Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
142/09.7TCFUN.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O direito à informação prevalece sobre o direito ao bom nome e reputação, quando a notícia reveste interesse público e se encontra factualmente fundamentada.
II. A linguagem satírica, mesmo acintosa e desagradável, é uma linha de formulação de crítica social que merece proteção no âmbito da liberdade de expressão.
III. Extravasa os limites da liberdade de imprensa e de expressão a imputação, descontextualizada e desprovida da indicação de fundamentos, de financiamento ilegal de um partido político, assim como é ilícita a notícia, inventada, de que a PJ havia recebido um CD em que figuravam duas contabilidades, uma falsa, para ser apresentada às Finanças, e outra real, para uso dos administradores da empresa.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:



I. RELATÓRIO:

Em 09.3.2009 Luís... intentou na Vara Mista do Funchal ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Gil..., Eduardo..., José... (inicialmente identificado, na petição inicial, como “Jorge”) e P. Lda.

O A. alegou, em síntese, que Gil... e Eduardo... são, respetivamente, Diretor e Diretor Adjunto do jornal quinzenário “Garajau”, pertencente à 4.ª R.. Em 15.12.2006, 23.3.2007, 19.10.2007 e 02.11.2007 no aludido jornal foram relatados factos falsos e emitidos juízos que, para além de falsos, são profundamente depreciativos e injuriosos, ostentando um tom de inaceitável desconsideração do A. e demonstrando a existência de uma campanha caluniosa deliberada contra a pessoa do A.. Tais textos causaram ao A. danos não patrimoniais, cuja compensação o A. reclama.

O A. terminou pedindo que os RR. fossem solidariamente condenados a pagarem-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante global de € 250 000,00, acrescidos dos juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da prática dos ilícitos e até integral pagamento.

Os RR. contestaram, defendendo que os mencionados textos publicados no Garajau em 15.12.2006, 19.10.2007 e 02.11.2007, para além de estarem sustentados em factos e opiniões que os suportam, se contextualizados e inseridos no próprio estilo do Garajau, não transportam consigo qualquer carga ofensiva de eventuais direitos de personalidade do A., inserindo-se no contributo que o Garajau tem dado à liberdade de informação e de expressão como pilares da democracia e enquanto instrumentos imprescindíveis de regulação da vida social. Quanto à frase (“banda”) publicada na edição do Garajau de 23.3.2007, nada tem a ver com o A. nem pode ser interpretada como se referindo a ele.
Os RR. concluíram pela improcedência da ação e sua consequente absolvição do pedido.

O A. replicou, reiterando a sua pretensão.

Em 10.11.2010 realizou-se audiência preliminar, em que foi proferido saneador tabelar e procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e à matéria de facto controvertida.

Os RR. reclamaram da base instrutória, pretendendo o aditamento à mesma do teor de alguns dos artigos da contestação, reclamação essa que foi indeferida.

Em 25.10.2012, após se constatar que se mostrava registada a dissolução e o encerramento da liquidação da 4.ª R., pelo que esta se encontrava extinta, determinou-se que esta R. seria substituída na lide pelos 1.º e 2.º RR., que eram sócios e gerentes da sociedade Ré.

Procedeu-se à audiência final, em sessões realizadas em 21.11.2013, 24.01.2014, 04.4.2014 e 22.5.2014.

Em 03.7.2014 foi proferida sentença, em que se julgou a ação procedente por provada e consequentemente condenou-se os três primeiros réus, solidariamente, no pagamento ao A. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 30 000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

Os RR. Eduardo... e Gil..., por si e enquanto substitutos no processo da sociedade R. já extinta, apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:

I - Vem o presente recurso da sentença que condenou os ora recorrentes, solidariamente, no pagamento ao A. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 30 000 euros acrescida de juros.
II - A sentença de que se recorre tem um inaceitável efeito intimidatório, consagrando uma total incompreensão da liberdade de expressão e de informação numa sociedade democrática, violando o disposto nos art.9 37.º, 38.º e 18.º da nossa Constituição, 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 483.º e 484.º do Código Civil.
III — Errou o tribunal "a quo" ao não incluir na Base Instrutória a matéria alegada nos art.ºs 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 94.º, 95.º, 97.º, 98.º (absolutamente essenciais!), 100.º, 123.º, 124.º, 132.º, 133.º, 152.º, 154.º, 155.º, 156.º, 157.º, 158.º, 159.º, 162.º, 165.º, 166.º, 167.º, 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º e 173.º da contestação., factualidade que, por ser relevante para a boa decisão da causa deverá agora ser aditada bem como qualquer outra que o tribunal da "ad quem" considere relevante nos termos do art.º 662.º do CPC.
IV — O tribunal errou, também, ao ter optado por uma concepção objectiva dos factos ofensivos do bom nome considerando que os textos publicados no Garajau eram por si só susceptíveis de ofender o bom nome do A., não atendendo ao circunstancialismo que estava intimamente ligado aos mesmos e que justificava plenamente a sua publicação
V — Na verdade, o tribunal "a quo" devia ter tido em conta na decisão proferida, o que não fez, o manifesto interesse público da matéria em causa, as notícias publicados no jornal "Diário de Notícias - Madeira" dos dias 26, 27, 28, 29 e 30 de Junho e 3, 5, 6, 11, 12, 19 e 20 de Julho de 2001, 22 de Março e 17 de Abril de 2002 e 16 de Julho de 2003, a notícia do jornal SOL de 8 de Dezembro de 2006, os relatório da Policia Judiciária e do NAT e o despacho de arquivamento do Ministério Público, o teor da totalidade dos artigos de onde são retirados os excertos que fundamentam a condenação dos RR. bem como o facto de os RR. Eduardo... e Gil... terem recebido de Paulo..., trabalhador eventual no Porto do Funchal de 1993 a 2003 um CD contendo dois balanços contabilísticos distintos da ETP, tendo entrevistado os trabalhadores eventuais do porto do Funchal.
VI — Por outro lado, deveria o tribunal "a quo" ter considerado que no confronto entre a liberdade de expressão e informação dos RR. e o bom nome do A., tinham particular relevância as liberdades informativas que só poderiam ser restringidas em caso de ataques gratuitos contra o A. – que não ocorreram -, inevitavelmente uma figura pública face às funções desempenhadas e às actividades por si desenvolvidas e, assim, sujeito ao escrutínio público.
VII — Resulta da leitura dos artigos do "Diário de Notícias — Madeira" e do jornal "SOL" bem como do relatório da Polícia Judiciária e do NAT e o despacho de arquivamento do Ministério Público a existência de uma complexa e opaca teia de empresas, interesses e entidades – off-shores incluídas - de que o A. é um elemento fulcral que se alimentam dos elevados custos das operações portuárias no Funchal e que têm diversas práticas irregulares, suspeitas e, mesmo, de forma indiciária ilícitas e com carácter criminal.
VIII — Toda essa prova, por si só, devia ter levado o tribunal a absolver os ora recorrentes por os artigos em causa em nada colidirem com a dignidade ou a vida privada do A., antes cumprindo um dever/direito de informar.
IX — Errou o tribunal "a quo" ao não ter minimamente em conta o carácter sarcástico, jocoso e satírico do jornal GARAJAU e a sua diminuta dimensão e reduzidos meios.
X — Os artigos e os excertos em causa nos presentes autos são absolutamente legítimos como decorre da numerosa jurisprudência nacional sobre esta matéria (cfr. por todos o Ac. do STJ de 30/06/2011, relatado pelo conselheiro João Bernardo e publicado em www.dgsi.pt) e da vasta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem reiteradamente salvaguardado, de uma forma muito ampla, o direito de crítica às figuras públicas — como é o caso do A. -, quando estão em causa assuntos de relevante interesse público.
XI - Como refere Manuel da Costa Andrade, "A liberdade de expressão pode valer como causa autónoma e directa de justificação a título de exercício de um direito em relação aos atentados típicos à honra sob a forma de juízos de valor." (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, p. 270) ou, ainda, Jónatas Machado, "... uma protecção constitucional robusta da liberdade de expressão no seio de uma sociedade democrática não assenta, de forma alguma, no postulado de que a comunicação é sempre inócua e inofensiva, justificando-se mesmo apesar do carácter ofensivo e danoso de certos conteúdos expressivos." (Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, Coimbra Editora, 2002, p. 748).
XII - Saliente-se que quanto às opiniões ou juízos de valor não é aplicável o art.° 484.º do Código Civil que prevê a divulgação de factos e não de opiniões.
XIII - Os Recorridos, sem prejuízo das características próprias do GARAJAU, cumpriram o esforço de objectividade, tendo-se baseado em fontes credíveis e cometido eventuais lapsos absolutamente aceitáveis tendo em conta os seus limitados meios e a imensa complexidade e opacidade das empresas de que o A. é parte e responsável, sendo certo que tais erros ou lapsos são absolutamente irrelevantes quanto à pretensa honra ofendida do A.
XIV - Deverá ser alterada a. resposta dada aos art.° 12.º, 13.°, 28°
e 30° da Base lnstrutória, que deverão passar a ser considerados Não provados" tendo em conta toda prova documental produzida e ainda o depoimento das testemunhas.
XV — Inexiste, no caso presente, qualquer necessidade social imperiosa de restringir a liberdade de expressão e de informação dos RR., ora recorrentes, não estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil pela inexistência de acto ilícito e, mesmo, de danos causados pelos excertos em causa dos artigos jornalísticos, pelo que a sentença sob recurso viola o disposto art.ºs 37.º, 38.º e 18.º da nossa Constituição, 10.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 483.° e 484.° do Código Civil.
XVI — Deverá, assim a sentença sob recurso ser revogada e os recorrentes absolvidos ou, se assim não se entender, revogada a sentença, aditando-se à base instrutória toda a matéria que não foi quesitada e ordenada a realização de novo julgamento, sempre sendo de considerar manifestamente excessivo o valor indemnizatório arbitrado absolutamente inibitório do uso da liberdade de expressão tanto pelos recorrente como pelos jornalistas em geral.

O A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO:

As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; conflito entre o direito à honra e consideração do A. e a liberdade de expressão e de informação, invocadas pelos RR.; alargamento da base instrutória; valor da indemnização fixada.

Primeira questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte.

Matéria de facto:

A. O jornal “Garajau” é um quinzenário que se publica na Região Autónoma da Madeira e que se auto intitula de “sério e cruel”;
B. Os réus Gil... e Eduardo... são, respectivamente, director e director adjunto do referido jornal, sendo, nessas qualidades, responsáveis pelas suas edições, tendo trabalhado nas edições desse jornal que foram publicadas em 15/12/06, 23/03/07,19/10/07 e 02/11/07;
C. A sociedade “P Lda.”, é a proprietária do referido jornal;
D. No dia 15 de Dezembro de 2006, o jornal “Garajau” publicou um artigo intitulado “O Porto já está a arder!”, junto por cópia a fls. 56 a 57 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E. Nesse artigo, reportado a um processo de inquérito que se encontrava, à época, em segredo de justiça, afirmava-se, no essencial, que o Ministério Público já teria recolhido prova suficiente da prática de crimes na administração da ETP/RAM, entre outras pessoas, também pelo aqui autor e que, face a essa prova recolhida, o Ministério Público se aprestava a produzir acusação;
F. Nele se referiu ainda que “o Garajau teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas finanças, outro, real, para orientação interna dos administradores”.
G. Para além do título, do destaque e do texto da notícia foi ainda publicada uma fotografia do autor juntamente com outros administradores da ETP;
H. O Inquérito veio a terminar com um despacho de arquivamento;
I. A ETP é uma associação de direito privado que não detém qualquer tipo de natureza pública, estatutária ou legalmente, conforme já declarado pelo Governo Regional da Madeira;
J. No dia 19 de Outubro de 2007, o “Garajau” publicou a notícia junta por cópia a fls. 98 a 102, inclusive, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais e devidos efeitos;
K. Aí, na primeira página do jornal, em destaque escreveu-se “OPM APANHADA – Afinal o despacho de arquivamento do MP, relativo ao caso do porto, ainda tem muita “pedra” para roer. Sousas voltam a meter a viola no saco…”;
L. A reportagem jornalística intitulava-se “BALDE DE ÁGUA – Afinal nem tudo são rosas no arquivamento do caso do “Porto do Funchal”. O MP manda extrair certidões da OPM e entala os “Sousas, Pedras & Companhia“;
M. A ilustrar a notícia pode vislumbrar-se a imagem/ilustração de uma grande pedra – denominada “MP”, que caía em direcção ao Porto do Funchal, onde se escreveu a seguinte afirmação: “Mais um “pedragulho” cai do céu em direcção à OPM”;
N. No corpo da notícia podiam ler-se afirmações como: “o famoso processo do porto do Funchal ainda não acabou (…) Agora é que vai começar. É verdade que o MP mandou arquivar o processo relativamente à ETP (Associação Portuária da Madeira – Empresa de Trabalho Portuário) e aos respectivos administradores e funcionários, mas no despacho da magistrada que analisou o caso, são mandadas extrair certidões que encalacram a OPM do Grupo Sousa e de familiares de David Pedra. Desta forma, os galos que cantaram antes de alvorada, bem podem baixar o pio, que, neste caso, ainda há muita “pedra” para moer e “milho em grão” para digerir”. Agora é que se vai iniciar uma verdadeira “roda dos tormentos” para a OPM e seus administradores: o MP voltou a remeter para a PJ a prova recolhida para mais investigações e, como, sabem os arguidos “Sousa, Pedra & Companhia”, a PJ não é para graças”.
O. Na crónica dessa mesma edição, intitulada “Editorial”, da autoria de Gil..., podem ler-se afirmações como “Há cerca de seis anos, o Diário de Noticias, sentindo um apelo da própria sociedade madeirense, iniciou a maior investigação jornalística que há memória e na qual se revelaram publicamente inúmeras “maroscas”, que levaram o MP a abrir um inquérito, tal era a gravidade dos factos noticiados. (…) “na madeira existe uma atrevida e cruel ave que sobrevoou o dito despacho de arquivamento e descobriu que a OPM, os Sousas, os Pedras & Cia. Lda. estão bem presos nas garras da Justiça. Foram-se as chorudas indemnizações, chegaram as dores de cabeça.”
P. Em 2 de Novembro de 2007, o quinzenário “Garajau” publicou a notícia junta por cópia a fls. 104 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrada, intitulada “A MONTANHA MOVE-SE”, onde se escreveu, citando-se um artigo assinado por Graça..., publicado no semanário “SOL”, “Um dos casos que deverá ser avaliado (…) é o do polémico arquivamento do processo do Porto do Funchal, que investigou as actividades da ETP e da OPM. A polícia judiciária propôs que fosse proferida acusação contra os principais envolvidos mas o MP decidiu arquivar o processo contra uma dessas empresas, a ETP, por entender que o facto de ela não ter renovado o estatuto de utilidade pública impedia a acusação pelos crimes em causa, entre os quais o de peculato. A PJ, porém alertava no relatório final que a não renovação da utilidade pública poderá ter servido precisamente para fugir à justiça” conclui o artigo;
Q. No seu final, escreveu-se nesse artigo, “tudo razões, que reforçam a tese do Garajau de que os Sousa e Pedras cantaram “de galo” demasiado cedo, pois parece que muita água ainda vai correr por debaixo das pontes, ou melhor, neste caso, por debaixo dos cascos dos navios”;
R. No dia 23 de Março de 2007 o “Garajau” publicou um texto em banda desenhada, na respectiva página 4, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado, com o seguinte conteúdo: “descarregar um navio no caniçal é igual que descarregar uma “palhete” de dinheiro na fundação laranja”;
S. O autor, sendo o Presidente do Conselho de Administração da OPM, é o responsável máximo pela respectiva gestão;
T. Na sequência da demissão do Governo da Região Autónoma da Madeira foram convocadas, por Sua Excelência o Presidente da República, eleições regionais para o dia 6 de Maio de 2007;
U. Em época de eleições, os partidos políticos concorrentes despendem avultadas quantias nas respectivas campanhas eleitorais, tendo necessidade de mobilizar os apoios necessários a garantir a satisfação dessas despesas;
V. O Autor é gestor de um grupo económico de elevada relevância na economia nacional, com participações em algumas das maiores empresas nacionais;
W. De acordo com o seu estatuto, junto por cópia a fls. 184 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para os devidos efeitos, o “Garajau”: É um órgão de informação não diário e regional, que informa utilizando os géneros literários e jornalísticos do humor, da ficção e da sátira, através de instrumentos de crítica como o sarcasmo, a caricatura e a hipérbole; estabelece, assim, um compromisso óbvio e inequívoco de natureza humorística, ficcional e satírica entre si e os seus leitores; utiliza a ficção, o humor e a sátira com o objectivo de divertir, consciencializar e incentivar o debate de ideias e de participação cívica dos cidadãos e o respeito pelos princípios que presidem a uma sociedade aberta, plural e democrática; é apartidário, não dependendo de nenhuma ordem ou poder ideológico, religioso, social, político e económico, nem de qualquer interesse particular; é por natureza, um jornal contra o poder e o sistema instalados, irreverente e em permanente desassossego; sem prejuízo da sua óbvia e predominante natureza humorística, ficcional e satírica, informa, também, a título excepcional, segundo critérios de objectividade, rigor e transparência, sempre com respeito pelas liberdades, direitos e garantias individuais de cidadãos e instituições;
X. À data da publicação dos textos objecto desta acção o Garajau vendia, em média, cerca de 500 exemplares por edição;
Y. As notícias e opiniões publicadas no DN e em outros meios de comunicação social foram objecto de tratamento jornalístico por parte de distintos meios de comunicação social, como por exemplo nos juntos por cópia a fls. 191 a 218 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais e devidos efeitos;
Z. Luís..., Secretário ... do ...–Madeira, em 5/7/2001, publicou um texto num desses jornais, sob o título “Santa Paciência” onde se pode ler «O “DN” local – que teve o mérito de abrir um debate que há muito se exigia... ter o Governo Regional decidido... autoria externa ao funcionamento da ETP (...) penso que poderia e deveria tê-lo feito mais cedo, impedindo deste modo que a economia da região fosse prejudicada por comportamentos que indicam práticas passíveis de uma firme actuação judicial ao mais alto nível (...) o Governo Regional não pode mais, a partir de agora, tolerar a degradação, o oportunismo, a pouca vergonha que parece caracterizar alguns aspectos da gestão do porto do Funchal (…) o lado mais desconhecido da actividade portuária regional, pelos vistos caracterizada por uma teia muito complicada de interesses cruzados (...) falamos de um polvo cujos tentáculos estranhamente sobreviveram durante anos sem que ninguém se tenha incomodado ou intervindo – gerarem rendimentos inexplicáveis e riquezas que ofendem a maioria esmagadora dos madeirenses e nada têm que ver com o lucro empresarial (...) na Madeira há apenas um porto regional com movimento de mercadorias, situação que impede qualquer perspectiva de concorrência, na medida em que o “status quo” permite o recurso a atitudes abusivas e quiçá inexplicáveis formas de exploração e de especulação... pouca vergonha que se passa no porto... efeitos de uma libertinagem... nem o Ministério Público pode ficar indiferente.
AA. Em 3 de Junho de 2001, publicou uma outra notícia sob o título “ESTRANHO PORTO…”, juntos por cópia a fls. 219 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais e devidos efeitos, onde pode ler-se “...Considero que o Governo Regional não pode encarar da mesma forma o que se passa no porto...não pode ficar refém de interesses, de comportamentos indignos, de actos de duvidosas legalidade ou do primado do lucro fácil, obviamente sempre à custa do bolso dos madeirenses... não pode haver paninhos quentes... ou se actua perante a evidência... ou acaba por ser arrastado para uma situação de cumplicidade...”;
BB. No Semanário o “Sol”, de 8 de Dezembro de 2006, foi publicado um artigo da jornalista Graça..., onde foi noticiado que o “…famoso processo de investigação criminal iniciado em 2001 pelo MP ao Porto do Funchal já tem sete arguidos, sendo os mais importantes Luís..., David... e Cristina.... Agora, falta formalizar a acusação e provavelmente será alargado o número de arguidos …”;
CC. Os Estatutos da “AGMOP/RAM – Associação de Gestão de Mão de Obra Portuária dos Portos da RAM foram alterados parcialmente através de escritura pública junta por cópia a fls. 220 a 222, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para os legais e devidos efeitos;
DD. Os réus Gil... e Eduardo... são os responsáveis pela linha editorial do “Garajau” e pela maioria das peças que nele são publicadas sem autoria assumida;
EE. A fotografia referida em G) e publicação respectiva não foram autorizadas pelo autor;
FF. Com a publicação dessa fotografia visou-se o reconhecimento público do autor como um dos responsáveis pela prática dos crimes cometidos na ETP/RAM e que seriam objecto de acusação pelo Ministério Público, desse modo se dando “rosto à notícia” e ampliando os seus efeitos;
GG. Quem lesse a notícia publicada pelo Garajau concluiria que, de uma investigação, se tinha apurado com um tal grau de certeza que determinaria uma acusação do M.P. que a ETP, os seus administradores, directores e funcionários teriam forjado os balanços contabilísticos que vieram a ser apresentados às Finanças;
HH. Dispondo de outros, esses reais, para os orientar na gestão, o que constituiria a prática por todos eles de vários crimes de natureza pública que, a terem-se verificado, determinariam uma acusação do Ministério Público;

II. A aludida prática, para além de configurar crimes de natureza pública, deixaria uma suspeição geral sobre o comportamento do Autor enquanto gestor já que constitui um procedimento comum nos designados crimes de “colarinho branco”;
JJ. Nunca existiram na ETP dois balanços, um oficial e outro real e não foi apreendido qualquer CD com um balanço fictício, tendo as suas noticiadas existência e apreensão sido inventadas pelos réus;
KK. A ETP não recebe, nem gere fundos públicos, com proveniência no Estado ou na Administração Regional, podendo, por isso, ser gerida com total autonomia pelos seus administradores, celebrar os contratos com quem a administração entender e mobilizar os meios e dispor dos recursos como a sua gestão julgar mais adequado, não estando sujeita a normas específicas de contratação ou a procedimentos concursivos;
LL. Com a publicação das notícias, reportagem, crónica e texto referidos em D., J., O., P. e R. a intenção do “Garajau” e dos respectivos responsáveis foi a de manterem um juízo de suspeição sobre o autor quanto à prática, por ele, de factos de natureza criminal [texto que adiante irá ser alterado];
MM. Sabendo que o autor não tinha praticado nenhum crime, que o processo fora arquivado e conhecendo a natureza privada da OPM, os réus não hesitaram em manter o aludido juízo de suspeição sobre o autor, insinuando numa das referidas notícias que o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público fora “dolosamente errado” para favorecer o autor e os outros arguidos [texto que adiante será eliminado];
NN. A frase referida em R) imputa à empresa que efectua as descargas dos navios no porto do Caniçal um comportamento ilegal de financiamento de uma fundação ligada ao Partido ... (...) ou mesmo do próprio ...;
OO. Qualquer cidadão médio comum identifica o laranja com o ... e foi com esse sentido partidário que a expressão foi utilizada no “Garajau”;
PP. A Operadora Portuária da Madeira é a única empresa de estiva, activa, que assegura as operações portuárias na Região, efectuando as descargas dos navios no Porto do Caniçal;
QQ. Facto que é do conhecimento generalizado dos cidadãos residentes na Madeira e mais dos responsáveis do jornal “Garajau”;
RR. Qualquer decisão de afectação ilegal do dinheiro obtido por essa empresa através do pagamento dos serviços por ela prestados de descarga dos navios, seria sempre da responsabilidade do autor, atentas as funções que nela exerce;
SS. A afirmação/insinuação constante do texto/frase em causa, imputa ao autor um comportamento violador da lei e sugere uma ligação estreita na relação entre ele, as empresas por si dirigidas e o partido político que tem exercido o poder nesta Região;
TT. Essa frase foi assim interpretada por todos os leitores do “Garajau”;
UU. Ao ler essa frase ninguém teve dúvidas ou se questionou sobre o respectivo significado, já que “Descargas de navios é igual a OPM”, e “Fundação ... é igual a ...”, partido no poder na Região Autónoma da Madeira;
VV. Nenhum leitor médio do “Garajau” poderia, com os elementos fornecidos pela frase, fazer qualquer outro raciocínio que não o antes referido, o que os réus conheciam e quiseram;
WW. O autor é um respeitado empresário, sendo a sua competência como gestor e a sua credibilidade como empresário sério e responsável reconhecidas por todos os seus colegas, subordinados e parceiros de negócio;
XX. As apontadas qualidades – competência, seriedade, rigor, credibilidade – constituem pressupostos essenciais para o sucesso na actividade económica num contexto de grande exigência e competitividade, em que o valor da confiança é crucial nas relações com os outros agentes económicos, sejam eles parceiros de negócios, clientes, fornecedores, entidades financeiras de suporte, entidades reguladoras do mercado, ou o Estado nas suas diversas estruturas componentes;
YY. A suspeição de que o autor, no exercício da sua actividade empresarial, pode recorrer a esquemas fraudulentos como elementos financeiros falseados em sede de balanços, à prática de crimes, ou à troca de favores por recurso a financiamentos ilícitos mina a credibilidade e afecta a confiança que os outros nele depositam, quer na sua qualidade de administrador de diversas empresas, quer na sua qualidade de accionista de grandes empresas onde as suas intervenções são sempre no sentido de incutir grande exigência e rigor na respectiva actuação;
ZZ. A criação dessas suspeições com o consequente prejuízo para o autor, foram factos desejados pelos réus responsáveis pelo “Garajau” [texto adiante eliminado];
AAA. Os réus, ao produzirem e/ou publicarem as afirmações constantes dos artigos, colunas de opinião, títulos, destaques, subtítulos e banda desenhada ajuizadas agiram de forma livre, voluntária e consciente, querendo ofender o autor na sua honra, consideração e bom nome e obtiveram tal resultado [texto adiante alterado];
BBB. Os Réus ignoraram decisões judiciais de arquivamento e persistiram na sua conduta, em várias edições seguidas do “Garajau” [texto adiante eliminado];
CCC. O autor é conhecido por ser um profissional íntegro, de grande carácter e elevação moral, tendo sido tais qualidades postas em causa pelas notícias mencionadas;
DDD. Os réus sabiam em que circunstâncias estavam a divulgar as notícias ajuizadas, o reconhecimento público que isso determinaria para o autor na ilha da Madeira, que isso o sujeitaria a julgamento mediático, o tornava vulnerável e o afectaria na sua dignidade pessoal, no seu prestígio social e profissional, no seu bom nome e na sua moral familiar;
EEE. As afirmações, insinuações, suspeições noticiadas no “Garajau” a que os autos se reportam visaram criar e criaram junto do público em geral, sobretudo na Região Autónoma da Madeira, onde o autor tem sedeada a sua vida pessoal, profissional, familiar e social, uma ideia de que o Autor, estaria associado a práticas fraudulentas, de natureza criminal, que essas práticas já teriam sido apuradas pelo Ministério Público e que o autor iria ser acusado, ou mesmo já depois de ter sido inocentado com um despacho de arquivamento que a investigação prosseguiria agora com outro resultado, ou que o primeiro processo seria reapreciado por ter sido mal arquivado, ou ainda que seria capaz de recorrer à corrupção e ao tráfico de influências para concretizar os seus objectivos [texto adiante alterado];
FFF. Os réus actuaram com o propósito permanente de apregoar, independentemente de quaisquer que fossem os contornos que o processo “Porto do Funchal” revestisse, que o autor e outros ex-arguidos desse processo eram autores de vários crimes, manipulando a opinião pública sobre todos os incidentes do processo, de forma a incitar a um “julgamento público sumário com uma única sentença, culpados” [texto adiante eliminado];
GGG. Na esfera profissional, o autor construiu, por mérito e esforço seu, ao longo dos anos, uma reputação de grande integridade e competência na área da gestão e administração de empresas, pautando-se sempre por uma grande exigência, quer no cumprimento escrupuloso das normas legais, quer na observância de regras prudenciais na gestão;
HHH. É, mercê da sua actividade empresarial, figura pública e reconhecida na Madeira;
III. Os réus, ao publicarem as notícias ajuizadas, ignoraram o percurso profissional do autor, as suas competências, a forma como exerce as suas funções e a sua fama de empresário honesto;
JJJ. Estas notícias com indicação de nome próprio, criaram uma imagem negativa do autor que não se apaga mesmo com a reposição da verdade e da justiça;
KKK. O autor, como consequência directa e necessária destes factos, sentiu uma enorme revolta, muita indignação e alguma impotência;
LLL. Perante essa impotência e essa impossibilidade de reacção adequada e eficaz, o Autor sofreu angústia, depressão e ansiedade;
MMM. Sendo um empresário conhecido, o reflexo das notícias foi universal no que à Madeira concerne, tendo tido também repercussão em Portugal Continental, sobretudo no meio empresarial, determinando que vários parceiros de negócios o tivessem confrontado com a veracidade das notícias;
NNN. Os portos e os sindicatos dos trabalhadores portuários, a sua organização, o seu funcionamento e, designadamente, a gestão do trabalho portuário realizada pela ETP em que o autor é um dos administradores, assumem fundamental importância económica na Região Autónoma da Madeira, já que por esses portos transita a quase totalidade do comércio externo;
OOO. É o que acontece com o Porto do Funchal, hoje, no Caniçal, onde é movimentada a quase totalidade das mercadorias importadas e exportadas pela RAM;
PPP. O Autor conhece, melhor que ninguém, que, desde 1991, existe na RAM apenas um operador portuário a exercer, em exclusividade, a actividade de estiva (ou operação portuária), e que esse operador é a OPM.

O tribunal a quo julgou NÃO PROVADOS os seguintes:

Factos:

1. O “Garajau” é o quinzenário mais lido da Madeira e, por esse motivo, o autor receou as implicações negativas que as notícias nele publicadas, a que os autos se reportam, teriam nos juízos de valor que os leitores fariam do seu carácter;
2. Tendo sido sempre escolhido pelos seus pares para exercer funções directivas nas associações empresariais, o autor enfrentou tomadas de posição desfavoráveis à sua permanência nesses cargos face às notícias divulgadas pelo “Garajau” que iam dando conta da prática de factos graves que suscitariam a sua acusação como responsável pela prática de crimes;
3. Cristina..., Directora Técnica da “ETP – Empresa de Trabalho Portuário da Madeira”, é, nessa qualidade, a responsável pela conformidade dos procedimentos contabilísticos adoptados nessa empresa;
4. O autor, David... e familiares deste, de forma directa ou através de sociedades comerciais, mantinham com a “OPM” e a “ETP” relações jurídicas e negociais nas qualidades de contabilistas, sindicalistas, administradores, sócios e prestadores de serviço;
5. A administração da “ETP” e a sua Assembleia Geral, até há pouco tempo, eram formadas, pelo menos, por representantes, em partes iguais, do Governo Regional da RAM, dos Sindicatos e da ”OPM”;
6. Com o conhecimento da administração da ETP e do autor, trabalhadores eventuais eram contratados por essa empresa para a execução de tarefas compreendidas na operação portuária e foram cedidos por ela para serem utilizados em obras particulares do seu administrador David... e da própria OPM;
7. A ETP não pagava a retribuição devida aos trabalhadores eventuais, para além de estes terem uma retribuição que não atingia, por trabalho igual, uma terça parte da dos efectivos;
8. Havia familiares do administrador da ETP, David Pedra, com cargos ou funções importantes na empresa da ETP, e havia empresas de seus familiares que tinham relações especiais com a ETP e, por intermédio deles, havia relações societárias com a OPM;
9. Havia empresas de dirigentes sindicais do sector que mantinham relações negociais privilegiadas com a ETP e uma explorava um bar no porto, no local destinado à cantina dos trabalhadores;
10. Vinte e cinco sindicatos da Madeira vieram a público reprovar a actuação dos Sindicatos dos Estivadores e Carregadores no que respeita à sua actuação com os trabalhadores eventuais;
11. O presidente do Sindicato dos Carregadores tenha afirmado, referindo-se ao porto do Funchal: “isto é uma vaca que dá leite para todos; é preciso que todos lhe deitem erva”;
12. Havia empresas ligadas aos administradores da ETP ou a seus familiares que mantinham relações negociais com a ETP ao abrigo das quais esta lhes pagava avultadas quantias;
13. Trabalhadores portuários licenciados, contra o que se dispunha o quadro normativo aplicável, prestavam funções na ou a favor da ETP;
14. A ETP pagava aos trabalhadores portuários efectivos “salários principescos” se comparados com o salário médio nacional;
15. A ETP pagava significativas quantias aos Sindicatos seus sócios e por eles facturadas;
16. Em período relativamente curto, os dirigentes dos Sindicatos e os representantes destes na administração da ETP aparentavam sinais exteriores de uma riqueza ostentatória (v.g. carros de topo de gama e “casas hollyoowdescas) e os principais empresários ligados à OPM ergueram um pujante grupo económico, estimado em vários milhões de contos, em diversas áreas de actividade, designadamente da hotelaria e transportes marítimos;
17. No período do seu funcionamento, a ETP movimentou, facturou e pagou milhões de contos;
18. O autor sabe que os sindicatos não podem participar em empresas, ainda que de trabalho portuário, face ao princípio da especialidade do fim daquelas associações sindicais;
19. O autor não ignora que a ETP, actuando em monopólio, viola a livre iniciativa económica, garantida constitucional e legalmente, e que, como empresa de trabalho portuário, não cede trabalhadores a operadores sem que estes arquem com custos a eles exteriores;
20. Foi com o propósito de ter base e cobertura estatuária para fazer a exigência daquele pagamento a todos potenciais operadores, como efectivamente fez, que foi efectuada a alteração parcial dos estatutos originais da ETP, a que se aludiu em AB), que não previam a obrigação nela prevista;
21. Essa alteração estatuária não originou qualquer dificuldade aos sócios da OPM, face ao cruzamento de interesses entre a OPM e o representante dos sindicatos da ETP e entre esta e aqueles sindicatos, seus dirigentes e familiares;
22. Tais obrigações da OPM, pagamentos de salários e outros encargos dos trabalhadores e défices de gestão da ETP, não constituíam qualquer risco ou custo efectivo para aquela, mas constituíam e destinavam-se a constituir, para os novos operadores, mais um encargo ou parcela do “custo de acesso” à operação portuária e exterior a esses novos operadores;
23. Os réus Eduardo... e Gil..., nas suas qualidades de director e director adjunto do “Garajau”, respectivamente, tiveram conhecimento, de fonte de informação que reputaram de credível, da existência de um CD recebido pela polícia judiciária contendo dois balanços contabilísticos distintos da ETP, um fictício para apresentar nas Finanças, o outro, real, para orientação interna dos administradores;
24. Pelo que tiveram como verdadeira a informação da existência de dois balanços contabilísticos na ETP, acreditando, de boa-fé, existir discrepância entre a realidade contabilística da ETP e os extractos e contas aprovados e apresentados a registo comercial;
25. As notícias ajuizadas, publicadas no “Garajau” foram-no para prosseguir interesses de denúncia, de esclarecimento e formação da opinião pública, em matéria de relevante utilidade social, e relataram factos verdadeiros ou como tal considerados, em boa fé, pelos seus autores;
26. Os dois escritos e editoriais em causa nesta acção, intitulados “OPM Apanhada” e Montanha Move-se” tratam, no essencial, de transcrever o relatório final da PJ e o despacho de arquivamento do “denominado processo de inquérito ao Porto do Funchal”, cujo termos correram nos Serviços do Ministério Público desta comarca;
27. A ETP só podia ceder trabalhadores à empresa de estiva (OPM) e para exercerem a sua actividade laboral dentro da zona portuária e traduzida apenas nas diversas tarefas de movimentação de carga;
28. No caso dos escritos dos autos em apreciação, expressões como, “ O Porto já está a arder”, “OPM Apanhada”, o MP manda extrair certidões da OPM e entala os “Sousas, Pedras e Companhia”, “agora é que se vai iniciar uma verdadeira roda dos tormentos”, “ A PJ não é para graças”, “…meteu também a mão na saca do cacau”, “maroscas”, “estão bem presos na garra da justiça”, são aceites, sem carácter ofensivo, pelos leitores do “Garajau” e pelos madeirenses em geral;
29. Quer pelo facto de o “Garajau” ser um jornal contra o poder e o sistema instalados, irreverente e em “permanente desassossego”, que informa utilizando os géneros literários e jornalísticos do humor, da ficção e da sátira, através de instrumentos de crítica, como o sarcasmo, a caricatura e a hipérbole, quer pela histórica agressividade verbal que caracteriza a sociedade Madeirense;
30. A expressão “Descarregar um navio no Caniçal é igual a descarregar uma “palhete” de dinheiro na fundação laranja” não se dirige ou imputa nem ao autor nem à OPM, nem está relacionada com qualquer financiamento, legal ou ilegal, do Partido ... ou da Fundação ...;
31. Trata-se de uma expressão que resulta de uma investigação feita pelo “Garajau” a propósito da importação de sanitários, equipamentos de canalização e outros materiais de construção civil, com marcas contrafeitas fabricadas num país asiático e que eram descarregadas em contentores no Porto do Caniçal;
32. Tal descarregamento, ao que também então se apurou, envolvia empresas sediadas nas Zonas Francas de Gibraltar e nas ilhas Virgens, na Inglaterra e “propriedade” de pessoas influentes na sociedade madeirense e de um emigrante radicado nos Estados Unidos da América;
33. Tendo-se apurado, ainda, que esse emigrante madeirense doava grande parte das receitas deste negócio a uma organização social americana denominada de “The Orange Foundation” (Fundação Laranja) – www.orangefoundation.org;
34. A expressão enquadra-se no estilo incisivo e de frases curtas do “Garajau”;
35. Os leitores do “Garajau” desconhecem que, no Porto do Caniçal, é a OPM a única empresa que pode descarregar navios.

O Direito:

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

Os apelantes impugnam a resposta dada aos artigos 12.º, 13.º, 28.º e 30.º da base instrutória, que foram julgados provados e correspondem às alíneas LL., MM., AAA. e BBB. da matéria de facto provada:
“LL. Com a publicação das notícias, reportagem, crónica e texto referidos em D., J., O., P. e R. a intenção do “Garajau” e dos respectivos responsáveis foi a de manterem um juízo de suspeição sobre o autor quanto à prática, por ele, de factos de natureza criminal”;
MM. Sabendo que o autor não tinha praticado nenhum crime, que o processo fora arquivado e conhecendo a natureza privada da OPM, os réus não hesitaram em manter o aludido juízo de suspeição sobre o autor, insinuando numa das referidas notícia que o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público fora “dolosamente errado” para favorecer o autor e os outros arguidos;
AAA. “Os réus, ao produzirem e/ou publicarem as afirmações constantes dos artigos, colunas de opinião, títulos, destaques, subtítulos e banda desenhada ajuizadas agiram de forma livre, voluntária e consciente, querendo ofender o autor na sua honra, consideração e bom nome e obtiveram tal resultado”;
BBB. “Os Réus ignoraram decisões judiciais de arquivamento e persistiram na sua conduta, em várias edições seguidas do “Garajau””.
Os apelantes entendem que essa matéria não deve ser dada como provada.
Se assim é, também é contrariada a resposta dada aos artigos 27.º, 33.º a 37.º, 38.º e 39.º da base instrutória, que foram julgados provados e correspondem às alíneas ZZ., EEE. e FFF. da matéria de facto provada:
ZZ. “A criação dessas suspeições com o consequente prejuízo para o autor, foram factos desejados pelos réus responsáveis pelo “Garajau””;
EEE. “As afirmações, insinuações, suspeições noticiadas no “Garajau” a que os autos se reportam visaram criar e criaram junto do público em geral, sobretudo na Região Autónoma da Madeira, onde o autor tem sedeada a sua vida pessoal, profissional, familiar e social, uma ideia de que o Autor, estaria associado a práticas fraudulentas, de natureza criminal, que essas práticas já teriam sido apuradas pelo Ministério Público e que o autor iria ser acusado, ou mesmo já depois de ter sido inocentado com um despacho de arquivamento que a investigação prosseguiria agora com outro resultado, ou que o primeiro processo seria reapreciado por ter sido mal arquivado, ou ainda que seria capaz de recorrer à corrupção e ao tráfico de influências para concretizar os seus objectivos”;
FFF. “Os réus actuaram com o propósito permanente de apregoar, independentemente de quaisquer que fossem os contornos que o processo “Porto do Funchal” revestisse, que o autor e outros ex-arguidos desse processo eram autores de vários crimes, manipulando a opinião pública sobre todos os incidentes do processo, de forma a incitar a um “julgamento público sumário com uma única sentença, culpados””.

Por outro lado, resulta do teor da conclusão V da alegação do recurso, conjugada com os pontos 53, 54 e 56 da alegação, que os apelantes também se insurgem contra o dado como provado sob a alínea JJ. da matéria de facto, correspondente ao art.º 9.º da base instrutória:
JJ. “Nunca existiram na ETP dois balanços, um oficial e outro real e não foi apreendido qualquer CD com um balanço fictício, tendo as suas noticiadas existência e apreensão sido inventadas pelos réus”.

Para fundamentarem a impugnação da matéria de facto os apelantes invocam o teor dos depoimentos dos RR. Gil... e Eduardo..., das testemunhas Paulo..., Agostinho..., Carmo..., Maria José.... O apelado invoca também o depoimento da testemunha José. Na sentença o tribunal a quo refere-se igualmente, na fundamentação da matéria de facto, aos depoimentos das testemunhas Maria... e Dionísio...

Comecemos por abordar a matéria de facto dada como provada sob a alínea JJ.

Esta alínea reporta-se a uma notícia publicada no quinzenário “Garajau” em 15.12.2006. Nessa notícia, referindo-se o último número do semanário “Sol”, afirma-se que uma investigação criminal, que se havia iniciado em 2001, já tinha sete arguidos, entre os quais o ora A., faltando formalizar a acusação e provavelmente iria ser alargado o número de arguidos. E mais se escreveu o seguinte:
"Depois de cinco anos de investigação o Garajau teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas finanças, outro, real, para orientação interna dos administradores”.

Ora, o tribunal a quo deu como provado, na referida alínea JJ, o seguinte:
JJ. “Nunca existiram na ETP dois balanços, um oficial e outro real e não foi apreendido qualquer CD com um balanço fictício, tendo as suas noticiadas existência e apreensão sido inventadas pelos réus.”

Por outro lado, o tribunal a quo deu como não provado o seguinte:
23. “Os réus Eduardo... e Gil..., nas suas qualidades de director e director adjunto do “Garajau”, respectivamente, tiveram conhecimento, de fonte de informação que reputaram de credível, da existência de um CD recebido pela polícia judiciária contendo dois balanços contabilísticos distintos da ETP, um fictício para apresentar nas Finanças, o outro, real, para orientação interna dos administradores”;
24. “Pelo que tiveram como verdadeira a informação da existência de dois balanços contabilísticos na ETP, acreditando, de boa-fé, existir discrepância entre a realidade contabilística da ETP e os extractos e contas aprovados e apresentados a registo comercial”.

Para tal o tribunal a quo invocou o depoimento das testemunhas Maria Cristina..., Maria José..., Maurício..., Norberto... e Paulo... e bem assim as declarações dos RR. Gil... e Eduardo..., prestadas na audiência final. Invocou também as certidões juntas a fls 785 a 787 dos autos.

Ora, efetivamente,
Maria Cristina..., jurista e economista, Diretora técnica de uma das empresas que integram o grupo empresarial dirigido pelo A., depôs, de forma que nos pareceu credível, no sentido de que era impossível existir no grupo a referida duplicidade de contabilidade, denotando estar perfeitamente informada acerca da forma como a “escrita” do grupo estava e está organizada, referindo as múltiplas auditorias a que o grupo foi sendo sujeito, tudo confirmando a regularidade das contas, negando pois a possibilidade de existência de um tal CD;
Maria do Carmo..., assistente administrativa do grupo Sousa e assistente direta do A., embora tenha admitido ignorar o que se passa na faturação da ETP (associação empresarial que gere os trabalhadores portuários utilizados no porto da Madeira e de que o A. é um dos administradores), abonou a lisura de procedimentos do A. e do grupo, manifestando a sua opinião, firme, de que era impossível que do grupo proviesse um CD com as características noticiadas;
A mesma ideia foi transmitida por Maria José..., advogada que acompanha de perto a atividade empresarial do grupo Sousa há mais de 20 anos;
Eduardo..., disse que não obtiveram da PJ a confirmação de que esta tinha na sua posse um CD, mas que foi um dos trabalhadores portuários eventuais da ETP que lhes disse que tinha entregue um CD na Judiciária;
Norberto..., ex-trabalhador portuário eventual ao serviço da ETP, declarou que um CD foi colocado na caixa do correio de um colega seu, Paulo..., e viu o seu conteúdo, lá figurando dados pessoais de trabalhadores efetivos da ETP e também dados relativos aos trabalhadores eventuais, com indicação das retribuições que os eventuais auferiam e do que era cobrado à OPM pela ETP pela utilização dos trabalhadores portuários; afirmou que o Paulo... lhe disse que entregara o CD na Polícia Judiciária;
Gil..., declarou que receberam um CD, dentro de um envelope, que mostraram ao Paulo..., que disse que era igual àquele que ele havia recebido. O Paulo... disse-lhes que tinha entregue o CD ao inspetor Maurício..., da Judiciária. Viram o CD e mostraram-no a um contabilista conhecido, o qual lhes disse que do CD resultava que os trabalhadores eventuais eram faturados pela ETP à OPM por um valor superior àquele que recebiam da ETP. O R., embora tenha dito, aliás de forma assaz confusa e atabalhoada, que nesse CD “havia dois balanços”, não confirmou que um, falso, era destinado às Finanças, e outro, real, era para utilização dos administradores do grupo, apenas insistindo que havia diferenças entre os valores que eram pagos aos trabalhadores eventuais pela ETP e os valores que a ETP cobrava à OPM pela utilização desses trabalhadores;
Paulo..., ex-trabalhador portuário eventual ao serviço da ETP, confirmou ter recebido na sua caixa do correio um CD referente à ETP, de forma anónima, mas que pelo seu conteúdo só podia provir da ETP. O que percebeu do CD é que a ETP faturava à OPM o trabalho dos eventuais como se fosse trabalho prestado por efetivos, o que dava “um monte de dinheiro que ficava ali para aquelas empresas que criaram à volta da ETP.” Disse que entregou uma cópia do CD ao inspetor Maurício... e entregou o original “no outro processo”. Quer a perguntas da mandatária dos Réus, quer a perguntas da Sr.ª juíza, afirmou não ter encontrado no CD a existência de uma contabilidade paralela, ou de que havia uma contabilidade diferente da que era enviada para as Finanças, não tendo concluído pela existência de tal contabilidade paralela, não percebendo como é que Gil... terá percebido que havia duas contabilidades, porque isso não aparece no CD;
Maurício..., o inspetor da Polícia Judiciária supra referido, que dirigiu a investigação criminal em causa, negou terminantemente ter recebido de alguém esse CD e que ele tivesse sido junto ou constasse no processo;
Na certidão de fls 785 e 786 certifica-se a inexistência do mencionado CD no processo crime;
A fls 789 está um CD, proveniente do processo cível 223/09.7 TC FUN, que terá sido junto ao aludido processo pelos aqui também RR., como sendo igual ao que teria sido entregue na PJ. Aberto... o aludido CD, nele encontram-se gráficos e escalas referentes aos trabalhadores portuários, eventuais e efetivos, turnos efetuados, trabalho extraordinário, faturação, absentismo, requisições pela OPM, movimentação de trabalhadores, colocação de trabalhadores ao longo de vários anos, férias, retribuições, movimentos bancários, demonstrações de resultados, demonstrações de fluxos de caixas… nada que evidencie a existência de contabilidades paralelas, nomeadamente para o efeito de apresentação às Finanças;
No relatório final da PJ, atinente à aludida investigação criminal, constante a fls 405 a 522, nada é mencionado quanto ao aludido CD nem quanto à existência de contabilidades paralelas;
Igual omissão se constata na informação do Núcleo de Assessoria Técnica da PGR, constante a fls 523 a 553 e no despacho de arquivamento da Procuradoria da República, a fls 555 a 566;
Na certidão junta a fls 757 e ss, relativa ao depoimento prestado por Paulo... no aludido inquérito crime, perante a PJ, não é mencionado nenhum CD, mas tão só a entrega de fotografias.
Pelo exposto, para além de não se afigurar ser de censurar a afirmação, do tribunal a quo, de que “Nunca existiram na ETP dois balanços, um oficial e outro real e não foi apreendido qualquer CD com um balanço fictício”, há que concluir que os RR. Gil... e Eduardo... (aquele autor do artigo e este seu conhecedor prévio, sendo certo que na ocasião era diretor do Garajau e na audiência reconheceu ter acompanhado de muito perto esta matéria) não tinham elementos que sustentassem minimamente a afirmação de que existia um “CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas finanças, outro, real, para orientação interna dos administradores, o que não podiam deixar de saber quando fizeram publicar a aludida notícia.

Assim, deve manter-se o teor da aludida alínea JJ. da matéria de facto.

Quanto ao teor das alíneas LL., MM., AAA., BBB., ZZ., EEE. e FFF da matéria de facto.

Aqui está em causa a intenção dos RR. ao publicarem os aludidos textos e a sua convicção acerca da realidade dos factos a eles atinentes.

Convirá relembrar o essencial das publicações em causa:

Na primeira notícia, publicada no Garajau em 15.12.2006, sob o título “Pânico no porto” e o subtítulo “O porto já está a arder !”, noticia-se que o A. e outras pessoas “já são arguidos no famoso processo do Porto do Funchal”. Referindo-se ao que teria sido noticiado no último número do semanário Sol, escrevia-se “agora, falta formalizar a acusação e provavelmente será alargado o número de arguidos…”
No corpo da notícia historia-se, à semelhança do que fez na audiência de julgamento Eduardo..., o aludido processo, referindo-se que em 2001 três dezenas de trabalhadores eventuais do porto do Funchal iniciaram uma luta laboral, alegadamente para que lhes fossem reconhecidos os seus direitos a férias e a subsídios de férias e a que se pusesse termo à sua situação de precariedade laboral face à ETP, “Empresa de Trabalho Portuário”, de que o ora A. era um dos administradores. Esses trabalhadores queixavam-se igualmente de que a ETP recorria a eles também para fazerem trabalhos fora do porto, nomeadamente nas casas particulares de um dos administradores (que não o ora A.) e da sua filha. Segundo o jornal, foram essas denúncias, “aliadas a outras situações anormais, relatadas na altura pelo DN [Diário de Notícias da Madeira], que levaram o MP a intervir.” “Depois de cinco anos de investigação, o Garajau teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD …[segue-se o trecho já supra referido sobre o CD]. Mais se escreve que “Ao longo da investigação, foram também realizadas escutas telefónicas aos principais suspeitos, e segundo uma nossa fonte, as mesmas são altamente comprometedoras e mostram o clima de impunidade e atrevimento que envolvia os responsáveis por estas empresas. O que mais surpreendeu os especialistas financeiros, mobilizados para esta mega operação, foram as enormes quantias movimentadas, com o dinheiro a partir da empresa filão, a OPM, e a ser depois derramado pelas dezenas de empresas do grupo Sousa, não só por estratégia de âmbito fiscal, mas também para branquear e camuflar a rota do dinheiro, servindo muito dele, já em nota viva, para financiar partidos políticos regionais e organizações partidárias. A ETP, sendo uma sociedade sem fins lucrativos, mas gerando grandes quantias monetárias, necessitava também de empresas “fantasmas” para dispersar o dinheiro, sendo a maioria delas, detidas por David ... e sua filha, Cristina..., também arguida neste processo, para além dos presidentes dos dois sindicatos de estivadores.”
Quanto a esta notícia, efetivamente a essa data já havia sido redigido o relatório final da PJ no aludido processo crime, datado de 18.10.2006 (vide fls 405 a 522). Nesse relatório referem-se factos que constam na aludida notícia, e outros há na notícia que não são minimamente confirmados pelo relatório. Assim, no relatório confirma-se a mencionada constituição do A. e de outras pessoas como arguidas, menciona-se que efetivamente houve utilização desses trabalhadores em casas particulares, afirma-se a circunstância de a ETP ter lucros demasiado elevados face às despesas suportadas com mão de obra e que esses lucros seriam muito superiores se não fossem as assessorias e serviços faturados por outras empresas, empresas essas ligadas a quadros/administradores da ETP, OPM e familiares, e serviços esses que não teriam sido efetivamente prestados; mas nada consta no que concerne a contabilidade paralela ou quanto a financiamento de partidos políticos ou organizações partidárias. No aludido relatório refere-se igualmente que a ETP na altura já não teria formalmente a natureza de instituição de utilidade pública, mas poderia tê-la, se tal tivesse sido requerido, atendendo a que o seu objeto, movimentação de cargas, é de interesse público. A final, defende-se que estaria em causa nos autos uma prática anti-concorrencial, suscetível de ser apreciada pela Autoridade de Concorrência.

Por outro lado, o jornal “Sol” publicara em 08.12.2006 uma notícia sobre o referido processo, assinada por Graça..., que tem o seguinte início (vide notícia a fls 204 dos autos):
A investigação criminal à gestão do porto do Funchal – iniciada há mais de cinco anos, após várias denúncias públicas de gestão danosa – já está concluída. Segundo o SOL apurou, em breve o Ministério Público tomará uma decisão sobre os termos da acusação.”

De tudo o exposto e admitindo que os RR. tiveram acesso, como disseram, a fontes ligadas à Polícia Judiciária (que não intervenientes na investigação), admite-se que os RR. poderiam ter acreditado na veracidade do que publicaram naquela primeira notícia (mais rigorosamente, não se provou que estavam convencidos da falsidade dessa notícia), exceção feita ao aludido CD, questão essa já supra tratada.
Foi neste sentido o depoimento dos RR. Eduardo... e Gil..., segundo os quais apenas pretenderam dar a conhecer factos que julgavam ser reais e do interesse público.

Na segunda notícia, datada de 19.10.2007, sob o título “OPM apanhada” e o subtítulo “Balde de água”, escreve-se que “afinal o despacho de arquivamento do MP, relativo ao caso do porto, ainda tem muita “pedra” para roer. Sousas voltam a meter a viola no saco…” e “Afinal nem tudo são rosas no arquivamento do caso “Porto do Funchal”. O MP manda extrair certidões da OPM e entala “Sousas, Pedras & Companhia”.

E depois escreve-se:
“O famoso processo do porto do Funchal ainda não acabou, como afirmou o Diário de Notícias. Agora é que vai começar. É verdade que o MP mandou arquivar o processo relativamente à ETP (Associação Portuária da Madeira – Empresa de Trabalho Portuário) e aos respectivos administradores e funcionários, mas no despacho da magistrada que analisou o caso, são mandadas extrair certidões que encalacram a OPM do Grupo Sousa e de familiares de David....
Desta forma, os galos que cantaram antes de alvorada, bem podem baixar o pio, que, neste caso, ainda há muita “pedra” para moer e “milho em grão” para digerir.
Segundo a magistrada, quem “detém interesse público, ou melhor dizendo, “utilidade pública” não é a ETP, é a OPM, pelo que, face aos muitos indícios constantes no processo, “interessa investigar em autónomo, os eventuais ilícitos penais” cometidos na actividade da OPM.
Assim, “a fim de ser instaurado procedimento criminal autónomo relativamente à OPM”, a magistrada mandou extrair certidões do relatório da Polícia Judiciária e de outras diligências efectuadas no âmbito deste processo, nomeadamente dos interrogatórios realizados aos arguidos Miguel..., David... e Cristina..., São Marcos..., Manuel... e António..., e das inquirições aos presidentes dos sindicatos, José...Freitas e José Manuel....
Agora é que se vai iniciar uma verdadeira “roda dos tormentos” para a OPM e seus administradores: o MP voltou a remeter para a PJ a prova recolhida para mais investigações e, como, sabem os arguidos “Sousa, Pedra & Companhia”, a PJ não é para graças.
Mas mais. Parece que os cofres do Estado terão também sido prejudicados pela OPM nesta marosca, pelo que foram extraídas certidões visando também a parte fiscal.”

E a notícia prossegue, agora sob a epígrafe “ETP ainda na berlinda.”:
Mesmo relativamente à ETP “o calvário” ainda não terminou, porque embora se tenha safado à custa de uma razão de direito, a de que, na versão do MP – a ETP não é pessoa colectiva de utilidade pública (matéria muito discutível e que muita tinta ainda fará correr nos corredores dos tribunais), a magistrada entendeu mandar novamente extrair certidões o relatório da PJ e do despacho final e remeter a “broa” aos “Serviços Centrais da Direcção Geral de Impostos em Lisboa”, para investigação; “dado que o sistema de assessorias na ETP é prática contínua, ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal” (sic).

E, sob a epígrafe “Foi tudo provado”, a notícia continua:
Um pormenor muito importante do despacho do MP é o de ter considerado que todos os factos investigados pela PJ efectivamente ocorreram, ou seja, que cerca de 20 empresas virtuais facturaram milhões de euros em serviços inexistentes, tudo com o objectivo de sacar dinheiro à ETP, uma associação sem fins lucrativos, que tem dado muito dinheiro a ganhar a muita gente.

Na verdade, a magistrada MP considera que a análise contabilística e financeira realizada pela Judiciária confirmou que os arguidos constituíram várias empresas para arrancar dinheiro da ETP, tipo pulgas em cima de vampiro argentino (e eram muitas: [segue-se o nome de 16 empresas, com a indicação de pertença ao ora A. e a outras pessoas, e a discriminação de quantias faturadas por algumas delas à ETP] (…).
Assim se percebe, que descarregar um navio na Madeira custa 6 vezes mais do que descarregar o mesmo navio nos Açores. Tudo à custa de milhares de pategos submissos e bons contribuintes de verdadeiras fortunas das arábias. Agradeçam todos ao Dr. ....”

Finalmente, na mesma edição do “Garajau”, consta um editorial, da autoria do R. Gil..., em que este, após se referir ao facto de o porto do Funchal ser [alegadamente] um dos portos mais caros do mundo e de ser [alegadamente] o único porto do país onde nunca foi realizado nenhum concurso público para o licenciamento da operação portuária, mencionou o papel que o DN da Madeira tinha tido, seis anos antes, na denúncia de situações que haviam levado à instauração da mencionada investigação criminal. Depois, nesse editorial, escreve-se o seguinte:
Sabemos que a Polícia Judiciária, com grande empenho do Dr. Oliveira..., concluiu com brilhantismo o relatório, apontado para a acusação dos arguidos. Todos os madeirenses aguardavam com grande expectativa o resultado desse inquérito, mas, para surpresa geral, a 14 deste mês, o Diário, com grande destaque na primeira página, informou que a PJ tinha ilibado os arguidos e que o processo fora arquivado.
No dia seguinte, o mesmo Diário, rectificou, com uma notícia na pág. 18 e uma pequena e envergonhada chamada de 1.ª pág., que afinal não fora a PJ a ilibar os arguidos, mas sim o Ministério Público, justificando o seu equívoco, com o errado depoimento das suas fontes (!).
Esse desmentido é revelador do que se passa hoje no Diário. Que passou a ser uma espécie de folha oficial do sistema e vem atraiçoando muitos daqueles que lutaram no passado, por um jornalismo livre e de denúncia.
O Diário não fez só um “lifting”, mudou de personalidade e virou as costas aos seus jornalistas mais activos e fiéis, transformando-os em “funcionários” à moda brasileira. Pior, ainda, traiu a Polícia Judiciária que, como já referimos, levou a cabo uma investigação gigantesca, profunda e cara, de um assunto que fora precisamente despoletado pelo próprio Diário.
Mas o diário não consegue esconder a VERDADE. Porque na Madeira existe uma atrevida e cruel ave que sobrevoou o dito despacho de arquivamento e descobriu que a OPM, os Sousas, os Pedras & Cia. Lda estão bem presos nas garras da justiça. Foram-se as chorudas indemnizações, chegaram as dores de cabeça.”
Quanto à notícia acerca do teor do despacho de arquivamento do inquérito criminal proferido pelo Ministério Público e acerca da extração de certidões, ela resultou, segundo disse o R. Gil... na audiência final, da consulta que fez do processo após o despacho ter sido proferido e da leitura desse despacho.
Ora, tal despacho de arquivamento está junto a fls 555 a 568 destes autos e dele consta efetivamente que o arquivamento assentou essencialmente no facto de a ETP não ter, formalmente, natureza de instituição de utilidade pública. Também nele existe a determinação de extração de certidão relativa à OPM para a averiguação dos “eventuais ilícitos penais que tenham sido cometidos na sua actividade”, no pressuposto de que se trata de uma sociedade que “detém interesse público”, assim como é ordenada a extração de certidão do relatório da PJ e do despacho final “dado que o sistema de assessorias na ETP é prática contínua ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal.”
Assim, no essencial, a notícia em causa reporta-se a factos confirmados (arquivamento do processo crime e razões invocadas para o mesmo, extração de certidões para ulteriores averiguações).
Quanto ao editorial, onde se critica o DN, tais críticas foram reiteradas pelos RR. Eduardo... e Gil... na audiência final. A testemunha Agostinho..., sub-diretor do DN da Madeira e seu jornalista há 25 anos, não desmentiu o referido quanto ao teor das duas notícias do DN sobre o arquivamento do processo crime, e afirmou que na altura, naturalmente, não ficou satisfeito com o aludido editorial, “mas atendendo ao sítio onde estava publicado, porque todas as pessoas sabem que o Garajau faz um tipo de escrita (…) o jornal é essencialmente sarcástico e é fiel a esse estilo (…) ser sarcástico é arriscar um pouco mais do que no “jornalismo normal” e isso é assumido e as pessoas sabem que assim é, pelo que dão essa margem”.

A terceira notícia data de 02.11.2007 e, sob o título “A montanha move-se”, tem o seguinte conteúdo:
O novo líder do Partido ... na Madeira, João..., ganhou uma nova batalha. O Procurador-geral da República, P..., numa postura inédita, solicitou os serviços do DIAP de Lisboa, para prestar apoio ao Ministério Público na Madeira, a fim de se investigarem alguns processos polémicos, denunciados pelos socialistas e pela comunicação social insular, relata o semanário SOL, na sua última edição.
Também é referido, que P... deu instruções no sentido de serem passados a pente fino vários processos, que têm posto em causa o comportamento e a respeitabilidade do MP na Madeira, nomeadamente aqueles que envolvem personalidades e empresas ligadas ao poder político regional. Segundo o SOL, “a maioria dos casos referidos pelo PS já estão a ser alvo de inquérito e os novos indícios darão origem à abertura de outros procedimentos criminais.” Como refere o artigo assinado por Graça..., um dos casos que deverá ser avaliado, neste contexto, é o do polémico arquivamento do processo do Porto do Funchal, que investigou as actividades da ETP e da OPM. “A Polícia Judiciária propôs que fosse proferida acusação contra os principais envolvidos. Mas o MP decidiu arquivar o processo contra uma dessas empresas, a ETP, por entender que o facto de ela não ter renovado o estatuto de utilidade pública impedia a acusação pelos crimes em causa, entre os quais o de peculato. A PJ, porém alertava no relatório final que “a não renovação da utilidade pública poderá ter servido precisamente para fugir à justiça” conclui o artigo.
Tudo razões, que reforçam a tese do Garajau de que os Sousa & Pedras cantaram “de galo” demasiado cedo, pois parece que muita água ainda vai correr por debaixo das pontes, ou melhor neste caso por debaixo dos cascos dos navios”.

Nestes autos não se mostra junta a aludida notícia do jornal “Sol”, mas ela é mencionada no acórdão desta Relação junto pelo A. a fls 723 a 748 dos autos. Por outro lado, no aludido relatório da PJ, a páginas 1279 a 1281 do mesmo (ponto 11), defende-se que a ETP, pelo seu objeto, que se entende ser de interesse público, tinha condições para ter o estatuto de utilidade pública administrativa, o que só não tem porque tal não foi pedido, o que para a PJ, é “no mínimo, uma situação invulgar, uma vez que tal estatuto se traduziria numa vantagem para a Associação”, mais acrescentando que “os eventuais benefícios inerentes à atribuição daquele estatuto parecem não ser relevantes para os seus administradores (…) afigurando-se-nos, face aos elementos carreados para os autos, que os seus administradores se afastaram dele de forma deliberada”.
Na audiência de julgamento os RR. Eduardo... e Gil... deram conta de que o dito arquivamento do processo tinha sido considerado polémico na Madeira e que a atuação do Ministério Público era, de uma forma geral, alvo de crítica na Madeira, considerando-se que muitos processos prescreviam ou eram arquivados, sem que isso fosse sabido (Eduardo...) e tendo o MP da Madeira sido objeto de uma investigação que levou ao afastamento de um determinado magistrado (Gil...).

Afigura-se-nos, também aqui, que não ficou demonstrado que houvesse da parte dos RR., nesta notícia, a convicção de estarem a relatar factos falsos. Por outro lado, não encontramos confirmação do que se deu como provado na alínea MM., ou seja, “Sabendo que o autor não tinha praticado nenhum crime, que o processo fora arquivado e conhecendo a natureza privada da OPM, os réus não hesitaram em manter o aludido juízo de suspeição sobre o autor, insinuando numa das referidas notícias que o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público fora “dolosamente errado” para favorecer o autor e os outros arguidos.” Também não se encontram razões para dar como provado o que consta na alínea BBB.: “Os Réus ignoraram decisões judiciais de arquivamento e persistiram na sua conduta, em várias edições seguidas do “Garajau””.
Finalmente, resta referir a “frase” ou “banda” (não é uma banda desenhada, contrariamente ao erradamente constante na alínea AAA. da matéria de facto), publicada em 23.3.2007. Ao fundo da primeira página dessa edição do “Garajau” consta a seguinte frase:
Descarregar um navio no Caniçal é igual que descarregar uma “palhete” de dinheiro na fundação laranja”.
Os RR. Eduardo... e Gil... afirmaram que essa frase, da autoria de Gil..., se referia aos benefícios que o PSD da Madeira sem dúvida recolhia do grupo que explorava o porto do Funchal, entretanto mudado para o Caniçal. A testemunha Agostinho..., jornalista já referido, afirmou que embora o DN – Madeira não tivesse publicado nada sobre isso, por entender que não tinha matéria suficiente que levasse a uma publicação, admitiu que “dizia-se na rua, era conversa corrente.”

Sem prejuízo da abordagem que se fará sobre esta matéria em sede de Direito, também aqui não vemos razões para crer que houve da parte dos RR. a convicção de que estariam a mencionar factos falsos.

Em termos gerais, os RR. Eduardo... e Gil... declararam que a sua intenção ao publicar as notícias não era perseguir ninguém nem atentar contra a honra de ninguém, mas tão só tornar pública matéria que entendiam que tinha interesse público, esclarecendo a opinião pública, com aquele estilo sarcástico e humorístico que era próprio do Garajau, que os madeirenses entendiam. Os jornalistas Agostinho... e Dionísio... (este último, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de 2000 a 2007) confirmaram ser esse o estilo do Garajau, que não tinha como alvo especificamente o ora A., mas toda e qualquer pessoa ou instituição cuja atuação fosse do interesse público e que merecesse, no seu entender, ser criticada. Mas todos, inclusive aqueles RR., demonstraram ter a consciência de que esses textos imputavam ao A. (além de a outras pessoas) factos que atentavam contra a sua honra e consideração.

Aqui chegados, afigura-se-nos que haverá que restringir o teor do dado como provado neste âmbito pelo tribunal a quo, do que resultará a alteração da redação das alíneas LL., AAA. e EEE. e a eliminação das alíneas MM., BBB., ZZ. e FFF.(estas duas últimas por efeito das alterações às outras alíneas).

Por conseguinte:
a) Altera-se o teor das alíneas LL., AAA. e EEE. da matéria de facto, as quais passarão a ter a seguinte redação:
LL. “Com a publicação das notícias, reportagem, crónica e texto referidos em D., J., O., P. e R. o “Garajau” e os respetivos responsáveis sabiam que contribuíam para que se mantivesse um juízo de suspeição sobre o autor quanto à prática, por ele, de factos de natureza criminal”;
AAA. “Os réus, ao produzirem e/ou publicarem as afirmações constantes dos artigos, colunas de opinião, títulos, destaques, subtítulos e banda ajuizadas agiram de forma livre, voluntária e consciente, tendo consciência de que ofenderiam o autor na sua honra, consideração e bom nome”;
EEE. “As afirmações, insinuações, suspeições noticiadas no “Garajau” a que os autos se reportam contribuíram para criar junto do público em geral, sobretudo na Região Autónoma da Madeira, onde o autor tem sedeada a sua vida pessoal, profissional, familiar e social, uma ideia de que o Autor estaria associado a práticas fraudulentas, de natureza criminal, que essas práticas já teriam sido apuradas pelo Ministério Público e que o autor iria ser acusado, ou mesmo depois de ter sido alvo de um despacho de arquivamento que a investigação prosseguiria agora com outro resultado, ou que o primeiro processo seria reapreciado por ter sido mal arquivado”;
b) Elimina-se as alíneas MM., BBB., ZZ. e FFF.

Segunda questão (conflito entre o direito à honra e consideração do A. e a liberdade de expressão e de informação dos RR.)
Dispõe o art.º 483.º n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Desenvolvendo um aspeto particular da norma anterior, estipula-se no art.º 484.º do mesmo Código que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
Tem-se aqui em vista a honra, bem abrangido pela tutela geral da personalidade proclamada no art.º 70.º n.º 1 do Código Civil: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.” A honra consiste, no dizer de Capelo de Sousa (“O direito geral de personalidade”, Coimbra Editora, 1995, pág. 301), na “projecção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal”. Inclui, no seu sentido amplo, o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades do indivíduo no plano moral, intelectual, familiar, profissional, político ou social, e bem assim o crédito pessoal, como “projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem” (Capelo de Sousa, obra citada, páginas 304 e 305). Na proteção da honra tem-se também em conta o valor que cada um atribui a si próprio, a auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, especialmente do ponto de vista moral (cfr. José Beleza dos Santos, “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, RLJ, ano 92.º, p. 181 e ss, nºs 2 e 5).
A tutela da honra radica na dignidade da pessoa humana, fundamento da ordem jurídica (art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa), a qual consagra expressamente a integridade moral e física e o bom nome e reputação como direitos pessoais fundamentais (artigos 25.º n.º 1 e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
Tal tutela pode assumir feição penal, nos termos previstos nos artigos 180.º e seguintes do Código Penal.
Porém, é sabido que por vezes o exercício de um direito pode conflituar com o gozo de outro, daí decorrendo restrições para um deles ou para ambos, cujos limites há que determinar, em ordem a averiguar-se da licitude ou ilicitude da conduta do ou dos respetivos titulares. No que concerne à emissão de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o legislador constituinte estabelece que as restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do art.º 18.º da C.R.P.) e que as leis assim restritivas não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (n.º 3 do art.º 18.º). Quanto ao exercício de direitos, o legislador ordinário expressou que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes” (art. 335.º n.º 1 do Código Civil); e, “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior” (n.º 2 do art.º 335.º do C.C.).

O direito à honra colide frequentemente com o direito à livre expressão do pensamento e o direito a informar, os quais têm também consagração constitucional.
A Constituição da República Portuguesa reconhece, na categoria dos direitos fundamentais, a liberdade de expressão e informação (art.º 37.º n.º 1: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”) e a liberdade de imprensa (art.º 38.º).
A Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro (Lei da Imprensa), explicita que a liberdade de imprensa “abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações” (nº 2 do artigo 1.º).
A liberdade de imprensa admite, obviamente, limites, os quais são, nos termos do artigo 3.º do diploma, “os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
Também a tutela penal da honra cederá quando “a imputação for feita para realizar interesses legítimos” e “o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira” (n.º 2 do art.º 180.º do C.P.). É certo que, nos termos do n.º 3 do art.º 180.º do C.P., tais ressalvas não se aplicam quando esteja em causa a imputação de facto “relativo à intimidade da vida privada e familiar”. Mas logo a tal exceção se reconhece, no mesmo n.º 3 do art.º 180.º do C.P., a aplicabilidade do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do art.º 31.º do C.P., ou seja, a exclusão da ilicitude do facto praticado, nomeadamente, “no exercício de um direito” (alínea b) do n.º 2 do art.º 31.º do C.P.).
Importa levar em consideração o disposto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Portugal aderiu à aludida Convenção (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/75, de 13 de Outubro) e declarou, para os efeitos previstos no art.º 46.º da Convenção (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele Tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado no D.R., I série, de 06.02.1979). Nos termos do art.º 50.º da Convenção, versão inicial, se o TEDH “declarar que uma decisão tomada ou uma providência ordenada por uma autoridade judicial ou qualquer outra autoridade de uma Parte Contratante se encontra, integral ou parcialmente, em oposição com obrigações que derivam da presente Convenção, e se o direito interno da Parte só por forma imperfeita permitir remediar as consequências daquela decisão ou disposição, a decisão do Tribunal concederá à parte lesada, se for procedente a sua causa, uma reparação razoável.” A Convenção foi atualizada pelo Protocolo n.º 11, o qual foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 21/97, de 3 de Maio e ratificado por Decreto do Presidente da República n.º 20/97, da mesma data. Na nova redação da Convenção o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é instituído “a fim de assegurar o respeito dos compromissos que para as Altas Partes contratantes resultam da presente Convenção” (art.º 19.º), podendo qualquer das partes contratantes ou qualquer pessoa singular ou organização não governamental submeter ao TEDH a apreciação de alguma infração às disposições da Convenção e seus protocolos praticada por uma parte contratante (artigos 33.º e 34.º). O art.º 41.º reconhece à parte lesada o direito a uma reparação razoável, se for caso disso, em termos idênticos aos constantes no anterior artigo 50.º da Convenção. E, na sequência do Protocolo n.º 14, de 13.5.2004, no art.º 46.º, sob a epígrafe “força vinculativa e execução das sentenças”, consagrou-se a obrigatoriedade, para as Altas Partes Contratantes, das “sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes” (nº 1), prevendo-se, nos números seguintes, medidas a tomar para assegurar a respetiva execução. Tal Protocolo, que foi ratificado pelo Presidente da República pelo Decreto n.º 14/2006, de 21.02 e entrou em vigor em 01.6.2010, ditou a alteração introduzida à alínea f) do art.º 771.º do CPC de 1961 pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, o qual acrescentou à lista de casos justificativos da revisão extraordinária de sentenças a necessidade de conciliar a decisão recorrida com “decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, volume 3.º, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, páginas 228 e 229; no CPC de 2013, atualmente em vigor, vide art.º 696.º alínea f)). Conforme se pondera num estudo da Cour de Cassation francesa, o TEDH assume-se, no controle que faz em matéria de ingerência dos Estados contratantes na liberdade de expressão, como uma quarta instância de jurisdição, criticando tanto a motivação das decisões e as apreciações efetuadas pelos juízes nacionais, como as sanções aplicadas (“Liberté d´éxpression et diffamation en matière de presse dans la jurisprudence de la Cour de cassation et au regard de la convention de sauvegarde des droits de l´homme et des libertés fondamentales”, 31.7.2008, consultável no site do “European Observer on fundamental right´s respect”, http://www.europeanrights.eu//index.php?lang=eng&funzione=S&op=5&id=237).
O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão.
Estava em causa a eventual violação do art.º 10.º da Convenção, que tem o seguinte teor:
1 – Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras (…).
2 – O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, (…) a protecção da honra ou dos direitos de outrem (…).
Nessas decisões (cuja tradução para português pode ser consultada no sítio do Gabinete de Documentação e Direito Comparado - http:www.gddc.pt) o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a excepções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente” (caso Colaço... e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03, sentença de 26 de Abril de 2007, n.º 22).
Desenvolvendo o seu pensamento, o TEDH entende que “a imprensa desempenha um papel fundamental numa sociedade democrática: se aquela não deve ultrapassar certos limites, referentes nomeadamente à protecção da reputação e aos direitos de outrem cabe-lhe, no entanto, divulgar, no respeito dos deveres e das responsabilidades que lhe incumbem, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. A esta função de divulgação acresce o direito do público, de receber a informação. Se assim não fosse, a imprensa não poderia desempenhar o seu papel indispensável de «cão de guarda»” (Caso Colaço..., citado, n.º 23).
O TEDH defende ainda que “sobre os limites da crítica admissível eles são mais amplos em relação a um homem político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, que um simples cidadão. O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio profere declarações públicas susceptíveis de crítica. Sem dúvida tem direito a protecção da sua reputação, mesmo fora do âmbito da sua vida privada, mas os imperativos de tal protecção devem ser comparados com os interesses da livre discussão das questões políticas, exigindo as excepções à liberdade de expressão uma interpretação restritiva” (Caso Lopes...Silva c. Portugal, queixa n.º 37698/97, 28 de Setembro de 2000, n.º 30 i.i.).
No caso Gomes da Silva contra Portugal, em que o requerente, jornalista, havia sido condenado por ter publicado um editorial em que utilizava, relativamente a um noticiado candidato à Câmara Municipal de Lisboa, expressões como “grotesco”, “alarve” e “boçal”, o TEDH considerou que “a invectiva política extravasa, por vezes, para o plano pessoal: são estes os riscos do jogo político e do debate livre de ideias, garantes de uma sociedade democrática. (…) Convém lembrar que a liberdade do jornalista compreende também o recurso possível a uma certa dose de exagero ou mesmo de provocação” (n.º 34).
O TEDH atribui grande relevância, na ponderação da proteção da liberdade de expressão, à circunstância de as expressões ou opiniões visadas respeitarem a matérias de interesse geral, as quais podem não ser do foro estritamente político (vide questões de corrupção no futebol) e não terem como objeto propriamente personalidades políticas, mas personalidades bem conhecidas do público, que desempenhem papel de relevo na vida pública do país, como a direção de um grande clube de futebol (vide o já referido Caso Colaço..., em que um jornalista foi condenado pelos tribunais portugueses por ter feito perguntas consideradas difamatórias visando o presidente do Futebol Clube do ...,- PC...).
Em relação ao uso da sátira, não apenas pela imprensa mas em geral, o TEDH lembra que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar. Por isso, impõe-se examinar com atenção particular toda a ingerência no direito de um artista – ou qualquer outra pessoa – a exprimir-se desse modo” (Caso Alves ... Silva c. Portugal, queixa n.º  41665/07, acórdão de 20.10.2009, n.º 27). Para o TEDH, a crítica exercida sob a forma de sátira merece uma maior tolerância por parte dos visados (n.º 28 do citado acórdão), sendo certo que, no entender do TEDH, intervenções satíricas sobre temas de interesse geral “podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática” (acórdão citado, n.º 29).
No que diz respeito a notícias atinentes a investigações criminais sujeitas a segredo de justiça o TEDH tem reiterado, pelo menos no que concerne a políticos, que “nem a preocupação de proteger o inquérito nem a de proteger a reputação de outrem se sobrepõem ao interesse do público em receber informações sobre determinadas acusações formuladas contra os políticos” (Caso Laranjeira... da Silva c. Portugal, queixa n.º 16983/06, acórdão de 19.01.2010, n.º 42). E no que concerne ao estilo a empregar na chamada crónica judiciária, e à utilização de um estilo mais ou menos crítico nessas crónicas, entende o TEDH que “um relato objectivo e equilibrado pode ter sentidos diferentes em função do meio de comunicação utilizado – e do sujeito: não cabe ao Tribunal, nem às instâncias judiciárias nacionais, substituir-se à imprensa para dizer qual a técnica de relato que os jornalistas devem adoptar” (Caso Laranjeira ... da Silva, n.º 51).
Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade (cfr., v.g.., affaire Feldek c. Slovaquie, requête n.º 29032/95, 12 de Julho de 2001, n.º 51). A questão é saber se tal ingerência é necessária, numa sociedade democrática, para, no caso, se proteger a honra da pessoa visada pela referida atuação.
No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido» e se as razões apresentadas pelas jurisdições portuguesas para a justificar eram «pertinentes e suficientes»” (Caso Colaço..., citado, n.º 24).
Também o STJ reconhece que “o direito à informação prevalece sobre o direito ao bom nome e reputação, quando a notícia, sendo lícita, porque devidamente investigada, reveste interesse público” (acórdão de 14.11.2013, processo 693/10.0TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt).
Sempre tendo presente que “à liberdade de transmitir a informação contrapõe-se o dever de informação e de cumprimento das leges artis, isto é, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na aferição da credibilidade respectiva antes da publicação” (STJ, 18.11.2012, processo 352/07.1TBALQ.L1.S1, www.dgsi.pt).
Deveres esses que o TEDH também releva: “Entretanto, devido aos «deveres e responsabilidades» inerentes ao exercício da liberdade de expressão, a garantia que o artigo 10º oferece aos jornalistas no que diz respeito a prestar contas sobre questões de interesse geral está subordinada à condição de os interessados agirem de boa-fé de forma a darem informações exactas e dignas de crédito no respeito pela deontologia jornalística (…) Estes deveres e responsabilidades podem revestir-se de muita importância quando existe o risco de atentarem contra a reputação de uma pessoa (…) que tenha sido nomeada e de lesar os “direitos de outrem”. Deste modo, devem existir razões específicas para dispensar os meios de comunicação social da obrigação que lhes incumbe de confirmarem as declarações factuais difamatórias. A este propósito, entram especialmente em jogo a natureza e o grau da difamação em causa e a questão de saber até que ponto os meios de comunicação social podem razoavelmente considerar as suas fontes como credíveis no que diz respeito às alegações” (Caso Público – Comunicação Social, S.A. e outros c. Portugal, Queixa n.º 39324/07, acórdão de 07.12.2010, n.º 46).
Toda esta temática é aprofundadamente analisada, em termos coincidentes com aqui adotados, pelo STJ, no seu acórdão de 21.10.2014, proferido no processo 941/09.0TVLSB.L1.S1 (aliás incidente sobre as duas notícias publicadas pelo semanário Sol, supra referidas, em que se inspiraram a primeira e a terceira notícia objeto desta ação, tendo o Sol como R. e outro autor, aí se revogando o acórdão da Relação que condenara os RR.), documentado pelos apelantes a fls 889 e seguintes e acessível in www.dgsi.pt.

Reportemo-nos ao caso dos autos.

Conforme já supra esmiuçado a propósito da impugnação da matéria de facto, provou-se que os RR. Eduardo... e Gil... fizeram publicar no quinzenário “Garajau”:

a) Em 15.12.2006, um texto em que se dizia que, no âmbito de uma investigação criminal que tinha por objeto a gestão do trabalho portuário na Madeira, pela qual o A. era um dos principais responsáveis, tinha sido apurada a existência de matéria criminal, tendo inclusivamente a PJ recebido um CD onde apareciam dois balanços contabilísticos da empresa de que o A., um dos arguidos nesse processo, era um dos administradores, um fictício, para apresentar nas finanças, outro real, para orientação interna dos administradores, faltando formalizar a acusação;
b) Em 19.10.2007, após a comunicação social ter noticiado que o Ministério Público tinha arquivado o aludido processo, os dois referidos RR. publicaram no Garajau um texto em que se afirmava que o arquivamento tinha resultado de uma questão jurídica, que era polémica, e que ainda assim o Ministério Público mandara extrair certidões para averiguação da eventual prática de crimes no âmbito de uma empresa de que o A. era um dos administradores (OPM) e ainda para averiguação de eventuais crimes fiscais; nesse texto usam-se expressões como “O MP manda extrair certidões da OPM e entala os “Sousas, Pedras & Companhia”, “são mandadas extrair certidões que encalacram a OPM do Grupo Sousa e de familiares de David.... Desta forma, os galos que cantaram antes de alvorada, bem podem baixar o pio, que, neste caso, ainda há muita “pedra” para moer e “milho em grão” para digerir”. Agora é que se vai iniciar uma verdadeira “roda dos tormentos” para a OPM e seus administradores”;
c) Num editorial com a mesma data, escreve-se que “na Madeira existe uma atrevida e cruel ave que sobrevoou o dito despacho de arquivamento e descobriu que a OPM, os Sousas, os Pedras & Cia. Lda. estão bem presos nas garras da Justiça. Foram-se as chorudas indemnizações, chegaram as dores de cabeça”;
d) Em 02.11.2007 noticia-se que o Sr. Procurador Geral da República ordenara, além de outros casos, a avaliação “do polémico arquivamento do processo do Porto do Funchal, que investigou as actividades da ETP e da OPM”, aí se escrevendo, no final, “tudo razões, que reforçam a tese do Garajau de que os Sousa e Pedras cantaram “de galo” demasiado cedo, pois parece que muita água ainda vai correr por debaixo das pontes, ou melhor, neste caso, por debaixo dos cascos dos navios”;
e) Finalmente, em 23.3.2007, no fundo da primeira página, o Garajau publicou a seguinte frase: Descarregar um navio no Caniçal é igual que descarregar uma “palhete” de dinheiro na fundação laranja”, frase essa que, conforme decorre do dado como provado nas alíneas NN. a VV., imputa ao A. a prática de financiamento ilegal de um partido político.

Estes textos atentam contra a honra e a consideração do A., pois imputam-lhe a prática de factos contrários à lei, como sejam a fuga aos deveres fiscais e o financiamento ilícito de partidos, que inclusivamente já teriam sido apurados no âmbito de averiguação criminal.

Acontece, porém, que o A. era e é uma figura pública, que ainda que não investido de responsabilidades políticas ou de funções de natureza pública, exercia e exerce uma proeminente atividade empresarial na Região Autónoma da Madeira, com especial incidência no setor estratégico da atividade portuária. Esse setor vinha sendo, desde há anos, alvo de escrutínio público, comentando-se criticamente a existência e longa permanência de um único operador, alegadamente com prejuízo para a população, por levar ao encarecimento dos preços, críticas essas que tiveram amplo eco na comunicação social, conforme espelhado nas alíneas Y., Z. e AA. da matéria de facto e acabaram por levar à instauração de um inquérito para investigação das eventuais responsabilidades criminais que existissem nesse âmbito.

Por conseguinte, a matéria tratada pelos ditos artigos era do interesse geral e podia ser objeto de notícia e comentário pelos órgãos de comunicação social, nomeadamente pelo “Garajau”.

Sucede que nessa tarefa nem sempre os RR. se contiveram dentro dos limites que, conforme supra exposto, a boa-fé e a prudência razoável lhes impunha.

Se a publicitação do estado final da investigação encetada pela Polícia Judiciária e mesmo a expetativa de que se seguiria acusação pelo Ministério Público tinha suficiente base de sustentação e de justificação, já a afirmação da existência de um CD que documentava a utilização, pela organização empresarial de que o A. era um dos administradores, de duas contabilidades, sendo uma delas falsa e destinada a ser apresentada às Finanças, não tinha qualquer base real e foi, pura e simplesmente, inventada pelos RR. Eduardo... e Gil.... Se a notícia acerca das razões do arquivamento do processo crime e de que havia sido ordenada a extração de certidões para averiguação futura de responsabilidades criminais, também tinha alicerces factuais, já a afirmação, isolada e completamente descontextualizada, de que a atividade portuária servia o financiamento partidário, assume natureza meramente ofensiva, sem qualquer utilidade informativa.
No mais, as expressões usadas, como “encalacram a OPM do Grupo Sousa e de familiares de David...”, “galos que cantaram antes de alvorada, bem podem baixar o pio”, “muita “pedra” para moer e “milho em grão” para digerir”, verdadeira “roda dos tormentos” para a OPM e seus administradores”, “a OPM, os Sousas, os Pedras & Cia. Lda. estão bem presos nas garras da Justiça”, “os Sousa e Pedras cantaram “de galo” demasiado cedo”, são expressões que se inserem no estilo satírico-sarcástico do jornal, que faz parte do seu estatuto editorial e que era bem conhecido e dado a conhecer aos leitores e se contém na vertente opinativa que o jornalismo também pode ter.

Em síntese, concorda-se com o tribunal recorrido quanto à imputação aos RR. Eduardo... e Gil... de violação injustificada da honra e consideração do A., embora abarcando factualidade mais restrita do que a ajuizada pelo tribunal a quo. Os aludidos textos imputando ao A. a utilização de contabilidade paralela, para fuga ao Fisco, e o financiamento ilegal de um partido político, eram, o primeiro, comprovadamente falso e publicado com conhecimento disso mesmo, e o segundo completamente descontextualizado e desprovido de fundamentação conhecida. Ambos ofendiam a honra e consideração do A., tendo causado sofrimento ao A. e tido alguma repercussão junto da opinião pública, conforme decorre das alíneas EEE., JJJ., LLL., KKK., LLL. e MMM. Assim, os ditos RR. praticaram um facto ilícito, culposo, causador de danos relevantes, estando reunidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizarem o A. (artigos 483.º, 496.º n.º 1, 562.º e 563.º do Código Civil).

No que concerne ao R. José, não se vislumbra qualquer facto que fundamente a sua responsabilização nesta causa.
Na petição inicial este R. apenas é referido para se ilustrar o estilo alegadamente desrespeitoso dos tribunais usado pelo Garajau (sob o pseudónimo “Jorge”), mas nada lhe é apontado quanto às notícias em concreto trazidas a terreiro, nesta ação, como sendo ofensivas da honra e consideração do A.. Também na sentença não há qualquer menção a esse R. a não ser na identificação das partes, constante no Relatório, e depois no seu dispositivo. As referências feitas pelo A./apelado, nas suas contra-alegações, a um suposto artigo escrito pelo R. José... intitulado “Canetas e lápis” e meios de prova atinentes (cfr. alíneas S. a U. das contra-alegações) resultam de manifesto lapso, tendo em vista provavelmente um outro processo, que não este.

Assim, embora o R. José... não tenha interposto recurso da sentença, esta apelação aproveita-lhe, uma vez que lhe foi imputado nexo de solidariedade entre o seu comportamento e o dos outros RR. (cfr. art.º 634.º n.º 2 alínea c) do CPC), devendo ser absolvido do pedido.

Terceira questão (alargamento da base instrutória).

Os apelantes manifestaram o desejo, a título subsidiário, para o caso de se entender que a matéria de facto fixada conduzia à sua responsabilização, que a base instrutória fosse alargada a matéria de facto tida por relevante, que levaria, se provada, à absolvição dos RR..

Conforme relatado supra, os RR. reclamaram da base instrutória aquando da sua fixação. Tal reclamação, que visava precisamente o ora peticionado alargamento da base instrutória, não teve sucesso e do respetivo despacho só cabia, ao abrigo do art.º 511.º n.º 3 do CPC de 1961, então vigente, impugnação no recurso interposto da decisão final.

Acresce que, e é nessa medida que nesta fase o pretendido alargamento poderá ser atendido, a Relação poderá anular a decisão proferida na primeira instância quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto (alínea c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC).

Vejamos.

Os RR. pretendem que a base instrutória abarque matéria contida em mais trinta e três artigos da sua contestação.

Afigura-se-nos que tal pretensão deve ser rejeitada.

Com efeito,
quanto aos artigos 7.º a 13.º da contestação, respeitam a outros processos instaurados pelo A. ou empresas suas representadas, que nada têm a ver com os textos em concreto alvo desta ação, sendo essa matéria irrelevante para a apreciação desta causa, máxime agora, em sede de recurso;
Os artigos 94.º a 98.º da contestação reportam-se ao teor do relatório da PJ e do despacho de arquivamento proferido pelo M.º P.º, os quais estão juntos aos autos e foram alvo de análise nesta apelação, pelo que nada há a “aditar” a este respeito;
O art.º 100.º da contestação reduz-se à afirmação de que “a ETP foi constituída no âmbito e na sequência da muito polémica reestruturação portuária da Madeira”, a qual nada traz de novo ou de relevante para a apreciação deste litígio, face ao que nele já está assente;
Os artigos 123.º e 124.º repetem o que consta dos artigos 97.º e 98.º, rejeitados supra;
Os artigos 132.º e 133.º limitam-se à formulação de um juízo conclusivo-valorativo quanto ao contributo que o “Garajau” teria vindo a prestar em benefício da liberdade de informação e de expressão;
O art.º 152.º contém um mero juízo de valor, o de que se o A. sofreu danos, tal deve ser imputado à sua própria conduta e a outros jornais que abordaram o assunto antes dos RR.;
No art.º 154.º afirma-se que o A. está “totalmente conotado como protagonista da polémica reestruturação do “Porto do Funchal”, afirmação vaga e que nada acrescenta de útil ao debate alvo desta ação;
No art.º 155.º afirma-se “onde exercia a actividade das denominadas “operações portuárias em situação de “Monopólio” nunca compreendido e aceite pela opinião pública da Madeira e pelos madeirenses em geral” – ora, essa afirmação já decorre da matéria de facto assente (alíneas Z., AA., PP., QQ., NNN., OOO., PPP.), sendo pois desnecessário tal aditamento;
No art.º 156.º afirma-se que o A. construiu uma imagem negativa junto dos madeirenses – ora, sobre a imagem do A. foram formulados quesitos bastantes, com a resposta constante nas alíneas WW. e CCC., GGG., HHH., III.;
No art.º 157.º afirma-se que essa imagem negativa resulta sobretudo por a conduta do A. e da OPM afetar a economia das famílias madeirenses ao nível dos preços essenciais – ora, essa matéria foi já discutida e ponderada neste acórdão;
No art.º 158.º volta-se ao elevado custo do Porto do Funchal -questão já tratada;
No art.º 159.º diz-se que o A. é uma figura pública - o que já está assente;
No art.º 162.º retoma-se a afirmação de que as acusações ao A. tiveram origem noutros órgãos de comunicação social – questão já tratada;
No art.º 165.º diz-se que o DN (da Madeira) é o jornal mais lido na Madeira – o que é irrelevante para julgar esta ação;
No art.º 166.º diz-se que os escritos dos RR. não tiveram qualquer repercussão no continente - o que é matéria já tratada nas alíneas A., X., HHH., MMM.;
Nos artigos 167.º e 168.º retoma-se a afirmação de que os factos imputados ao A. foram noticiados muito antes dos RR. os abordarem – questão já tratada;
Nos artigos 169.º e 170.º afirma-se que os RR., antes da publicação dos escritos em causa, tentaram previamente contactar e confrontar o A., a ETP e OPM com as informações de que dispunham, tendo-lhes sido recusado qualquer contacto ou esclarecimento – ora, essa matéria já era abordada no art.º 29.º da base instrutória, com a formulação correspondente à titularidade do ónus da prova, que recaía sobre o A.;
Nos artigos 171.º e 172.º afirma-se ser “do domínio público o ódio e a perseguição judicial politicamente orientada e orquestrada contra o “Garajau”, seus representantes e jornalistas”, que “incomodando com a sua irreverência satírica (“cruel”) e investigação jornalística contra o poder instituído, é alvo a abater” – considerações que extravasam o objeto do processo, que se atém ao caso do A.;
No art.º 173.º afirma-se que nenhuma foto do A. integra os textos escritos pelos RR. – ora, sobre isto já havia o que constava na alínea G) da matéria assente e nos quesitos 2.º e 3.º, dados como provados sob as alíneas EE. e FF.

Nesta parte, pois, a apelação improcede.

Quarta questão (valor da indemnização fixada)

O A. peticionou a condenação dos RR. numa indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 250 000,00.

O tribunal a quo condenou os RR. numa indemnização no valor de € 30 000,00 (montante que o A. aceitou, uma vez que não impugnou a sentença). Por sua vez os apelantes defendem que o valor arbitrado é “manifestamente excessivo”, “absolutamente inibitório do uso da liberdade de expressão tanto pelos recorrentes como pelos jornalistas em geral” (conclusão XVI).

Vejamos.

Na sentença recorrida fundamentou-se pela seguinte forma o montante da indemnização arbitrada:
O montante da reparação deve, pois, ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Nos crimes contra a honra, para a reparação do dano não patrimonial, haverá que considerar a natureza, a gravidade e o reflexo social da ofensa em função do grau de difusão do escrito, do sofrimento do ofendido e da sua situação social e política. Quando, como no caso sub judice, a divulgação tiver tido lugar através da imprensa, que tem como destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora do dano, seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público, haverá que ter em consideração, na formulação do montante indemnizatório, essa capacidade de difusão. Assim, na busca da solução mais ajustada às circunstâncias, importa agora concluir sobre o valor pecuniário que se considera justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu - tendo sempre presente e atentando, com bom senso e prudência, nas especificidades do circunstancialismo que concorre na situação sub judice e que fazem dela uma situação circunstancial própria e diferente. – Neste sentido, vide Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-12-2008, com o n.º de processo 8361/2008-8, disponível in www.dgsi.pt.
Na ponderação do dano sofrido pelo Autor, haverá, assim, que atentar que se trata de publicação de notícias num quinzenário, com uma tiragem reduzida - como resultou de toda a prova produzida nos autos - o que indicia a sua menor capacidade de impacto no público em geral (quando comparado com uma publicação diária de grande tiragem).
Ao que vem de dizer-se haverá ainda que considerar que o “Garajau” era uma publicação de tiragem Madeirense, o que significa que o seu escopo de influência terá ficado confinado a esta Região Autónoma.
Por outro lado, o Autor é um empresário conceituado, representado pelos seus pares como pessoa séria, recta, exigente, inteligente e visionária que, face à publicação destas notícias, sofreu ansiedade, revolta, tristeza e indignação.
Aliás, um cidadão comum, colocado na mesma situação em que o Autor se viu, sentir-se-ia triste, ansioso, indignado, revoltado e impotente face a tal publicação, sabendo que a mesma o sujeitaria a um julgamento em praça pública – pois que a forma como foi redigida deixou no ar a suspeita de que o arquivamento efectuado teria sido dúbio - quando era certo que, em termos judiciais, a situação se mostrava já resolvida e apreciada. Tal tristeza, ansiedade, revolta, indignação e sentimento de impotência ultrapassam as meras arrelias ou inquietações e merecem, por isso, a tutela do direito, pela repercussão que tiveram, como se extrai dos factos provados, no bem-estar do Autor.
A tudo quanto vem de dizer-se haverá apenas ainda que acrescer que o Autor, enquanto empresário de renome, se mostra pessoa sujeita a exposição pública e, consequentemente, mais sujeito a este tipo de publicação e a este tipo de situações.
Concluímos, tudo ponderado, que os danos alegados pelo Autor, pela sua gravidade e repercussão na reputação e bom-nome deste, se mostram merecedores da tutela do direito e como tal devem dar lugar à obrigação de indemnização.
Considerando, no entanto, tudo quanto vem de dizer-se, entende-se por equilibrado atribuir ao Autor uma indemnização compensatória, pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 30.000,00.

Contrariamente ao ajuizado pelo tribunal a quo, pensamos que as notícias publicadas acerca das razões do arquivamento do processo-crime e sobre a extração de certidões para ulteriores averiguações cabiam na função informativa atribuída à imprensa e continham-se no âmbito da faculdade de emissão de opiniões que cabe aos jornalistas. Também o noticiado quanto a uma eventual reapreciação do arquivamento desse processo assentava em movimentações imputadas ao dirigente regional de um partido político, publicitadas pelo semanário Sol, não se vendo porque razão os RR. se haveriam de coibir de as comentar, mesmo de forma que desagradaria ao A., atendendo a que se tratava de matéria com interesse geral para os leitores madeirenses e que já fora alvo de amplo debate na opinião pública madeirense. Também a linguagem sarcástica usada, que foi alvo de crítica pelo tribunal a quo, não funda pretensão indemnizatória, pois enquadra-se no estilo satírico que carateriza o “Garajau”, cujo pendor contundente, mesmo acintoso e desagradável, era conhecido dos seus leitores e se integra numa tradição antiga, de que “As Farpas” de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão constituem exemplo maior, e que é uma linha de formulação de crítica social que merece proteção no âmbito da liberdade de expressão, como já se pronunciou o TEDH, supra citado.

Restam, assim, as imputações de utilização de contabilidade paralela, para fuga ao Fisco, e de financiamento ilegal de um partido político.

Aqui haverá que procurar o justo equilíbrio, tendo em mente que, como escreve o TEDH, “qualquer decisão que fixe perdas e danos por difamação deve apresentar uma relação razoável de proporcionalidade com a ofensa causada à reputação” (Caso Público – Comunicação Social, S.A. e outros c. Portugal, Queixa n.º 39324/07, acórdão de 07.12.2010, supra citado, n.º 55), devendo evitar-se condenações que corram “inevitavelmente o risco de dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões de interesse para a vida da comunidade” (Caso Público,…, citado) e sejam “de natureza a impedir a imprensa de cumprir o seu papel de informação e de controlo” (idem). Sem esquecer que, conforme estipula o art.º 494.º do Código Civil, aplicável por remissão do art.º 496.º n.º 4, haverá que levar em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.”
Ora, o Garajau, já desaparecido, cuja sociedade proprietária foi dissolvida e liquidada, conforme se deu conta no Relatório supra (foi substituída neste processo pelos RR. Eduardo... e Gil...), era um pequeno jornal regional, com uma tiragem de 500 exemplares, cujas notícias se inseriam naquilo que sobre a mesma temática havia sido publicitado por meios de comunicação bem mais influentes, pelo que nem sequer se poderá dizer que a atuação dos RR. terá tido, por si só, uma forte repercussão na imagem do A.. Por outro lado os RR. também não se apresentam nos autos como pessoas de elevado poder económico. Assim, tudo ponderado, e atendendo a que esta Relação, pelas razões expostas, aplica de forma mais parcimoniosa do que a primeira instância o juízo de ilicitude à conduta global dos RR., mas que não poderá esquecer-se o carácter doloso da conduta ilícita apurada, entende-se que a indemnização por danos não patrimoniais se deve fixar em € 15 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação (nesta parte – vencimento de juros de mora desde a data da citação -, mantém-se o decidido pela primeira instância, que não foi alvo de impugnação, sendo certo que o A. peticionara juros desde a data da prática dos factos ilícitos e só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização atualizar o respetivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão - ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil - é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão de 09.5.2002, publicado no D.R., I-A, de 27.6.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação - sendo certo que não existe fundamento legal para se presumir que os tribunais proferem sentenças atualizadas face aos pedidos formulados – neste sentido, v.g., STJ, acórdão de 04.12.2007, processo 07A3836 - atualização a que não se procedeu neste acórdão).

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição:
a) Absolve-se o R. José... do pedido;
b) Condena-se os RR. Gil... e Eduardo..., por si e em representação da dissolvida P. Lda, solidariamente, a pagarem ao A. a indemnização, por danos não patrimoniais, de € 15 000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.

As custas da ação, na primeira instância e nesta apelação, serão a cargo do A. e dos RR., na proporção do respetivo decaimento em cada uma das instâncias.


Lisboa, 21.5.2015

Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Eduardo Azevedo