono da empresa, os danos do camião consistiram numa amolgadela do lado direito (por embate do capacete ou da cabeça de uma das vítimas).
Os danos  no pára-choques, no farol e na parte posterior inferior do camião haviam já sido reparadas e o pára-choques ainda se apresentava estalado quando colheu fotografias.

Resulta, assim, claramente que a versão das testemunhas, embora divirja em alguns aspectos, quanto à dinâmica, acaba por permitir uma leitura que permite detectar a convergência dos mesmos depoimentos, de molde a confirmar o que ficou plasmado na matéria de facto sob crítica.

Na verdade, a versão da testemunha FM no sentido de que o ciclomotor circulava pela berma e que bruscamente guinou para a esquerda, como refere – e bem – a decisão recorrida, na fundamentação da matéria de facto, não se mostra credível, não havendo meios de prova que comprovem tal versão, inclusive os rastos descritos no croquis que não faz qualquer alusão a vestígios de circulação pela berma (fls. 28 e vº).

 
Por outro lado, como ficou claro do depoimento da mesma testemunha, conjugado com o da testemunha TV, o acidente terá ocorrido aquando de ultrapassagem do ciclomotor, que seguia devagar, pelo camião que circulava a 90Kms/hora.

Também o tacógrafo confirma a velocidade a que o camião seguia (fls. 29 vº e 30), a qual, aliás, não se questiona sequer no recurso.

Deste modo, não pode deixar de ser confirmada a versão relatada nos factos sob crítica, não tendo, pois acolhimento a pretensão da recorrente quanto aos mesmos.
   
Quanto aos pontos v), x) e z) dos factos provados

A R., pretende que se dêem como não provados estes factos.

Relembra-se que os mesmos têm o seguinte teor:

v)-Os autores sofreram um profundo choque com a morte de CES, agravado por ter ocorrido num dia que previam ser de celebração familiar, em virtude do facto referido na alínea u);
x)-Os autores mantinham com a sua mãe uma estreita e profunda ligação familiar;
z)-A morte de CES causou aos autores intenso sofrimento, tristeza, perturbação e angústia.

É de notar que o que vem descrito coincide com aquilo que, segundo a experiência quotidiana e comum, é tida como natural reacção humana de quem é filho perante a perda da vida da própria mãe. Por isso, impunha-se que – para contrariar tais factos - a R. procedesse a um esforço probatório que, de modo algum, resulta dos autos ter ensaiado.

Pelo contrário, a versão sancionada pelo tribunal de primeira instância colhe apoio no depoimento da testemunha JBP, ouvida sobre esta temática. Com efeito, esta testemunha, não obstante ser amiga da falecida C… (conhecendo-se havia cerca de 5 anos com referência à data do acidente), depôs de modo que se nos afigurou desinteressado e convincente, tendo relatado as circunstâncias em travou amizade com a falecida e referido não conhecer os AA..

Mais referiu que estava presente quando a falecida enviava dinheiro para os seus filhos que viviam com a avó materna, com regularidade (não sabe se mensal), a fim de lhes prestar ajuda (pois nessas ocasiões também a testemunha mandava dinheiro para a sua filha que residia no Brasil).

Ambas chegavam a falar dos assuntos dos respectivos filhos, preocupadas com o que eles, por serem “adolescentes”, “aprontavam”.

Nesse dia, os filhos estavam em Portugal para assistirem ao casamento da mãe.
Estas afirmações, não contrariados por qualquer elemento de prova que indiciasse o desvio do comportamento mais comum nas relações mãe / filhos, leva-nos a concluir pela inexistência de fundamento para alterar o veredicto da primeira instância.

II.2.1.2.-Quanto aos pontos e) a i) dos factos não provados
A seguradora e ora recorrente pretende que se deve dar como provado o teor dos factos não provados sob os pontos e) a i), o quais têm o seguinte teor:

e)- O ciclomotor circulava à direita do veículo pesado;
f)- O ciclomotor, de forma inesperada e repentina, invadiu a via de trânsito por onde circulava o veículo pesado;
g)- O condutor do ciclomotor não sinalizou a sua intenção de executar a manobra referida na alínea f);
h)- O condutor no veículo pesado não teve tempo para impedir o embate;
i)- Antes da ocorrência do embate, o condutor do veículo pesado desviou a trajetória da viatura para a via localizada à sua esquerda, a fim de evitar o embate;
e)-O ciclomotor circulava à direita do veículo pesado;
f)O ciclomotor, de forma inesperada e repentina, invadiu a via de trânsito por onde circulava o veículo pesado;
g)O condutor do ciclomotor não sinalizou a sua intenção de executar a manobra referida na alínea f);
h)O condutor no veículo pesado não teve tempo para impedir o embate;
i)Antes da ocorrência do embate, o condutor do veículo pesado desviou a trajetória da viatura para a via localizada à sua esquerda, a fim de evitar o embate;

Estes factos que pretende se dêem como provados apenas, no essencial corporizam a versão que a R. veicula na contestação sobre a dinâmica do acidente, mas, como vimos, sem qualquer apoio nos meios de prova produzidos, muito em particular dos depoimentos das testemunhas FM e TV.
Improcede, pois, in totum o recurso de facto esgrimido pela R..

II.2.2Apreciação jurídica.

As questões suscitadas pela recorrente quanto à causa do acidente e quanto aos danos não patrimoniais, no essencial caem pela base, porquanto soçobra a versão factual do acidente por ela narrada, bem como a pretensão da mesma de não verificação dos danos não patrimoniais.
Subsistem, pois, para resolver as questões da pretendida redução dos valores arbitrados pela perda do bem vida e a título de danos não patrimoniais.

II.2.2.1. Quanto à pretendida redução do valor arbitrado pela perda do bem vida

A seguradora pretende que seja reduzido o valor da condenação, a este título, para a quantia de 50.000,00 €.

Convoca em seu apoio diversos Acórdãos do S. T. J., como sejam de 20.09.2007, 18.10.2007, 30.10.2007, 14.02.2008, 30.10.2008, 18.11.2008, 12.02.2009, 05.02.2009, 07.07.2009, 09.09.2009 e 24.11.2009.

Por seu turno, a recorrida vale-se de jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, aliás, bem mais recente, fazendo apelo a Acórdãos proferidos em 12.09.2013 (onde se fixou uma indemnização na ordem dos 65.000,00 €), em 29.10.2013 (onde se dá conta da evolução das balizas entre as quais oscilam os valores atribuídos a título de indemnização pela perda do bem vida (entre 50.000,00 € e 80.000,00 €, chegando mesmo a 100.000,00 € para jovens), e em 15.09.2016 (com idêntica informação).

Salvo o devido respeito, não consideramos válido o fundamento da seguradora, porquanto a mais recente jurisprudência publicada, inclusivamente do Supremo Tribunal de Justiça, amplia, em boa medida, a baliza em que a recorrente pretende estacionar o valor da indemnização pela perda do bem vida.

A este título, citamos, entre muitos outros, o Ac. S.T. J. proferido na Revista n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, de 08.06.2017, relatado pela Excelentíssima Conselheira Maria dos Prazeres Piçarro Beleza, onde se escreveu que:
É exacto que o direito à vida é o mais valioso de todos os direitos, os valores indemnizatórios que os tribunais vêm atribuindo por morte - […] na maioria dos casos oscilam entre os 50.000,00 € e os 80.000,00 €.

Idêntica informação se deixou plasmada no Ac. S. T. J. proferido na Revista 2567/09.0TBABF.E1.S1, de 08.06.2017, também relatado pela mesma Ilustre Conselheira Maria dos Prazeres Beleza.
No sentido da fixação em 80.000,00 € do montante indemnizatório pela perda do direito à vida, pronunciou-se também o Ac. S. T. J. proferido na Revista 294/07.0TBPCV.C1.S1, de 16.03.2017, relatado pela Excelentíssima Conselheira Maria da Graça Trigo.
Deste mesmo aresto colhe-se o seguinte trecho que, a nosso ver, esclarece esta situação:
Relativamente aos parâmetros indemnizatórios seguidos quanto à perda do direito à vida (ou dano morte), socorremo-nos da breve síntese explanada no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/11/2016 (proc. n° 6/15.5T8VFR.P1.S1), in www.dgsi.pt:
"A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em www.dgsi.pt, onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre € 40 000,00/8.000.000$00 e € 50 000,00/10.000.000100.

Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.0TBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.)."

Também no Ac. S. T. J. proferido na Revista 6/15.5T8VFR.P1.S1, de 03.11.2016, rel. pelo Exc. Cons. Joaquim Piçarra,
A reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00.”
Por conseguinte, não se nos afigura argumento razoável que implique a contrariedade do valor encontrado pela Mm.ª Juíza, o qual não nos merece, pois, qualquer reparo.

II.2.2.2.Quanto à pretendida redução do valor arbitrado a título de danos não patrimoniais

A recorrente entende que não há qualquer conexão entre o montante indemnizatório e os elementos probatórios juntos aos autos, visto que os autores não lograram provar sequer a existência de danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito.
Por seu turno, os autores convocam a matéria provada sobre os pontos v), x) e z), daí retirando que esses mesmos factos são “reconduzíveis a profundos danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos”.

O raciocínio em que a Mm.ª Juíza estriba os valores a que chegou a título de indemnização por danos não patrimoniais, centrou-se em torno de casos colhidos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos Acs. proferidos na Revista n.º 1975/04.6TBSXL.S1, de 07.01.2010 (Excelentíssimo Conselheiro Oliveira Rocha) – que relata um caso em que a vítima (falecida em consequência de acidente de viação para o qual não contribuiu – mantinha com a mulher e os filhos do casal uma relação de grande afecto, tendo-se reputado justa e equitativa a quantia de 20.000,00 € a cada um dos autores, a esse título; também na Revista n.º 467/1998.G1.S1, de 20.05.2010 (Excelentíssimo Conselheiro Ferreira de Sousa) se chegou a idêntico valor – num caso em que o decesso dos pais dos autores ocorreu quando estes eram crianças; também na Revista n.º 1207/08.8TBFAF.G1.S1, de 07.07.2010 (Excelentíssimo Conselheiro Alberto Sobrinho), num caso em que a vítima, com 53 anos, vivia com a sua mulher e três filhos em ambiente de cordialidade, dedicação e carinho, unidos por laços de afeição e amor, ajudando-se mutuamente, se fixou idêntica quantia para compensar o sofrimento dos familiares; também na Revista n.º 25/06.2TBFLG.G1.S1, de 22.02.2011(Excelentíssimo Conselheiro Paulo Sá), se alude a um caso de atropelamento mortal da vítima, marido e pai, que integrava uma família alargada onde reinava harmonia, respeito, união, carinho e amor, sendo a vítima elemento fulcral dessa família, caso este em que à viúva da vítima foi fixado um valor de 25.000,00 € e, a cada um dos filhos, de 20.000,00 €; idêntico valor foi fixado na Revista n.º 3301/07.3TBBCL.G1.S1, de 27.10.2011 (Excelentíssimo Conselheiro Granja da Fonseca), que relata um caso em que a vítima integrava uma família harmoniosa e feliz e que os filhos, com 18 e 20 anos à data do acidente, sofreram um profundo e grave desgosto com a morte do pai.

Afigura-se-nos, sem margem para dúvida razoável, que o caso foi bem decidido pela primeira instância, uma vez que, como atrás se disse, no que refere à fundamentação da matéria de facto, a perda da vida de uma familiar tão próxima como é a mãe importa um profundo desgosto e é passível de angústia, sofrimento, tristeza e perturbação.

Essa reacção humana perante a perda da mãe é tanto mais grave quanto é certo que os autores eram ainda jovens (com 24 e 28 anos) e que para a data do acidente encontrava-se agendado o casamento da vítima, o que naturalmente transformou um dia de celebração em dia de consternação, sendo certo que os autores mantinham com sua mãe uma estreita e profunda ligação familiar, não obstante não viverem com ela em Portugal.

Parece-nos, assim, que bem andou a primeira instância, ao fixar a este título o montante de 20.000,00 € para cada autor, em obediência aos critérios legais postos nomeadamente nos artigos 496.º, n.º 4, conjugado com o artigo 494.º, ambos do Código Civil.

III.Decisão.

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, na improcedência da apelação, confirma-se inteiramente a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.



Lisboa, 19 de Setembro de 2017



Maria Amélia Ribeiro
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo