Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2673/09.0TAFUN.L1-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: CAMPANHA ELEITORAL
INAUGURAÇÕES
DEVERES DE NEUTRALIDADE E IMPARCIALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O dever de neutralidade e imparcialidade a que todas as entidades públicas estão obrigadas durante o decurso do processo eleitoral, tem como finalidade a manutenção do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, o que constitui uma concretização, em sede de direito eleitoral, do princípio geral da igualdade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
No Processo Comum Singular n.º 2673/09.0TAFUN do Juízo Local Criminal do Funchal (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, por sentença de 16-03-2017 (cfr. fls. 1452 a 1484), no que agora interessa, foi decidido:

«Nestes termos e pelo exposto, julgo improcedente por não provada a douta acusação pública e a pronuncia e, em consequência:
Absolvo o arguido AJ... da prática de dois crimes, na forma continuada, de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p.p pelas disposições conjugadas dos artºs 41º, nº 1 e 172º, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, pelos quais vinha acusado e pronunciado.
Sem custas.
Notifique e deposite.»

Por não se conformar com o assim decidido, interpôs recurso o Mº Pº, sendo a respectiva motivação rematada com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1491 a 1563):

«1. O arguido foi pronunciado por dois crimes continuados de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade em período de recato definido pela Lei Eleitoral das Autarquias Locais.
2. Estes dois crimes consubstanciam-se em dois grupos de factos que estão descritos pela acusação.
3. O primeiro é o grupo de factos quo diz respeito ao aproveitamento da presença da Dr.ª ML..., por parte do arguido para que este, tecendo-lhe elogios, fazer ver que o trabalho realizado pelos autarcas do partido a que pertence, mesmo os das juntas de Freguesia, é de tal valia, que uma personalidade desta importância nacional se sente compelida a prestar publicamente o seu tributo, o que se traduz, na tese da acusação/pronúncia, no favorecimento de uma candidatura — a do partido a que o arguido pertence.
4. O segundo grupo de factos diz respeito a vários episódios, ocorridos em inaugurações na sua maioria de obras municipais, em que elementos do PND marcaram presença, em alguns casos em actos de protesto contra tais inaugurações ocorridas em período de campanha eleitoral para as autarquias locais, tendo o arguido se referido publicamente a estes elementos apelidando-os de fascistas, de meninos ricos filhos de colonos exploradores do povo, remetendo-os a ridículo com alusões a episódios, reais ou inventados envolvendo as suas famílias, ordenando que lhes fosse impedido o acesso a recintos públicos, mandando-os identificar pela PSP, mandando voltar a abrir cartazes com palavras difamatórias que, por razões de segurança a PSP tinha mandado fechar e atiçando a revolta popular contra estes elementos, que chegaram a, por isso, sofrer agressões. Este outro conjunto de factos é, na tese da acusação, objectivamente uma actuacão em prejuízo de uma candidatura.
5. O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, defendendo-se que matéria de facto foi erradamente fixada e que houve errada interpretação e aplicação do direito.
6. Entre as razões de não conformação do Ministério Público com o teor da sentença do Tribunal “a quo” conta-se a incorrecta decisão proferida sobre os factos da acusação que foram dados como não provados na sentença (pontos 1) a 15) e na violação pelo tribunal “a quo” dos princípios da verdade material, do acesso ao direito e a justiça,  entendendo-se que a prova produzida em audiência implica  decisão diversa.
7. Com efeito, o Tribuna1 “a quo” entrou em contradição, deu como provado que ‹» arguido, durante discursos oficiais das inaugurações, durante o período de recato imposto às autoridades públicas, em vista das eleições autárquicas, ao fazer alusões “aos fascistas” e à balança do H..., se referia aos elementos do PND, para quem aliás apontava, para depois dizer que não se tinha provado que era a estes que o mesmo se referia, quer no mesmo discurso quer nos outros que se lhes seguiram e onde foram usadas praticamente as mesmas alusões ou expressões.
8. Isto não obstante as alusões aos estrangeiros, ao H..., à noiva do Cabo, ao Padre L..., etc., como visando os candidatos do PND, tendo ficado completamente esclarecidos nos depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação EW..., GC... e Dr. BA..., as questões de parentesco, de nacionalidade, de propriedade e heranças subjacentes às mesmas alusões e se extrair do conjunto da prova produzida que estas eram efectivamente alusões aos candidatos em questão e suas famílias e contrariam, no essencial, a decisão da matéria de facto feita pelo Tribunal “a quo”
9. Considera o Mº Pº recorrente que os relatos espontâneos, claros, credíveis, consentâneos e seguros prestados pelas testemunhas GC... (cfr. sessão de depoimento do dia 31/10/2016, depoimento da testemunha GC..., passagens de 04:45 a 01 07.12.2015, transcritas na motivação) e EW... (veja-se gravações do julgamento, sessão do dia 07.12.2015 passagens 03:17 a 03:20 e 07:15 a 44:15, transcritas na motivação) e a leitura feita em audiência de julgamento do depoimento prestado pela testemunha Dr. BA... (cfr. auto de inquirição de fls. 421 e 422 dos autos, transcrito na motivação), conjugados com os outros meios de prova documental que foram examinados em sede de audiência formam um todo persuasivo que alicerça a imputação ao arguido dos factos ver tidos sob os pontos 1) a 15) dos factos dados como não provados na douta sentença colocada cm crise.
10. A crer no que está escrito na fundamentação da sentença, os depoimentos das testemunhas da acusação designadamente acerca das referências feitas pelo arguido aos meninos ricos, herdeiros do H... e do Padre L... lhes serem dirigidas e se reportarem a episódios da vida familiar de cada um deles, não foram dadas como provadas pela Mm.ª Juiz porque estas, segundo a fundamentação, se limitaram a fazer afirmações e não trouxeram ao tribunal elementos objectivos do que afirmaram (os quais não conseguimos descortinar quais sejam), sendo certo que foi esclarecido pela testemunha EW... que no final das inaugurações alguns populares dirigiam-se ao mesmo e aos outros elementos do PND ali presentes e transmitiam-lhes que perceberam que as referências desprimorosas feitas pelo arguido nos discursos oficiais visavam esses elementos do PND e as famílias destes; e de ter sido esclarecido Pela testemunha GC... que o arguido durante os discursos vexatórios também usava gestos, apontando na direcção dos membros do PND que presenciavam as cerimónias oficiais, enfatizando - por essa via - que as expressões utilizadas visavam, indiscutivelmente os elementos do PND que ali se encontravam presentes — cfr. as transcricões destes depoimentos juntas na motivação), adiantando ainda a sentença que tais depoimentos teriam de ser avaliados cum granum salis pois move-as interesses políticos e pessoais e mostraram grande animosidade para com o arguido, nos seus depoimentos.
11. Diga-se que a quase totalidade das testemunhas quer da acusação, quer da defesa são políticos de profissão e adversários uns dos outros, pelo que deveria a Mm.ª Juiz esclarecer na sua fundamentação porque é que atribuiu maior peso a uns do que aos outros se afinal todos são movidos pelo mesmo tipo de interesse e sendo certo que não se descortina qualquer falta de objectividade no depoimento das testemunhas de acusação referidas.
12. Aliás, para além das mesmas testemunhas terem prestado o seu depoimento sobre factos de que tinham conhecimento directo e as suas narrativas não apresentarem, em si mesmo, ou entre si, contradições, hesitações ou incoerências que abalassem a credibilidade que merecem os seus depoimentos, apresentaram um relato consentâneo com a prova documental junta aos autos, composta por peças jornalísticas (cfr. fls. 51, 247, 355, 257, 359, 379, 383 c 394 dos autos), reportagens televisivas (com relevância para as imagens captadas pela SIC na inauguração junto ao Tecnopólo e pela RTP na inauguração da nova ligação do Porto do Funchal, visualizadas em sede de audiência de julgamento), relatórios policiais (cfr. fls. 547 e 563) e as gravações audi‹› de declarações prestadas publicamente pelo próprio arguido, que foram reproduzidas em sede de audiência c que coincidem - a grande maioria – com as citações em itálico atribuídas ao então Presidente do Governo Regional nas peças jornalísticas supra referidas (cfr. CD audio junto aos autos, passagens 30173, 30184, 30196, 30224, 30248, ?0261, 30284, 30315 c 30317), de onde resulta que os jornalistas  autores destas  noticias perceberam também muitíssimo bem a quem é que o arguido se estava a referir.
13. Por outro lado, a Mm.ª Juiz deu como provado que o arguido conhecia os deveres de neutralidade e imparcialidade que a LEOAL lhe impunha, mas deu como não provado que o arguido tenha agido livre consciente e deliberadamente.
14. Contudo, se assim é, deveria também, ter considerado provado que o arguido se encontrava coagido na sua pessoa, ou afectado de alguma doença que o impedisse de entender e querer ou que actuou por outra razão que afinal não correspondia à sua própria vontade livre e esclarecida, que interpretou mal a realidade, que estava enganado, o que não fez.
15. Ademais o certo é que o dolo se extrai dos factos.
16. E se o dolo, como pertence à vida interior e afectiva de cada um, é insusceptível de directa apreensão por ser de natureza subjectiva, segue-se que este só se pode captar através de factos materiais comuns (isto é, quer através de sinais revelados no acto criminoso, quer em circunstâncias anteriores, coevas ou posteriores ao acto criminoso e com ele conectadas.
17. Por conseguinte, como refere Figueiredo Dias in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105, págª 142 e seguintes, pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais, ligado ao princípio da normalidade ou das regras da experiência comum.
18. Ou seja a intenção do arguido, a sua posição interior face aos factos de que ele próprio é autor apreende-se na observação da concretização, por ele, desses mesmos factos e n‹›s indícios que eles revelem dessa postura no Eu interior.
19. Ora, a sentença não deixa dúvidas nenhumas de que o arguido disse as palavras e fez os gestos e deu as ordens em causa e que o fez porque quis fazê-lo e que sabia que estava em período de “nojo” eleitoral e que estava ciente dos deveres que a LEOAL lhe impunha.
20. Entende, por isso, o Mº Pº recorrente que a sentença fez uma errada interpretação da prova, designadamente ao dar como não provados os elementos subjectivos do tipo que se encontravam descritos na acusação.
21. Além dos vícios já referidos, entende ainda o Mº Pº que a Mm.ª Juiz errou na aplicação do direito.
22. O Mº Pº entende que a sentença fez uma errada interpretação do direito, pois considerou ser necessário que o arguido violasse de forma grosseira os deveres que a LEOAL lhe impunha, o que entendemos não se aplicar ao caso dos titulares de cargos públicos que não são candidatos às eleições, que era o caso do arguido, já que o mesmo não era candidato às Eleições autárquicas.
23. A Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais, impõe às Pessoas que referem, quando em exercício de funções, um comportamento de neutralidade e imparcialidade em tempo de eleições e que, depois por remissão do artigo incriminador, vão preencher  a tipicidade  dos crimes  em análise:
- uma proibição de intervir directamente ou indirectamente nas campanhas eeitorais;
- uma proibição de praticar quaisquer actos que favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento de outra ou outras;
- um dever de assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais.
24. Na respectiva interpretação das Leis Eleitorais a Comissão Nacional de Eleições tem sistematicamente feito uma distinção entre titulares de cargos públicos candidatos a eleições e não candidatos, reconhecendo a possibilidade de um comportamento menos exigente aos candidatos.
25. A sentença recorrida aborda este tema e desenvolve-o. Contudo o percurso técnico-jurídico ali a este propósito efectuado não tem valia, já que o aqui arguido não era candidato às eleições autárquicas, o que é facto público e notório.
26. E o Acórdão do Tribunal Constitucional que ali é citado aqui de pouco serve, já que a questão subjacente é outra — a da coincidência entre as qualidades de candidato e titular de órgão de poder.
27. Mesmo em relação aos titulares de cargos públicos que são simultaneamente candidatos, a interpretação da CNE tem sido a de que embora seja permitido ao candidato afirmar a excelência da sua acção e dos seus propósitos e responder às críticas que lhe são movidas, exige-se que o façam separando adequadamente as suas qualidades de titular de um dado cargo e de candidato e se abstenham de, em actos públicos, e, em geral, no exercício das suas funções denegrir ou diminuir outras candidaturas e de promover a sua.
28. Se assim é para os candidatos, obviamente, com mais razão e com menos complacência se exige o mesmo tipo de comportamento ao titular de um órgão de governo que não é candidato, pelo que a questão da violação grosseira nem sequer aqui se põe.
29. Ora, salvo o devido respeito por entendimento diferente, o arguido, no exercício das suas funções praticou actos de apoio às candidaturas autárquicas do seu partido e de denegrimento e repúdio relativamente aos candidatos do PND, cm moldes tais que se devem ter como violados os deveres que sobre ele impendiam.
30. Assim sendo, mesmo que se defenda a visão da sentença em crise, tem de se concluir que que o arguido violou tais deveres de forma grosseira.
31. Nem se percebe aliás o que é que a Mmª Juiz achará ser violação grosseira de tais deveres, pois seguramente não é o do homem comum, vivendo em liberdade e democracia.
32. Designadamente, a explicação fornecida pela Mmª Juiz para os episódios em que o então Presidente do Governo Regional manda abrir cartazes com dizeres “Canha foge para o Brasil, a justiça venezuelana te procura”; “A fábrica H... explorou o Povo”, “Abaixo os herdeiros do H..., do Baltazar e do Padre L...”, “Canha, Baltazar e EW..., os  três  artistas  do  circo  fascista”  e  “Abaixo  os  fascistas da Madeira Ve1ha” é que a mesma “não teve em  vista diminuir os visados, enquanto candidatos mas sim enfrentá-los, por respeito à liberdade de expressão e  protesto de  quem  se  manifestava   nesse  sentido”.
33. Só que não foram dados nenhuns factos como provados que pudessem fundamentar uma tal interpretação.
34. Em face do que ora se expõe é não só patente o erro de julgamento quanto á aplicação do direito, como há inclusivamente um total arbítrio na apreciação que é feita pois que esta está fundamentada em factos que não resultaram da discussão de julgamento e que vai pois muitíssimo além da mera livre apreciação da prova, própria de quem julga.
35. Da prova produzida em audiência, resultou demonstrado que o arguido/recorrido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira, adoptou comportamentos de marketing político em cerimónias públicas, visando favorecer o partido político a que pertence em detrimento dos restantes proponentes e procurou influenciar a tendência de voto dos munícipes fazendo referências negativas aos candidatos do partido político PND e à história das suas famílias, pelo que as condutas imputadas ao arguido foram idóneas para o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo dos crimes imputados, tanto mais que este é um crime de mera actividade ou de perigo abstracto e não um crime de  resultado.
36. Ao não ter decidido pela condenação do arguido ‹› tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 41º, nº 1 e 172º, ambos da I.ci Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, nos arts. 40º, n.ºs 1 e 2, 70º, 71º, do Código Penal e o disposto nos arts. 13º, 20º, nº.s 1 e 5, 205º, n.º 1 da CRP, e nos arts.9º, n.º 1, 125º, 127º”, todos do Cód. Proc. Penal.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, deve ser concedido provimento total ao recurso e, em consequência, ser:
A) Modificada a decisão sobre a matéria de facto:
- Excluindo dos factos não provados da sentença recorrida os que ai figuram como pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 14) e 15) e incluindo-os, com a mesma redaccão nos factos provados daquela sentença.
- Incluindo nos factos provados o seguinte facto descrito na acusação/pronúncia: Ao actuar conforme descrito, o arguido, que bem sabia que, nos períodos em causa a lei eleitoral lhe impunha que, no desempenho das suas funções se abstivesse de actos ou palavras que se traduzissem em beneficio ou prejuízo das candidaturas apresentadas às eleições, quis violar tais deveres, como violou, quer levando a líder nacional do PSD para cerimónias públicas e a ela se referindo, em discursos oficiais de forma laudatória, ‹quer denegrindo, nos seus discursos oficiais, os candidatos de outros partidos e suas famílias, fazendo apelo à não votação da população nos mesmos, quer ainda actuando ou mandando actuar de forma discriminatória e prejudicial cm relação a estes.
B) Revogada a sentença recorrida na parte em que absolveu o arguido dos crimes que lhe foram imputados na acusação pública/pronúncia.
C) Condenado o arguido pela prática de dois crimes de violação de os deveres de neutralidade e imparcialidade em tempo de campanha eleitoral, na forma continuada, cada um, p. p. pelas disposições conjugadas dos artºs 41º, nº 1 e 172º, da Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais e 30º, n.º 1 do C. Penal, de forma justa e adequada.
V. Ex.ªs farão, porém, a costumada JUSTIÇA.»

Admitido o recurso (cfr. fls. 1564) e, efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o arguido AJ... (cfr. fls. 1580 a 1618) em que concluiu:

«Termos em que se deverá considerar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida, como é de direito e justiça.»

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 1630) no sentido da procedência do recurso.

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do Art.º 417º do C.P.Penal, veio o sobredito arguido responder (cfr. fls. 1634), pugnando no mesmo sentido das respectivas contra-alegações.

Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

O objecto do recurso, em face das conclusões da respectiva motivação, reporta-se:
1 - à pretensa circunstância de ter existido erro no julgamento da matéria fáctica, reportado aos pontos 1) a 15) (factos não provados);
2 - Suposta violação do disposto no Art° 410°, n.° 2, alínea b) do mesmo Código;
3 - à suposta verificação, in casu, de todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal dos dois crimes de violação de os deveres de neutralidade e imparcialidade, na forma continuada, cada um, p. p. pelas disposições conjugadas dos Artº.s 41º, nº 1 e 172º, da Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais e 30º, n.º 1 do C. Penal, pelos quais o arguido vinha pronunciado.

No que ora interessa, é do seguinte teor a sentença recorrida:
 
«Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.- Em 27.09.2009, foram realizadas eleições para a Assembleia da República, as quais foram convocadas pelo Decreto do Sr. Presidente da República nº 57/2009, datado de 09.07.2009, publicado, na mesma data, no DR 1ª série, nº 131, sendo que o período da campanha eleitoral decorreu entre 13.09.2009 e 25.09.2009.
2- Em 11.10.2009, foram realizadas eleições para os órgãos das Autarquias Locais, as quais foram convocadas pelo Decreto conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e pelo Ministério da Administração Interna nº 16/2009, de 03.07.2009 e publicado na mesma data no DR 1ª Série nº 127, sendo que o período da campanha eleitoral decorreu entre 30.09.2009 e 09.10.2009.
3- O arguido exercia, então, as funções de Presidente do Governo Regional da Madeira, funções que decorriam do facto do PSD ter ganho eleições para a Assembleia Legislativa Regional e o arguido ter sido cabeça de lista por esse partido.
4- A Drª ML... foi candidata e cabeça de lista, pelo Partido Social Democrata  (PSD) às eleições para a Assembleia da República que decorreram no período referido em 1.
5- O JC..., o EW... e o B..., eram candidatos, pelo PND, às eleições para os órgãos das Autarquias Locais que decorreram no período referido em 2.
6- No dia 07.09.2009, a Drª ML..., encontrava-se na Região, tendo, da parte da manhã e juntamente com o arguido, participado em actividades de campanha eleitoral do PSD.
7- Nesse mesmo dia, pelas 17h:00m, o arguido, no exercício das suas funções de Presidente do Governo Regional da Madeira, procedeu à inauguração pública das obras do novo Centro de Convívio da Furna, na freguesia e concelho da Ribeira Brava.
8- Cerimónia para a qual convidou a Drª ML..., cuja presença, entre as entidades oficiais, justificou publicamente como estando “a observar a Madeira profunda e um dia de trabalho do Governo Regional”.
9- No mesmo discurso, o arguido declarou, dirigindo-se aos presentes e referindo-se à candidata em questão:
“Quero agradecer a presença de ML.... Nós não estamos aqui em campanhas eleitorais. Com o estatuto que ela tem na lei portuguesa enquanto líder da oposição, está à vontade em todas as cerimónias. Quero agradecer o facto de em vez de vir para aqui e estarmos todo o dia em campanha eleitoral, ter querido ver como funcionam as instituições regionais, a solidariedade social. Ter querido estar aqui connosco a trabalhar como principal responsável que é do partido que governa esta região”.
10- Antes disso e sempre na companhia da referida candidata, o arguido dirigiu-se à freguesia da Tabua, igualmente no concelho da Ribeira Brava, onde, igualmente, no exercício das suas funções de Presidente do Governo Regional da RAM, presidiu à cerimónia pública de homenagem ao Presidente da Junta de Freguesia da Tabua, que constou da entrega da Insígnia Autonómica de Valor “O Cordão” e do descerrar de uma placa numa praça que passou a ter o nome do dito autarca.
11- Para tal cerimónia, o arguido convidou e conduziu também a Srª Drª ML..., a qual se encontrava entre as entidades oficiais e a quem, no seu discurso se referiu, dizendo: “Esta homenagem é também significativa por estar aqui a líder nacional do partido a que V. Exª sempre pertenceu e que em nome também daqueles que foram os seus parceiros de luta, embora fora da Madeira, vêm aqui dizer, com a sua presença legítima e livre, num país democrático, um muito obrigado”
12- No dia 18.09.2009, o arguido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira procedeu, no Funchal, à inauguração das obras do Jardim de São Martinho, construído por iniciativa da Câmara Municipal do Funchal.
13- Nas imediações da referida inauguração encontravam-se elementos do PND, designadamente, o JC..., o EW... e o BA..., que levavam a efeito uma acção de contestação, com a utilização de um carro funerário, exibindo ainda cartazes com os dizeres: Inaugurações eleitoralistas vergonha”.
14- No discurso inaugural, o arguido, perante os populares que assistiam e os órgãos de comunicação social que cobriam o ato, declarou:
“No tempo do fascismo, está aqui muita gente que se lembra do que foi esse tempo. E se nesse tempo o fascismo nos oprimia, agora, os meninos ricos, filhos das famílias fascistas que roubaram o povo madeirense, os meninos ricos lá ficaram com o seu dinheiro e vão gastando para fazer palhaçadas para a gente se rir todos deles. Que fique na memória, o povo perdoa mas o povo não esquece. O povo não esquece o que fizeram noutros tempos como eu tenho a certeza que o povo, também agora, não vai esquecer quem está a trabalhar”
15- No dia 19.09.2009, o arguido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira, procedeu à inauguração de obras da Câmara Municipal do Funchal, das novas infra- estruturas viárias da Frente Mar Oeste do Funchal, as quais incluíam uma ciclovia.
16- Nessa inauguração, encontrava-se, um grupo de pessoas que foram identificadas como elementos do PND, que se faziam transportar num carro mortuário.
17- Tais elementos, protestavam, com cartazes e com o uso de um megafone, contra a referida inauguração em tempo de eleições.
18- No respectivo discurso de inauguração, falando para o público que assistia à cerimónia e ciente da cobertura do evento que estava a ser feita pela comunicação social, o arguido declarou:
“Esta zona foi de muita colonia. Hoje os fascistas que eram antigamente os senhores da colonia, andam para aí com um carro mortuário a cavar o enterro deles”.
19Com estas palavras, o arguido pretendia referia-se à iniciativa do protesto do PND, a decorrer na altura.
20- E continuou, apontando para o lugar em que os mesmos se encontravam:
“Esses fascistas contavam as nêsperas do seu jardim e exigiam metade para o senhorio e ainda roubavam no que davam ao povo. Tinham a balança do H... e enganavam o povo”,
21.- Declarando, ainda:
- “O povo acabou por se revoltar contra quem o estava a roubar e se a polícia actualmente nada faz o povo tem que agir”. “A primeira revolta legítima após o 25 de Abril foi contra o H..., contra aqueles que roubavam e exploravam o povo, contra aquele que é herdeiro da fortuna, daquele indivíduo que confessava as velhinhas à hora da morte e ficava com o testamento e com o dinheiro”.
22. – E continuou:
São estes fascistas que hoje querem, outra vez, voltar para trás e está na altura, já que a polícia não trata deles, porque a polícia tinha de deixar existir um ato oficial como este, como está na lei e com medo não intervém, de maneira que isto passou a ser um assunto do povo”
“Não podemos estar à espera dos outros, ninguém nos defende, ninguém mantem a lei nesta terra, o manter a lei hoje é por multas de estacionamento, é pedir documentos do carro, mais nada”.
23- Seguiu-se, no mesmo dia, na Ponta do Sol, a inauguração do Caminho Municipal da Ingriota.
24- No seu discurso perante os populares presentes e perante a comunicação social, o arguido, que discursou na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira, disse,
“Espero que o povo continue a não tolerar abusos fascistas por parte dos herdeiros daqueles que naquele tempo exploravam o povo. Não se pode tolerar esses meninos que andam a brincar com o povo”
25- No dia 30.09.2009, o arguido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira procedeu à inauguração das obras da nova ligação entre os Viveiros e o Complexo Escolar e Desportivo Bartolomeu Perestrelo, denominada Comendador Mário Casagrande, um investimento do Governo Regional da Madeira.
26- Na referida inauguração pública compareceram elementos do PND, que empunhavam uma faixa que tinha escrito: “Inaugurações eleitorais vergonha” e que protestavam contra o facto das terras ali expropriadas ainda não terem sido pagas aos respectivos donos.
27- Nessa ocasião, o arguido solicitou à PSP que identificasse as pessoas que empunham a referida faixa.
28- O arguido, nesse discurso oficial, declarou:
“No tempo do fascismo, em que havia os senhorios da colonia que roubavam o povo – como houve aqui nesta zona – em que velhos senhores da ilha, estrangeiros, exploravam e roubavam as produções do povo, também era por aqui que havia um engenho, que roubava as produções do povo, em que até houve gente que fez fortuna à custa de velhinhas que assinavam testamentos que era para ganhar o céu”. “Não podemos voltar a esses tempos, tempos que hoje são anedóticos, servem para rirmos um bocado”
29- E acrescentou:
“É este passado fascista que nós não podemos voltar. Que sirva para nos divertir, mas que fique como aviso que a Madeira não pode voltar atrás”. “O povo não pode voltar a ser humilhado e ofendido. O povo não pode voltar a ser roubado por aqueles que antigamente nos roubaram”
30- No dia 02.10.2009, investido nas suas funções de Presidente do Governo Regional da Madeira, o arguido procedeu à inauguração da nova ligação do Porto do Funchal, um investimento do Governo Regional da Madeira.
31- A referida inauguração foi acompanhada a alguma distância, por candidatos do PND, os quais empunhavam um cartaz com os dizeres “Quem defendia a ditadura no Voz da Madeira?” e “ Inaugurações eleitoralistas vergonha”.
32- No seu discurso oficial, o arguido declarou:
“Vou continuar contra aqueles que, de qualquer lado, estão contra a autonomia, que estão contra a democracia, que estão contra a justiça social. Porque aqueles que estão contra mim, o que eles não queriam era que o povo fosse todo à escola. O que eles não queriam era que o povo tivesse casas e vivesse em furnas. O que eles queriam era ficar com metade daquilo que o povo produzia. O que eles queriam era que as pessoas morressem porque não tinham centros de saúde”. “Vamos continuar a levar a Madeira para a frente” (…) “Tem custado muito porque temos tido, em Lisboa os nossos inimigos e temos tido a Madeira velha ao lado dos nossos inimigos”
33- Na altura, a propósito da Madeira velha, aproveitou para contar “a história da filha do emigrante que veio duas vezes no vapor do Cabo, com o vestido de noiva dentro da mala, até conseguir casar com o herdeiro tontinho do inglês”
34- A mãe de EW... veio da África do Sul e casou com um inglês.
35- A cerca de 4 metros do local onde o então Presidente do Governo Regional discursava, encontrava-se o próprio EW..., candidato do PND, que estava a filmar a cerimónia com uma câmara de vídeo.
36- Um dos elementos do público, a fim de impedir que as filmagens continuassem, colocou, por diversas vezes, um cão de pequeno porte que trazia consigo à frente da Câmara.
37- De imediato, o aqui arguido, dirigindo-se aos presentes declarou:
“Os senhores estão a assistir a uma palhaçada. A polícia está aqui para defender os zaragateiros e não para garantir a ordem pública num ato oficial. Eu prefiro que vão multar carros. Estão dispensados.”
38- Nessa ocasião, uma cidadã do sexo feminino, com uma palmada, atirou ao chão a câmara de filmar que EW... empunhava e, outro indivíduo, do sexo masculino atirou- lhe a cerveja que tinha no interior de um copo de plástico, contra a cara.
39- No dia 07.10.2009, na sua qualidade de Presidente do Governo Regional procedeu à inauguração de obras nos arruamentos junto do Tecnopólo, no Funchal.
40- O acesso ao local da inauguração foi interdito aos elementos do PND através de segurança privada, mas permitida ao público em geral.
41- Nas imediações do local da inauguração postaram-se elementos da JSD, os quais empunhavam cartazes com os seguintes dizeres:
“Canha, foge para o Brasil! A justiça venezuelana te procura…”; “A fábrica H... explorou o povo”; “ Abaixo os herdeiros do H..., do Baltazar e do Padre L...”, “ Canha, Baltazar e EW... os três artistas do circo fascista” e “Abaixo os fascistas da Madeira Velha”.
42- A fim de evitar mais problemas, dado que um elemento do PND já havia sido agredido pelos seguranças do recinto, a PSP mandou fechar os cartazes.
43- Contudo, à chegada ao local o arguido, dirigindo-se aos elementos da JSD referidos disse-lhes:
“Abram os cartazes que eu estou mandando. Sou eu que estou mandando. Está a ouvir ó Sr. Guarda, sou eu que estou mandando”.
44- O Padre L... foi tio-avô de GC...
45- O arguido, enquanto governante, tinha perfeito conhecimento dos deveres de neutralidade e imparcialidade, relativamente às candidaturas às eleições.
PROVOU-SE AINDA QUE, COM RELEVO PARA A BOA DECISÃO DA CAUSA:
1- O arguido não tem antecedentes criminais.
DA CONTESTAÇÃO:
1- Os presentes autos nascem de queixa apresentada por membro do PND.
2- O PND foi extinto pelo Tribunal Constitucional, em 23/9/2015.
3- O arguido foi candidato às Eleições de 27-09-2009 à Assembleia da República.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Da acusação
1- Com as expressões proferidas no ponto 20 o arguido quis fazer uma alusão à família de EW..., também ele candidato pelo PND.
2- Com as expressões referidas em supra 21, o arguido pretendia fazer uma alusão ao Padre L... e aos candidatos do PND.
3- As frases proferidas em 29, visavam os elementos do PND.
4- Com as declarações ínsitas no ponto 32 e 33, o arguido visava os elementos do PND.
5- A alusão aos “meninos ricos” (supra 14.) foi entendida pela maioria dos que assistiam à cerimónia como uma alusão aos candidatos do PND.
6- O “Padre L...” (supra, 44.) era muito conhecido no Funchal e como tio avô do GC....
7- As declarações proferidas pelo arguido e referidas supra em 28, referiam-se implicitamente ao sucedido na inauguração da ciclovia (supra 15. a 22.)
8- A maioria do público presente na inauguração, ao ouvir a referência ao “engenhos” (supra 28) e aos “estrangeiros” (28) associou tais expressões aos candidatos do PND e suas famílias.
9-A maioria do público presente na inauguração, ao ouvir a referência “às velhinhas e aos testamentos” (supra.21 e 28.) associou tais expressões aos candidatos do PND.
10- Os factos descritos supra em 33. e 34, são prontamente reconhecidos pela maioria dos populares presentes.
11- O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente.
12- Ao actuar conforme descrito, o arguido, quis, nos períodos em causa, violar os deveres de, no desempenho das suas funções, se abster de praticar atos ou palavras que se traduzam em benefício ou prejuízo das candidaturas apresentadas às eleições, como violou.
13- Ao levar a líder nacional do PSD, para cerimónias públicas e a ela se referindo, em discursos oficiais de forma laudatória, quis denegrir, nos seus discursos oficiais, os candidatos de outros partidos e suas famílias, fazendo apelo à não votação da população nos mesmos, e actuar ou mandando atuar de forma discriminatória e prejudicial em relação a estes.
14- Apesar de saber que tais comportamentos eram proibidos e punidos por lei, não se coibiu de os prosseguir.
Da contestação
1 - todos os actos em causa nos autos que ocorreram até 27-09-2009 tiveram a ver com as eleições para a Assembleia da República, a  que  o arguido foi candidato como cabeça de  lista pelo PSD e que se realizaram  naquela data.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos tudo isto conjugado com as regras da experiência e da lógica do próprio julgador.
Deste modo, a formação da convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados e não provados, resultou da análise crítica da conjugação dos documentos juntos aos autos com o depoimento das testemunhas, da seguinte forma:
A matéria de facto resultou provada desde logo porque a mesma consta inequivocamente dos documentos juntos aos autos, como sejam os CD da RTP e SIC que constam em anexo aos autos e que foram reproduzidos em audiência, e as cópias das notícias que se encontram juntas aos autos e ainda as reportagens áudio, como a seguir se descrimina:
Relativamente aos factos de 7.9.2009, temos o documento 12 junto a fls. 50 e audição do CD áudio junto aos autos no registo 30.184.
Relativamente aos factos de 18.9, temos a reportagem da RTP visionada em audiência e o documento de fls. 357 (jornal da Madeira)
Relativamente aos factos de 19.9, tivemos em conta o documento de fls. 358 (jornal da Madeira) e a gravação áudio nos registos 30.261 e 30.315 junto aos autos, bem como o anexo 8 fls. 247.
Temos ainda para este mesmo dia o documento de fls 359.
Para os factos de 30.9 baseamo-nos no documento de fls. 377 (jornal da Madeira) e a reportagem da RTP.
Relativamente aos factos de 2.10, baseamo-nos na reportagem da RTP, no documento de fls. 383 (jornal da Madeira), na audição do CD áudio registo 30.196.
Finalmente e para os factos de 7.10, baseamo-nos no documento de fls. 394 (jornal da Madeira) nas imagens visionadas da reportagem da SIC e ainda na audição do CD àudio registo 30.224.
Para além do mais, o arguido não negou as afirmações em causa em sede de contestação formal, negando apenas ter agido para prejudicar a campanha eleitoral de quem quer que fosse ou beneficiar a do seu partido.
Os depoimentos das testemunhas vieram apenas dar a conhecer ao tribunal o entendimento e juízos de valor que cada uma delas retirou dos factos que presenciaram.
Assim para a testemunha GC..., que era candidato do PND às eleições autárquicas de 2009, e presenciou quase todas as inaugurações, referiu que nelas manifestava desagrado pelos actos do governo e pela maneira como o arguido, no seu entendimento, se aproveitava delas para fazer campanha eleitoral.
Referiu que o arguido utilizava linguagem subtil para atacar os adversários políticos, dando como exemplo a alusão aos “fascistas “.
Igualmente se sentiu atingido com as referências à sua pessoa relativamente à droga nos cartazes exibidos numa inauguração por elementos da JSD, e discordou por nalgumas inaugurações terem sido impedidos de entrar, já que no seu entender era um direito que tinha porque vivia num Estado de Direito Democrático.
A testemunha EW..., também candidato às eleições autárquicas de 2009 pelo PND, e esteve também em muitas das inaugurações em causa nos autos, tendo por via disso tomado conhecimento dos discursos do arguido.
Referiu que as afirmações “meninos ricos”, “fascistas” “H...” “Padre L...”, “filha do emigrante” “tontinho do inglês”, eram expressões que lhe eram dirigidas e aos restantes elementos do PND e, tem a certeza que todas as pessoas também o sabiam, não tendo concretizado como chegou a essa conclusão.
Iam às inaugurações por causa da natureza dos discursos, para os fiscalizarem, para levarem cartazes e se manifestarem e falarem com a comunicação social.
Tinham acesso às datas das inaugurações através do site do governo, confirmando o teor de fls. 196 e segs.
Por último referiu que, como candidato às eleições autárquicas, sentiu que esta actuação do arguido estava a repercutir-se negativamente na campanha do seu partido, não concretizando como ou em que medida.
Foi lido o depoimento da testemunha BA..., do PND, uma vez que estava impossibilitado de comparecer a julgamento, por doença.
Esta testemunha relatou que as referências “a tontinho do Inglês” e “H...” eram dirigidas à testemunha EW...; a referência a “Padre L...” era dirigida ao GC... e a “colonias” era dirigida a si, não concretizando como chegou à conclusão que a maioria da população sabia que eles eram os visados.
As inaugurações a que não assistiu pessoalmente, assistiu através dos meios de comunicação social
A testemunha José Miguel Mendonça, na data dos factos, como muitos anos antes e depois, exercia funções de Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira e por via disso esteve em muitas inaugurações efectuadas pelo arguido. No seu entendimento, faz parte da política haver uma certa crispação entre os partidos.
Acredita veementemente, pelo que assistiu, que a actuação do arguido se integrou apenas num acto de prestação de contas das obras que faz e do programa de governo, não havendo nenhuma disposição legal que o impeça de fazer. Em todos esses actos de inauguração nunca viu o arguido apelar ao voto no PSD ou a dizer para não votar noutro partido. Ele elogiava o que tinha feito, mas não politizava o acto.
Nessas inaugurações lembra-se do PND estar presente e fazer críticas, embora não se lembre dos cartazes. Mas assegura que o arguido nunca disse para não votarem no PND nem o afirmou de forma mais subtil.
Não se recorda de o arguido fazer apreciações negativas aos membros do PND ou suas famílias.
A testemunha João Carlos Cunha e Silva, era Vice-presidente do Governo Regional na altura dos factos, (antes e depois), referiu não ter estado presente na maior parte das inaugurações em causa nos autos, por se encontrar em Bruxelas. Mas naquelas em que esteve, do que viu e ouviu, entende que o arguido não passou os limites e, se porventura não esteve bem, tal só prejudicaria a ele próprio. Mas assegura que nada viu. Quanto ao PND, passou a ser habitual a presença de elementos ligados a este partido nos actos oficiais de inaugurações para intervirem, provocando ou tentando prejudicar o acto em causa. Era natural que o arguido retorquisse de forma legítima e dentro dos limites.
Confrontado com as expressões que os queixosos entendem que eram alusões claras a si e às suas famílias com intenção de os prejudicar, o depoente afirma que a maior parte da população desconhece o significado dessas alusões, e até ele próprio, e que, por isso não havia qualquer intenção de os prejudicar ou influenciar o resultado das eleições.
A testemunha Manuel Correia de Jesus, deputado na Assembleia da República pelo PSD, na altura dos factos, referiu de modo isento, sereno, pormenorizado e muito rigoroso, que esteve presente nos factos relativos ao Centro de Convívio da Furna, Tábua, Tecnopolo, Frente Mar Oeste, túnel do Porto do Funchal. Nos restantes não esteve.
Refere que em 35 anos de vida politica activa, acompanhou o percurso político do arguido, estas inaugurações ficaram-lhe na memória por terem sido constantemente perturbadas por pessoas que tinham comportamentos arruaceiros e perturbadores. Quando eles não estavam tudo corria normalmente. A este respeito, descreve que eram 3 ou 4 pessoas que, sem terem nada a ver com a inauguração perturbavam e provocavam distúrbios. Até ele próprio chegou a ser alvo de provocações às quais não respondeu.
Foi com emoção e choque que descreveu a pior de todas as inaugurações, a do Porto do Funchal, descrevendo-a como muito penosa, com provocações sistemáticas, em contraste com uma atitude de complacência por parte dos agentes de autoridade ali presentes, que nada faziam.
Os indivíduos estavam juntos deles com um megafone, que impedia que se ouvisse o que se estava a passar, misturavam-se com as pessoas que estavam serenamente a assistir à inauguração. Um deles até sobe para o palco e começa a filmar, numa atitude provocatória. Houve pessoas que se indignaram. “A cerimónia foi um pandemónio!”, afirmou.
Foi em 2009, e lembra-se como se fosse hoje e não é admissível que num Estado de Direito aconteçam estas coisas, refere indignado. Acrescenta que é normal o direito à indignação quando se é provocado.
A provocação era forte e perturbadora, eles até injuriavam os membros do governo. Em seu entender, eles é que estavam a fazer campanha, não era o arguido.
Se eles de algum modo saíram prejudicados foi pelas suas próprias condutas e não por qualquer conduta do arguido. Acrescentou ainda que a população em geral nada sabe das famílias dos membros do PND, pelo que as alusões do arguido não eram por ela (população) perceptíveis.
A testemunha Francisco Gomes, funcionário público, esteve também presente nalgumas inaugurações juntamente com o arguido e viu ali elementos do PND que tinham um comportamento que denomina “comportamento padrão”, “provocatório e acusatório.” Segundo o depoente é preciso ter uma grande fibra de tolerância para aguentar os megafones os carros funerários as colunas de som e todo o ruido que faziam. Ali nunca havia outros partidos, só eles, só eles recorriam à estratégia da “arruaça”, incómodo e provocação. O arguido teve sempre a conduta adequada.
O maior adversário do PND foi o próprio PND com a sua conduta e não o arguido, segundo a sua opinião.
Foi, por último lido o depoimento por escrito do Sr. Juiz Conselheiro Irineu Cabral Barreto, que consta de fls. 1305. Este refere que, na data dos factos exercia funções no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no entanto por estarem em causa factos públicos e notórios e porque sempre se preocupou em acompanhar a actividade sócio-política da sua terra tomou conhecimento dos factos através dos meios de comunicação. Sempre ajuizou os factos descritos na acusação/pronuncia no contexto habitualmente enérgico da luta politico-partidária em época de eleições, influenciado como estava e está pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: “ingerências na liberdade de expressão de um homem político só devem ser admissíveis em face de razões imperiosas”.
Quando regressou à RAM em 2011 verificou que o mesmo tipo de incidentes ocorridos em 2009 se repetia e com os mesmos protagonistas. É sua percepção que os incidentes surgiam porque um conjunto de pessoas pretendia assistir a inaugurações oficiais promovidas pelo Governo Regional, adoptando comportamentos que suscitaram um conjunto de reacções.
O depoente desconhece quais as verdadeiras motivações das pessoas em causa, mas tem como certo que tais incidentes gerando o interesse e correspondente cobertura mediática por parte da comunicação social, tornaram os factos em causa públicos e notórios, com uma intensidade que outra forma não teriam, pelo que conclui que os incidentes em causa contribuíram indelevelmente para a visibilidade mediática dos envolvidos.
Nunca sentiu necessidade de intervir a este propósito pois sempre entendeu que tudo se continha no âmbito de disputas politicas e nunca descortinou que dos referidos incidentes resultassem prejuízos para qualquer candidatura.
Termina fazendo referência à jurisprudência do THDH: “os políticos e outras figuras publicas…devem ser mais tolerantes a criticas do que os particulares.”
Foi ainda relevante a análise do Dec. Presidente da República nº 57/2009 de 9.7, o Dec. Da Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna nº 16/2009, que convocaram respectivamente as eleições para a AR e para as autarquias.
Não obstante as testemunhas na acusação/pronúncia terem referido que as expressões proferidas pelo arguido nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação eram dirigidas a elas próprias enquanto elementos do PND o certo é que nenhuma delas trouxe ao tribunal factos ou circunstâncias que levassem a concluir do mesmo modo que elas concluíram.
O depoimento destas testemunhas nesta parte tem que ser apreciado pelo tribunal cum grano salis, porquanto estas testemunhas para além de terem interesse directo no desfecho deste processo, pessoal e politico, demonstraram no seu depoimento grande animosidade para com o arguido, em face das considerações que fizeram acerca da pessoa e do político. Tal animosidade também é patente no comportamento que adoptaram, legitimo do ponto de vista democrático, nos actos inaugurais.
E não havendo mais testemunhas para além desta, e considerando que os factos e expressões dadas como provadas não são factos notórios, o tribunal considerou insuficiente e inconclusivo os depoimentos prestados e daí a factualidade dada como não provada.
Relativamente aos factos da contestação que não foram dados como provados nem como não provados, deve-se sobretudo ao facto de os mesmos consubstanciarem questões de direito, conclusões, apreciações subjectivas, transcrições da acusação, da pronúncia, de jurisprudência e da doutrina.
Quanto às condições socio económicas do arguido, nada se conseguiu apurar já que o arguido foi julgado na ausência, e tendo sido pedido relatório à PSP, o mesmo não se encontra junto aos autos
Os antecedentes criminais do arguido encontram-se documentados a fls. 1308 no seu CRC junto aos autos.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Questão prévia:
Vem o arguido alegar na contestação que não sabe quais os factos e períodos que estão em causa já que a pronúncia depois de ter declarado prescritos os crimes relativos às Eleições para a Assembleia da República, manteve os mesmos factos da acusação, para a qual remeteu.
Invoca ainda que a decisão instrutória refere que pronuncia por um crime, e depois pronuncia por dois.
Importa esclarecer estas questões:
Quanto à primeira questão:
Conforme se retira do disposto no artº 57º nº 4 da LEAR e artº 38º, da LEAL, os deveres de neutralidade e imparcialidade devem ser observados, em relação a qualquer das eleições, desde a publicação do Decreto que marque a data para a realização das mesmas.
No caso, as eleições para a Assembleia da República foram realizadas no dia 27 de Setembro de 2009, tendo sido convocadas por Decreto do Presidente da República nº 57/2009, de 9.07, publicado no DR 1ª série, na mesma data.
As eleições autárquicas realizaram-se no dia 11 de Outubro de 2009, tendo sido convocadas pelo Decreto da Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna nº 16/2009, de 3.07.2009, publicado no DR 1ª Série, na mesma data.
Deste modo, o período temporal a ter em conta, no caso, para efeitos de observação dos princípios de neutralidade e imparcialidade por parte das pessoas a eles obrigadas, ia, no que diz respeito às eleições autárquicas, desde 3 de Julho de 2009 até 11 de Outubro do mesmo ano, no que diz respeito às eleições para a Assembleia da República, desde 9 de Julho de 2009 até 27 de Setembro do mesmo ano.
Os espaços temporais em que era devida observação de neutralidade e imparcialidade por parte do Sr. Presidente do GR dispõem-se assim:
- de 3 a 9 de Julho 2009, impõe- se em relação às eleições autárquicas,
- de 9 de Julho 2009 a 27 de Setembro de 2009, impõe-se em relação às eleições autárquicas e às eleições legislativas para a Assembleia da República,
- de 27 de Setembro de 2009 até 11 de Outubro de 2009, impõe-se em relação às eleições autárquicas, do mesmo ano,
Daqui decorre que, tendo sido declarados prescritos os factos relativos às eleições para a AR, ficaram os da acusação que se referem às eleições autárquicas, cujo período é sensivelmente o mesmo como se deixou supra descrito, e os factos precisamente os mesmos e para os quais foi remetida a decisão instrutória.
Não há assim, qualquer obscuridade nesta matéria.
Quanto à segunda questão:
Na decisão instrutória, a fls. 1205 vem referido “mas apenas pela prática de um crime de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p. e p pelas disposições conjugadas dos arts. 41.°, n.° 1 e 172.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais…”
Contudo a fls. 1206 vem, por duas vezes, referido:
“pronunciar o arguido AJ... pela prática em autoria material e na forma continuada, de dois crimes de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p. e p pelas disposições conjugadas dos arts. 41.°, n.° 1 e 172.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais”
e
“Imputando ao arguido AJ... a prática em autoria material e na forma continuada, de dois crimes de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p. e p pelas disposições conjugadas dos arts. 41.°, n.° 1 e 172.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.”
Pelo que nesta sede não restam quaisquer dúvidas de que a fls. 1205 se tratou de mero lapso de escrita, e o arguido não vem pronunciado por um, mas por dois crimes de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p. e p pelas disposições conjugadas dos arts. 41.°, n.° 1 e 172.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
Enquadramento legal dos factos apurados:
Vem assim o arguido pronunciado pela prática em autoria material, de dois crimes de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p. e p pelas disposições conjugadas dos arts. 41.°, n.° 1 e 172.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
O artº 41º, nº 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais dispõe que: “Os órgãos do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais, das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviços públicos, de bens do domínio público ou de obras públicas, bem como nessa qualidade, os respectivos titulares, não podem intervir directa ou indirectamente em campanha eleitoral nem praticar quaisquer actos que favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento de outra ou outras, devendo assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais”
Enquanto o artº 172º, do referido diploma estatui que:
“Quem, no exercício das suas funções, infringir os deveres de neutralidade ou imparcialidade a que esteja legalmente obrigado é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.”
Conforme se retira do disposto no artº 38º, da LEOAL, os deveres de neutralidade e imparcialidade devem ser observados, em relação a qualquer das eleições, desde a publicação do Decreto que marque a data para a realização das mesmas, ou seja, para o caso concreto todas as condutas que ocorram entre os períodos de 3.7.2009 a 11.10.2009.
O dever de neutralidade e imparcialidade a que todas as entidades públicas estão obrigadas durante o decurso do processo eleitoral, tem como finalidade a manutenção do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas. Este dever constitui uma concretização, em sede de direito eleitoral, do princípio geral da igualdade [CRP, artigos 13.º e 113.º, nº 3, b)]. Trata-se de direitos fundamentais que revestem a característica de direito subjectivo público e beneficiam, por isso, do regime dos direitos, liberdades e garantias.
O dever de neutralidade das entidades públicas não pode ser entendido como incompatível com a normal prossecução das suas funções. O que o princípio da neutralidade e imparcialidade exige é que as entidades públicas adoptem, no exercício das suas competências e atribuições, por um lado, uma posição equidistante face às forças politicas e, por outro, se abstenham de manifestações políticas susceptíveis de interferir ou influenciar o processo eleitoral.
“Como refere Marcelo Rebelo de Sousa, «de todos os princípios enumerados é este, porventura, aquele cujo respeito mais dúvidas tem suscitado, pela multiplicação de atos de órgãos e titulares de órgãos do poder político e do poder local durante os períodos de campanha eleitoral e que correspondem a intervenções indiretas nesta campanha».
Esta problemática agrava-se sempre que numa mesma pessoa se reúne a qualidade de titular de um cargo público e a de candidato a um ato eleitoral, o que ocorre com relativa frequência, independentemente das ideologias políticas subjacentes. Neste domínio, a CNE tem repetidamente entendido que o exercício de funções públicas não pode implicar diminuição dos direitos dos candidatos, nomeadamente os inerentes a propaganda da sua candidatura. Porém, os candidatos titulares de cargos públicos devem tomar os cuidados necessários para que se não confundam as duas qualidades, abstendo-se de propagandear a sua candidatura ou de atacar outras no exercício das suas funções públicas.
Outros comportamentos muito usuais que podem suscitar dúvidas são a promoção de iniciativas públicas de informação e de atividades politico-administrativas, nomeadamente inaugurações, em período eleitoral.
Sobre este assunto deliberou a CNE, no quadro da eleição da ALRAM de 9 de Outubro de 2011:
«Quanto ao segundo eixo, o das ‘inaugurações’, inscreve-se no plano dos deveres de neutralidade e imparcialidade que a lei impõe aos titulares de cargos públicos, aos órgãos e agentes da Administração Pública e ainda aos órgãos e agentes das empresas públicas e dos concessionários de serviços públicos.
[...] se é lícito que os concorrentes a uma eleição que se apresentam como alternativa de poder denunciem ou critiquem o que entendem menos bem nas suas perspetivas, lícito será também que, quem se encontra a governar ou administrar, afirme a excelência da sua ação e dos seus propósitos e responda às críticas que lhe são movidas.
Porém, exige-se que o façam separando adequadamente as suas qualidades de titular de um dado cargo e de candidato e se abstenham de, em atos públicos e, em geral, no exercício das suas funções, [...] denegrir ou diminuir outras candidaturas e de promover a sua.
Exige-se também que o exercício do direito se faça sem abuso — a frequência, as condições e o próprio conteúdo dos atos que se pratiquem têm necessariamente de integrar um quadro global legitimador de uma prática que, não sendo expressamente proibida pela lei, colide objetivamente com o dever de neutralidade e, por isso mesmo, se deve conter em limites justificados e socialmente aceitáveis.» (CNE 58/XIII/2011.) (LEOAL anotada e comentada por Jorge Migueis, Maria de Fátima Abrantes Mendes e outros, publicada no site da CNE).
Segue a mesma lei anotada referindo que,
“A imposição de neutralidade as entidades publicas, exigível desde a data da marcação das eleições, não é incompatível com a normal prossecução das funções de um titular de um órgão de uma qualquer entidade publica.
O que o princípio da neutralidade postula é que no cumprimento das suas competências as entidades públicas devem, por um lado, adoptar uma posição de distanciamento em face dos interesses das diferentes forcas político-partidárias e, por outro, abster-se de toda a manifestação politica que possa interferir no processo eleitoral.
(…) a normal prossecução das suas atribuições não consubstancia uma interferência ilegítima naqueles processos, realçando–se, desde logo, que muitas das entidades ate tem um papel activo no seu desenrolar.
A propósito dos processos eleitorais da AR, a CNE, em deliberação datada de 09.11.1980, acentuou que tal principio não significa que o cidadão investido de poder público, funcionário ou agente do Estado, incluindo qualquer membro do Governo, não possa, no exercício das suas funções, fazer as declarações que entender convenientes sobre a actuação governativa. No entanto, terá de o fazer objectivamente e de modo a não se servir das mesmas para constranger ou induzir os eleitores a votar em determinadas listas ou abster-se de votar noutras.
Ao contrário do consignado no artigo 9º da LEAR, não está fixado no LEOAL nenhum regime de suspensão de funções para os candidatos que sejam presidentes de cãmaras municipais.”
Veja-se ainda a este propósito Ac. Rel. Lisboa de 17.2.2004
“Não vindo fixado nenhum regime de suspensão de funções para os candidatos que sejam simultaneamente presidentes de câmaras municipais, na medida em que ocorreriam manifestos prejuízos ao normal funcionamento do órgão autárquico, coloca-se um “problema de extrema complexidade é o que respeita à situação de uma mesma pessoa reunir a qualidade de titular de cargo público e a de candidato. Há ocasiões em que essa dupla qualidade pode importar a violação do princípio da neutralidade e imparcialidade porque é posta em causa a equidistância e isenção que os titulares dos órgãos devem opor às diversas candidaturas.
A complexidade desta questão está bem patente no Acórdão do TC n.º 808/93 (Diário da República IIª série n.° 76 de 31/03/1994), nomeadamente nas respectivas declarações de voto onde se retira que alguns dos conselheiros do Tribunal Constitucional tenham considerado que a análise do tribunal se devia ater a um “controlo de limites” ou seja, a uma censura de casos extremos, inequívocos ou flagrantes.
Prosseguindo, dizem que “o entendimento radical da igualdade entre as candidaturas parece mais conforme com um sistema onde pura e simplesmente a recandidatura fosse de todo em todo proibida”... “Na realidade, o candidato que exerce um cargo político e que procura a reeleição não está (não pode estar!) em situação «pura» de igualdade de circunstâncias com os demais concorrentes que anteriormente não exerceram as funções para que concorrem”.
Por todo o exposto, constata-se, pois, que são dois os requisitos principais para que haja violação da lei: o titular do órgão de um ente público tem de estar no exercício de funções e tem de forma grosseira favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral” (ob. citada, pg. 65).
Tal premissa leva a concluir que apenas são penalmente censuráveis aquelas condutas mediante as quais se ponha irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, em termos tais que não possa já o respeito por esses princípios na própria campanha conduzir a um equilíbrio.”
No que concerne directamente à questão dos autos, o dever de neutralidade e imparcialidade a que todas as entidades públicas estão parcialmente obrigadas durante o decurso do processo eleitoral, tem como finalidade a manutenção do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas que constitui uma concretização, em sede de direito eleitoral, do princípio geral da igualdade (artº 13º e 113º nº 3 alínea b) da CRP).
Trata-se de direitos fundamentais de igualdade que revestem a característica de direito subjectivo público e beneficiam por isso, do regime dos direitos, liberdades e garantias (v. anotação ao artº 116º da CRP (actual artº 113º) in Constituição anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3ª edição, 1993).
Tanto assim é que a Constituição da República Portuguesa prevê ainda, no seu artº 22º, a responsabilidade civil das entidades públicas cujas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício resultem em violação dos direitos de liberdade e garantias ou em prejuízo de outrem.
Como já se referiu, a imposição de neutralidade às entidades públicas, exigível desde a data da marcação das eleições, não é incompatível com a normal prossecução das suas funções. O que o princípio da neutralidade postula é que no cumprimento das suas competências as entidades públicas devem, por um lado, adoptar uma posição de distanciamento em face dos interesses das diferentes forças político-partidárias, e por outro lado, abster-se de toda a manifestação política que possa interferir no processo eleitoral.
Ora a normal prossecução das suas atribuições não consubstancia uma interferência ilegítima naqueles processos, realçando-se, desde logo, que muitas das entidades até têm um papel activo no seu desenrolar.
Por todo o exposto, repete-se, entendemos que são dois os requisitos principais para que haja violação da lei: o titular do órgão de um ente público tem de estar no exercício das suas funções e tem de forma grosseira favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Sobre uma queixa dirigida contra o Primeiro-Ministro, Eng. António Guterres, por altura das eleições autárquicas de Dezembro de 1997 e tendo em atenção que tal personalidade era, simultaneamente, destacado dirigente partidário a CNE, em deliberação de 29.12.97, tirou a seguinte conclusão: “Os titulares dos órgãos políticos, pelo facto de o serem, não estão inibidos de exercer os seus direitos político-partidários. Mister era que se procurasse transparência quando actuavam numa ou noutra veste, de titular de órgão político ou de dirigente político”.
A mesma factualidade se repetiu numa entrevista concedida a um canal televisivo pelo então Primeiro-Ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso, na sua residência oficial e em vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, sobre a qual recaiu uma queixa por violação do princípio da neutralidade e imparcialidade, por, no entender da força política participante, as declarações por ele proferidas contrariarem tais princípios. Na senda da anterior deliberação, entendeu a CNE, face às declarações em causa e atento o seu conteúdo, que um titular de cargo público que também é dirigente partidário tem o direito, nesta última qualidade, de exercer acções de natureza política e eleitoral e de manifestar as opiniões políticas do seu partido.
Assentes que estão estes conceitos fundamentais, importa agora enquadrar as condutas do arguido:
Ø Quanto aos factos de 7.9.2009 - antes da campanha eleitoral, mas depois da marcação da data para as eleições autárquicas – refere a acusação que a cabeça de lista pelo PSD às eleições para a AR “encontrava-se na Região, tendo, da parte da manhã e juntamente com o arguido, participado em actividades de campanha eleitoral do PSD” - é inócuo, já que o arguido, enquanto presidente do PSD na RAM podia fazer campanha pelo seu partido.
Refere ainda a acusação que:
“Nesse mesmo dia, da parte da tarde, a referida candidata foi conduzida pelo arguido ao concelho da Ribeira Brava onde, pelas 17:00 este, agora no desempenho das suas funções de Presidente do Governo Regional da Madeira, procedeu à inauguração pública das obras do novo Centro de Convívio da Furna, na freguesia e concelho da Ribeira Brava, cerimónia para a qual convidou a Drª ML..., cuja presença, entre as entidades oficiais, justificou publicamente como estando “a observar a Madeira profunda e um dia de trabalho do Governo Regional”.
No mesmo discurso, o arguido declarou, dirigindo-se aos presentes e referindo-se à candidata em questão:
“Quero agradecer a presença de ML.... Nós não estamos aqui em campanhas eleitorais. Com o estatuto que ela tem na lei portuguesa enquanto líder da oposição, está à vontade em todas as cerimónias. Quero agradecer o facto de em vez de vir para aqui e estarmos todo o dia em campanha eleitoral, ter querido ver como funcionam as instituições regionais, a solidariedade social. Ter querido estar aqui connosco a trabalhar como principal responsável que é do partido que governa esta região”.
Antes disso e sempre na companhia da referida candidata, o arguido dirigiu-se à freguesia da Tabua, igualmente no concelho da Ribeira Brava, onde, igualmente nas vestes de Presidente do Governo Regional da RAM, presidiu à cerimónia pública de homenagem ao Presidente da Junta de Freguesia da Tabua, que constou da entrega da Insígnia Autonómica de Valor “O Cordão” e do descerrar de uma placa numa praça que passou a ter o nome do dito autarca. Para tal cerimónia, o arguido convidou e conduziu também a Srª Drª ML..., a qual se encontrava entre as entidades oficiais e a quem, no seu discurso se referiu, dizendo: “Esta homenagem é também significativa por estar aqui a líder nacional do partido a que V. Exª sempre pertenceu e que em nome também daqueles que foram os seus parceiros de luta, embora fora da Madeira, vêm aqui dizer, com a sua presença legítima e livre, num país democrático, um muito obrigado”. Da parte da tarde estava investido nas suas funções de Presidente do Governo., fazia uma inauguração como tantas outras que fez durante todos os anos em que esteve nestas funções. Convidou a líder do partido que governa a Madeira já que a mesma aqui se encontrava, fazendo referência que não se encontrava em campanha, para que a mesma observasse “a Madeira profunda e um dia de trabalho do Governo Regional”. Relativamente a entrega da Insígnia em homenagem ao Presidente da Junta de freguesia da Tábua, uma vez que o referido presidente era também do PSD terá sido também nessa sequência que a mesma foi convidada e o seu discurso foi inócuo.
Apreciação critica:
Dos factos relativos a este dia, não se ouviu uma palavra directa ou indirectamente dirigida ao apelo ao voto neste ou naquele partido ou ao não voto, e não retiramos qualquer violação grosseira do arguido enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
De igual forma não entendemos que estas condutas do arguido ponham, irremediavelmente, em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto. Com efeito, nada impede ou impedia ao arguido, na sua qualidade e no exercício das suas funções convidar para um acto oficial qualquer entidade ou individualidade. O que lhe está vedado é utilizar o acto inaugural para, simultaneamente promover ou divulgar o seu partido, o que não se logrou provar.
Não negamos que é difícil para a população em geral destrinçar da qualidade político- partidária e da de político em exercício de funções. No entanto, o arguido teve o cuidado de referir que, na parte da tarde já não se encontrava em campanha e explicar o motivo pelo qual a Drª ML... ali se encontrava, já que não era em campanha. Ali não se falou em partidos, em eleições, não se disse mal de ninguém. A presença da cabeça de lista do PSD às eleições para a Assembleia da República, por si só não é suficiente, forma grosseira favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Ø Relativamente aos factos de 18.9.2009- refere a acusação que “o arguido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira procedeu, no Funchal, à inauguração das obras do Jardim de São Martinho, construído por iniciativa da Câmara Municipal do Funchal. Nas imediações da referida inauguração encontravam-se elementos do PND, designadamente JC..., EW... e BA..., que levavam a efeito uma acção de contestação de sentido satírico, com a utilização de um carro funerário, exibindo ainda cartazes com os dizeres: “Inaugurações eleitoralistas vergonha”. No discurso que o arguido fez, referente à inauguração em questão, perante os populares que assistiam e os órgãos de comunicação social que cobriam o ato, declarou:
“No tempo do fascismo, está aqui muita gente que se lembra do que foi esse tempo. E se nesse tempo o fascismo nos oprimia, agora, os meninos ricos, filhos das famílias fascistas que roubaram o povo madeirense, os meninos ricos lá ficaram com o seu dinheiro e vão gastando para fazer palhaçadas para a gente se rir todos deles. Que fique na memória, o povo perdoa mas o povo não esquece. O povo não esquece o que fizeram noutros tempos como eu tenho a certeza que o povo, também agora, não vai esquecer quem está a trabalhar”
Apreciação critica:
Não resultou provado que a alusão a meninos ricos se dirigia aos candidatos do PND e muito menos que tal eventual alusão fosse entendida pelos demais presentes.
As afirmações são inócuas e inidóneas a prejudicar a campanha de quem quer que fosse ou a beneficiar o PSD, até porque é desconhecido o destinatário de tais afirmações.
Ø Relativamente aos factos de 19.9.2009 – Refere a acusação que o arguido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira, procedeu à inauguração de obras da Câmara Municipal do Funchal, das novas infra-estruturas viárias da Frente Mar Oeste do Funchal, as quais incluíam uma ciclovia. Perto do local encontrava-se novamente um grupo de elementos do PND que, identificados como tal, se faziam transportar num carro mortuário, protestavam, de forma satírica, com cartazes e com o uso de um megafone, contra a referida inauguração em tempo de eleições. No respectivo discurso de inauguração, falando para o público que assistia à cerimónia e ciente da cobertura do evento que estava a ser feita pela comunicação social, o arguido declarou: “Esta zona foi de muita colonia. Hoje os fascistas que eram antigamente os senhores da colonia, andam para aí com um carro mortuário a cavar o enterro deles”, referindo-se à iniciativa do protesto do PND, a decorrer na altura. E continuou, apontando para o lugar em que os mesmos se encontravam: “Esses fascistas contavam as nêsperas do seu jardim e exigiam metade para o senhorio e ainda roubavam no que davam ao povo. Tinham a balança do H... e enganavam o povo”, numa alusão à família de EW..., também ele candidato pelo PND.
Ainda acrescentou:
“O povo acabou por se revoltar contra quem o estava a roubar e se a polícia actualmente nada faz o povo tem que agir”. “A primeira revolta legítima após o 25 de Abril foi contra o H..., contra aqueles que roubavam e exploravam o povo, contra aquele que é herdeiro da fortuna, daquele indivíduo que confessava as velhinhas à hora da morte e ficava com o testamento e com o dinheiro”, tratando-se esta de uma alusão ao Padre L..., e era tio-avô de GC..., outro dos candidatos do PND.
E continuou:
“São estes fascistas que hoje querem, outra vez, voltar para trás e está na altura, já que a polícia não trata deles, porque a polícia tinha de deixar existir um ato oficial como este, como está na lei e com medo não intervém, de maneira que isto passou a ser um assunto do povo”
“Não podemos estar à espera dos outros, ninguém nos defende, ninguém mantem a lei nesta terra, o manter a lei hoje é por multas de estacionamento, é pedir documentos do carro, mais nada”
Seguiu-se, no mesmo dia, na Ponta do Sol, a inauguração do Caminho Municipal da Ingriota.
No seu discurso perante os populares presentes e perante a comunicação social, o arguido, que discursou na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira, disse:
“Espero que o povo continue a não tolerar abusos fascistas por parte dos herdeiros daqueles que naquele tempo exploravam o povo. Não se pode tolerar esses meninos que andam a brincar com o povo”
Apreciação crítica:
Estamos em mais uma inauguração em que a presença de candidatos do PND é marcada por protestos satíricos, no caso com uso de megafones, carro mortuário, e cartazes.
Decorre das regras da experiência comum que, estando um grupo de pessoas, com o uso de megafone, acompanhadas de um carro mortuário e cartazes, a protestar contra uma inauguração em tempo de eleições - por mais legítima que seja e é, do ponto de vista da democracia e da liberdade de expressão e protesto -, tais actos perturbam o normal decorrer da inauguração, porquanto, o modo como se exprimiram não pretendiam alcançar os desideratos referidos, mas provocar reacções de quem preside ao acto inaugural e, consequentemente, perturbar um acto oficial.
As afirmações do arguido, embora possam ser entendidas pelos candidatos do PND como a eles dirigidas, o certo é que o seu significado era desconhecido da população em geral, pelo que, eram inócuas relativamente a prejudicar o resultado eleitoral, apenas visando os próprios, uma vez que que só eles sabiam que a eles se destinava.
Não foi identificado qualquer candidato ou força política, não foi feito qualquer apelo ao voto e, assim, não vislumbramos nesta conduta do arguido, qualquer violação grosseira enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
De igual forma, não entendemos que estas condutas do arguido ponham irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, sopesando sempre o facto de o arguido acumular ambas as funções de presidente de um partido que concorre às eleições autárquicas e de presidente do governo - e não negamos – e é difícil para a população em geral destrinçar da qualidade político-partidária e da de político em exercício de funções
Ø Relativamente aos factos de 30.9.2009- refere a acusação que: “o arguido, na qualidade de Presidente do Governo Regional da Madeira procedeu à inauguração das obras da nova ligação entre os Viveiros e o Complexo Escolar e Desportivo Bartolomeu Perestrelo, denominada Comendador Mário Casagrande, um investimento do Governo Regional da Madeira. Na referida inauguração pública compareceram elementos do PND, que empunhavam uma faixa que tinha escrito: “ Inaugurações eleitorais vergonha” e que protestavam contra o facto das terras ali expropriadas ainda não terem sido pagas aos respectivos donos. Visando estes elementos do PND acima referidos, que antes da inauguração tinha mandado os elementos da PSP presentes identificar, no respectivo discurso oficial, o então Presidente do Governo Regional declarou: “No tempo do fascismo, em que havia os senhorios da colonia que roubavam o povo – como houve aqui nesta zona – em que velhos senhores da ilha, estrangeiros, exploravam e roubavam as produções do povo, também era por aqui que havia um engenho, que roubava as produções do povo, em que até houve gente que fez fortuna à custa de velhinhas que assinavam testamentos que era para ganhar o céu”. “Não podemos voltar a esses tempos, tempos que hoje são anedóticos, servem para rirmos um bocado” E acrescentou:
“É este passado fascista que nós não podemos voltar. Que sirva para nos divertir, mas que fique como aviso que a Madeira não pode voltar atrás”. “O povo não pode voltar a ser humilhado e ofendido. O povo não pode voltar a ser roubado por aqueles que antigamente nos roubaram”
Não se provou que a referência ao engenho e aos estrangeiros são, mais uma vez, referências à família de EW... e as referências às velhinhas e aos testamentos são novamente referência à família de GC..., nem que estas referências são de associação fácil, pela maioria do público presente na inauguração, aos candidatos do PND e suas famílias, por se tratarem de factos do domínio público ou de histórias ou boatos amplamente divulgados na sociedade madeirense.
Apreciação critica:
Não foi identificado qualquer candidato ou força política, não foi feito qualquer apelo ao voto e, assim, não vislumbramos nesta condutas do arguido, qualquer violação grosseira enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
As afirmações do arguido embora possam ter sido entendidas pelos candidatos do PND como a eles dirigidas, não resultou apurado que assim fosse.
Aliás, sempre se dirá que a família “EW...”, não foi a única família de origem inglesa que no tempo da colonia, que tinha terrenos agrícolas em regime de exploração de colonia.
Também não resultou apurado qualquer facto ou ligação da “H...”, a qualquer candidato do PND ou de outro partido ou coligação, pelo que também aqui não vislumbramos que tais expressões possam prejudicar um concorrente eleitoral, nomeadamente o PND.
O mesmo se dirá quanto à referência a “daquele individuo” “das velhinhas e testamentos”.
De igual forma, não entendemos que estas condutas do arguido ponham irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, sopesando sempre o facto de o arguido acumular ambas as funções de presidente de um partido que concorre às eleições autárquicas e de presidente do governo - e não negamos – e é difícil para a população em geral destrinçar da qualidade político-partidária e da de político em exercício de funções
Ø Relativamente aos factos de 2.10.2009 – refere a acusação que: “investido nas suas funções de Presidente do Governo Regional da Madeira, o arguido procedeu à inauguração da nova ligação do Porto do Funchal, um investimento do Governo Regional da Madeira. A referida inauguração foi acompanhada a alguma distância, por candidatos do PND, os quais empunhavam um cartaz com os dizeres “Quem defendia a ditadura no Voz da Madeira?” e “ Inaugurações eleitoralistas vergonha”.
No seu discurso oficial, visando os elementos do PND presentes, o arguido declarou:
“Vou continuar contra aqueles que, de qualquer lado, estão contra a autonomia, que estão contra a democracia, que estão contra a justiça social. Porque aqueles que estão contra mim, o que eles não queriam era que o povo fosse todo à escola. O que eles não queriam era que o povo tivesse casas e vivesse em furnas. O que eles queriam era ficar com metade daquilo que o povo produzia. O que eles queriam era que as pessoas morressem porque não tinham centros de saúde”. “Vamos continuar a levar a Madeira para a frente” (…) “Tem custado muito porque temos tido, em Lisboa os nossos inimigos e temos tido a Madeira velha ao lado dos nossos inimigos”.
Na altura a propósito da Madeira velha, aproveitou para contar “a história da filha do emigrante que veio duas vezes no vapor do Cabo, com o vestido de noiva dentro da mala, até conseguir casar com o herdeiro tontinho do inglês” que se trata de uma alusão à mãe de EW... que veio da África do Sul e casou com um inglês.
A cerca de 4 metros do local onde o então Presidente do Governo regional discursava encontrava-se o próprio EW..., candidato do PND, que estava a filmar a cerimónia com uma câmara de vídeo.
Um dos elementos do público, a fim de impedir que as filmagens continuassem, colocou, por diversas vezes, um cão de pequeno porte que trazia consigo à frente da Câmara.
De imediato, o aqui arguido, dirigindo-se aos presentes declarou:
“Os senhores estão a assistir a uma palhaçada. A polícia está aqui para defender os zaragateiros e não para garantir a ordem pública num ato oficial. Eu prefiro que vão multar carros. Estão dispensados.”
Estas palavras insuflaram os ânimos dos presentes, sendo que uma cidadã do sexo feminino, com uma palmada, atirou ao chão a câmara de filmar que EW... empunhava e outro indivíduo do sexo masculino atirou-lhe a cerveja que tinha no interior de um copo de plástico, contra a cara.”
Apreciação critica:
Estamos em mais uma inauguração em que a presença de candidatos do PND é marcada por protestos e cartazes, desta forma perturbando o normal decorrer da inauguração, como relatou quem esteve presente. Aqui damos, como reproduzido o já acima afirmado a este propósito.
As afirmações do arguido, embora possam ser entendidas pelos candidatos do PND como sendo eles os visados, são tão genéricas, que não vislumbramos que sejam dirigidas àqueles, mas sim a quem, em abstracto, é contra a autonomia, independentemente da sua ideologia politica
Com efeito o que ali é dito é “vou continuar contra aqueles que de qualquer lado, são contra a autonomia”.
Para além do mais as expressões referidas eram desconhecidas da população em geral pelo que eram inócuas relativamente a prejudicar o resultado eleitoral, apenas visando os próprios, uma vez que só eles sabiam que a eles se destinava.
Não foram identificados destinatários, não foi feito apelo ao voto, e assim não vislumbramos nesta condutas do arguido, qualquer violação grosseira do arguido enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral. De igual forma não entendemos que estas condutas do arguido ponham irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, sopesando sempre o facto de o arguido acumular ambas as funções de presidente de um partido que concorre às eleições autárquicas e de presidente do governo e não negamos que é difícil para a população em geral destrinçar da qualidade político-partidária e da de político em exercício de funções.
Ø Relativamente aos factos de 7.10.2009 - na sua qualidade de Presidente do Governo Regional procedeu à inauguração de obras nos arruamentos junto do Tecnopólo, no Funchal. O acesso ao local da inauguração foi interdito aos elementos do PND através de segurança privada, mas permitida ao público em geral. Nas imediações do local da inauguração postaram-se elementos da JSD, os quais empunhavam cartazes com os seguintes dizeres:
“Canha, foge para o Brasil! A justiça venezuelana te procura…”; “A fábrica H... explorou o povo”; “Abaixo os herdeiros do H..., do Baltazar e do Padre L...”, “Canha, Baltazar e EW... os três artistas do circo fascista” e “Abaixo os fascistas da Madeira Velha”.
A fim de evitar mais problemas, dado que um elemento do PND já havia sido agredido pelos seguranças do recinto, a PSP mandou fechar os cartazes. Contudo, à chegada ao local o arguido, dirigindo-se aos elementos da JSD referidos disse-lhes:
“Abram os cartazes que eu estou mandando. Sou eu que estou mandando. Está a ouvir ó Sr. Guarda, sou eu que estou mandando”
Apreciação critica:
Na senda do que já havia acontecido nas inaugurações anteriores havia cartazes, desta feita, exibidos por elementos da JSD com alusões directas aos elementos do PND que mais uma vez ali se encontravam e, depois de a PSP ter mandado fechar os cartazes, o arguido mandou abri-los.
Também aqui, não vislumbramos nesta conduta do arguido, qualquer violação grosseira do arguido enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Em primeiro lugar, porque não foi alegado e, por isso, não resultou provado, que o arguido tivesse instigado os membros da JSD a comparecerem na inauguração com os cartazes e dizeres apurados, nem que directa ou indirectamente, tivesse participado ou tivesse previamente conhecimento de tais factos.
Em segundo lugar, porque é conhecido e reconhecido publicamente que o arguido, enquanto pessoa, cidadão e Presidente do Governo Regional, apresenta uma personalidade forte, turbulenta e sem medos, pelo que a sua reacção de mandar abrir os cartazes, não teve em vista, diminuir os visados, enquanto candidatos, mas sim enfrentá-los, por respeito à liberdade de expressão e protesto de quem se manifestava nesse sentido. E não é pelo facto de serem pessoas conotadas com a JSD, que pertence à mesma filiação partidária do PSD, que tal liberdade lhe deve ser negada.
Não vislumbramos nestas condutas do arguido, qualquer violação grosseira do arguido enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
De igual forma não entendemos que estas condutas do arguido ponham irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto.
Podemos assim concluir que foi uma época eleitoral conturbada, inaugurações dificultadas pelos elementos do PND presentes, que nelas procuravam, a todo o custo manifestar-se contra o governo e as inaugurações, e sendo que nenhum outro partido de oposição ali se encontrava a manifestar, alguma linguagem exacerbada por parte do arguido neste contexto, mas não censurável criminalmente.
Com a nossa apreciação dos factos ao direito, não queremos dizer que os candidatos do PND não possam, subjectivamente e de modo legítimo, sentirem-se visados nas palavras e expressões que foram apuradas, mas tal não é suficiente para preencher os pressupostos do tipo legal imputado ao arguido.
As inaugurações faziam parte das atribuições do arguido e é facto notório que as mesmas eram feitas todo o ano, independentemente de coincidirem ou não com períodos de campanha eleitoral.
Não ficou, por último, demonstrado que o arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, querendo com a sua conduta violar os deveres decorrentes da lei eleitoral.
A conduta do arguido não integra o conceito de violação (grosseira) dos deveres de neutralidade e imparcialidade previsto no artº 41º da LEOAL tal como vinha acusado e pronunciado, não integrando assim os elementos objectivos e subjectivos deste tipo legal. …».

E, por isso, foi proferida a decisão que se deixou transcrita no início do presente acórdão.
 
Vejamos:

O âmbito dos recursos delimita-se pelas conclusões da motivação em que se resumem as razões do pedido. Sendo as conclusões proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Edição de 1981, Pg. 359).

Relativamente à primeira questão suscitada, constata-se, desde logo, pretenderem as Dignas recorrentes que, face à prova produzida em audiência, seja feita uma outra apreciação, para o que indicam o modo como elas próprias a levariam a cabo.
Esquecem, no entanto, que, a prova é apreciada de modo global e em obediência ao princípio da livre apreciação.
Tal princípio encontra-se plasmado no Art.º 127º do supra aludido Código, no qual se consagra expressamente que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre apreciação da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, por conseguinte, imotivável.
Pelo contrário, há-de traduzir-se numa valoração racional e crítica, feita de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
A supra aludida norma manda, pois, valorar a generalidade dos meios de prova produzidos em processo penal segundo as regras da experiência e a prudente convicção do tribunal (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 19-11-1996, in D.R. – II Série de 06-02-1997).
Ao tribunal superior não cabe fazer um segundo julgamento, mas uma reapreciação da decisão proferida em 1a instância, limitada ao exame e controle dos elementos probatórios valorados pelo tribunal a quo, a qual é feita em face das regras da experiência e da lógica.
Deste modo, ao Tribunal da Relação compete verificar a existência da prova, controlar a legalidade desta, inclusive do ponto de vista da observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade e constatar a não adequação lógica da decisão relativamente a ela.
Ora, reavaliada a prova produzida, a partir das gravações realizadas em audiência, não se vê qualquer razão para discordar da forma como o tribunal recorrido a apurou.
Na verdade, as provas que serviram de base à mesma foram legalmente produzidas e ponderadas dentro das regras da livre convicção do julgador, o qual enunciou as razões da extrapolação a que procedeu.
Outrossim, nenhum dos elementos probatórios que, pelas Dignas recorrentes, foram salientados, se revela susceptível de, por si só, conduzir ao desiderato por elas pretendido.
E dizemos isto porque, desde logo, se verifica que o arguido, em sede de contestação formal, admitiu ter proferido as afirmações em causa, negando, todavia, ter agido para prejudicar a campanha eleitoral de quem quer que fosse ou beneficiar a do seu partido
Por sua vez, inexistem dúvidas de que os depoimentos das testemunhas de acusação tão-somente se limitaram a vir dar a conhecer ao tribunal o entendimento e juízos de valor que cada uma delas retirou dos factos que presenciaram.
Nesta perspectiva, importa salientar que a testemunha GC..., a qual era candidato do PND às eleições autárquicas de 2009, afirmou ter presenciado quase todas as inaugurações, sendo que nelas manifestava desagrado pelos actos do governo e pela maneira como o arguido, no seu entendimento, se aproveitava delas para fazer campanha eleitoral.
Mais referiu que o mesmo utilizava linguagem subtil para atacar os adversários políticos, dando como exemplo a alusão aos “fascistas“.
Igualmente, mencionou ter-se sentido atingido com as referências à sua pessoa, relativamente à droga, nos cartazes exibidos, numa inauguração, por elementos da JSD, bem como discordou por, nalgumas inaugurações, ter sido impedido de entrar, uma vez que, no seu entender, era um direito que tinha porque vivia num Estado de Direito Democrático.
Do mesmo modo, torna-se forçoso salientar que a testemunha Eduardo Pedro EW..., também candidato às eleições autárquicas de 2009 pelo PND e que presenciou muitas das inaugurações em causa nos autos, veio a ter conhecimento, por via disso, dos discursos do arguido.
Referiu, ainda, que as afirmações “meninos ricos”, “fascistas”, “H...”, “Padre L...”, “filha do emigrante”, “tontinho do inglês”, eram expressões que lhe eram dirigidas e aos restantes elementos do PND.
Contudo, apesar de ter dito que tinha a certeza que todas as pessoas também o sabiam, não logrou concretizar como chegou a essa conclusão.
Deslocavam-se às inaugurações, por causa da natureza dos discursos, para os fiscalizarem, para levarem cartazes e se manifestarem e falarem com a comunicação social.
Tinham acesso às datas das inaugurações através do site do governo regional, confirmando o teor de fls. 196 e segs..
Finalmente, afirmou que, como candidato às eleições autárquicas, sentiu que esta actuação do arguido estava a repercutir-se negativamente na campanha do seu partido, não concretizando, porém, como ou em que medida.
Por estar impossibilitado de comparecer a julgamento, por doença, procedeu-se à leitura do depoimento da testemunha Baltasar Carvalho Machado Gonçalves de Aguiar, do PND, anteriormente realizado.
Relatou a mesma que as referências a “tontinho do Inglês” e “H...” eram dirigidas à testemunha EW..., que a alusão ao “Padre L...” era dirigida ao GC... e que a expressão “colonias” era dirigida a si.
No entanto, não concretizou como chegou à conclusão que a maioria da população sabia que eles eram os visados.
Mais acrescentou que, no que concerne às inaugurações a que não assistiu pessoalmente, delas tomou conhecimento através dos meios de comunicação social.
Por outro lado, quanto às testemunhas de defesa, não pode deixar de se salientar, em primeiro lugar, o depoimento de José Miguel Jardim Olival de Mendonça, que por, na data dos factos, como muitos anos antes e depois, exercer funções de Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, esteve em muitas inaugurações efectuadas pelo arguido.
Nesta conformidade, referiu que, no seu entendimento, faz parte da política haver uma certa crispação entre os partidos.
Acredita veementemente, pelo que assistiu, que a actuação do arguido se integrou apenas num acto de prestação de contas das obras que faz e do programa de governo, não havendo nenhuma disposição legal que o impeça de tal fazer.
Em todos esses actos de inauguração, nunca viu o mesmo apelar ao voto no PSD ou a dizer para não votar noutro partido, sendo inequívoco que elogiava o que tinha feito, mas não politizava o acto.
Nessas inaugurações lembra-se do PND estar presente e fazer críticas, embora não se lembre dos cartazes.
Assegurou, ainda, que o arguido nunca disse para não votarem no sobredito partido, nem o afirmou de forma mais subtil.
Outrossim, não se recorda de o arguido fazer apreciações negativas aos membros do PND ou suas famílias.
Em segundo lugar, a testemunha João Carlos Cunha e Silva, vice-presidente do Governo Regional na altura dos factos, (antes e depois), referiu não ter estado presente na maior parte das inaugurações em causa nos autos, por se encontrar em Bruxelas.
Contudo, naquelas em que esteve, do que viu e ouviu, entende que o arguido não passou os limites e, se porventura não esteve bem, tal só prejudicaria a ele próprio.
Quanto ao PND, passou a ser habitual a presença de elementos ligados a este partido, nos actos oficiais de inaugurações, para intervirem, provocando ou tentando prejudicar o acto em causa.
Afigura-se-lhe, pois, ser natural que o arguido retorquisse de forma legítima e dentro dos limites.
Confrontado com as expressões que os queixosos entendem que eram alusões claras a si e às suas famílias com intenção de os prejudicar, afirmou que a maior parte da população desconhece o significado dessas alusões, o mesmo se passando, aliás, com ele próprio.
E que, por isso, não vislumbra que existisse, por parte do arguido, qualquer intenção de os prejudicar ou influenciar o resultado das eleições.
Em terceiro lugar, a testemunha Manuel Filipe Correia de Jesus, deputado na Assembleia da República pelo PSD, na altura dos factos, relatou, de modo isento, sereno, pormenorizado e muito rigoroso, que esteve presente nos factos relativos ao Centro de Convívio da Furna, Tabua, Tecnopolo, Frente Mar Oeste, túnel do Porto do Funchal, não tendo estado nos restantes.
Salientou que, em 35 anos de vida politica activa, acompanhou o percurso político do arguido, sendo certo que estas inaugurações lhe ficaram na memória por terem sido constantemente perturbadas por pessoas que tinham comportamentos arruaceiros e perturbadores.
Mais descreveu que eram 3 ou 4 pessoas que, sem terem nada a ver com a inauguração, perturbavam e provocavam distúrbios.
Aludiu até à circunstância de ele próprio ter chegado a ser alvo de provocações às quais não respondeu.
Foi com emoção e choque que descreveu a pior de todas as inaugurações, a do Porto do Funchal, descrevendo-a como muito penosa, com provocações sistemáticas, em contraste com uma atitude de complacência por parte dos agentes de autoridade ali presentes, que nada faziam.
Os indivíduos estavam junto deles com um megafone, que impedia que se ouvisse o que se estava a passar, misturando-se com as pessoas que se encontravam serenamente a assistir à inauguração.
Afirmou que um deles até subiu para o palco e começou a filmar, numa atitude provocatória e que, por isso, houve pessoas que se indignaram, já que “a cerimónia foi um pandemónio”.
Referiu que foi em 2009, e lembrar-se de tudo como se tivesse passado na data do julgamento.
Mais tendo dito, indignado, não ser admissível que num Estado de Direito aconteçam estas coisas e, além disso, que é normal o direito à indignação quando se é provocado.
A provocação era forte e perturbadora, verificando-se que eles até injuriavam os membros do governo.
Pelo que, no seu entender, eles é que estavam a fazer campanha, não era o arguido.
Se eles de algum modo saíram prejudicados foi pelas suas próprias condutas e não por qualquer conduta do arguido.
Acrescentou, ainda, que a população em geral nada sabe das famílias dos membros do PND, pelo que as alusões do arguido não eram por ela perceptíveis.
Em quarto lugar, a testemunha Francisco Manuel de Freitas Gomes, funcionário público, que esteve também presente nalgumas inaugurações juntamente com o arguido, referiu que viu ali elementos do PND que tinham um comportamento que denomina “comportamento padrão”, “provocatório e acusatório”.
Salientou que é preciso ter uma grande fibra de tolerância para aguentar os megafones, os carros funerários, as colunas de som e todo o ruido que faziam.
Ali nunca havia outros partidos, pelo       que só eles recorriam à estratégia da “arruaça”, incómodo e provocação, verificando-se que o arguido teve sempre a conduta adequada.
Em sua opinião, o maior adversário do PND foi o próprio PND com a sua conduta e não o arguido.
Por último, torna-se forçoso salientar o depoimento, por escrito, do Exm.º Juiz Conselheiro Ireneu Cabral Barreto, o qual consta de fls. 1305 e seg. e que foi lido em audiência de julgamento.
Neste, referiu tal Magistrado que, na data dos factos, exercia funções no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo que, no entanto, por estarem em causa factos públicos e porque sempre se preocupou em acompanhar a actividade sócio-política da sua terra, tomou conhecimento dos mesmos através dos meios de comunicação social.
Ajuizou os factos descritos na acusação/pronuncia no contexto habitualmente enérgico da luta politico-partidária em época de eleições, influenciado como estava e está pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, segundo a qual “ingerências na liberdade de expressão de um homem político só devem ser admissíveis em face de razões imperiosas”.
Quando regressou à Região Autónoma da Madeira em 2011, verificou que o mesmo tipo de incidentes ocorridos em 2009 se repetia e com os mesmos protagonistas.
Percepcionou, assim, que os incidentes surgiam porque um conjunto de pessoas pretendia assistir a inaugurações oficiais promovidas pelo Governo Regional, adoptando comportamentos que suscitaram um conjunto de reacções.
Afirmou desconhecer quais as verdadeiras motivações das pessoas em causa, mas tem como certo que tais incidentes, gerando o interesse e correspondente cobertura mediática por parte da comunicação social, tomaram uma intensidade que de outra forma não teriam.
Concluiu, pois, que os incidentes em causa contribuíram, de forma indelével, para a visibilidade mediática dos envolvidos.
Nunca sentiu necessidade de intervir a este propósito, uma vez que sempre entendeu que tudo se continha no âmbito de disputas politicas e nunca descortinou que, dos referidos incidentes, resultassem prejuízos para qualquer candidatura.
Terminou fazendo referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de acordo com a qual “os políticos e outras figuras publicas…devem ser mais tolerantes a criticas do que os particulares”.
Revelou-se, ainda, importante a análise do Decreto do Presidente da República n.º 57/2009 de 9 de Julho e o Decreto da Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna n.º 16/2009 de 3 de Julho, que convocaram, respectivamente, as eleições para a Assembleia da República e para as autarquias locais.
Não obstante as testemunhas, da acusação/pronúncia, terem referido que as expressões proferidas pelo arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, eram dirigidas a elas próprias, enquanto elementos do PND, o certo é que, também em nossa opinião, não se vislumbra que alguma delas tenha trazido ao tribunal factos ou circunstâncias que pudessem levar a concluir do mesmo modo que elas o fizeram.
E dizemos isto até porque estas testemunhas, para além de terem interesse directo no desfecho deste processo (pessoal e politico), demonstraram, nos respectivos depoimentos, grande animosidade para com o arguido, em face das considerações que fizeram quer do homem, quer do político.
O mesmo se podendo salientar no que se reporta no comportamento que adoptaram, ainda que legitimo do ponto de vista democrático, nos actos inaugurais em causa nos presentes autos.
De qualquer modo, inexistem dúvidas de que tudo ficou terminantemente apurado em função do Tribunal de 1ª Instância ter tido acesso a outros elementos, como tom de voz, gestos, capacidade física dos intervenientes, que lhe permitiram estabelecer a sua convicção, a qual, por isso mesmo, não pode ser aqui liminarmente sindicável pela maneira pretendida.
Até porque a actividade do julgador não se pode resumir a uma mera recepção de declarações, uma vez que não basta que haja pronúncia num determinado sentido, designadamente por parte de algumas testemunhas, para que o mesmo seja, sem mais, aceite.
Outrossim, importa sempre valorá-las segundo uma multiplicidade de factores, de que se destacam: as razões de ciência, a espontaneidade, a seriedade, a verosimilhança, as coincidências, as contradições relevantes e irrelevantes, o raciocínio, as lacunas, o tempo que medeia entre a pergunta e a resposta, as pausas e os silêncios.
Enfim, o julgamento da matéria de facto nem sempre tem correspondência directa com certos segmentos de depoimentos concretos, antes resultando da conjugação lógica e global de toda a prova produzida que tenha merecido a confiança do tribunal.
Somos, ainda, forçados a salientar que, de forma absolutamente legítima, o mecanismo de impugnação da prova previsto no Art.º 412°, n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal se destina tão só a corrigir aquilo que se constata serem erros manifestos de julgamento e que resultem ostensivos da leitura do registo de prova.
Por isso é que quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção por ele trilhado ofende as regras da experiência comum.
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, só podendo o tribunal de recurso modificar aquela decisão quando não encontrar qualquer suporte nos meios de prova produzidos no processo (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 18-02-2009, relatado pelo Exm.º Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt).
A menos que, como se disse, a convicção formada pelo julgador contrarie as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Tanto mais assim é que a alteração do decidido em 1ª instância só poderá ocorrer se a reavaliação das provas produzidas impuserem diferente decisão, mas não já se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 22-04-2009, relatado pelo Exm.º Desembargador Orlando Gonçalves, in www.dgsi.pt).
Com efeito, sempre que a convicção do julgador em 1ª instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 12-05-2004, relatado pela Exm.ª Desembargadora Élia São Pedro, in www.dgsi.pt).
Em suma, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª Instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos casos a resposta dada tem suporte na regra estabelecida no Art.º 127º do C.P.Penal e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 01-10-2008, relatado pela Exm.ª Desembargadora Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt).
Reportando-nos, agora, ao caso em análise, constata-se que, de facto, o Tribunal a quo valorou as provas de acordo com o que lhe pareceu ser a credibilidade emanada pelas testemunhas que perante este depuseram e, assim, formou a sua convicção, não se evidenciando que, com isso, tenha violado qualquer regra da experiência comum.
É certo que outra é a valoração de alguns desses meios de prova feita pelas Dignas recorrentes e a credibilidade que lhes conferem, sendo também naturalmente diferente a conclusão a que chegam.
Porém, como ex abundanti cautela atrás se deixou expendido, não é a sua mas a convicção do julgador que releva, pelo que, não estando evidenciada qualquer violação de regras de experiência, é o seu julgamento que se impõe, não só aos sujeitos do processo, como também a esta Relação.
Nestes termos, ao contrário do sustentado pelas sobreditas magistradas, a prova produzida, articulada na sua globalidade, impõe que se conclua como o fez a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, designadamente no que releva para aquilo que se considerou como não provado.
Não têm, pois, as mesmas qualquer tipo de razão no que se reporta à pretendida alteração do sentido da decisão da matéria de facto, a qual apenas podia ter levado, como levou, à absolvição do arguido no que se reporta à prática de dois crimes, na forma continuada, de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art.ºs 41º, n.º 1 e 172º, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, de acordo, aliás, com o que acertadamente se entendeu na decisão sob censura.

No que concerne à segunda questão, torna-se forçoso, desde logo, salientar que a contradição insanável mencionada no Art.º 410º, n.º 2, alínea b) do C.P.Penal só acontece quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação constante do texto da decisão recorrida justifica uma decisão oposta ou quando existe colisão entre os fundamentos invocados.
Neste âmbito, verifica-se que a decisão recorrida espelha uma fundamentação escorreita e lógica que justifica plenamente a decisão tomada.
Desde logo, pelo correcto e exaustivo exame crítico da prova produzida em audiência que foi feito na sentença sub judice, sem que se consiga vislumbrar qualquer contradição nos termos sobreditos.
E dizemos isto até porque, na verdade, de forma alguma, se constata que se tenha dado como provada e não provada a mesma factualidade.
Nesta conformidade, importa concluir que, à revelia do pretendido, não ocorre qualquer contradição insanável da fundamentação ou sequer entre a fundamentação e a decisão.

No que se prende com a derradeira questão, torna-se forçoso referir, de imediato, que, de acordo como o estabelecido no Art.º 41º, nº 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais “os órgãos do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais, das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviços públicos, de bens do domínio público ou de obras públicas, bem como nessa qualidade, os respectivos titulares, não podem intervir directa ou indirectamente em campanha eleitoral nem praticar quaisquer actos que favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento de outra ou outras, devendo assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais”.
Por sua vez, o Art.º 172º de tal Lei estatui que: “Quem, no exercício das suas funções, infringir os deveres de neutralidade ou imparcialidade a que esteja legalmente obrigado é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias”.
Outrossim, conforme se extrapola do disposto no Art.º 38º do mesmo diploma legal, os deveres de neutralidade e imparcialidade devem ser observados, em relação a qualquer das eleições, desde a publicação do Decreto que marque a data para a realização das mesmas, ou seja, no que releva para o caso concreto, quanto a todas as condutas que ocorram entre o período de 03-07-2009 a 11-10-2009.
Com efeito, o dever de neutralidade e imparcialidade a que todas as entidades públicas estão obrigadas durante o decurso do processo eleitoral, tem como finalidade a manutenção do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, o que constitui uma concretização, em sede de direito eleitoral, do princípio geral da igualdade (cfr. Art.ºs 13º e 113º, nº 3, alínea b), ambos da C.R.P.).
Trata-se de direitos fundamentais de igualdade que revestem a característica de direito subjectivo público e beneficiam, por isso, do regime dos direitos, liberdades e garantias (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª Edição Revista, Pág. 85).
Sendo certo que a sobredita Lei Fundamental prevê, ainda, no seu Art.º 22º, a responsabilidade civil das entidades públicas cujas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício resultem em violação dos direitos de liberdade e garantias ou em prejuízo de outrem.
Mais, inexistem dúvidas de que a imposição de neutralidade às entidades públicas, exigível desde a data da marcação das eleições, não é incompatível com a normal prossecução das suas funções.
O que o princípio da neutralidade postula é que, no cumprimento das suas competências, as entidades públicas adoptem, por um lado, uma posição de distanciamento em face dos interesses das diferentes forças político-partidárias e, por outro lado, se abstenham de manifestações políticas que possam interferir ou influenciar o processo eleitoral.
Esta problemática agrava-se sempre que numa mesma pessoa se reúne a qualidade de titular de um cargo público e a de candidato a um acto eleitoral, o que ocorre com relativa frequência, independentemente das ideologias políticas subjacentes.
Neste domínio, a C.N.E. tem repetidamente entendido que o exercício de funções públicas não pode implicar diminuição dos direitos dos candidatos, nomeadamente os inerentes a propaganda da sua candidatura.
Todavia, os candidatos titulares de cargos públicos devem tomar os cuidados necessários para que se não confundam as duas qualidades, abstendo-se de propagandear a sua candidatura ou de atacar outras no exercício das suas funções públicas.
Na perspectiva do que acaba de se assinalar, existem outros comportamentos muito usuais que podem suscitar dúvidas no que respeita ao sobredito enquadramento legal e que são a promoção de iniciativas públicas de informação e de atividades politico-administrativas, nomeadamente inaugurações, em período eleitoral.
Sobre este assunto, verifica-se ter já deliberado a C.N.E., no quadro da eleição da ALRAM de 9 de Outubro de 2011, do seguinte modo:
«Quanto ao segundo eixo, o das ‘inaugurações’, inscreve-se no plano dos deveres de neutralidade e imparcialidade que a lei impõe aos titulares de cargos públicos, aos órgãos e agentes da Administração Pública e ainda aos órgãos e agentes das empresas públicas e dos concessionários de serviços públicos.
[...] se é lícito que os concorrentes a uma eleição que se apresentam como alternativa de poder denunciem ou critiquem o que entendem menos bem nas suas perspetivas, lícito será também que, quem se encontra a governar ou administrar, afirme a excelência da sua ação e dos seus propósitos e responda às críticas que lhe são movidas.
Porém, exige-se que o façam separando adequadamente as suas qualidades de titular de um dado cargo e de candidato e se abstenham de, em atos públicos e, em geral, no exercício das suas funções, [...] denegrir ou diminuir outras candidaturas e de promover a sua.
Exige-se também que o exercício do direito se faça sem abuso - a frequência, as condições e o próprio conteúdo dos atos que se pratiquem têm necessariamente de integrar um quadro global legitimador de uma prática que, não sendo expressamente proibida pela lei, colide objetivamente com o dever de neutralidade e, por isso mesmo, se deve conter em limites justificados e socialmente aceitáveis.» (CNE 58/XIII/2011.) (cfr. LEOAL anotada e comentada por Jorge Migueis, Maria de Fátima Abrantes Mendes e outros, publicada no site da CNE).
Prossegue a mesma lei anotada, salientando que:
“A imposição de neutralidade as entidades publicas, exigível desde a data da marcação das eleições, não é incompatível com a normal prossecução das funções de um titular de um órgão de uma qualquer entidade publica.
O que o princípio da neutralidade postula é que no cumprimento das suas competências as entidades públicas devem, por um lado, adoptar uma posição de distanciamento em face dos interesses das diferentes forcas político-partidárias e, por outro, abster-se de toda a manifestação politica que possa interferir no processo eleitoral.
(…) a normal prossecução das suas atribuições não consubstancia uma interferência ilegítima naqueles processos, realçando–se, desde logo, que muitas das entidades até tem um papel activo no seu desenrolar.
A propósito dos processos eleitorais da AR, a CNE, em deliberação datada de 09.11.1980, acentuou que tal principio não significa que o cidadão investido de poder público, funcionário ou agente do Estado, incluindo qualquer membro do Governo, não possa, no exercício das suas funções, fazer as declarações que entender convenientes sobre a actuação governativa. No entanto, terá de o fazer objectivamente e de modo a não se servir das mesmas para constranger ou induzir os eleitores a votar em determinadas listas ou abster-se de votar noutras.
Ao contrário do consignado no artigo 9º da LEAR, não está fixado no LEOAL nenhum regime de suspensão de funções para os candidatos que sejam presidentes de câmaras municipais.”
Sendo que, ainda a este propósito, refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 17-02-2004 que:
“Não vindo fixado nenhum regime de suspensão de funções para os candidatos que sejam simultaneamente presidentes de câmaras municipais, na medida em que ocorreriam manifestos prejuízos ao normal funcionamento do órgão autárquico, coloca-se um “problema de extrema complexidade é o que respeita à situação de uma mesma pessoa reunir a qualidade de titular de cargo público e a de candidato. Há ocasiões em que essa dupla qualidade pode importar a violação do princípio da neutralidade e imparcialidade porque é posta em causa a equidistância e isenção que os titulares dos órgãos devem opor às diversas candidaturas.
A complexidade desta questão está bem patente no Acórdão do TC n.º 808/93 (Diário da República IIª série n.° 76 de 31/03/1994), nomeadamente nas respectivas declarações de voto onde se retira que alguns dos conselheiros do Tribunal Constitucional tenham considerado que a análise do tribunal se devia ater a um “controlo de limites” ou seja, a uma censura de casos extremos, inequívocos ou flagrantes.
Prosseguindo, dizem que “o entendimento radical da igualdade entre as candidaturas parece mais conforme com um sistema onde pura e simplesmente a recandidatura fosse de todo em todo proibida”... “Na realidade, o candidato que exerce um cargo político e que procura a reeleição não está (não pode estar!) em situação «pura» de igualdade de circunstâncias com os demais concorrentes que anteriormente não exerceram as funções para que concorrem”.
Por todo o exposto, constata-se, pois, que são dois os requisitos principais para que haja violação da lei: o titular do órgão de um ente público tem de estar no exercício de funções e tem de forma grosseira favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral” (ob. citada, pg. 65).
Tal premissa leva a concluir que apenas são penalmente censuráveis aquelas condutas mediante as quais se ponha irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, em termos tais que não possa já o respeito por esses princípios na própria campanha conduzir a um equilíbrio”.
Ora, a normal prossecução das respectivas atribuições não consubstancia, pois, uma interferência ilegítima naqueles processos, realçando-se, desde logo, que muitas das entidades até têm um papel activo no seu desenrolar.
Assim, tal como acertadamente salienta a Mm.ª Juíza a quo, verifica-se serem dois os requisitos principais para que se possa considerar ocorrer violação da lei em causa.
Em primeiro lugar, que o titular do órgão de um ente público tem de estar no exercício das suas funções e, em segundo lugar, que o mesmo tem de, forma grosseira, favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Nesta conformidade, não pode deixar de se apontar que, sobre uma queixa dirigida contra o Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, por altura das eleições autárquicas de Dezembro de 1997 e tendo em atenção que tal personalidade era, simultaneamente, destacado dirigente partidário, a C.N.E., em deliberação de 29-12-1997, concluiu que: “Os titulares dos órgãos políticos, pelo facto de o serem, não estão inibidos de exercer os seus direitos político-partidários. Mister era que se procurasse transparência quando actuavam numa ou noutra veste, de titular de órgão político ou de dirigente político”.
A mesma factualidade se repetiu numa entrevista concedida a um canal televisivo pelo então Primeiro-Ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso, na sua residência oficial e em vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, sobre a qual recaiu uma queixa por violação do princípio da neutralidade e imparcialidade, por, no entender da força política participante, as declarações por ele proferidas contrariarem tais princípios. Na senda da anterior deliberação, entendeu a C.N.E., face às declarações em causa e atento o seu conteúdo, que um titular de cargo público que também é dirigente partidário tem o direito, nesta última qualidade, de exercer acções de natureza política e eleitoral e de manifestar as opiniões políticas do seu partido.
Em face do que acaba de se expender, torna-se forçoso referir, ab initio, que, de facto, quanto ao ocorrido em 07-09-2009, quer na inauguração pública das obras do novo Centro de Convívio da Furna, na freguesia e concelho da Ribeira Brava, quer na cerimónia pública de homenagem ao Presidente da Junta de Freguesia da Tabua, igualmente no concelho da Ribeira Brava, não resulta a audição de qualquer palavra que, directa ou indirectamente, seja dirigida ao apelo ao voto neste ou naquele partido ou ao não voto.
Pelo que, desde logo, não se logra vislumbrar qualquer violação grosseira do arguido, enquanto titular de cargo político, de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
De igual modo, não se verifica que tais condutas do arguido ponham, irremediavelmente, em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto.
Com efeito, nada impedia ao arguido, na sua qualidade e no exercício das suas funções, de convidar para um acto oficial qualquer entidade ou individualidade.
O que lhe estava vedado era utilizar qualquer dos sobreditos actos para, simultâneamente, promover ou divulgar o seu partido, o que, também em nossa opinião, não se logrou provar.
Apesar de ser difícil para a população em geral destrinçar a qualidade político-partidária da de político em exercício de funções, constata-se, no entanto, que o arguido teve o cuidado de referir que, na parte da tarde, já não se encontrava em campanha e explicar o motivo pelo qual a Dr.ª ML... ali se encontrava, já que não era em campanha.
Naquelas ocasiões, não se falou em partidos, em eleições e não se disse mal de ninguém.
Afigura-se-nos, outrossim, que a presença da cabeça de lista do PSD às eleições para a Assembleia da República, por si só não é suficiente para, de forma grosseira, favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Em segundo lugar, relativamente aos factos de 18-09-2009, ocorridos no Funchal, na inauguração das obras do Jardim de São Martinho, impõe-se salientar que, na verdade, também se nos afigura não ter resultado provado que a alusão a “meninos ricos” se dirigia, de forma inequívoca, aos candidatos do PND e, muito menos, que tal eventual alusão fosse entendida pelos demais presentes.
De qualquer modo, as afirmações em causa são inócuas e inidóneas a prejudicar a campanha de quem quer que fosse ou a beneficiar o PSD, designadamente por ser desconhecido o destinatário das mesmas.
Em terceiro lugar, no que se reporta aos factos de 19-09-2009, que tiveram lugar na inauguração das novas infra-estruturas viárias da Frente Mar Oeste do Funchal, as quais incluíam uma ciclovia, verifica-se que, mais uma vez, a mesma contou com a presença de candidatos do PND e ficou marcada por protestos satíricos, com uso de megafones, carro mortuário e cartazes.
Ora, revela-se inquestionável, de acordo com as regras da experiência comum, que, estando um grupo de pessoas, com o uso de megafones, acompanhadas de um carro mortuário e cartazes, a protestar contra uma inauguração em tempo de eleições - por mais legítima que seja e é, do ponto de vista da democracia e da liberdade de expressão e protesto -, tais actos perturbam o normal decorrer da mesma.
E dizemos isto até porque o modo como se exprimiram não visava tão só alcançar os supra referidos desideratos, mas provocar reacções de quem presidia à inauguração e, consequentemente, perturbar um acto oficial.
Embora as afirmações do arguido possam ser entendidas pelos candidatos do PND como a eles dirigidas, o certo é que o seu significado era desconhecido da população em geral.
Por conseguinte, eram inócuas relativamente a prejudicar o resultado eleitoral, apenas visando os próprios, uma vez que que só eles sabiam que as mesmas a eles se destinavam.
Não foi identificado qualquer candidato ou força política, bem como não foi feito qualquer apelo ao voto.
E, assim, torna-se impossível vislumbrar, nesta conduta do arguido, qualquer violação grosseira enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
De todo em todo, somos também da opinião que estas condutas do arguido não puseram, irremediavelmente, em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, mesmo sopesando sempre o facto de ele acumular as funções de presidente de um partido que concorre às eleições autárquicas e de presidente do governo.
Isto não obstante ser difícil, tal como já deixámos exarado supra, para a população em geral destrinçar a qualidade político-partidária da de político em exercício de funções.
Em quarto lugar, quanto aos factos ocorridos em 30-09-2009, na inauguração das obras da nova ligação entre os Viveiros e o Complexo Escolar e Desportivo Bartolomeu Perestrelo, denominada Comendador Mário Casagrande, verifica-se não ter sido identificado qualquer candidato ou força política, bem como não foi feito qualquer apelo ao voto.
Pelo que, assim, não se descortina, nestas condutas do arguido, qualquer violação grosseira enquanto titular de cargo político de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Embora as afirmações do arguido possam ter sido entendidas pelos candidatos do PND como a eles dirigidas, não resultou apurado que assim fosse.
Nesta perspectiva, sempre se dirá, aliás, que a família “EW...”, não foi a única família de origem inglesa que, no tempo da colonia, tinha terrenos agrícolas nesse regime de exploração.
Também não resultou apurado algum facto ou ligação da “H...” a qualquer candidato do PND ou de outro partido ou coligação.
Daí que não se vislumbre que tais expressões possam prejudicar um concorrente eleitoral, nomeadamente o PND.
O mesmo se dirá quanto à referência a “daquele individuo das velhinhas e testamentos”.
Verificando-se que, de igual forma, perfilhamos o entendimento de que estas condutas do arguido não puseram irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, mesmo sopesando sempre o facto de ele acumular ambas as funções de presidente de um partido que concorre às eleições autárquicas e de presidente do governo
Isto apesar de ser difícil para a população em geral destrinçar a qualidade político-partidária da de político em exercício de funções, o que não pode deixar de se repetir mais uma vez
Em quinto lugar, relativamente ao ocorrido em 02-10-2009, aquando da inauguração da nova ligação do Porto do Funchal, constata-se que, de novo, os candidatos do PND se encontravam presentes, perturbando, com protestos e cartazes, o normal decorrer da mesma, como relatou quem esteve presente.
As afirmações do arguido, embora possam ser entendidas pelos candidatos do PND como sendo a eles dirigidas, são tão genéricas, que, também não vislumbramos que sejam dirigidas àqueles, mas sim a quem, em abstracto, é contra a autonomia, independentemente da sua ideologia politica.
Com efeito, o que na sobredita inauguração se diz é “vou continuar contra aqueles que de qualquer lado, são contra a autonomia”.
Outrossim, as expressões em causa eram desconhecidas da população em geral.
Pelo que, eram inócuas relativamente a prejudicar o resultado eleitoral, apenas visando os próprios, uma vez que só eles sabiam que a eles se destinavam.
Não foram identificados destinatários, bem como não foi feito apelo ao voto e, assim, não se descortina nestas condutas, qualquer violação grosseira do arguido, enquanto titular de cargo político, de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
De igual modo, também não vislumbramos que se possa defender que as mesmas ponham, irremediavelmente, em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto, mesmo sopesando sempre o facto do arguido acumular as funções de presidente de um partido que concorre às eleições autárquicas e de presidente do governo.
 Isto não obstante ser difícil para a população em geral destrinçar a qualidade político-partidária da de político em exercício de funções, conforme já se realçou por mais de uma vez.
Finalmente, no que diz respeito ao que aconteceu no dia 07-10-2009, na inauguração de obras nos arruamentos junto do Tecnopólo, no Funchal, verifica-se que, na senda do que já acontecera nas inaugurações anteriores, havia cartazes, desta feita, exibidos por elementos da JSD com alusões directas aos elementos do PND que, mais uma vez, ali se encontravam, sendo que, depois de a PSP ter mandado fechar os cartazes, o arguido mandou abri-los.
Ora, também não se vislumbra, nesta conduta do arguido, a ocorrência de qualquer violação grosseira, enquanto titular de cargo político, de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Em primeiro lugar, porque não foi alegado e, por isso, não resultou provado, que o mesmo tivesse instigado os membros da JSD a comparecerem na inauguração com os cartazes e dizeres apurados, nem que directa ou indirectamente, tivesse participado ou tivesse previamente conhecimento de tais factos.
Depois, porque é conhecido e reconhecido publicamente que o arguido, enquanto pessoa, cidadão e Presidente do Governo Regional, apresenta uma personalidade forte, turbulenta e sem medos, pelo que a sua reacção de mandar abrir os cartazes, não teve em vista, diminuir os visados, enquanto candidatos, mas sim enfrentá-los, por respeito à liberdade de expressão e protesto de quem se manifestava nesse sentido.
E não é pelo facto de serem pessoas conotadas com a JSD, que pertence à mesma filiação partidária do PSD, que tal liberdade lhe deve ser negada.
Sendo que, nesta situação concreta, mais uma vez não constatamos a existência de qualquer violação grosseira do arguido, enquanto titular de cargo político, de modo a favorecer ou prejudicar um concorrente eleitoral.
Igualmente, não se entende que estas condutas do mesmo ponham irremediavelmente em causa a igualdade entre as candidaturas ou a liberdade e esclarecimento do voto.
Mais se nos afigura, aliás, carecer de fundamento a pretensão de que o arguido não era candidato, quando se revela inquestionável que a maior parte dos factos ocorreram no período coincidente que antecedeu as duas eleições (para a Assembleia da República e para os órgãos das autarquias locais), sendo que o mesmo era cabeça de lista do PSD, pelo círculo eleitoral da Madeira, à Assembleia da República.
Verificando-se, pois, ser bom de ver que tal circunstância não poderia deixar de ser tomada em consideração, designadamente para efeito de eventual resolução criminosa no que se reporta aos ilícitos continuados ora em causa.   
Perante tudo quanto acaba de se expender, torna-se imperioso salientar que se tratou de uma época eleitoral conturbada, com inaugurações dificultadas pelos elementos do PND presentes, que nelas procuravam, a todo o custo, manifestar-se contra o governo e tais inaugurações, verificando-se, contudo, que nenhum outro partido de oposição ali se encontrava a manifestar.
Neste contexto, houve, inequivocamente, por parte do arguido, alguma linguagem exacerbada, mas não censurável criminalmente.
De todo o modo, ainda que os candidatos do PND se possam, subjectivamente e de modo legítimo, sentir visados com as palavras e expressões que foram apuradas, tal não se revela suficiente para preencher os pressupostos do tipo legal imputado ao arguido.
As inaugurações faziam parte das respectivas atribuições, sendo facto notório que as mesmas eram feitas todo o ano, independentemente de coincidirem ou não com períodos de campanha eleitoral.
Ora, ao contrário do pretendido, não ficou, por último, demonstrado que o arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, querendo com a sua conduta violar os deveres decorrentes da lei eleitoral.
Daí que não pode deixar de se reiterar que o comportamento do arguido não integra o conceito de violação (grosseira) dos deveres de neutralidade e imparcialidade previsto no Art.º 41º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais
Assim, sem necessidade de mais considerações, remetendo-se para os demais fundamentos da decisão recorrida, nos termos do Art.º 425º, n.º 5, do C.P.Penal, impõe-se a confirmação da mesma, negando-se provimento ao recurso do Mº Pº.

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Nos termos do exposto, acordam, pois, os juízes em negar provimento ao recurso, confirmando, na sua plenitude, a sentença impugnada.

Sem tributação.

Lisboa, 10 de abril de 2018.

Simões de Carvalho.

Margarida Bacelar