Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20329/16.5T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: DEVER DE INFORMAÇÃO DOS BANCOS
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS
CULPA GRAVE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Provando-se que o Banco induziu clientes que não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN, tendo sempre feito investimentos em depósitos a prazo, o que era do conhecimento dos funcionários, à aquisição das mesmas, afirmando que era um investimento semelhante a um depósito a prazo e omitindo que tais obrigações eram subordinadas, consciente de que os clientes, pela sua condição educacional e cultural nem sequer perceberiam o que era a subordinação, incorreu o referido Banco em inobservância do dever de informação do cliente.

II. Tal violação, da responsabilidade de intermediário financeiro, constitui este na obrigação de indemnizar os consequentes danos causados.

III. A conduta supra descrita integra culpa grave, pelo que não se aplica o prazo de prescrição de dois anos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório[1]

         JF e mulher, RF, ambos nos autos melhor identificados, vieram instaurar a presente acção declarativa, com processo comum, contra Banco, SA, peticionando a final a condenação do réu a pagar aos autores a quantia de 52 991,44€, acrescida de juro à taxa supletiva legal para as operações comerciais, desde a citação até integral pagamento.
         Alegam, em síntese que o BANCO, SA, à data dos factos, era detido totalmente pela XXX e tinham ambos o mesmo presidente de conselho de administração.
         Desde pelo menos 1993 que o BANCO, SA estava registado como intermediário financeiro; tinha o dever de categorizar os autores como investidores não qualificados. O BANCO, SA, em Setembro de 2004 lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do BANCO, SA.
         Foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo.
         Os autores acreditaram tratar-se de investimento seguro, 100% garantido e, em 11/10/2004 o autor marido subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50 000€, já previamente preenchido, pensando tratar-se de uma variante de depósito a prazo mas melhor remunerado.
          Não foi dada aos autores nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podiam resgatar em qualquer altura, o que convenceu os autores.
          Aos autores não foi dito nem sabiam que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de 27/10/2014; se o soubessem, não teriam aceitado subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco.
          Os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do BANCO, SA ou da SLN.
          O BANCO, SA não forneceu informação sobre a relação que tinha com a SLN.
          O BANCO, SA violou os deveres de protecção e de informação, induzindo os autores a contratar em erro nos termos em que o fizeram.

          Contestou o réu invocando a excepção de ineptidão da petição inicial e a excepção de prescrição do direito dos autores, ao abrigo do artº 324º do CVM, alegando que eles tiveram conhecimento da alegada subscrição abusiva desde início de 2009.
          Impugnou no essencial a factualidade invocada pelos autores.
         Confirmou que o autor subscreveu uma Obrigação SLN 2006, tendo perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente.
         Foi informado ao autor que a única forma de obter liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro.
         Os autores receberam sempre o extracto mensal no qual figuram a obrigação na sua carteira de títulos e receberam os cupões de juros e nunca efectuaram qualquer reclamação. Tendo tido conhecimento do alegado engano doloso à data da nacionalização do banco, agem em venire contra factum proprium.
         Negou ter garantido o pagamento da emissão das obrigações.
         Alegou não serem devidos juros comerciais em caso de procedência da acção.

         Convidados para o efeito, os autores responderam por escrito às excepções.
           
         Em audiência prévia julgou-se improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição. Foi fixado à causa o valor de €52.991,44. Foram enunciados o objecto do litígio e os temas de prova.

         Procedeu-se à audiência final, com gravação da prova nela prestada.
        Subsequentemente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido, e condenando os autores em custas.
        Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
        A. Não pode deixar de ser havido como um facto publico e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes, o qual, em ordem ao seu financiamento consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
        B. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que não correspondia á verdade.
        C. Aliás, a douta sentença assim também o considerou.
        D. A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente releva, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário.
        E. No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
        F. A atividade de recolha e difusão de informação é uma atividade que pode ser lesiva para outrem, nomeadamente para o cliente, se a informação prestada for falsa ou deficiente, e tiver levado o seu destinatário a tomar decisões que, a final, se revelam danosas para si.
       G. Nas relações entre o Banco e o cliente, existe uma relação de confiança de onde resulta um dever específico de veracidade das informações espontaneamente prestadas.
       H. Sempre que se verifique uma situação de prestação de informações incorretas, competirá ao Banco ilidir a presunção de culpa resultante do artigo 799.º, n.º 1 do C.C., demonstrando que o cumprimento defeituoso considerado não procedeu de culpa sua.
       I. Sempre que a informação seja imposta, quer por obrigação principal, quer por obrigação secundária, estabelecida pela relação negocial entre o Banco e o cliente, haverá que aplicar as regras da responsabilidade obrigacional.
       J. A prestação de informação pelo Banco nunca é desinteressada, visando antes que o recetor da informação, ao determinar-se por esta, adquira confiança na competência do Banco que lhe prestou a informação e reforce a sua relação como cliente desse Banco.
       K. A al. b) dos factos não provados deveria ter recebido a resposta de “provado”, por via do cotejo das certidões comerciais juntas aos autos (Docs. 1 e 3 da p.i.) com o depoimento da testemunha TC
       L. Os depoimentos das testemunhas TCe JP impunham que as als. c) e e) dos factos não provados tivesse recebido a resposta de “provadas”.
       M. As declarações das testemunhas TCe CG, cotejadas com o teor do Doc. 6 da petição inicial, a fls 4, impunham que as als. d) e i) dos factos não provados tivessem merecido a resposta de “provadas”.
       N. Relativamente à al. f) dos factos não provados, as declarações da testemunha CG, impunham que a mesma tivesse sido dada por “provada”.
       O. A al. g) dos factos não provados, deveria ter sido dada por “provada”, uma vez que a tanto o impunham as declarações das testemunhas TC, CG e JP
       P. Os depoimentos das testemunhas TC, CG e LM são deveras elucidativos de que os funcionários do Banco réu acreditavam na segurança do produto que vendiam sem terem noção de que produto efetivamente se tratava, pelo que a al. m) dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provada”.
       Q. A resposta positiva à al. n) dos factos não provados impunha-se por inferência e por ilações tiradas de toda a restante prova produzida, conjugada com o depoimento da testemunha CG, uma vez que a esta, questionada se a autora mulher teria aceite ficar com o produto financeiro dos autos caso lhe tivesse sido explicado que o mesmo consistia numa obrigação subordinada, respondeu convictamente “Não”.
       R. A al. o) dos factos não provados, deveria também ter merecido a resposta de “provada”, uma vez que o documento junto pelos autores na sua resposta às demonstra inequivocamente que, na data em que os mesmos subscreveram a compra de 1 obrigação SLN Rendimento Mais 2004, o Banco réu nem sequer a tinha depositada numa qualquer conta de valores mobiliários escriturais.
        S. Questão fundamental para a economia do presente recurso: “Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um deposito a prazo” (7 dos factos provados) e “Foi dito à autora mulher que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 a terceiros”(11 dos factos provados).
        T. Se nos recordarmos dos depoimentos de TCe de CG, os quais confirmaram que equiparavam o produto financeiro dos autos a um depósito a prazo e que o mesmo se destinava a “clientes tradicionais aforradores”, não vislumbramos como se pode fundamentar a improcedência da acção…
       U. Apenas tendo em conta a matéria de facto dada como provada, impunha-se que a ação tivesse sido julgada procedente.
       V. Se lhe acrescentarmos a matéria de facto incorretamente dada por não provada e que deveria ter merecido a resposta de “provada”, então a douta decisão recorrida começa a raiar a flagrante e gritante injustiça, sobretudo quando se limita a qualificar tudo como “um negócio ruinoso”.
       W. Dando-se como provada a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que os autores não foram enganados ao subscreverem o produto «SLN Rendimento Mais 2004», convencidos que se tratava de um mero sucedâneo de depósito a prazo, e que, pelo contrario, os empregados do Banco “Agiram, pois, de boa-fé, salvaguardando os interesses dos autores no momento do investimento”.
       X. Sobretudo, tendo presente que foi dada à autora mulher a garantia de que o produto SLN Rendimento Mais 2004 de um mero sucedâneo de depósito a prazo se tratava, e que tal produto era a qualquer tempo mobilizável.
       Y. A douta sentença enferma de vício de contradição profunda entre a factualidade dada como provada e a decisão de direito que tais factos mereceram, pelo que padece da nulidade referida no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do C.P.C..
       Z. A informação defeituosa prestada pelo BIC à autora mulher, sua cliente, acerca das “SLN Rendimento Mais 2004”, foi-o no âmbito de um dever jurídico de informação que sobre ele impendia.
    AA. É obrigacional a responsabilidade do BIC decorrente da eventual prestação defeituosa daquela informação, posto que em momento algum à autora mulher foi referida a distinção entre os produtos denominados SLN Rendimento Mais 2004 e um puro depósito a prazo.
       BB. A informação prestada pelo BIC à autora mulher acerca do produto financeiro "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", responsabiliza o Banco, enquanto intermediário financeiro, tratando-se de uma responsabilidade de natureza obrigacional, que não delitual.
       CC. A informação prestada pelo BANCO, SA, através dos seus funcionários da agência de Ourém, à autora mulher, acerca do produto financeiro obrigações “SLN Rendimento Mais 2004", foi enganosa e defeituosa.
        DD. Isto porque, em momento algum, foi explicitado à autora mulher que, no limite, a aquisição dos produtos financeiros comportava risco, não sendo reconduzível, por forma alguma, à figura de um puro depósito a prazo.
        EE. Está demonstrado nos autos que os funcionários das agências do BIC tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um sucedâneo de um depósito a prazo e que esses funcionários, assim como os seus colegas das demais agências daquele Banco, estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram à autora mulher que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado.
        FF. O que com meridiana clareza se recolhe da factualidade consignada na sentença recorrida sob o ponto 8 dos factos provados e do mail junto como Doc. 10 da petição inicial.
        GG. O tribunal a quo não se debruçou, como devia, sobre o teor dos mails juntos como documentos n.º 9 e n.º 10 da petição inicial, não procedendo ao exame critico das provas e deixando de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar.
        HH. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
         II. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhe possa ser censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.
         JJ. Os Bancos devem ter funcionários altamente preparados e especializados, com elevada formação e profundo conhecimento na área dos mercados de valores imobiliários de modo a proporcionarem aos clientes a melhor e a mais completa informação possível acerca dos produtos financeiros nos quais pretendem investir.
         KK. In casu, na informação prestada à autora mulher acerca do produto financeiro obrigações SLN Rendimento Mais 2004, exigia-se ao BIC uma atuação caracterizada por um elevado grau de diligência, prudência, zelo e cautela.
         LL. O conteúdo essencial da relação contratual bancária projeta-se em primeiro lugar num dever de prestação de serviços.
         MM. Faz parte do referido dever a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respetiva estrutura organizativo-funcional, em ordem da execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à actividade bancário-financeira.
         NN. Este contrato faz nascer para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro.
Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma atividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado.
        OO. Desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.
         PP. São cinco os princípios fundamentais que devem nortear a atuação do intermediário financeiro: o da proteção dos legítimos interesses dos clientes; o da eficiência do mercado; o da observância dos ditames da boa-fé (de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência); o da recolha de informação sobre a situação financeira, experiência e objetivos dos clientes; o do segredo profissional.
        QQ. Os princípios mencionados podem assumir a função de assegurar a integração da lacuna de previsão ou de estatuição, ou ainda, caso se tenham como princípios materiais, em que se pressupõe a concretização do valor neles ínsito ulteriormente a operar pela regra, permitir já um grau genético de concretização, no sentido de uma regulamentação material definida.
         RR. Mesmo que não exista norma expressa a orientar o intermediário financeiro na resolução do conflito de interesses com o cliente, o princípio da proteção dos legítimos interesses deste não deixa de estabelecer um dever de conduta a adotar.
         SS. A referência ao princípio da boa-fé implica que se apliquem ao direito dos valores mobiliários, ainda que com ajustamentos, os conceitos doutrinários e as decisões jurisprudenciais sobre esse tema.
         TT. A estrutura normativa dos deveres do intermediário financeiro dirige-se, mais do que a disciplinar o acesso à atividade de intermediário financeiro, a assegurar a sua correta ordenação ao interesse preponderante e à tutela do cliente investidor.
         UU. Não há fundamento para que se estabeleça uma igualdade formal civilística entre as partes, por sobressair a tendencial debilidade do cliente individual e a experiência profissionalizada do intermediário financeiro, com estrutura organizativa, humana e técnica e orientado por um escopo lucrativo.
         VV. É dever do intermediário financeiro prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, de modo a que esteja assegurada a completude, verdade, atualidade, clareza, objetividade e licitude dessas informações.
        WW. A conduta diligente do intermediário financeiro é integrada por um elevado padrão de diligência nas relações com todos os intervenientes no mercado, não sobressaindo apenas na vertente da pontualidade do cumprimento da obrigação, mas quanto à delimitação do conteúdo da mesma.
        XX. Na delimitação do conteúdo do dever de informar, assume especial relevo um vetor que tem a ver com a adequação da informação à própria experiência e conhecimento técnico do cliente.
        YY. Essa informação deve, então, cobrir os aspetos técnicos necessários, de forma clara e apreensível pelo cliente em causa, para produzir o efeito útil a que se destina.
        ZZ. Deve, pois, ser uma informação simultaneamente pautada por características de rigor técnico-jurídico e de clareza, simplicidade e eficiência adequadas a cada cliente em concreto.
        AAA. No caso em apreço, ficou provado “Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo” e que “Os autores têm a 4ª classe, ele trabalha na construção e ela explora um minimercado” (7 e 16 dos factos assentes)”.
        BBB. O BIC não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, isto é, não fez prova de que, tendo em conta o circunstancialismo do caso concreto, agiu com toda a diligência que lhe era exigível e atuou de acordo com o grau de zelo, de cautela, de responsabilidade e competência técnica que a situação exigia.
        CCC. Resulta cristalino dos documentos n.º 7, n.º 8 e n.º 9 da petição inicial, dos depoimentos das testemunhas TC, JPe CG, e da matéria de facto provada, que o BIC, ao invés de informar a autora mulher do risco inerente à aquisição das obrigações “SLN Rendimento Mais 2004", emitidas pela SLN, através dos seus quadros superiores, deu indicações os funcionários das suas agências para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um sucedâneo de um depósito a prazo; convenceu a autora mulher, através dos seus funcionários da agência de Ourém, a adquirir uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004; convenceu os seus funcionários da agência de Ourém, assim como os seus demais funcionários das outras agências, que as obrigações SLN Rendimento Mais 2004, emitidas pela SLN, constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores; através dos seus funcionários da agência de Ourém, assegurou à autora mulher que as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado; não informou a autora mulher que, ao adquirir a obrigação SLN Rendimento Mais 2004, perdia o controlo sobre o dinheiro investido; não podia, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até 30 de Setembro de 2015, data do termo da maturidade daquele produto financeiro, o dinheiro investido e que o empréstimo do mesmo à SLN, consubstanciado na aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, só poderia ser reembolsado a partir daquela data.
          DDD. Resultou demonstrado nos autos que a autora mulher só adquiriu a obrigação SLN Rendimento Mais 2004 por ter sido convencida, pelos funcionários da agência de Ourém do BIC, que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco, e que se tratava de um sucedâneo de depósitos a prazo, com características semelhantes a estes, mas melhor remunerado.
           EEE. Resultou também demonstrado que a autora mulher nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do BIC a tivessem previamente informado acerca das suas características, ou se lhe tivessem mostrado e explicado o conteúdo da “nota informativa” respeitante a tal produto, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado”; “Liquidez” e “Subordinação” (as declarações de CG são, nesta questão em concreto, apodícticas…).
           FFF. No caso em apreço, ao arrepio do que a douta sentença recorrida considerou, ocorreu uma gritante violação dos deveres de informação a que o BIC estava vinculado na atividade que desenvolveu junto da autora mulher, enquanto intermediário financeiro.
           GGG. Assim, pois, a autora mulher avançou para a aquisição de uma aplicação financeira, num montante considerável, sem ter sido alertada (antes, por ter sido enganada) das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o BIC em responsabilidade.
           HHH. Sendo o BIC responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800.º, n.º 1, do C.C.), conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente com a autora mulher, quer na qualidade de intermediário financeiro.
            III. Atuou, por isso, de forma ilícita e não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impedia.
           JJJ. A falha de informação inicial do BIC acerca das características das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (assim como a violação dos demais deveres que sobre si impediam) projetou-se negativamente na esfera patrimonial dos autores, os quais, após o vencimento das aplicações, não foram reembolsados pela emitente SLN.
           KKK. O comportamento do BANCO, SA foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pela autora mulher, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um sucedâneo de um depósito a prazo), que esta deu o seu acordo na aquisição da obrigação SLN Rendimento Mais 2004.
           LLL. É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o BIC estava adstrito e os danos que a autora mulher reclama nesta ação.
           MMM. O dano corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
           NNN. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, no âmbito das normas de conduta, limitou-se a levar a cabo a concretização da matéria relativa à adequação da operação às circunstâncias do cliente, cuja extensão depende do tipo de serviço a prestar.
           OOO. Tratou-se de uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se integra na lei interpretada.
           PPP. O doc. n.º 9 da petição inicial, que não foi impugnado, apesar de ter sido ignorado na douta sentença, é revelador de uma narrativa e de um padrão comportamental por parte do Banco réu, coerente e em sintonia com os depoimentos das testemunhas, supra reproduzidos, que se traduz num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.
           QQQ. O tribunal a quo não foi capaz de discernir que o ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu, por via do disposto nos artigos 304.º-A, n.º 2 do C.V.M. e 344.º, n.º 1 do Código Civil.
           RRR. Nem que, apesar de o referir como uma das causas de responsabilidade do intermediário financeiro, não se tenha debruçado, ainda que ao de leve, sobre o conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, o qual é, no caso dos autos, ostensivo.
           SSS. Os autos revelam procedimentos que consubstanciam uma intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
           TTT. A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Cível Central de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados na área da direção de coordenação de Leiria, pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 35242/15.5T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
           UUU. Tal entendimento também tem sido perfilhado por este Venerando Tribunal, nomeadamente no acórdão de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt.
           VVV. Também o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o mesmo entendimento, nomeadamente nos acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva) e de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor).
           WWW. O prazo prescricional bianual previsto no n.º 2, do artigo 324.º do C.V.M. só será aplicável, caso não se possa imputar ao réu uma conduta dolosa ou a título de culpa grave, ou, dito pela positiva, se apenas lhe for assacada uma culpa leve ou levíssima.
           XXX. A informação falsa prestada pelo BIC aos autores, nos termos que se deixaram descritos, nomeadamente a de que o próprio Banco assegurava o reembolso do capital investido, pressupõe uma violação das mais elementares regras da atividade do intermediário financeiro e só é compreensível num intolerável quadro de amadorismo dos funcionários do balcão do BIC e, sobretudo de total desconsideração por parte das «estruturas dirigentes» do Banco, relativamente aos interesses dos clientes (face aos seus próprios interesses, assim como da sociedade emitente do produto financeiro), aos quais foi propositadamente induzida uma confiança artificial no investimento proposto rectius no investimento que foram convencidos a fazer.
            YYY. É por demais evidente que o BIC não observou, antes violou grosseiramente, o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imposto.
           ZZZ. Assim, forçosa é a conclusão de que a sua culpa é muito grave, sendo por isso inaplicável in casu o prazo prescricional bianual previsto no n.º 2 do artigo 324.º do C.V.M..
           AAAA. Não sendo aplicável esse prazo prescricional de dois anos, e estando em causa uma responsabilidade obrigacional, o prazo de prescrição é o ordinário previsto no artigo 309.º do C.C., ou seja, de 20 anos, o qual não decorreu ainda, ao invés do que na douta sentença se deixou consignado.
           BBBB. A este respeito, é elucidativo o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor).
           CCCC. Deverá, pois, ser revogada a douta sentença recorrida e considerar-se que, ao caso, se aplica o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, que manifestamente não correu ainda.
           DDDD. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1 e 76.º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 13º, nº1; 309.º; 323.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 369º, nº 1; 371º, nº 1; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M..
           Nestes termos (…) deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, assim, ser revogada a douta sentença ora recorrida e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada, (…)”

           Contra-alegou o recorrido BIC, sem formular conclusões a final, e pugnando pela manutenção do decidido.
           Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
           
II. Direito
           Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
            1ª - Nulidade de sentença, nos termos do artigo 615º nº 1 al. c) do CPC por contradição entre a factualidade dada como provada e a decisão de direito;
           2ª - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo passar os factos não provados sub alíneas b), c), e), d), i), f) g) m), n), e o) a provados;
           3ª - Procedência da acção, em função da violação do dever de informação, não tendo o réu ilidido a presunção de culpa e ocorrendo nexo causal relativamente ao dano sofrido;
           4ª - Não ocorrência de prescrição.

II. Matéria de facto
           A decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação proferida pelo tribunal recorrido é a seguinte:            
           “1.1-Factos Provados.
           Com relevância para a decisão da causa, o tribunal considera provados os seguintes factos:
           1º- Banco, SA, réu, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação Banco TT, SA
           2º- Até à nacionalização do Banco TT, SA (operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada LL
           3º- LL e Banco TT, SA, à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, JC
           4º- O Banco TT, SA, até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.
            5º- Os autores são há mais de 15 anos clientes do banco réu na agência de Ourém.
            6º- A LL, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de 50 000€, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 25/10/2014.
           7º- Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
           8º- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.
            9º- Os autores detinham depositados no réu em Outubro de 2004, 50 000€.
            10º- O autor marido subscreveu, em 11/10/2004, uma ordem de subscrição de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50 000€.
            11º- Foi dito à autora mulher que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 a terceiros.
            12º- A Operação foi lançada em Outubro de 2004.
           13º- A SLN pagou os juros referentes às Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
            14º- A autora mulher foi informada pelo balcão do réu que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% nos primeiros 10 cupões, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,75% nos cupões seguintes.
           15º- Na altura o produto tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.
           16º- Os autores têm, a 4ª classe, ele trabalha na construção e ela explora um minimercado.
           17º- Não foi explicada aos autores a característica da subordinação da obrigação SLN Rendimento Mais 2004.
           18º- Os autores subscreveram a Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, por se tratar de produto seguro e bem remunerado.
            19º- Os funcionários do banco sabiam que os autores nunca haviam investido em produtos diferentes de depósitos a prazo.
           20º- A colocação das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 pelos funcionários do réu junto de clientes, integrava o denominado “Campeonato BANCO, SA 2004” que atribuía prémios aos funcionários consoante os objectivos alcançados por agência.
           21º- Não foi facultada aos autores nota informativa do produto.
           22º- Pelo menos desde a data da nacionalização do BANCO, SA, em 11 de Novembro de 2009 que os autores sabem que o dinheiro foi aplicado em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, com maturidade a 10 anos.
           
           1.2-Factos Não Provados.
           De entre os alegados e relevantes para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
           a)- Que em 2004, o Banco de Portugal ordenou ao BANCO, SA que reforçasse capitais próprios;
           b)- Que as administrações do BANCO, SA e da SLN se confundissem;
           c)- Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;
           d)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto;
           e)- Que os capitais obtidos com a operação de emissão e colocação das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 serviu para reforçar os capitais próprios do banco;
           f)- Que o documento de subscrição da obrigação, de fls 70, tenha sido colocado à frente do autor, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo;
           g)- Que os funcionários do banco tivessem assegurado à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco;
           h)- Que os autores desconhecessem que o empréstimo (obrigacionista) só poderia ser reembolsado em 25/10/2014;
           i)- Que os autores não teriam subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva;
           j)- Que os autores vivem com contínuo terror e receio de terem perdido o capital do seu investimento;
         l)- Que somente após a nacionalização do BANCO, SA foi entregue aos autores informações sobre o produto investido;
           m)- Que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava;
           n)- Que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004;
           o)- Que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 não estavam depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais.
***
           1.3-Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto.
           1.3.1-Quanto aos Factos Provados.
           Para a decisão da matéria de facto nos temos exposto, no que toca aos factos provados, o tribunal baseou a sua convicção na análise e ponderação dos seguintes meios de prova:
           Quanto aos pontos 1º, 2º, e 3º, baseou-se o tribunal no teor das certidões de fls 19 a fls 29 verso e de fls 30 verso e seguintes.
          Relativamente ao ponto 4º, deu-se como provado nos termos do artº 567º nº 1 CPC/13 e ainda face ao documento de fls 124 verso, emitido pela CMVM.
           O ponto 5º considerou-se provado, por não ter sido impugnado pelo réu.
           No que respeita ao ponto 6º, baseou-se o tribunal no teor do documento de fls 79 verso a 95 verso e nos depoimentos de TC e CG, que confirmaram a emissão das obrigações em causa.
           Para o ponto 7º, relevaram os depoimentos de TC, CG e LM, que confirmaram que diziam aos clientes tratar-se de produto semelhante a depósito a prazo, por causa do prazo, da existência de juros, ser produto seguro e de grande liquidez: podia ser cedido a terceiros, em qualquer altura, com facilidade. Referiram ainda que esclareciam que não se tratava de depósito a prazo e explicavam a possibilidade de endosso a terceiros.
           Igualmente nos depoimentos de TC, CG, JPe LM se baseou o tribunal para dar como provado o ponto 8º: unanimemente confirmaram estarem convencidos tratar-se de produto seguro e sem risco.
           Considerou-se provado o ponto 9º, porque a respectiva matéria não foi impugnada.
           Quanto ao ponto 10º, baseou-se o tribunal no teor do documento de fls 74 verso, repetido a fls 168 e no depoimento de CG que disse ter sido ele quem “vendeu” a Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 à autora mulher, por telefone e que depois o autor marido passou pelo balcão do banco e subscreveu a obrigação, assinando o respectivo boletim.
            Igualmente no depoimento de CG se baseou o tribunal para dar como provado o ponto 11º: a testemunha confirmou ter dado essa informação à autora mulher e que depois a repetiu ao autor marido. Igualmente TC referiu que essa informação era dada aos clientes e que acontecia, com frequência e facilidade, o endosso do título a terceiros.
            Por não ter sido impugnado o facto deu-se como provado o ponto 12º, conjugado ainda com o teor do documento de fls 79 e segs, mormente fls 81.
           Considerou-se provado o ponto 13º, visto ter sido reconhecido pelos próprios autores, sendo facto que lhes é desfavorável.
           Para o ponto 14º, relevou o teor do documento de ordem de aquisição da Obrigação, de fls 70 verso e no depoimento de CG, que confirma ter informado a autora dessas remunerações/cupões.
           Igualmente nos depoimentos de TC, CG e LM se baseou o tribunal para considerar provado o ponto 15º.
           Para o ponto 16º, teve-se em conta o depoimento de CG que referiu esses factos.
           Quanto ao ponto 17º, deu-se como provado porque CG e TC disseram que não era explicado aos clientes a questão da subordinação; ambos referiram que a característica da subordinação não se colocava dada a solvabilidade da SLN na altura da emissão e até à nacionalização do banco.
            Para o ponto 18º, deu-se como provado porque, perguntado directamente a CG, disse que os autores procuraram o produto porque se tratava de uma aplicação segura e bem remunerada.
           Quanto ao ponto 19º, baseou-se igualmente o tribunal no depoimento de CG.
           Para o ponto 20º, levaram-se em conta os depoimentos de TC, de CG e ainda o teor do documento de fls 64.
           Para o ponto 21º, baseou-se o tribunal no depoimento de CG que disse que no caso não entregou ficha técnica do produto, porque não era prática.
           O ponto 22º deu-se como provado porque resulta da afirmação dos próprios autores nos pontos 74º a 77º da petição inicial: com a crise financeira mundial em 2008 “correram” ao Banco para levantar as quantias, sendo informados que não as podiam levantar, dando-se a nacionalização do Banco em 11 de Novembro de 2009. Portanto, pelo menos desde essa altura que os autores sabem que o dinheiro foi aplicado em Obrigações com maturidade de 10 anos.
          1.3.2-Quanto aos Factos Não Provados.
          Consideram-se não provados os seguintes factos, pelas razões que se passam a enunciar:
           Deu-se como não provado o ponto mencionado em a), com base na informação do Banco de Portugal, de fls 158.
           Quanto ao ponto b), O facto foi negado por TCe o seu contrário resulta dos documentos de fls 19 e segs e de fls 37 verso e segs.
           Por não ter sido feita prova do alegado plano de apossamento dos depósitos, deu-se como não provado o ponto c).
           Considerou-se não provado o ponto d), porque TCe CG negaram o facto.
           Por não ter sido feita prova sobre a factualidade mencionada em e), deu-se por não provado; aliás, TCdisse que os valores obtidos se destinaram a reforçar capitais da própria SLN.
           Relativamente ao ponto f) deu-se como não provado porque CG disse que explicou previamente à autora mulher as características do produto, as remunerações e o prazo, o modo de liquidação por endosso a terceiro e depois voltou a explicar ao autor marido.
           Relativamente à al. g), considerou-se não provada porque CG disse ter sido ele a “vender” o produto à autora mulher e que lhe explicou tratar-se de produto emitido pela SLN, a detentora do banco e que era garantido pela SLN, que era um produto seguro e sem risco, não disse que no final do prazo o banco garantia o retorno do capital investido.
            Considerou-se não provado o ponto h) porque CG disse ter explicado que se tratavam de obrigações da “dona do Banco”, tinha maturidade de 10 anos, mas que podia ser liquidada antes, por endosso a terceiros.
            Deu-se como não provado o ponto i) porque CG disse que o que levou os autores a subscreverem o produto foi a rentabilidade e a segurança que o produto tinha e a possibilidade de mobilização pronta.
           Por não ter sido feita prova sobre os pontos j), l), m) e o) deram-se por não provados.
           Considerou-se não n), pelas razões referidas na fundamentação da al. i).
           Note-se que apesar de CG ter dito, no seu depoimento, que considerava que os autores “foram enganados”, foi convidado a esclarecer essa afirmação, tendo mencionado que o “engano” está na circunstância de à data de hoje o capital (da obrigação) não ser 100%. Ora, trata-se de risco próprio da obrigação, que na altura não se colocava, como foi reiterado por TC, Jorge Pessoa, CG e LM”.

IV. Apreciação
            1ª questão:
            Os recorrentes invocam a nulidade de sentença em virtude dos factos provados não merecem a solução absolutória proferida. Fundam-se no artigo 615º nº 1 al. c) do CPC.
           Como é manifesto do teor das alegações, quer a partir dos factos provados, quer a partir da versão que os recorrentes entendem que eles devem merecer, o que se anota é a discordância na interpretação dos mesmos pelo tribunal recorrido e na subsunção deles aos normativos e institutos jurídicos aplicáveis, em termos simples, que com tais factos não havia como não considerar que os recorrentes tinham sido enganados, e por isso não havia como não condenar o recorrido. Trata-se de um erro de julgamento mas não de nulidade de sentença, a qual, na vertente em causa, se destina a sancionar uma contradição insanável, um desvio a nenhum título explicável, entre a fundamentação e a decisão.
            Improcede esta questão.
            2ª questão:
           Pretendem os recorrentes que passem a provados os seguintes factos não provados:
           “b)- Que as administrações do BANCO, SA e da SLN se confundissem;
           c)- Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;
           d)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto;
           e)- Que os capitais obtidos com a operação de emissão e colocação das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 serviu para reforçar os capitais próprios do banco;
           f)- Que o documento de subscrição da obrigação, de fls 70, tenha sido colocado à frente do autor, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo;
           g)- Que os funcionários do banco tivessem assegurado à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco;
          i)- Que os autores não teriam subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva;
           m)- Que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava;
           n)- Que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004;
           o)- Que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 não estavam depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais”.

           A recorrida defende que a reapreciação não deve ser concedida pois, ainda que louvavelmente os recorrentes hajam junto a transcrição do julgamento, o artigo 640º nº 1 al. b) e nº 2 do CPC impunham a identificação das concretas passagens da gravação, o que não foi cumprido.
           A jurisprudência das Relações variou consideravelmente sobre este tema, tendo alcançado níveis de rigorismo formalista que o Supremo Tribunal de Justiça veio rejeitar, em obediência ao princípio da aquisição da verdade material. Desde então, o limite do inaceitável, digamos, prende-se com a impossibilidade prática ou excesso manifesto de trabalho por parte da Relação na dilucidação dos concretos meios probatórios invocados, em contrário ao sentido da imposição formal, que era afinal o da agilização do trabalho da própria Relação. Se em concreto a Relação pode, sem particular esforço, aceder aos referidos meios probatórios invocados, deve prevalecer a aquisição da verdade material. No caso concreto, afigura-se muito útil – e agilizadora – a oferta da transcrição, visto que tendo as testemunhas sido ouvidas por vídeo-conferência, de facto, várias palavras se tornam imperceptíveis, como a transcrição, aliás exageradamente, anota. Na audição que fizemos de todo o julgamento, com esforço, conseguimos até ouvir algumas partes daquelas que a transcrição diz serem imperceptíveis. Em todo o caso também, não estamos perante um julgamento que pela extensão dos depoimentos comportasse um volume despropositado do trabalho de audição. Consideramos assim que a referência às páginas da transcrição situa o tribunal de recurso no cerne da visão recursiva do meio probatório a apreciar, servindo o mesmo propósito (ou porventura por via das deficiências da gravação por vídeo-conferência, melhor propósito) que a indicação das passagens da gravação.
            Concluímos pois pelo cumprimento dos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada obstando à peticionada reapreciação das provas.

           A diferente apreciação pedida pelos recorrentes fundamenta-se nos seguintes termos:
           “b)- Que as administrações do BANCO, SA e da SLN se confundissem:
            - K. A al. b) dos factos não provados deveria ter recebido a resposta de “provado”, por via do cotejo das certidões comerciais juntas aos autos (Docs. 1 e 3 da p.i.) com o depoimento da testemunha TC

           c)- Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas:
           - L. Os depoimentos das testemunhas TCe JPimpunham que as als. c) e e) dos factos não provados tivesse recebido a resposta de “provadas”.

            d)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto:
            - M. As declarações das testemunhas TCe CG, cotejadas com o teor do Doc. 6 da petição inicial, a fls 4, impunham que as als. d) e i) dos factos não provados tivessem merecido a resposta de “provadas”.

           e)- Que os capitais obtidos com a operação de emissão e colocação das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 serviu para reforçar os capitais próprios do banco:
          - L. Os depoimentos das testemunhas TCe JPimpunham que as als. c) e e) dos factos não provados tivesse recebido a resposta de “provadas”.

           f)- Que o documento de subscrição da obrigação, de fls 70, tenha sido colocado à frente do autor, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo:
           - N. Relativamente à al. f) dos factos não provados, as declarações da testemunha CG, impunham que a mesma tivesse sido dada por “provada”.

           g)- Que os funcionários do banco tivessem assegurado à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco:
            - O. A al. g) dos factos não provados, deveria ter sido dada por “provada”, uma vez que a tanto o impunham as declarações das testemunhas TC, CG e JP

           i)- Que os autores não teriam subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva:
           - M. As declarações das testemunhas TCe CG, cotejadas com o teor do Doc. 6 da petição inicial, a fls 4, impunham que as als. d) e i) dos factos não provados tivessem merecido a resposta de “provadas”.

           m)- Que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava:
         - P. Os depoimentos das testemunhas TC, CG e LMsão deveras elucidativos de que os funcionários do Banco réu acreditavam na segurança do produto que vendiam sem terem noção de que produto efetivamente se tratava, pelo que a al. m) dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provada”.

           n)- Que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004:
           - Q. A resposta positiva à al. n) dos factos não provados impunha-se por inferência e por ilações tiradas de toda a restante prova produzida, conjugada com o depoimento da testemunha CG, uma vez que a esta, questionada se a autora mulher teria aceite ficar com o produto financeiro dos autos caso lhe tivesse sido explicado que o mesmo consistia numa obrigação subordinada, respondeu convictamente “Não”.

           o)- Que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 não estavam depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais”:
           - R. A al. o) dos factos não provados, deveria também ter merecido a resposta de “provada”, uma vez que o documento junto pelos autores na sua resposta às demonstra inequivocamente que, na data em que os mesmos subscreveram a compra de 1 obrigação SLN Rendimento Mais 2004, o Banco réu nem sequer a tinha depositada numa qualquer conta de valores mobiliários escriturais.

           De um modo geral, a recorrida secunda a apreciação probatória do tribunal recorrido, anotando a sua minúcia e exame isento, sincrónico com a data dos factos ao invés de prejudicado pelo conhecimento posterior da involução económica a que o Banco foi alheio, e anota o viés reapreciativo com que os recorrentes abordam os meios probatórios no que toca a cada ponto, fornecendo diversa interpretação deles.
           Vejamos:
           Quanto ao ponto b), sobre as administrações do BANCO, SA e da SLN se confundirem, o tribunal recorrido deu como provado aquilo que efectivamente resulta de modo essencial da comparação dos elementos registrais, isto é “3º- LL e Banco TT, SA, à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, JC”. A partir daqui, a confusão de administrações que os recorrentes referem no artigo 12 do corpo das suas alegações, passa a apresentar-se como conclusiva. Por outro lado, o sentido da identidade entre a SLN e o BANCO, SA, tanto na mente dos funcionários, mesmo superiores, quanto em termos operacionais de abordagem de clientes, e por via de tal abordagem, na mente dos clientes, que não foi negado pelas testemunhas, antes situado num certo limbo ou imprecisão, não é o mesmo que afirmar a confusão das administrações. De resto, o termo “confusão” é particularmente sujeito a múltiplas interpretações, donde melhor teria sido ser traduzido por factos mais concretos.
           Não se altera pois a resposta dada.
           Quanto ao ponto c), sobre ter sido elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas, que o tribunal recorrido entendeu não se ter feito prova alguma disso: - a expressão apossamento é bastante geral. Nesta generalidade cabe tanto o sentido mais imediato dum plano duma intenção criminosa, como dizer que o Banco entendeu, por via da comercialização de um instrumento financeiro, lograr que as quantias dos seus clientes que se encontravam depositadas (geralmente a prazo), fossem aplicadas na compra de dívida do Banco/dona do Banco; que, o Banco/dona do Banco, assim fizeram para reforçar os seus capitais próprios; que a estratégia comercial – o plano elaborado – foi um plano agressivo, enérgico e determinado, para satisfação do objectivo de reforço, considerado essencial.
            Nestes últimos termos de leitura ou sentido, não há dúvida que isto foi afirmado pelas testemunhas. Não estamos manifestamente, no discurso de tais testemunhas – e nem na sua apreciação devemos fazer intervir maior rigor por derivação jurídica – a falar com precisão – quando falam de SLN como dona do Banco, evidentemente reforçar capitais da dona do Banco tem, ou devia ter, em termos práticos, o mesmo efeito que reforçar os capitais do Banco. Ora, TCdisse que “… tínhamos efectivamente objectivos de venda deste produto. Na altura, portanto, o produto foi apresentado como sendo um produto de interesse estratégico para o grupo”; disse também que “em 2004, sim, havia pressão” para a venda do produto, o que aliás está em consonância, não com o email que é doc. 9 e 10 da PI, que JPafirma ter sido desvirtuado e que de qualquer modo se reporta a 2008, mas com a nota interna que é doc. 6 com a PI, originada na Direcção de Comunicação Institucional e Marketing e destinada à rede comercial, sobre o assunto SLN Rendimento Mais 2004, onde se refere, na introdução, que “O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de Obrigações Subordinadas a 10 anos, denominada “SLN Rendimento Mais 2004”, para consolidação da dívida da SLN, SGPS, S.A.” e onde se refere ainda que “A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo”. De resto, neste mesmo documento refere-se, sobre as características do produto, que o capital é garantido a 100%, e que as receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista, sendo que os Subscritores terão sempre prioridade sobre os accionistas da SLN, mas estarão subordinados aos restantes credores.
            Todavia, estando em matéria de inteira disponibilidade das partes, não tendo os recorrentes oferecido uma versão compatível com esta, que devesse este tribunal dar como provado, porque na versão pretendida provar o sentido mais imediato é o da intenção e plano criminoso, entendemos que não há, nos autos, prova que o sustente, e por isso decidimos não alterar a decisão quanto à alínea c).
            Quanto ao ponto d), sobre terem sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto, em bom rigor o que resulta do documento nº 6 com a PI é que o prospecto de emissão deverá encontrar-se disponível para consulta e ser entregue a todos os clientes que o solicitem, o que a testemunha Teófilo afirma num trecho com alguma dificuldade de audição, é que as instruções que havia era não entregar a menos que solicitado, sendo que Carlos refere que não era prática entregar a nota informativa a menos que os clientes a solicitassem, desvalorizando que a mesma fosse relevante para os clientes, pois, afirmam, tudo se passava na base da confiança.
           Estando dado como provado que não foi entregue a nota informativa do produto, estando dado como provado que aos clientes era explicado que o produto era semelhante a um depósito a prazo e estando ainda provado que não foi explicada aos autores o que era a subordinação, não vemos porém que se possa ir, em termos dos meios probatórios produzidos, ao ponto de afirmar que foram dadas instruções para não ser entregue a nota informativa, pois Teófilo não concretizou tais instruções além do que é uma outra maneira de dizer o que consta do documento 6: se aqui se diz “deve ser entregue se solicitado”, então pode-se dizer “se não solicitado, não se deve entregar”, mas este “deve” tanto pode ser obrigatório e instrumental de ocultação, quanto simples regra procedimental, equivalente a “tem, não se tem de entregar”. Ou seja, sem mais referência concreta a outra indicação donde procedesse instrução de deliberada não entrega, não vemos que se deva dar o facto sub d) como provado.
           Quanto ao ponto e), sobre os capitais obtidos com a operação de emissão e colocação das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 ter servido para reforçar os capitais próprios do banco, o que resulta tanto do depoimento de TCquanto de JPé a mesma imprecisão sobre a distinção entre Banco e SLN, sua dona, mas mais concretamente ambos afirmam a importância (embora Jorge reportado a 2008) deste tipo de operação para o Grupo, que aliás o documento 6 com a PI também refere. Teófilo fala no reforço (dos capitais, por via de emissão de dívida) “dos próprios, neste caso, da SLN, que era a dona do banco”.
           Não se afigura, a partir dos depoimentos testemunhais, só por si, que se possa concretamente dizer que serviu para reforçar capitais próprios do Banco, não se alterando pois a decisão nesta parte.
           Quanto ao ponto f), sobre o documento de subscrição da obrigação, de fls 70, ter sido colocado à frente do autor, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo, o meio probatório a considerar é o depoimento de CG, que o tribunal refere ter dito que explicou à recorrente e depois voltou a explicar ao recorrente. CG afirma que foi ele quem fez a venda, visto que um depósito a prazo de 50 mil euros dos recorrentes havia vencido, contactou telefonicamente a recorrente, recomendando-lhe a aplicação. Explicou que eram obrigações da empresa do grupo, prazo dez anos, que podiam ser endossadas, pagavam juros semestralmente. “Era em tudo idêntico a um depósito a prazo do banco. Sendo uma empresa do grupo, obviamente”. Porém, não foi “enfatizado” que era uma obrigação subordinada e em que consistia a subordinação, “Tanto que as pessoas não tinham (…) níveis de formação capazes de entender tal situação e não, nós não vendíamos isso ou não colocávamos isso dessa forma tão explícita, não havia necessidade dessa explicação”. Mais adiante confirmou que não foi referido que era uma obrigação, “Que eram obrigações, mas não que eram subordinadas”. Mais disse, perguntado sobre o documento 12 que é o boletim de subscrição, “conforme instruções telefónicas do cliente”, em nome da Srª Rosária e depois assinado pelo Sr. JF, que “Sim (imperceptível) no próprio dia que ele veio a Ourém e passou na agência e assinou. Sim”, e referiu “Não sei se foi comigo, se foi com o colega”. E mais adiante disse: “A letra que está é minha, fui eu que preenchi o boletim. Agora não sei precisar se o Sr. José passou na agência e se foi comigo que assinou ou se foi com outra pessoa”. Donde, a parte imperceptível não pode reportar-se a uma explicação que CG tenha dado ao recorrente, porque CG nem sequer consegue afiançar com um mínimo de segurança que tenha sido ele a receber o recorrente quando este eventualmente passou pela agência. Como LM, que reconhece que o nº de funcionário constante do boletim de subscrição é seu, refere que não teve nada a ver com a venda, parece claro que não resulta dos depoimentos de quem vendeu e de quem recolheu a assinatura do recorrente, que tenham explicado de novo ao mesmo, o que Carlos havia explicado à esposa do recorrente. Assim, com razoável probabilidade e atentas as regras de experiência normal, o que sucedeu foi exactamente o que se propugna seja dado como provado.
           Altera-se pois o facto “O documento de subscrição da obrigação, de fls 70, foi colocado à frente do autor, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo” de não provado para provado.

           Quanto ao ponto g), sobre os funcionários do banco terem assegurado à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco, temos CG, que outra testemunha não teve intervenção neste assunto, a responder afirmativamente a um percurso lógico formulado pelo i. mandatário dos AA., segundo o qual “para as pessoas pensarem que era um produto idêntico a depósito a prazo” isso levaria a pensar que era um produto garantido pelo banco (sim, possivelmente sim), para assim pensarem os funcionários e concretamente a testemunha, disseram que era um produto garantido pelo banco, ao que a testemunha responde “Esse problema não se (punha), nós tínhamos instruções internas que era capital garantido a 100% (…) e à pergunta “Então capital garantido era interpretado por si e pelos seus colegas como sendo capital garantido pelo banco”, a testemunha responde: “De certa forma, sim. Pelo grupo. A SLN era a dona do banco, o banco pertence à SLN”, e mais adiante, sobre se SLN e BANCO, SA era a mesma coisa, a testemunha responde “À data era a mesma coisa”. Já na instância do i. mandatário da Ré, perguntada a testemunha sobre se confirmava, quanto à suposta garantia do banco, que isso não foi tema de conversa, a testemunha responde “Não, não explicava”. 
           Portanto, ter CG dito, assegurado, à recorrente, que o capital era garantido pelo banco, não temos como estender o depoimento até aí. Ter sido dito que o capital era garantido, CG também não disse claramente que o tinha dito à recorrente, mas depreende-se que, se para ele, SLN e BANCO, SA eram, à data, a mesma coisa, se então os negócios corriam bem, que ao dizer, pelo menos, que era como se fosse um depósito a prazo, estava a dizer que o capital era 100% garantido, como aliás resultava da nota informativa que não foi facultada. Ser o capital garantido a 100% é aliás aquilo que é essencial para vencer a resistência inicial da recorrente ao prazo de 10 anos, que Carlos também afirmou. Poderá dizer-se que são todos sinónimos: - depósito a prazo, produto seguro e capital 100% garantido – e é evidente que não o são, dum ponto de vista rigoroso, mas é evidente que para vender, numa estratégia agressiva, ainda que a clientes com quem já se tinha bastante confiança, o essencial seria garantir que era a mesma coisa – segura e remunerada – que já tinham negociado antes (depósito a prazo), mas melhor remunerada. Posto que, rigorosamente, o próprio depósito a prazo não é inteiramente seguro, mas assim sempre foi considerado por parte dos clientes, muito mais ainda daqueles que nem têm formação nem capacidade para entender as explicações (e por isso elas eram dispensadas pelo funcionário), entende-se que, além de estar provado que foi dito que o produto era como se fosse um depósito a prazo, se tem de dar como provado, porque a apreciação global do depoimento assim determina, que foi assegurado à recorrente que o capital era garantido.
            Elimina-se pois o ponto não provado g) que passa a provado na seguinte formulação: “o funcionário do banco que vendeu a obrigação SLN Rendimento Mais 2004 aos Autores, assegurou à Autora que o retorno da quantia subscrita era garantido”.

            Quanto ao ponto i), sobre os Autores não terem subscrito o produto se lhes tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva, o depoimento de CG não assegura, ao contrário do que assinala o tribunal recorrido, que foi a rentabilidade e segurança do produto que levou os AA. a subscreverem, numa decisão livremente tomada após pleno esclarecimento, mas assegura que os AA. assim procederam na base da confiança, ou seja, porque se bastaram, confiaram, nas informações que CG deu, e essas informações foram por ele não explicadas de modo essencial, não explicadas em todas as suas características porque, como ele afirmou, os AA. não teriam capacidade de entender. Daqui resulta que, mesmo que lhes tivesse sido mostrada a nota informativa, não a teriam entendido, e portanto o motor essencial da decisão foi a confiança na informação amputada que CG deu à Autora.
           Para este aspecto, não nos interessa o depoimento de Teófilo, porque nem conhecia os AA. e não lhes vendeu o produto.
           Não se altera assim a decisão.

           Quanto ao ponto m), sobre os gestores de conta oferecerem o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava, salvo o devido respeito tal não resulta dos depoimentos testemunhais invocados pelos recorrentes. O que deles resulta não é um conhecimento preciso, mas pelo menos o conhecimento do que resultava da nota informativa, e da qual é certo que os gestores não se podiam convencer que era um depósito a prazo nem que tinha o capital garantido. Sucede que achavam que assim era porque a situação económica da época era favorável e porque, fosse do Banco ou da dona do Banco, a situação económica de ambos não permitia antecipar que dali por dez anos nenhum deles conseguisse pagar o capital em dívida. E é isto que lhes permite dizer que agiram de boa-fé, quando afirmavam que era idêntico a um depósito a prazo, seguro, como se fosse seguro pelo próprio Banco, como um depósito a prazo era então seguro – na ideia comum que também era a dos funcionários – pelo próprio Banco. Não se altera pois a decisão.

           Quanto ao ponto n), em que se afirma que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, o tribunal entendeu que CG afirmou que o que levou os AA. a subscrever foi ser um produto seguro e mais rentável e que apesar de ter dito que considerava que os AA. tinham sido enganados, o engano se reporta a evento posterior, que é risco próprio da obrigação, risco esse que na altura não se colocava. Já os recorrentes entendem que CG respondeu expressamente que não, à pergunta sobre se a Autora teria subscrito se ele lhe tivesse explicado o que era a subordinação.
           Ora bem, que os AA. não tinham qualquer intenção de adquirir, por si, por interesse seu espontâneo, as obrigações, é patente que o não tinham, atenta a sua condição escolar e cultural. Que os AA. teriam optado, no vencimento do anterior depósito, por novo depósito, como regra, é relativamente claro. Que os AA. formularam a intenção, e portanto tinham a intenção de adquirir, como adquiriram, resulta isso sim da intervenção do próprio Banco. Ou seja, não foram os AA. que foram à procura do produto, que sabiam dele e se dirigiram ao Banco para o subscrever, foi CG quem telefonou à Autora recomendando a compra do produto.
           Portanto, os AA. não tinham intenção de adquirir, mas depois da intervenção do funcionário bancário passaram a ter. E depois de qual intervenção? Depois de CG vencer a resistência à subscrição duma aplicação de 10 anos, assegurando o capital como se se tratasse dum depósito a prazo, e asseverando melhor rentabilidade. E porque CG responde claramente Não, que a Autora não teria aceite ficar com o produto se lhe tivesse sido explicado o que era a subordinação, se lhe tivesse sido explicado que seria colocada no final da lista de credores se houvesse um problema de solvabilidade, e se soubesse que o BANCO, SA não tinha qualquer responsabilidade e era alheio às vicissitudes do produto dali em diante, e porque quem trabalha a vida toda para se encontrar na construção civil e numa pequena venda não joga o produto do seu trabalho numa aplicação não segura, porque assim nunca antes tinha feito, tudo leva a dizer que os AA. não tinham intenção de adquirir o produto nem teriam tido depois do mesmo lhes ter sido devidamente explicado, o que significa que a versão pretendida “Os AA. não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, entendida como “Os AA. não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, isto é, com as características que verdadeiramente tinham”, francamente pode ser dada como provada.
            Altera-se pois a decisão passando o facto não provado n) a provado.


            Quanto ao ponto o), sobre as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 não estarem depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais, os recorrentes invocam o documento junto com a sua resposta às excepções.
            Na referida resposta, artigo 19º, os AA. afirmam “Além de que, na data em que os autores subscreveram uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, o Banco réu nem sequer as tinha depositadas numa qualquer conta de valores mobiliários escriturais. O documento junto, que não foi impugnado, foi emitido pela C.M.V.M., é uma listagem de actividades do intermediário financeiro, descreve entre outros serviços autorizados, o de depositário VM, com início em 29.7.1999, e no histórico de actividades refere “Depositário VM”, com registo de data de início em 29.7.1993 e data de revogação/cancelamento em 22.10.1998. Deste último elemento parece retirar-se que não haveria, à data de 2004, depósito em conta de valores mobiliários, mas então resulta incongruente que o Banco tenha sido autorizado a ser depositário a partir de 1999 (e não antes) e que tendo-o não conste simultaneamente qualquer outra menção relativa ao depósito.
           Isto é, sem mais apoio de outras provas que tivessem permitido ao menos esclarecer o documento, entendemos que dele não resulta com clareza a referida inexistência de depósito.
           Não se altera pois a resposta dada.

           Em suma, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aditando-se aos factos provados os seguintes:
           - O documento de subscrição da obrigação, a fls 70 dos autos, foi colocado à frente do autor, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo;
           - O funcionário do banco que vendeu a obrigação SLN Rendimento Mais 2004 aos Autores, assegurou à Autora que o retorno da quantia subscrita era garantido.
           - Os Autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
           Por outro lado, resulta em termos gerais da petição inicial, conjugada aliás com o pedido nela formulado, que os Autores não receberam o capital investido na aquisição da Obrigação, €50.000,00, e resulta, também dos termos gerais da contestação, que tal não recebimento não é impugnado. Assim, oficiosamente, e por se mostrar provado por acordo tácito nos articulados, adita-se ainda aos factos provados que:
           - Os AA. não receberam os €50.000,00 aplicados na aquisição da Obrigação referida no facto provado nº 10.

           3ª questão:
           Não se conformam os recorrentes com o tribunal recorrido ter entendido não haver ilicitude na actuação da recorrida enquanto intermediária financeira, entendimento em função do qual concluiu pela sua absolvição.
           Esgrimem a violação dos deveres de informação por parte da recorrida, a presunção de culpa do intermediário financeiro, a responsabilidade da recorrida pelos actos dos seus funcionários e concluem pela actuação ilícita e pela não elisão da presunção de culpa, defendem que é ostensivo o nexo causal e que o dano consiste no montante investido e não reembolsado. Argumentam ainda que era à recorrida que competia provar ter cumprido o dever de informação, que o tribunal não se pronunciou sobre o conflito de interesses entre a recorrida e a SLN e que a decisão vai contra o entendimento maioritário da 1ª instância e até do Supremo Tribunal de Justiça.
           A recorrida defende a solução preconizada pelo tribunal, argumentando com a desmistificação da expressão garantia de capital no termo do prazo, que defende ser utópico ver como garantia absoluta de investimento, que assegura não existir também nos depósitos a prazo, sendo que à data o Fundo de Garantia de Depósitos só garantia €25.000,00. Mais refere que não foi o sucedido, a consequência, que permite definir a causa como investimento de risco, sendo que à data em que o investimento foi feito dificilmente se encontraria um produto tão seguro, e portanto adequado aos recorrentes. Assegura que o Banco não estava nem está obrigado a advertir o investidor sobre o risco da sua própria insolvência. Relativamente à ilicitude, depois de sistematizar os deveres de informação e de anotar que não se pode retirar qualquer consequência jurídica da afirmação de incumprimento dos deveres previstos no artigo 312º do CdVM, tendo antes de se buscar na densificação desse preceito o conteúdo do dever de informação, invoca que o dever de informar sobre a natureza e riscos do tipo de instrumento financeiro se refere à informação sobre as características e funcionamento do instrumento, e que tal foi suficientemente explicado aos Autores. Invoca que o dever de informar sobre o risco de perda da totalidade do investimento tem de ser associado ao próprio instrumento e não a um factor externo a ele, seja a análise de qualquer qualidade e robustez ou falta dela do emitente do título, ou sequer a obrigação de prevenir sobre o risco ou a probabilidade de insolvência do emitente. Tendo sido oferecidas obrigações, este instrumento, por si, não comporta o risco de perda da totalidade do investimento, portanto não há qualquer necessidade de advertir desse risco.
          O tribunal recorrido entendeu: “Já vimos que a ilicitude, no âmbito da actuação do intermediário financeiro, resulta da violação dos deveres legais ou regulamentares que lhe são impostos. Igualmente, vimos quais são esses deveres: i)- de protecção dos legítimos interesses dos clientes, impondo-se ao intermediário financeiro o dever de averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a recepção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento; ii)- dever de evitar conflitos de interesses; iii)- deveres de informação e publicidade, realçando-se, quanto a esta, o dever de observar as regras relativas ao anúncio de lançamento da operação e do prospecto.
           No caso dos autos, ficou demonstrado que era do interesse e vontade do cliente investir em produto de rentabilidade elevada e que fosse seguro. Mesmo que não tivessem experiência anterior em valores mobiliários, a verdade é que o risco do produto era baixo: à data da subscrição, era impensável e imprevisível a insolvência da emitente. Houve uma involução da situação económica e financeira do emitente, cujas variáveis escaparam ao controle do banco, que não lhe podem ser assacadas, designadamente após a nacionalização.
           Assim, entendemos que à data da subscrição e perante os dados existentes nessa altura, foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente, aferidos no momento do investimento.
            Quanto ao dever de evitar conflito de interesses.
           Resultou demonstrado que era informado aos subscritores tratar-se de produto emitido pela SLN “mãe” do banco; e que os empregados do banco sempre acreditaram que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes do banco. Agiram, pois, de boa fé, salvaguardando os interesses dos autores no momento do investimento.
(…)
           Quanto aos deveres de informação e publicidade.
          No caso dos autos, convém desde já salientar que os autores não lograram provar ter sido dada ordem para os funcionários do BANCO, SA não mostrarem a nota informativa.
           Além disso, os autores não provaram – nem sequer alegaram – a violação/inobservância dos deveres de publicidade, quer quanto ao prévio registo da operação junto da CMVM (artº 114º CVM/99), quanto ao anúncio de lançamento da operação (artº 123º CVM/99), a inexistência de prospecto e suas características (artº 135º, 136º e 137º CVM/99), nem quanto à divulgação do prospecto: note-se que à data da operação e da subscrição, não era obrigatória a entrega de qualquer prospecto, bastando a divulgação através da publicação de um dos jornais de grande circulação do País (artº 140º CVM/99).
            Do mesmo modo, os autores não provaram que o BANCO, SA “afiançava” o retorno das quantias subscritas; nem provaram que não foi prestada informação sobre as características dos produtos.
            Por outro lado, como referiram as testemunhas, era dito aos autores que se tratava de produto de elevada rentabilidade, com maturidade a 10 anos e que, não obstante, poderia ser liquidado em qualquer altura, mediante a cessão da respectiva posição a terceiro.
          A circunstância de ter sido referido aos autores que se tratava de produto “garantido”, no sentido de ser um produto seguro, com retorno assegurado, também não consubstancia qualquer acto ilícito. Na verdade, à data em que foi prestada, tratava-se informação verdadeira, actual, clara e objectiva: em 2004, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei) que, de resto, apenas veio a ser declarada insolvente em 2015 e sempre pagou os cupões das obrigações que emitiu”.

           Dizer primeiro que o tribunal recorrido não deu como provados factos que lhe permitissem fazer as afirmações que faz, sobre “à data da subscrição, era impensável e imprevisível a insolvência da emitente. Houve uma involução da situação económica e financeira do emitente, cujas variáveis escaparam ao controle do banco, que não lhe podem ser assacadas, designadamente após a nacionalização” e sobre a informação de produto seguro com retorno assegurado, ser “informação verdadeira, actual, clara e objectiva: em 2004, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei)”. Dizer que tais factos não são públicos nem notórios. O tribunal, salvo o devido respeito, parece escudar-se no depoimento de Jorge Pessoa, que lançou a culpa da situação na nacionalização do BANCO, SA ao dividir o ramo financeiro e o ramo produtivo do grupo. Trata-se de uma explicação técnica que tem o valor que tem, e que não foi levada aos factos. E enquanto explicação de um técnico, naturalmente assumirá explicações técnicas diversas e contrárias.
           Dizer em segundo lugar que convém não esquecer que as pessoas colectivas têm regras de formação da sua vontade, que passam pelos seus órgãos representativos, e não pelos seus trabalhadores, ainda que directores. Dizer por isso que as afirmações de boa-fé dos trabalhadores não correspondem necessariamente à afirmação de boa-fé por parte do Banco seu empregador.
           O ora relator e a Exmª Desembargadora ora 2ª Adjunta subscreveram muito recentemente – em 22.02.2018 – o acórdão relatado pelo Exmº Desembargador António Santos, num processo em que as questões que se discutiam eram as mesmas. Discutida a questão no âmbito deste colectivo, não se vê razão, em tão curto espaço de tempo, nem por via dos argumentos aqui expendidos pelas partes, para alterar quanto ali foi decidido, pelo que passamos a citar e a integrar como fundamento de decisão do presente caso, quanto se escreveu no acórdão proferido na apelação nº 20742/16.8T8SNT.L1:
“Decorre da factualidade provada que, em meados de 2006, e no seguimento de conselho/sugestão/recomendação que lhe foi transmitida por gerente do então Banco BANCO, SA, o A. marido deu autorização para aplicação de fundos seus no valor de 100.000,00€ em obrigações SLN, o que fez convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, sendo que, até ao presente, e apesar de já ultrapassado o prazo do vencimento das referidas obrigações, não logrou ainda o A ser reembolsado da referida quantia e juros remuneratórios.
             No essencial, está assim o objecto do processo relacionado com a actividade de intermediação financeira exercida pelo então BANCO, SA, enquanto entidade bancária, e tendo presente que uma OBRIGAÇÃO [para todos os efeitos um valor mobiliário, cf. artº 1º, alínea b),do CVM, aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, em face do disposto no artº 348º, do CSC, representa um direito de crédito sobre a entidade emitente (in casu a SLN, a Sociedade Lusa de Negócios), sendo portanto o titular da obrigação um credor perante a entidade emitente, e sendo a relação jurídica [no âmbito da qual o credor obrigacionista tem o dever de entregar fundos à entidade emitente, ficando esta vinculada à obrigação sinalagmática de restituir o montante que lhe é mutuado, e sendo convencionado, os respectivos juros] subjacente e existente na base do referido valor mobiliário , tipicamente , um contrato de mútuo .“ (7)
Em rigor, porque in casu de obrigações especiais se trata - as subscritas pelos AA - , que não ordinárias , e na modalidade de subordinadas, no essencial  foram aos AA conferidos - enquanto seus titulares - os poderes de exercício dos respectivos direitos de crédito (reembolso de capital e/ou pagamento de juros), após prévia satisfação dos demais credores do emitente (cfr. artº 360º,nº1, alínea e), do CSC). (8)
E, porque como outrossim é consabido, do nº2, do artº 289º, do DL n.º 486/99, de 13 de Novembro [ CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS], decorre que apenas os intermediários financeiros - nos quais se incluem as instituições de crédito, vulgarmente designadas por “bancos” - podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira - cfr. do nº1, do artº 29º 3, do DL n.º 486/99, de 13 de Novembro - , assim se compreende que esteja o desfecho da presente acção directamente interligado com a forma/modo como o então BANCO, SA e em sede da actividade de intermediação financeira exercida, “convenceu” os AA a subscreverem as referidas obrigações SLN.
Isto dito, e evidenciando com segurança a factualidade provada que foram os apelantes, na qualidade de clientes de agência bancária do BANCO, SA [instituição de crédito à data autorizada a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal], direccionados para a aplicação de concreta quantia em produto financeiro tido como uma OBRIGAÇÃO, importa doravante, e em traços largos, elucidar quais os deveres gerais que sobre os intermediários financeiros incidem, no âmbito da respectiva e específica actividade de intermediação.
Ora, no âmbito dos deveres de informação dos intermediários financeiros, os quais têm por escopo, a título principal, apoiar os clientes para que possam eles tomar as decisões de investimento de forma esclarecida e informada (9), e sendo o momento primordial do seu cumprimento/prestação o momento anterior à tomada de decisão de investimento, diz-nos o artº 312º do CVM [na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, ou seja, antes ainda das alterações nele introduzidas pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro], que:
1- O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral “.
Mas, se o “original” CVM, era já de alguma forma exigente em sede de cumprimento do dever de informação, inquestionável é que, com as alterações que nele foram introduzidas logo com o DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, ostensivo é que a importância do dever de informação se acentuou, sendo cada vez mais as exigências e preocupações a salvaguardar e sempre em defesa/protecção do investidor.
É assim que, passou o respectivo Artigo 312.º-A, sob a epígrafe de “Qualidade da informação”, a dispor, que:
1 - A informação divulgada pelo intermediário financeiro a investidores não qualificados deve:
(…)
c) Ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio;
             d) Ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes.

2 - A comparação de actividades de intermediação financeira, instrumentos financeiros ou intermediários financeiros deve incidir sobre aspectos relevantes e especificar os factos e pressupostos de que depende e as fontes em que se baseia.
(…)”
É assim também que, o respectivo Artigo 312.º-B, sob a epígrafe de “Momento da prestação de informação”, passou a dispor, que:
1- O intermediário financeiro deve prestar a investidor não qualificado, com antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da actividade de intermediação financeira proposta ou solicitada, a seguinte informação:
a) O conteúdo do contrato;
b) A informação requerida nos artigos 312.º-C a 312.º-G relacionada com o contrato ou com a actividade de intermediação financeira.
2 - O intermediário financeiro pode prestar a informação requerida no número anterior imediatamente após o início da prestação do serviço, se: a) A pedido do cliente, o contrato tiver sido celebrado utilizando um meio de comunicação à distância que o impediu de prestar a informação de acordo com o n.º 1; ou
b) Prestar a informação prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio, como se o investidor fosse um 'consumidor' e o intermediário financeiro um 'prestador de serviços financeiros' na acepção do presente Código.
(…)”
E ainda com base na referida preocupação ampliada do legislador em informar o investidor, compreensível é também o disposto no Artigo 312.º-E [com a epígrafe de Informação relativa aos instrumentos financeiros, e com redacção introduzida logo com o DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro], ao dispor que:
1- O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
2 - A descrição dos riscos deve incluir:
a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;
b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;
c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;
d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.
3 - A informação, prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objecto de uma oferta pública, deve incluir a informação sobre o local onde pode ser consultado o respectivo prospecto.
4 - Sempre que os riscos associados a um instrumento financeiro composto de dois ou mais instrumentos ou serviços financeiros forem susceptíveis de ser superiores aos riscos associados a cada um dos instrumentos ou dos serviços financeiros que o compõem, o intermediário financeiro deve apresentar uma descrição do modo como a sua interacção aumenta o risco.
5 - No caso de instrumentos financeiros que incluem uma garantia de um terceiro, a informação sobre a garantia deve incluir elementos suficientes sobre o garante e a garantia, a fim de permitir uma avaliação correcta por parte de um investidor não qualificado.
6 - Um prospecto simplificado relativo a unidades de participação num organismo de investimento colectivo harmonizado e que respeite o artigo 28.º da Directiva n.º 85/611/CEE, do Conselho, de 20 de Dezembro, é considerado adequado para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 312 º
Por último, significativo é também o disposto no artº 314º [com a epígrafe de Princípio geral, e com redacção introduzida logo com o DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro], ao expressar que:
1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.
 2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.
3 - No caso do cliente se recusar a fornecer a informação referida no n.º 1 ou não fornecer informação suficiente, o intermediário financeiro deve adverti-lo, por escrito, para o facto de que essa decisão não lhe permite determinar a adequação da operação considerada às suas circunstâncias.
4 - As advertências referidas nos n.ºs 2 e 3 podem ser feitas de forma padronizada.».
Perante o quadro normativo acabado de traçar, e como bem salienta Paula Costa e Silva (10), manifesto é que o exercício da actividade de intermediação exige uma intervenção desenvolvida a título profissional, por um lado, e por outro, a sujeição do intermediário a um processo de registo [ reza o nº2, do artº 65º, do RGIC, que “No caso de o objecto das instituições de crédito incluir o exercício de actividades de intermediação de instrumentos financeiros, o Banco de Portugal comunica e disponibiliza à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários o registo referido no número anterior e os respectivos averbamentos, alterações ou cancelamento ] e a um apertado conjunto de deveres de conduta.
É que, para todos os efeitos, e como chama à atenção Paulo Câmara (11), um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham em relação aos seus clientes, razão porque obrigados estão eles a “pautar, em geral, o seu comportamento, no relacionamento que estabelecem com os intervenientes no mercado, por critérios de transparência [ cfr. artº 304º,do CVM ], devendo prestar ao seu cliente, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada [ cfr. artº 312,nº1,do CVM ].
 Aqui chegados, conhecedores dos deveres de informação que sobre os intermediários financeiros incidem, e analisando o que nos diz a factualidade assente, é para nós de alguma forma manifesto que, in casu, não foi de todo o BANCO, SA, na qualidade de intermediário financeiro, um exemplo a seguir no âmbito do seu cumprimento.
Na verdade, e apesar de um funcionário do Banco saber que o A. marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e, bem assim, que tinha inclusivamente o Autor um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro [cfr. itens 2.3. e 2.4. da motivação de facto], não se evitou o referido funcionário de aconselhar o Autor em aplicar as suas poupanças em Obrigações SLN, e informando-o [erroneamente] que de aplicação se tratava que era em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BANCO, SA e com rentabilidade assegurada - [ cfr. item 2.2 da motivação de facto ].
Daí que [cfr. item 2.5 da motivação de facto], e em face das referidas informações [inexactas], tenha o Autor, prima facie confiante, dado autorização para aplicação de fundos seus no valor de 100.000,00€ em obrigações SLN, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.
É que, e em rigor, não sabendo sequer os AA. e  em concreto o que era a SLN, acabaram por seguir a sugestão do gerente do Banco, subscrevendo o A. marido uma aplicação em obrigações SLN, e aceitando como boa a informação do referido gerente no sentido de que o risco era mínimo, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo .
Em suma, e sem margem para quaisquer dúvidas, porque a factualidade assente fala por si, é inquestionável que in casu o intermediário financeiro/Banco violou o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação incorrecta, para não dizer enganadora e ardilosa] o Autor sobre as características do produto financeiro que lhe era proposto/sugerido. (fim de citação).
           Dizer que, o facto de não se ter provado no caso concreto que foi dito que o capital era garantido pelo Banco, não invalida o essencial da argumentação expendida no acórdão citado. Com efeito, também no caso dos autos, a informação prestada, mesmo sobre as características do produto, foi omitida dum aspecto essencial que era o de se tratarem de obrigações subordinadas. E isto com tanto maior gravidade quanto é o próprio funcionário vendedor quem vem reconhecer em juízo que não explicou porque os clientes não perceberiam, como de resto resulta claramente de terem a 4ª classe, ele trabalhar na construção civil e ela explorar um mini-mercado, nunca terem feito outras aplicações que depósitos a prazo, o que era do conhecimento dos funcionários. Mais, no caso concreto, ao Autor marido não foi sequer dada qualquer explicação que fosse, e os Autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, ou seja, foi determinante para esta aquisição a explicação dada pelo funcionário, no sentido que o capital era garantido e de que o produto era seguro, semelhante a um depósito a prazo. A diferença é mesmo oferecida pela própria recorrente quando afirma esta semelhança: - é que o depósito a prazo estava coberto pelo Fundo de Garantia, no caso concreto, em metade do valor aplicado, e a obrigação subordinada podia resultar na perda total. Não se argumente que não é devida explicação por factores exógenos ao próprio produto, quando o produto envolve uma aplicação por dez anos, porque se o dever de informação não resulta daí, resulta do disposto no nº 1 al. c) do artº 312º do CVM [na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro – na obrigação subordinada não há fundo de garantia nem mecanismo de protecção contra os eventos imprevisíveis que em tal prazo pudessem ocorrer.

            Prosseguindo na citação do referido acórdão:
            “Em face do acabado de concluir, o que de imediato importa aferir é quais as consequências do déficit de informação [assistência, aconselhamento e conselho] de que foram os AA vítimas, enquanto clientes, maxime quais os direitos que lhes assistem.
             Ora, neste conspecto, importa atentar que o Art. 304º, do CVM, com a epígrafe de Princípios, e com redacção introduzida logo com o DL n.º 52/2006, de 15 de Março, rezava que:
1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
Também do nº 1, do artº 77º, do REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS [DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro], e ainda com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 1/2008
de 3 de Janeiro,
já rezava que:
 1- As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.
Por sua vez, o artº 304º-A, do CVM [com a epígrafe de Responsabilidade civiladitado pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, mas na linha do que já dispunha o artº 314º, com a redacção do DECRETO-LEI N.º 486/99, DE 13 DE NOVEMBRO], veio dispor que :
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Em suma, e tal como o considera Menezes Leitão (12), existe inquestionavelmente do quadro legal acima indicado uma acentuação da responsabilidade no âmbito das ligações especiais como as da responsabilidade contratual e pré-contratual entre as quais se inclui o dever de informação.
É certo que, e como salienta A. Barreto Menezes Cordeiro (13), não é a doutrina e a jurisprudência consensuais em sede de caracterização da natureza da responsabilidade civil dos intermediários financeiros, pois que, se alguns qualificam-na como sendo uma responsabilidade delitual, apresentando os deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade como normas de protecção (14), outros antes se inclinam para a integrar no campo da responsabilidade contratual.
Pela nossa parte, e escudados/amparados nos doutos considerandos explanados pelo STJ no seu Acórdão de 17/3/2016 (15), mostramo-nos inclinados por considerar que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314º do CVM, é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos nos temos do artigo 75º, nº 1, do REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art. 799.º do CC.
             Ou seja, presumindo-se a culpa nos termos do art. 799.º do CC., e também por força do disposto no artº 304º-A, do CVM, e, porque a norma do CC referida contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa.(16)
            Não divergindo, em rigor, do acabado de expor, já no âmbito de Acórdão proferido em 06-02-2014 (17), veio o STJ outrossim considerar que “A responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC “, sendo “ fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12“.
          Ora, perante o exposto, e porque in casu é a factualidade assente elucidativa no que concerne à verificação de um facto voluntário do devedor/Ré [pelo menos, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar] e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do referido dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa [pelo menos com base em presunção não ilidida], o dano [o não reembolso de capital investido em instrumento financeiro] e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, prima facie tudo aponta para a inevitabilidade da condenação da Ré no pagamento aos AA de uma indemnização. (fim de citação).

            4ª questão:
            A Ré invocou na sua contestação a excepção de prescrição e o tribunal recorrido reforçou a sua decisão absolutória conhecendo da mesma e julgando-a procedente, visto que “(…) no caso dos autos não ficou demonstrada a actuação dolosa ou sequer grosseiramente negligente do réu: contrariamente ao que vinha invocado, não se demonstrou que tivesse sido arquitectado um plano com vista ao apossamento dos depósitos dos clientes, nem que houvesse ordem de não facultar a ficha técnica do produto, ou para ocultar que apenas poderia ser movimentado o capital investido ao fim de 10 anos, ou que a ré não podia realizar operações de intermediação financeira ou que as obrigações não estivessem depositadas em qualquer conta de valores escriturais”.
           O facto provado reportado ao conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos e relativamente ao qual se há-de contar o início do prazo ocorreu em 2010.
           Nos termos do artigo 324º nº 2 do CVM “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.
           Posta a solução adoptada para a 3ª questão, impõe-se aqui determinar se os factos apurados integram dolo ou culpa grave, pois que em tal caso o prazo de prescrição é o ordinário, isto é, o de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil.

           Parece-nos que o que acima dissemos sobre ter sido dada garantia de segurança, sobre a informação prestada, mesmo sobre as características do produto, ter sido omitida dum aspecto essencial que era o de se tratarem de obrigações subordinadas e desta omissão ter sido deliberada ou pelo menos plenamente consciente, pois era sabido o tipo de aplicação que os Autores sempre tinham feito e era sabido que pela sua condição cultural e de educação – terem a 4ª classe, ele trabalhar na construção civil e ela explorar um mini-mercado – e por se ter provado que ao Autor marido não foi sequer dada qualquer explicação que fosse e que os Autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, tudo portanto o que já antes tínhamos dito, faz concluir pela determinação da informação insuficientemente prestada à Autora como claramente instrumental à consecução do negócio, sendo afinal que, também como já referimos, a explicação dada pelo funcionário, no sentido que o capital era garantido e de que o produto era seguro, semelhante a um depósito a prazo, é inverídica visto que o depósito a prazo estaria coberto pelo Fundo de Garantia, no caso concreto, em metade do valor aplicado, e a obrigação subordinada não estava coberta por segurança semelhante. Já dissemos também que, quando o produto envolvia uma aplicação por dez anos, a informação sobre garantia era essencial, como resultava do nº 1 al. c) do artº 312º do CVM [na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro].
           Pode pois concluir-se, se não por um dolo ao menos por uma culpa particularmente grave. 
           Voltando a citar o acórdão acima referido:
           “Acresce que, como bem se salienta no Ac. do STJ acima indicado e de 17-03-2016a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto”.
            Em rigor, tudo aponta para que [tal como o considerado no Ac. do STJ de 17-03-2016 já citado] tenha o Autor sido vítima de “técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido“, e, consequentemente, não se justifica considerar in casu como aplicável o prazo curto de prescrição fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVM, mas antes o prazo geral de prescrição mais alargado de 20 anos, e ao qual alude o art. 309.º do CC.
           Destarte, a excepção peremptória não merece vingar”. (fim de citação).
           É o que também aqui decidimos.
           Uma última palavra sobre a alegação da Ré no sentido dos Autores agirem em venire contra factum proprium. O abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil só tem aplicação quando tal abuso é manifesto, e absolutamente intolerável pela ordem jurídica, sem qualquer justificação. Atendendo a que o produto contratado era por dez anos, ou seja, até 2014, não é relevante que os Autores nada tenham reclamado após a nacionalização do Banco e as notícias então produzidas. Não ocorre pois abuso de direito.
           Em consequência, impõe-se ponderar agora sobre a procedência do pedido dos Autores.
           Reclamam eles a restituição do capital investido, €50.000,00, acrescido de €2.991,44 de juros de mora vencidos desde 30.9.2015, data a partir da qual deixaram de lhes ser pagos juros pela aplicação, e vincendos desde a citação e até integral pagamento, à taxa supletiva legal para as operações comerciais.
         Voltemos à citação do acórdão referido:
        “In casu, porém, e como vimos supra, a obrigação da Ré, enquanto intermediária financeira, apenas será concebível com fundamento em responsabilidade civil pré-contratual  ou culpa in contrahendo (cfr. art. 227.º do Código Civi ),  já que, estando em causa sobremaneira a violação de deveres de informação, e os quais têm por escopo, a título principal, apoiar os clientes para que possam eles tomar as decisões de investimento de forma esclarecida e informada, inquestionável é que o timing primordial do seu in/cumprimento é o momento anterior à tomada de decisão de investimento.
Provado que ficou que o que motivou a autorização, por parte do A. marido, à subscrição de uma aplicação em obrigações SLN, foi o facto de (…) que o risco era mínimo, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo, também não deve questionar-se a verificação do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, e sendo este último equivalente à perda do capital investido pelos AA na subscrição de OBRIGAÇÕES SLN (…).
Isto dito, decorre do art. 562º, do Código Civil, que o princípio básico da obrigação de indemnização obriga a que, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento se não fosse a lesão.
Por outro lado, e sendo vero que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, certo é que o dever de indemnizar compreende, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (cfr. artºs 563º e 564º, ambos do CC).
Ou seja, a indemnização devida abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando os primeiros uma diminuição efectiva e actual do património e, os segundos, a frustração de um ganho.
Não se olvidando que, em sede de responsabilidade pré-contratual, não é a doutrina e a jurisprudência consensual quanto à questão de saber se a indemnização está limitada ao interesse contratual negativo ou, ao invés, se abrange o interesse contratual positivo, temos para nós que de controvérsia que in casu não se justifica, porque, para todos os efeitos, o relacionamento entre AA e Ré não se quedou pela fase pré-contratual e /ou meros contactos e negociações, antes culminou com a efectiva conclusão/subscrição pelos AA de um concreto instrumento financeiro ou instrumento mobiliário.
Destarte, inclinamo-nos para que a indemnização deva abranger o interesse contratual positivo, ainda que o facto ilícito e atinente à violação de deveres de informação tenha tido lugar na fase da formação do contrato, maxime em momento em que era a informação omitida a decisiva para que tivessem os AA tomado a decisão de investimento de forma esclarecida e informada.
De resto, mesmo em sede de ruptura ilícita de negociações, mas quando as negociações tenham atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio, tem a jurisprudência vindo a admitir que a indemnização possa/deva ser medida pelo interesse contratual positivo. (18)
Aqui chegados, e tendo os AA ficado despojados do montante de (…) há-de o montante indemnizatório, no mínimo, corresponder ao referido valor, a titulo de dano emergente.
Já relativamente aos lucros cessantes, diz-nos a factualidade assente que, aos AA. foram sendo semestralmente pagos juros da aplicação que o A. marido fez,  e , que a partir de (…) 2015 o Banco R. deixou de pagar os juros respectivos.
Porque os referidos juros, prima facie, serão os juros contratados, ou seja, os juros remuneratórios, certo é que é a factualidade assente em absoluto omissa de quais as respectivas taxas.
Destarte, resta a atribuição aos AA dos juros de mora sobre a quantia/capital de €100.000,00, e devidos e vencidos desde a data da citação, e vincendos até integral pagamento. (fim de citação)[2].
Ora, no presente caso, e quanto a juros, a situação não é diversa: os juros reclamados são remuneratórios, às taxas definidas na aquisição do produto, que os autos não ilustram em verdade, pois o que os factos provados referem é que à Autora foi dito que as taxas eram “x e y”, sendo que o facto de ser dito não é equivalente ao facto das taxas serem verdadeiramente essas.
Por outro lado, não têm os Autores razão quando reclamam, quer a partir de 2015, quer a partir da citação, juros de mora à taxa supletiva para os juros comerciais, porquanto não estamos em presença duma transacção comercial coberta pelo artigo 103º do Código Comercial (na redacção dada pelo DL 62/2013 de 10.5) tal como definida pelo artigo 3º al. b) do referido diploma.
          Nestes termos e em conclusão, procede o recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida que absolveu a Ré do pedido, sentença essa que é substituída pelo presente acórdão que julga a acção parcialmente procedente por provada, e em consequência condena a Ré a pagar aos Autores o capital de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
          Tendo decaído na acção e na apelação, ambas as partes são responsáveis, na medida do respectivo decaimento, que se fixa em 5% para os Autores e recorrentes e 95% para a Ré e recorrida – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
         Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão, que julga a acção parcialmente procedente por provada, e em consequência condena a Ré a pagar aos Autores o capital de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
         Custas da acção e da apelação por ambas as partes na proporção de 5% para os Autores e recorrentes e 95% para a Ré e recorrida.
          Registe e notifique.

Lisboa, 08 de Março de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues


[1] Com aproveitamento do relatório constante da sentença recorrida.
[2] As notas de rodapé do acórdão que vimos citando são as seguintes:
   (7)  Cfr. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, pág.139
   (8) Cfr. José Engrácia Antunes, in Os Instrumentos Financeiros, 2017, 3ª Edição, Almedina, pág.120.
   (9)  Cfr. Paulo Câmara, ibidem,  pág. 712.
   (10) In Direito dos Valores Mobiliários, Relatório, Lisboa, 2005, pág. 179
(11) Ibidem,  pág. 711.
(12) In Direito Dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 148.
 (13) In Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, págs.290 e segs..
 (14) Vg. Adelaide Menezes Leitão, in Normas de Protecção e danos puramente patrimoniais, Almedina, Coimbra, 2009,
(15) Proferido no processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, sendo Relatora a Exmª Juíza Consª MARIA CLARA SOTTOMAYOR, e in  www.dgsi.pt
 (16) Cfr. cf. Menezes Cordeiro, in Direito Bancário, 5.ª Edição revista a actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 431 e segs., citado no Ac. do STJ indicado na nota antecedente.
(17)  Proferido no  processo n.º 1970/09.9TVPRT.P1.S1, sendo Relator o Exmº Juiz Consº GRANJA DA FONSECA, e in  www.dgsi.pt 
(18) Cfr. Ac. do STJ de 28-04-2009, proferido no  processo n.º 09A0457, sendo Relator o Exmº Juiz Consº AZEVEDO RAMOS, e in  www.dgsi.pt