Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
885/05.4TYLSB.L1-7
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: MARCAS
IMITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Para que a semelhança entre as marcas constitua imitação é necessário que a mesma provoque no espírito do consumidor risco de confusão (nele se incluindo o risco de associação) com a marca anteriormente registada.
II - O risco de confusão é aferido por referência ao consumidor médio dentro do público do produto a que a marca se destina.
III - O carácter distintivo da marca há-de ser encontrado numa perspectiva de conjunto e não pela análise detalhada de cada um dos seus elementos individuais.
IV - Para haver imitação, o risco de confusão tem de ser significativo.
V - Na comparação deve atender-se ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores.
VI - A distinguibilidade das marcas nominativas relaciona-se primordialmente com o seu aspecto fonético e gráfico, devendo ignorar-se os elementos genéricos e descritivos.
VII - Segundo a teoria da distância, o titular de uma marca não poderá exigir que a marca concorrente tenha maior distância distintiva em relação à sua do que a distância que ele mesmo estabelece relativamente a marcas anteriores.
VIII - Marca notória é aquela que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles que estão em contacto com o produto e, como tal, reconhecida, e a tal ponto afamada de, por vezes, se confundir com o próprio produto.
IX - Não se considera haver risco de confusão entre a marca registada SENSODYNE e a marca registanda SENSIKIN.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):

1 – RELATÓRIO.
A (…), e B (…) (Ireland), vieram, ao abrigo do disposto nos art. 39º e ss. do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu o registo de marca nacional nº ... “SENSIKIN”,
com os seguintes fundamentos:
são titulares de vários registos de marcas, prioritários, caracterizados pela expressão sensodyne, assinalando produtos idênticos ou afins e sendo os sinais confundíveis, dadas as semelhanças gráficas e fonéticas, existindo imitação.
o sinal Sensodyne é uma marca líder, sendo notoriamente conhecida o que agrava a confusão derivada da similitude dos sinais;
ao conceder o registo em causa, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 224º, nº1, 239º, al. m), e 245º, nº1, do CPI.
Pedem a revogação do despacho recorrido e a recusa do registo.
Citada a parte contrária, C (…), S.A., nos termos do disposto no art. 44º do Código da Propriedade Industrial, veio responder no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte alegação:
não existem nos autos prova dos direitos de que se arrogam;
 os sinais em confronto são gráfica e foneticamente diferentes, sendo o vocábulo comum Sens descritivo de produtos comercializados no sector da cosmética e higiene pessoal, inexistindo indução dos consumidores em erro ou confusão.
Foi proferida sentença que, dando provimento ao recurso, revogou o despacho recorrido que deferira o pedido de registo da marca nacional nº ... “SENSIKIN”, negando-se assim protecção jurídica nacional à referida marca para os para os quais foi pedida.
Inconformada com tal sentença, a Recorrente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
a) A Sentença proferida aplicou, em singelo entendimento, erroneamente, regras de direito, mormente no que concerne à interpretação do artigo art.ºs 1.º, 239.º, n.º 1, alínea m), 241.º, n.º 1, 245.º, n.º 1, alínea c) e 317.º, todos do CPI, na versão aplicável aos autos (o pedido da marca registanda é de 2003/10/23, pelo que lhe é aplicável a redacção do CPI, de acordo com o Decreto-Lei n.º 36/2003 de 05 de Março, que entrou em vigor no dia 01 de Julho de 2003).
b) Salvo melhor opinião, não foi feita correcta aplicação do disposto no art.º 245.º, n.º 1, alínea c) do CPI, no que tange à verificação, in casu, do conceito de imitação e da inexistência de semelhança entre as marcas em confronto, tendentes a induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor, já que a, conquanto douta, Sentença entendeu estar verificado o terceiro requisito do conceito de imitação [alínea c) do n.º 1 do art.º 245.º do CPI de 2003].
c) Há que proceder a uma visão de conjunto dos sinais em apreço, privilegiando-se ainda o elemento prevalecente de tais marcas: “SENSIKIN” e “SENSODYNE”.
d) É visível que, retirado a parte genérica “SENS” (constatação que a própria Sentença adopta, considerando o “SENS” relativo à ideia de sensibilidade), restam como elementos prevalecentes “IKIN” (lido será “iquim”) e “ODYNE” (como se fosse “ódine”).
e) A primeira marca é uma palavra grave, com acentuação na última sílaba: “KIN”, ao passo que a acentuação na marca “SENSODYNE” se faz na penúltima sílaba: “DY”.
f) Como referido, sendo os sinais em confronto compostos pelos prefixos “SENS” e não tendo este qualquer carácter distintivo, na classe de produtos em causa, só nos resta concluir que o elemento mais forte é a segunda parte de tais palavras (respectivamente, “IKINversus “ODYNE”).
g) Operando o confronto entre “sensIKIN” e “sensODYNE” ressaltam evidentes diferenças, entre as marcas em causa, pelo que do ponto de vista gráfico não há qualquer semelhança.
h) Foneticamente, “IKIN” e “ODYNE” pronunciam-se forma bastante diversa, como supra apontado, sendo diferentes as sílabas tónicas e o som que delas se obtém, aquando da sua leitura.
i) Este “recorte” das letras “IKIN” e “ODYNE” não visa dissecar os elementos das marcas, mas antes para, de forma reveladora, denotar a sua sonoridade e fonética, pelo que se discorda do raciocínio presente na sentença, quando se estabelece que a pronúncia de KIN ser fará como “QUINE”.
j) Na verdade, em Portugal é frequente as palavras terminadas em “in” serem lidas como se terminassem em “im”, face à regra gramatical que obriga à colocação do “m” no final de algumas palavras e não do “n”.
k) O “KIN” não se lerá, em Portugal, “KINE”; ao invés, em português ler-se-á “QUIM”, sendo que defender hipótese contrária é violar as regras da experiência comum (art.º 351.º do CC), quando é facto notório que os Portugueses tendem a pronunciar as palavras estrangeiras de forma alterada da língua “origem” de tais palavras (invocando-se para este efeito o art.º 514.º do CPC.
l) A Sentença em crise não acautelou este especial circunstancialismo, errando ao ter por correcto que a sílaba “KIN” se lerá como “QUINE”.
m) Daí que “SENSIKIN” se lerá “SENSIQUIM”, hipótese bem mais plausível do que a sustentada na, apesar de tudo, Douta Sentença.
n) Cai assim a única semelhança identificada na Sentença, que aliás, na parte final, cuida de salvaguardar que a marca registanda não provocaria actos de concorrência desleal.
o) Resulta, de tudo isto que, foneticamente e graficamente as marcas não são semelhantes, nem outra semelhança existe entre as marcas no sentido estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 245.º do CPI de 2003 que impedisse a sua concessão.
Conclui pela revogação da Sentença, decidindo-se pela concessão do Registo da Marca Nacional n.º ... “SENSIKIN”.
Foram apresentadas contra-alegações, no sentido da manutenção do decidido.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº2 do art. 707º, do CPC, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir  resume-se a uma única:
1. Imitação de marca anteriormente registada – semelhança entre os sinais.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A. Matéria de Facto.
São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:
1 – Por despacho de 24/01/05, publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº 3/05 de 31/03/05, o Sr. Director da Direcção de Marcas do INPI, por subdelegação de competências do conselho de administração, deferiu o pedido de registo de marca nacional nº ... “SENSIKIN”, apresentado em 23/10/2003.
2 – Tal marca visa assinalar os seguintes produtos na classe 3ª: produtos de higiene oral, nomeadamente dentífricos, líquidos para lavar a boca, sprays e geles para combater a sensibilidade oral.
3 – É composta pela expressão sensikin impressa em letras de imprensa maiúsculas regulares e não reivindicou cores.
4 –  B(…) (Ireland) é titular dos seguintes registos.
a) SENSODYNE TOTAL CARE, nominativa, marca nacional nº 360.109, pedido em 15/11/01, registado em 17/01/03, assinalando dentífricos na classe 3ª;
b) SENSODYNE EXTRA FRESH, nominativa, marca nacional nº ..., pedido em 25/07/03, registado em 25/08/04, assinalando os seguintes produtos:
- na classe 3ª: dentífricos e pastas de dentes não medicamentosos; dentífricos e pastas de dentes para dentes sensíveis, preparações não medicamentosas para o cuidado e tratamento da boca, líquidos não medicamentosos para lavar a boca, produtos para a higiene oral incluídos nesta classe; preparações de toilette não medicinais;
- na classe 5ª: dentífricos e pastas de dentes medicamentosos; preparações medicamentosas para o cuidado e tratamento da boca, produtos medicinais para a higiene dentária e para bochechar, preparações farmacêuticas e preparações medicinais para o cuidado da boca, para a higiene oral e para o alívio da hipersensibilidade dentária, produtos para a higiene oral incluídos nesta classe; tabletes de fluór para a prevenção de cáries e para lavar a boca; pastilhas elásticas de uso medicinal para o tratamento, cura e/ou alívio de infecções e/ou dores da cavidade bucal.
c) SENSODYNE, nominativa, marca comunitária nº ..., pedido em 19/08/96 e registado em 22/09/99, assinalando os seguintes produtos:
- na classe 3ª. Preparações e substâncias para a manutenção da higiene oral; dentífricos, produtos para lavar a boca, produtos para enxaguar a boca, artigos de toilette, preparações e substâncias para refrescar a boca, óleos essenciais;
- na classe 5ª: produtos e substâncias farmacêuticas e medicinais para manutenção da higiene oral; preparações e substâncias que aliviam a dor e o desconforto ligado à hiper-sensibilidade dentária; preparações e substâncias para combater o apodrecimento dos dentes; preparações e substâncias para tratar e aliviar a dor e o desconforto provocados por doenças e afecções das gengivas e da boca; dentífricos e pastas dentífricas medicinais.
- na classe 10ª: fio dental; bastões e palitos dentários; fita dentária; instrumentos e aparelhos de higiene.
5 – A (…) é titular dos seguintes registos de marca internacional.
a) SENSODYNE, nominativa, nº ... B, pedido em 20/01/62 e deferido em 13/12/62, assinalando na classe 3ª: Pâte dentifrice; notamment pâte dentifrice pour la protection des dents contre la sensibilité doloureuse.
b) SENSODYNE SEALANT, nominativa, nº ..., pedido em 17/12/92, deferido em 16/02/94, assinalando os seguintes produtos na classe 5ª: Préparations et substances pour le traitment de dents et de molaires hypersensibles; solutions aqueuses d'oxyde ferrique pour appplication locale afin de diminuer et d'eliminer douleurs et désagrements provenant de dents et de molaires hypersensibles; produits à employer par les dentistes pour le traitment local des dents et de molaires hypersensibles.
6 – D (…) é titular dos seguintes registo de marca internacional:
a) SENSODYNE, nominativa, nº ..., pedido em 31/10/91, concedido em 04/12/92, assinalando os seguintes produtos na classe 5ª: produits médicinaux pour l'hygiéne dentaire et gargarismes; préparations pharmaceutiques et médicinales pour les soins des dents et l'hygiéne buccale et pour soulager l'hypersensibilité de la denture; produits pour l'hygiéne buccale non compris dans d'autres classes.
b) SENSODYNE, nominativa, nº ..., pedido em 07/08/92 e concedido em 28/09/93, assinalando os seguintes produtos:
- na classe 3ª: gomme à mâcher à usage médical pour le traitment, la guérison et/ou attenuation des affections de la cavité buccale et/ou des douleurs dans celle-ci.
- na classe 5ª: gomme à mâcher.
7 – Vigoram em Portugal os seguintes registos de marca:
- nacional nº…, SENSULIN, nominativa, assinalando produtos na classe 5ª;
- nacional nº …, SENSORAL, nominativa, assinalando produtos na classe 5ª;
- nacional nº …, SENSIDOU, nominativa, assinalando produtos nas classes 3ª e 5ª;
- internacional nº…, SENSILIS, nominativa, assinalando produtos nas classes 3ª e 5ª;
- internacional nº…, SENSONAL, nominativa, assinalando produtos nas classes 5ª, 16ª, 21ª e 24ª;
- internacional nº 558 819, SENSYDRA, nominativa, assinalando produtos na classe 3ª;
- internacional nº 574 077, SENSIGEL, nominativa, assinalando produtos nas classes 3º e 5ª;
- internacional nº …, SENSORIL, nominativa, assinalando produtos nas classes 3ª, 5ª e 21ª;
- internacional nº…, SENSEDOL, nominativa, assinalando produtos na classe 5ª;
- internacional nº…, SENSISAN, nominativa, assinalando produtos na classe 5ª;
- internacional nº…, SENSIGYN, nominativa, assinalando produtos nas classes 3ª e 5ª;
- comunitário nº…, SENSOLAN, nominativa, assinalando produtos na classe 3ª;
- comunitário nº…, SensLab, nominativa, assinalando produtos nas classes 1ª, 5ª, 9ª, 10ª, 42ª e 44ª;
- comunitário nº …, SENSIFIC, nominativa, assinalando produtos na classe 3ª;
- comunitário nº…, SENSYSES, nominativa, assinalando produtos na classe 3ª.
B. O Direito.
1. Imitação de marca anteriormente registada – semelhança entre os sinais.
Tendo o pedido de registo da marca sido apresentado a 23.10.2003, ser-lhe-ão aplicáveis as normas do Código da Propriedade Industrial, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 36/2003, de 5 de Março[1].
De harmonia com o disposto na al. m), do art. 239º do Código da Propriedade Industrial, é recusado o registo de marcas, que contenham, em alguns ou todos os seus elementos, “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
 E, segundo o nº1 do art. 245º do mesmo Código, a marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
O tribunal a quo, sem que tenha chegado a aferir da notoriedade dos sinais das recorrentes, considerou encontrarem-se preenchidos todos os requisitos da imitação, negando protecção jurídica nacional à marca em causa e revogando o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
A requerente insurge-se contra tal sentença, questionando tão só a verificação do requisito previsto na al. c) do nº1 do art. 245º, questão que passamos a analisar.
A norma em causa protege o titular da marca não só quando exista absoluta identidade das duas marcas (contrafacção), como quando ocorra uma mera semelhança entre as marcas (imitação), caso em que será necessário provar que essa semelhança provoca risco de confusão, no espírito do público, devido à associação dos dois sinais.
E, como refere Pedro Sousa e Silva, de tais normas ressalta que o que não pode aceitar-se – com identidade ou com mera semelhança – é que as marcas gerem um risco de confusão entre os consumidores – afinal de contas, os destinatários da informação que o sinal distintivo pretende veicular[2].
Para que a semelhança entre marcas constitua imitação é necessário que a mesma provoque no espírito do consumidor risco de confusão (nele se incluindo o risco de associação) com a marca anteriormente registada.
Segundo Coutinho de Abreu[3]risco de confusão (em sentido lato) quando os consumidores podem ser induzidos a tomar a marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (os consumidores crêem erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto), e há risco de associação quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro (crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos).
E, do muito que tem sido escrito sobre imitação de marcas, na doutrina e jurisprudência, destacam-se os seguintes princípios orientadores:
Em primeiro lugar, tendo as marcas por destinatário o consumidor, sendo este a possível vítima da confusão, é por referência ao consumidor médio[4] que esse risco deve ser aferido.
E o consumidor médio há-de ser encontrado dentro do público do produto a que a marca se destina:
“Há pois que identificar e atender às características dos consumidores típicos dos produtos ou serviços em causa, ao seu grau de instrução, de atenção, aos seus hábitos de consumo, valores, expectativas e preocupações – pois todos estes factores condicionam a sua atitude no mercado e, ao fim e ao cabo, a sua exposição ao risco de confusão[5]”.
O critério de apreciação deve ser o mais possível objectivo, considerando-se a perspectiva do consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, de entre aqueles a quem o produto se destina.
Em segundo lugar, o carácter distintivo das marcas há-de ser encontrado numa perspectiva de conjunto e não pela análise detalhada de cada um dos seus elementos individuais.
Tal conclusão assenta na consideração de que “o consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é simultânea, mas sucessiva. Por isso, a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter do outro[6]”.
“Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam, mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que subsiste quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam.
A imitação deve ser, pois, apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados ou isolados e separadamente[7]”.
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas[8]”.
Em terceiro lugar, o risco de confusão tem de ser significativo: para haver imitação, o art. 245º do CPI exige um risco de induzir “facilmente” o consumidor em erro ou confusão[9].
Como se afirma no Acórdão do STJ de 13.07.2010[10], há um certo grau de confundibilidade que é ainda admissível e socialmente adequado: todos os operadores económicos imitam, toda a imitação traz alguma confusão, mas esta só é repelida como concorrência desleal se atingir um certo grau de tolerabilidade.
Por fim, na comparação deve atender-se ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores:
“No fundo, interessa para a comparação aquilo que o consumidor retém de cada marca quando a não tem à sua frente, ou seja, a reminiscência que ficou na sua memória e que lhe permite reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar[11]”.
A marca tem de ser nova – o requisito da novidade encontra-se na exigência de carácter distintivo, pois não será susceptível de se distinguir de outros sinais se não for nova o suficiente do anteriormente protegido[12].
A marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, conforme integre apenas elementos verbais, figuras, ou seja o resultado da conjugação de ambas.
As marcas nominativas são as que integram um sinal ou um conjunto de sinais nominativos, estando essencialmente em causa um determinado fonema.
A distinguibilidade das marcas nominativas relaciona-se primordialmente com o seu aspecto fonético e gráfico.
Passamos à análise do caso em apreço, cingindo a apreciação à questão da eventual semelhança das marcas em confronto e da sua capacidade de induzir o consumidor em erro, assente que está que a marca da apelada é prioritária e a identidade dos produtos assinalados pelos sinais opostos na mesma classe.
Ambas as marcas são exclusivamente nominativas:
A marca prioritária é SENSODYNE e a marca a registar é SENSIKIN.
O factor comum reside no elemento gráfico “SENS” que, contudo, como é reconhecido na sentença recorrida, constituiu um prefixo descritivo de produtos no sector da cosmética e higiene pessoal:
Efectivamente o conjunto de letras SENS como prefixo remete para sensível, sensitivo, sensibilidade, tudo características e objectivos vulgares na cosmética e higiene pessoal. O facto de serem letras comuns às palavras similares em inglês e francês (sensibility e sensibilité) torna este conjunto de letras ainda mais vulgar”.
Como vem defendendo a generalidade da doutrina e jurisprudência, ao efectuar a comparação, devem ser ignorados os elementos genéricos ou descritivos dos sinais em confronto[13]. Tais elementos (entre os quais se incluem as expressões usuais na linguagem corrente) são desprovidos de capacidade distintivo e não são passíveis de apropriação exclusiva.
Restam-nos os elementos “SIKIN” e “SODYNE”, que inseridos na palavra que constituiu cada uma das marcas lhe atribuem uma sonoridade suficientemente diferente (a 1ª lê-se “sensikin[14]” e a 2ª “sensódine”).
Ora, como defende Carlos Olavo, nas marcas nominativas, a semelhança fonética adquire particular importância, pois os fonemas são retidos pela memória mais rapidamente que a grafia[15].
E, embora a semelhança fonética entre expressões não obedeça a critérios rigorosos, centrando-se sobretudo no respectivo impacto auditivo, tal autor[16] enumera alguns critérios para a sua avaliação:
a) equivalência quantitativa das sílabas que as compõem;
b) a identidade da sílaba tónica;
c) a ordem das vogais.
Na análise do elemento fonético relevará o som resultante da leitura da marca.
Pedro Sousa Leite[17] aconselha a proceder à leitura em voz alta, para evidenciar o efeito sonoro e identificar a(s) sílaba(s) tónica(s) das marcas em confronto.
No caso em apreço, não só o número de sílabas é distinto (sen-só-dy-ne e sen-si-kin), como recaindo a sílaba tónica da palavra sensodyne na penúltima sílaba (enquanto em sensikin inicide na última sílaba), tal sílaba corresponde a uma vogal aberta (enquanto em sensikin corresponde a uma vogal fechada).
Ou seja, o elemento forte a nível fonético será sem dúvida o “Ó” aberto, som este que é retido na memória, som este inexistente na marca registanda.
Como afirma Carlos Olavo, relevante é a identidade da sílaba tónica nessas expressões:
“Duas expressões devem considerar-se semelhantes quando as respectivas sílabas tónicas ocupam a mesma posição se sejam idênticas ou muito difíceis de distinguir. É que as sílabas tónicas, como tónicas que são, produzem a absorção auditiva, quer das pretónicas, quer das pos-tónicas, pelo que, sendo idênticas, o som último que fica no ouvido é idêntico e comum a ambas as expressões, o que origina que sejam confundíveis[18]”.
Por fim, surge-nos como especialmente relevante o facto de se encontrarem ainda registadas as seguintes marcas – SENSULIN, SENSORAL, SENSIDU, SENSILIS, SENSONAL, SENSIGEL, SENSORIL, SENSEDOL, SENSISAN, SENSIGYN, SENSOLAN, SENSIFIC, SENSISYSES – algumas das quais com uma similitude gráfica fonética com a marca da apelante superior à que esta demonstra para com a marca sensodine (como é o caso das marcas SENSOLRIL e SENSOLAN, assinalando ambas produtos de 3ª classe, tal como a marca registanda).
Segundo a teoria da distância[19], de origem alemã, o titular de uma marca não poderá exigir que a marca de um concorrente tenha maior distância distintiva em relação à sua do que a distância que ele mesmo estabelece relativamente a marcas anteriores. De acordo com esta premissa, num processo de imitação de marca, o pretenso imitador poderá evitar a anulação do registo da marca se demonstrar que o autor tem vindo a aceitar a existência de marcas concorrentes tão ou mais próximas que a sua.
Pedro de Sousa Ribeiro subscreve tal teoria, atribuindo-lhe um fundamento próximo do abuso do direito, na modalidade do “tu quoque”: “se a curta distância entre a marca registada e a marca registanda é inaceitável, então também seria inaceitável a curta distância daquela às marcas antecedentes[20]”.
É certo que a apelada invoca a seu favor a notoriedade da marca SENSODYNE, por se tratar de “uma marca líder no mercado nacional sendo uma das mais conhecidas marcas mundiais”, invocando um grau de notoriedade no mercado de 47%[21].
Contudo, da factualidade constante dos autos não consta qualquer elemento que suporte a alegada notoriedade[22], podendo, quanto muito, socorrermo-nos da circunstância de ser facto notório que a marca sensodyne é uma marca conhecida no mercado, encontrando-se disponível, pelo menos, na generalidade das grandes superfícies.
Um dos factores a ponderar na susceptibilidade de confusão de um sinal relativamente ao outro é o da notoriedade do sinal imitado[23].
A notoriedade da marca anterior aumenta a susceptibilidade de erro por parte do público, que mais facilmente ligará a nova marca com o sinal pré-existente[24].
A marca notória ou de renome é aquela que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Trata-se de uma marca especialmente afamada, a tal ponto de, por vezes, se confundir com o próprio produto[25].
Contudo, o risco de confusão deverá ser analisado atendendo à capacidade distintiva dos sinais em causa. Um sinal forte, com grande capacidade distintiva tem todas as condições para perdurar na memória dos consumidores de uma forma mais eficaz e duradoura do que um sinal denominado de fraco[26].
Ou, nas palavras de Coutinho de Abreu[27], o risco de confusão é maior quando a marca registada é “forte” (não “normal” nem “fraca”) ou muito conhecida: a marca que se pretende registar tem então de apresentar maiores dissemelhanças a fim de não induzir o público em erro.
“Marcas fracas ou débeis são marcas com pouca capacidade distintiva, por conterem elementos específicos, genéricos, descritivos ou de uso comum[28]”.
Ora, no caso em apreço, não só a apelada não logrou demonstrar o alegado grau de notoriedade, como nos encontramos perante um sinal dotado de fraca eficácia distintiva (como já se referiu, é formado pelo elemento SENS, correspondente a um prefixo utilizado na linguagem comum e num sem número de outras marcas, sem que o elemento distintivo, ODYNE, acarrete consigo uma originalidade marcante).
Concluindo, ao contrário do decidido na 1ª instancia, e numa perspectiva do consumidor médio, entende-se não se verificarem os requisitos da imitação, ou seja, risco de confusão ou de associação entre a marca registanda e a marca da apelada[29].
A Apelação será de proceder.

IV – DECISÃO.
 Pelo exposto, os juízes deste tribunal da Relação acordam em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e como tal, subsistente o despacho do Director dos Serviços de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca “SENSIKIN” à ora apelante.
Custas da apelação a suportar pela Apelada.
Após trânsito, envie-se cópia da decisão nos termos das disposições conjugadas dos arts. 47º e 35º, nº3 do CPI.

Lisboa, 15 de Maio de 2012

Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
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[1] Não lhe sendo aplicáveis as alterações resultantes do Dec. Lei nº 143/2008, de 25 de Julho, que entraram em vigor a 1 de Outubro de 2008, dado o princípio geral de não retroactividade da lei substantiva consagrado no art. 12º do Código Civil.
[2] “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, Dezembro 2011, pag. 173; ou ainda como noutro local afirma, “o direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido – cfr., “O Princípio da Especialidade das Marcas. A Regra e a Excepção: As Marcas de Grande Prestígio”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, Vol. I, Janeiro/1998, pag. 382.
[3] “Marcas (Noção, Espécies, Funções, Princípios Constituintes), in Boletim da Faculdade de Direito UC, Vol. LXXIII, Coimbra 1997, pag. 145.
[4] Cfr., neste sentido, entre outros, Carlos Olavo, “Propriedade Industrial, Vol. I – Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, 2ª ed., Almedina 2005, pag. 108, e Paula de Carvalho, “A Violação da Licença e o Esgotamento do Direito de Marca”, Coimbra Editora, 2011, pag. 17, nomeadamente, nota 4.
[5] Cfr., Pedro Sousa Dias, “Direito Industrial (…)”, pag. 174. Luís M. Couto Gonçalves propõe ainda a distinção de vários sub-tipos de consumidor médio, em função dos produtos ou serviços em questão (natureza, características e preço): o consumidor profissional e especializado, no caso dos produtos e serviços serem normalmente adquiridos por profissionais ou peritos, o perfil de um consumidor mais atento no caso de produtos ou serviços de preço muito elevado, e o perfil de um consumidor médio menos diligente no caso dos produtos de baixo preço e largo consumo – cfr., “Direito das Marcas”, 2ª ed., Almedina 2003, pag. 141.  
[6] Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, Vol. I – Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, 2ª Ed., Almedina 2005, pag. 101.
[7] Carlos Olavo, obra citada, pag. 102
[8] Cfr., entre outros, Acórdão de 18.03.2005, relatado por Ponce Leão, disponível in http://www.dgsi.pt., no seguimento do defendido por J. M. Coutinho de Abreu, segundo o qual as marcas não devem ser dissecadas analiticamente a fim de excluir do exame elementos ou segmentos, designadamente os que não têm ou têm pouca capacidade distintiva (isto, sem pretender dizer que o juízo sobre a semelhança há-de ser impressionístico, não fundado em análise e ponderação das semelhanças e dissemelhanças) – “Marcas (…)”, pag. 144.
[9] Cfr., neste sentido, Pedro Sousa Dias, “Direito Industrial (…)”, pag. 176.
[10] Acórdão relatado por Fonseca Ramos, disponível in http://www.dgsi.pt.
[11] Cfr., Pedro Sousa Dias, que chama ainda a atenção para a necessidade de evitar um erro frequente, “que consiste em colocar os sinais lado a lado e realizar um exercício comparativo de “veja as diferenças … A comparação deve fazer-se em condições análogas àquelas que o consumidor enfrenta no dia a dia: visualizando apenas uma das marcas e tendo como referência a memória que guardou da outra” – “Direito Industrial (…), pag. 176 e 177.
[12] Cfr., neste sentido, Paula de Carvalho, “A Violação da Licença e o Esgotamento do Direito de Marca”, Coimbra Editora, 2011, pag. 19.
[13] Cfr., neste sentido, entre outros, Pedro Sousa e Silva, “Direito Industrial (…)”, pag. 177, Luís M. Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 2ª ed., Almedina, Setembro 2008, pag. 279, Paula de Carvalho, “A Violação da Licença (…), pag. 20
[14] E, não “sensiquim”, como pretende a apelante.
[15] Cfr., “Propriedade Industrial (…), pag. 102; em igual sentido, Ac. STJ de 18-03-2003, já citado, relatado por Ponce Leão, onde se decidiu que as marcas nominativas simples TIJUANA e JOANITA não têm qualquer semelhança gráfica ou fonética.
[16] “Propriedade Industrial (…), pag. 103.
[17] “Propriedade industrial (…), pag. 179.
[18] “Propriedade Industrial (…), pag. 103.
[19] Teoria citada por Luís M. Couto Gonçalves, “Direito de Marcas”, 2ª Ed., Almedina 2003, pag.137, nota 316.
[20] Cfr., “Direito Industrial (…), pag. 177, em especial nota 332.
[21] A notoriedade da marca não releva aqui para efeitos da aplicação do art. 241º CPI, uma vez que esta norma apenas alarga a protecção da marca aos casos em que a mesma se não encontre registada no nosso país. 
[22] Apesar de ter protestado juntar um estudo de mercado que atestava tal grau de notoriedade e de o juiz a quo, antes de proferir a sentença recorrida, ter determinado a sua notificação para proceder à junção de tal documento, a apelada não chegou a proceder à sua junção aos autos.
[23] Cfr., Carlos Olavo, “Propriedade Industrial (…), pag. 107.
[24] Pedro Sousa e Silva, “Direito Industrial (…), pag. 178;
[25] Cfr., neste sentido, José Gabriel Pinto Coelho, “”A Protecção da Marca Notoriamente Conhecida”, in RLJ, Ano 84, pags. 129 e ss.; Alberto Francisco Ribeiro de Almeida explicita que a marca notória se situará num patamar inferior ao do prestígio ou celebridade, bastando-se com o conhecimento no grupo constituído pelos consumidores actuais ou potenciais da marca em questão – “Marca de Prestígio, Marca Notória e Acordo ADPIC/ TRIPS, in “Direito Industrial”, Vol. VI, da APDI – Associação Portuguesa de Direito Intelectual, Almedina, pag. 68.
[26] Cfr., Luís Pedro Domingues, “Marcas Notórias, Marcas de Prestígio e Acordo ADPIC/TRIPS”, Direito Industrial, Vol. VII – APDI – Associação Portuguesa de Direito Intelectual, Almedina, pag. 176.
[27] “Marcas (…), estudo e local citados, pag. 146.
[28] Coutinho de Abreu, estudo e local citados, pag. 146.
[29] No sentido de não se verificarem os requisitos da imitação entre as marcas “ASPIRINA” e “ASPIRIN” e a marca registanda “DOLPIRINA, cfr., Ac. TRL de 15.12.2011, relatado por Maria Amélia Ameixoeira, assim como entre as marcas “MARLBORO e MARBELO, Ac. STJ de 09-04-2001, relatado por Ferreira de Sousa, e ainda entre as marcas “PORCA DE MURÇA” e “VALE DA PORCA”, Ac. TRL de 13-03-2012, relatado por Teresa Henriques, e entre as marcas “TORRES” e “TORRES VEDRAS” (com a especialidade de se encontrarem em causa marcas de natureza mista), Ac. TRL de 15-1-2011, relatado pelo aqui adjunto Luís Lameiras, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt.