Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1059/13.6PKLSB-A.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: JULGAMENTO
HONORÁRIOS
ADVOGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. A revogação da nota 1 da tabela anexa à Port. nº1386/04, de 10Nov., pelo art.2, al.a, da Port. nº210/08, de 29Fev., conduziu a uma lacuna na definição do que se deva considerar sessão para os efeitos no nº9 do anexo àquela Port. nº1386/04 (aprova a tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito da protecção jurídica);

II. Essa lacuna deve ser integrada com a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art.10, nº3, do Código Civil);

III. Vigorando o critério antes expressamente consagrado na letra da lei desde 2002, com aceitação dos vários intervenientes, não apresentando o legislador qualquer razão para a sua alteração e respeitando esse critério os princípios da proporcionalidade e da igualdade, deve aquela lacuna ser integrada com a solução antes expressamente consagrada na letra da lei, de constituírem duas sessões (para efeitos daquele nº9), a intervenção em audiência realizada na parte da manhã, interrompida para almoço e retomada na parte da tarde do mesmo dia. (Sumário realizado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. Nos autos de Processo Comum (Tribunal Colectivo), nº1059/13.6PKLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 13), na sequência de requerimento da Ex.ma Defensora, reclamando quanto à contabilização das sessões de julgamento em que esteve presente, para efeito de determinação dos seus honorários, o Mmo Juiz, em 25Set.17, proferiu o seguinte despacho:

"...
A Ilustre subscritora veio reclamar da nota de honorários referindo, em síntese, que no dia 10 de Novembro de 2016 e perante a interrupção da sessão de julgamento para o almoço lhe deveriam ter sido contabilizadas e, consequentemente pagas, duas sessões de julgamento ao invés de uma.
Foi proferido despacho que determinou o prosseguimento da reclamação emitido parecer que mereceu a concordância do Ministério Público.
Cumpre decidir:
O que está em causa reside na interpretação a dar á norma revogatória constante do art° 2o, al. a) da Portaria 210/2008 de 29 de Fevereiro e se esta revogação se estende ou não ao número de sessões a contabilizar, uma vez que não o refere expressamente tendo ficado por prever o critério para a determinação do número de sessões para cada diligência processual.
Nesta conformidade há que atentar ao disposto pelo art° 328° do C.P.P.
A regra é a continuidade da audiência sem interrupção ou adiamento até ao seu encerramento.
A exceção na mesma audiência são as interrupções estritamente necessárias em especial para alimentação e repouso dos participantes.
Se a audiência não puder ser concluída no mesmo dia então é interrompida para continuar no dia útil posterior.
Assim a norma do C.P.P. prevê dois tipos de interrupção: as que têm lugar na mesma sessão para descanso e alimentação dos participantes e as que têm lugar para continuar no dia útil posterior.
De onde, em nosso entender, resulta que existe apenas uma sessão por dia útil.
Nesta conformidade a cada dia útil, independentemente das interrupções haverá ar a uma sessão a ser contabilizada em sede de honorários.
Assim a nota de honorários não padece de qualquer vício e deve ser mantida.
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada.
...".

2. Deste despacho, recorre a Ex.ma Defensora, S., motivando o recurso, com as seguintes conclusões:
2.1 O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido em 25 de Setembro de 2016, que indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente, constante de fls. 1632 a 1638, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
2.2 No seu pedido de pagamento de honorários, e em conformidade com o trabalho desenvolvido nestes autos de processo comum com intervenção de tribunal colectivo, contabilizou a recorrente um total de 8 sessões de audiência de julgamento, referentes a uma sessão de julgamento no dia 6 de Outubro de 2016, uma sessão de julgamento no dia 13 de Outubro de 2016, uma sessão de julgamento no dia 3 de Novembro de 2016, duas sessões de julgamento no dia 10 de Novembro de 2016 (uma sessão no período da manhã c outra sessão no período da tarde), uma sessão de julgamento no dia 17 de Novembro de 2016, uma sessão de julgamento no dia 6 de Dezembro de 2016 e uma sessão de julgamento no dia 12 de Dezembro de 2016;
2.3 Invocando o n°2 do art.328° do Código de Processo Penal (doravante CPP), o douto despacho recorrido considerou ser de contabilizar como uma única sessão a intervenção da recorrente no dia 10 de Novembro de 2016, em audiência de julgamento iniciada no período da manhã e interrompida para almoço com continuação no período da tarde, em virtude de ter interpretado, como resultando da citada norma, o sentido de que será de considerar "apenas uma sessão por dia útil";
2.4 No entanto, do art.328°, n°2 do CPP não decorre tal consequência, aliás, bem pelo contrário, admitindo este normativo três fundamentos para a interrupção, considerando como tal, quer a que ocorra por força da audiência não poder ser concluída no dia em que se tiver iniciado, devendo continuar no dia útil imediatamente posterior, quer a que ocorra no mesmo dia, em especial para alimentação e repouso dos participantes;
2.5 Com efeito, a sessão da audiência de julgamento do dia 10 de Novembro de 2016 foi interrompida no final da manhã pela Meritíssima Juíza Presidente, tendo sido designado e consignado na Acta para sua continuação esse mesmo dia pelas 15h30m, altura em que, reaberta a audiência quando eram 16h55m, e realizada a sessão da tarde, foi declarado o seu encerramento quando eram 17h40m - cfr. Actas das sessões da audiência de julgamento, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
2.6 No caso sob análise verificou-se um dos fundamentos de interrupção da audiência, previstos e consentidos pelo art.328, n°2 do CPP, logo, o facto de uma sessão ter sido realizada no período da manhã e a outra no período da tarde do mesmo dia não lhes retira autonomia para efeitos de contabilização do número de sessões com vista à remuneração dos serviços prestados pelo advogado no âmbito do patrocínio oficioso;
2.7 Estamos, claramente, perante duas sessões de audiência de julgamento;
2.8 De resto, toda e qualquer interrupção, nos termos estatuídos no n°2 do art.328, do CPP, seja como no caso sob análise, ou por força, por exemplo, do disposto nos arts.67° ou art.331° do CPP, implica sempre o início de "uma nova sessão";
2.9 - Seguindo o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de Outubro de 2016, proferido no processo n° 107/13.4GATND-B.C1, disponível em www.dgsi.pt. "não descortinamos qualquer razão atendível para que uma audiência que tenha decorrido da parte da manhã e da parte da tarde de um mesmo dia equivalha, para este efeito, a uma sessão, e que uma audiência que tenha decorrido na manhã de um dia e na manhã ou na tarde de outro equivalha, para o mesmo efeito, a duas sessões, originando retribuições diversas para o mesmo tempo de serviço prestado, sem um mínimo de razoabilidade ".
2.10 Mais aduzindo que "perante o vazio legal criado e uma vez que não foi revogado o n° 9 da referida Tabela anexa, a manutenção do critério da interrupção da audiência, nos termos em que o art. 328°, n" 2 do CPP a admite, é a solução que se nos afigura mais razoável e capaz de obstar aos inconvenientes decorrentes das desigualdades apontadas, tanto mais que a Constituição da República Portuguesa qualifica o patrocínio forense — onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais por via, além do mais, da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade - de elemento essencial à administração da justiça, o que só será alcançável com a prestação de serviços de qualidade que, naturalmente, pressupõem a justa e adequada remuneração" (sublinhado nosso).
2.11  É, ainda hoje, a Portaria n°1386/2004, de 10 de Novembro, que estabelece a Tabela de honorários dos Advogados, Advogados estagiários e Solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito da protecção jurídica;
2.12 Fundamentalmente, o que está em causa é o sentido e alcance a atribuir à revogação da "Nota 1" que constava da tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro, e que foi determinada pelo artigo 2o, alínea a), da Portaria n.° 210/2008;
2.13 Aquela "Nota 1 ", com a redacção: "Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde", fixava o critério do que deveria considerar-se como "uma nova sessão" de um acto ou diligência;
2.14 O critério fundamental para tal aferição, era o do momento da interrupção do acto ou diligência;
2.15 Havendo interrupção da diligência, considerava-se concluída uma sessão, sendo que a continuação da diligência, após aquela interrupção, consubstanciava uma nova sessão, até à próxima interrupção, e assim sucessivamente; Salvo,
2.16 se a interrupção ocorresse no mesmo período da manhã ou no mesmo período da tarde, porque, nesses casos, quis o legislador expressamente frisar que se tratava, como sempre sucede, de um simples intervalo de uma mesma sessão, a da manhã ou a da tarde, sem a virtualidade de consubstanciar a conclusão de uma sessão e/ou o início de uma nova;
2.17 A "Nota 1" continha dois segmentos distintos: um primeiro, que consubstanciava a regra, e que fixava que o critério para a determinação do número de sessões de cada diligência era o da interrupção do acto ou diligência; e um segundo, que consubstanciava a excepção mencionada no artigo antecedente destas "conclusões";
2.18 Julgamos ser evidente que, não obstante a revogação da "Nota 1", aquele critério regra aferidor continua a ser o do momento da interrupção da diligência, pois de outra forma não se entenderia que a redacção do n°9 da referida Tabela - e a que aquela se encontrava associada -, se tivesse mantido inalterada;
2.19 Assim como também cremos que o legislador, após a revogação da "Nota 1", não quis considerar como interrupção e, por isso, como indicador do termo de uma sessão e do subsequente início de uma nova sessão, o simples intervalo ocorrido durante o mesmo período, da manhã ou da tarde;
2.20 Ora, é nesta globalidade que a revogação da "Nota 1" deve ser encarada, e não de forma limitativa ou parcial, como se o legislador tivesse querido revogar apenas a primeira parte da mesma e já não a segunda;
2.21 O que não pode aceitar-se, é que seja atribuído à revogação da "Nota 1" o sentido que lhe foi dado no douto despacho recorrido, ou seja, o de que é contabilizada uma única sessão de julgamento "por cada dia útil;
2.22 O n°9 da Tabela de honorários, a que a referida "Nota 1" estava associada, e cuja redacção se manteve incólume, estabelece que: "Quando a diligência comporte mais de duas sessões, por cada sessão a mais - 3,00 UR's";
2.23 Ao revogar a "Nota 1", mas tendo mantido em vigor o n.° 9 da Tabela, o legislador indica, de forma inequívoca, que um acto ou diligência pode comportar mais do que uma sessão, e sempre que tenha mais do que duas sessões, por cada sessão a mais para além destas, a retribuição do defensor oficioso é acrescida de um adicional remuneratório de 3 UR's;
2.24 é, assim, imperioso concluir, que a revogação da "Nota 1" apenas teve uma razão de ser: a sua inutilidade, porque inócua e redundante;
2.25 Entender como fez o douto despacho recorrido, implicaria retribuir de forma diversa, consoante o defensor oficioso tivesse intervenção na sessão de uma audiência reiniciada na tarde de um mesmo dia após a sua interrupção, para almoço, no final do período da manhã, ou em que a sessão de uma audiência, ocorrida no período da tarde, fosse interrompida para continuar na manhã do dia útil seguinte, porque estão em causa iguais períodos de trabalho; 2.26 Estabelece o art.25, n°1 da Portaria n°10/2008, de 3 de Janeiro, com a redacção introduzida pela Portaria n.° 210/2008, de 29 de Fevereiro, que: "Os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processo são os estabelecidos na Portaria nº1386/2004, de 10 de Novembro";
2.27 Para a concreta situação em análise no presente recurso, o que, naturalmente releva, é o trabalho efectuado, posto que é ele que justifica a retribuição;
2.28 E, retribuir de forma absolutamente diferenciada e desigual os mesmos períodos de trabalho, contraria frontalmente o princípio da retribuição ínsito no art.59, n°1, al. al) e de forma indirecta o princípio da igualdade, plasmado no art.13°, ambos da Constituição da República Portuguesa;
2.29 Assim como coloca também em causa a essencialidade do patrocínio forense - onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais através da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade - que a CRP, no seu art.208°, considera como elemento essencial à administração da justiça;
2.30 Por outro lado, o douto despacho recorrido lançou mão do citado art.328° do CPP, nele encontrando o critério para a determinação do número de sessões da audiência de julgamento, por entender que a norma revogatória constante do art. 2, al. a) da Portaria n°210/2008, de 29 de Fevereiro, ao não fazer referência expressa ao mesmo, o deixou sem previsão;
2.31 E, muito embora tenha aflorado que a sobredita revogação criou um vazio legislativo, uma lacuna, quedou-se por aqui, não desenvolvendo o seu entendimento, para daí extrair as inerentes consequências;
2.32 Assim, e sob outra perspectiva de análise, nos termos do disposto no artigo 10°, n°3 do Código Civil, deverão as lacunas ser integradas com a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema;
2.33 Pelo que, em consonância com a citada norma do Código Civil, justifica-se que se considere intervenção em duas sessões, para efeitos de cálculo dos honorários devidos a defensor oficioso, a sua intervenção não só num julgamento que é interrompido de um dia para o outro, mas também quando a sua intervenção ocorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço;
2.34 Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Maio de 2017, proferido no processo n.° 1074/15.5PIPRT-B.P1, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: "De acordo com as regras de integração de lacunas (artigo 10.° n.° 3, do Código Civil), na fixação dos honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço ".
2.35 Bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Junho de 2017, proferido no processo n.° 63/15.4GBOBR-A.P1, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Luís Coimbra, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: "Na fixação de honorários devidos ao defensor oficioso devem ser consideradas duas sessões a sua intervenção num julgamento que decorre na parte da manhã e tarde do mesmo dia com interrupção para almoço."
2.36 Violou, assim, o despacho recorrido, o art. 25°, n.°1 da Portaria n°10/2008, de 3 de Janeiro, com a redacção introduzida pela Portaria n°210/2008, de 29 de Fevereiro, o art. 328°, n.° 1 do CPP e o disposto no n°9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n°1386/2004, de 10 de Novembro;
2.37 Sem prescindir, sempre se dirá que enferma de inconstitucionalidade, por violação do estatuído nos arts. 13°, 59°, n.° 1, al. a) e 208° da Constituição da República Portuguesa, o que se argui para todos os efeitos legais, a interpretação conjugada do art. 25°, n°1 da Portaria n.° 10/2008, de 3 de Janeiro, na redacção introduzida pela Portaria n.°210/2008, de 29 de Fevereiro, com o disposto no n°9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria n°1386/2004, de 10 de Novembro, e com a revogação da "Nota 7" operada pelo art. 2o, al. a) da citada Portaria n.°210/2008, de 29 de Fevereiro, no sentido de que, para efeitos de pagamento de honorários dos advogados pelos serviços prestados no âmbito da protecção jurídica, se deve contabilizar como uma única sessão o acto ou diligência que decorra no período da manhã e, após interrupção, no período da tarde do mesmo dia, e como duas sessões o acto ou diligência que decorra nos mesmos períodos, mas de dias diferentes.
Nestes termos, … deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogado o douto despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que, deferindo a reclamação, determine que, na fixação de honorários á recorrente, seja considerada a sua intervenção em duas sessões da audiência de julgamento no dia 10 de Novembro de 2016, com todas as consequências legais….

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo pelo seu não provimento.

4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto suscitou a questão prévia da irrecorribilidade do despacho recorrido, invocando o disposto no art.33, da Port. nº419-A/09 e no art.31, nº6, do Regulamento das Custas Processuais.
A recorrente respondeu, alegando que as normas invocados no douto parecer do Ex.mo PGA não são aplicáveis ao caso e concluindo como no recurso.

5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.

6. O objecto do recurso, tal como ressalta das respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se a participação do Defensor num julgamento, que se realizou na parte da manhã, se interrompeu para almoço e prosseguiu na parte da tarde, corresponde a 1 ou 2 sessões para efeitos do nº9 do anexo à Port. nº1386/04.

*     *     *

IIº 1. Questão prévia:
O Ex.mo PGA, no douto parecer de fls.43, defende a inadmissibilidade do recurso, alegando estar em causa o pagamento de honorários no montante de €867 e invocando o disposto no art.33, da Port. nº419-A/09, de 17Abr. e art.31, nº6, do RCP, que só admitem recurso em caso de valor superior a 50 UCs.
A recorrente respondeu, defendendo que essas normas não são aplicáveis ao caso.
Cumpre decidir:
A Port nº419-A/09, de 17Abr., regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades, prevendo no art.33, inserido no capítulo IV, sob a epígrafe “Custas de parte”, a reclamação da nota justificativa (apresentada pela parte nos termos do art.31).
O art.31, nº6, do RCP, inserido no capítulo relativo à conta de custas, prevê a reforma e reclamação da conta, assim como a possibilidade de recurso da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta.
No caso, não está em causa questão relativa a custas de parte, ou liquidação, pagamento ou execução de custas, razão por que, com o devido respeito, não são invocáveis os citados preceitos legais.
Em causa está a fixação de honorários devidos a advogada nomeada no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais (Lei nº34/04, de 29Julho), regime jurídico este que, como refere a recorrente, prevê no nº2, do art.3 “2- O Estado garante uma adequada remuneração bem como o reembolso das despesas realizadas aos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em termos a regular por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”.
Em execução dessa determinação veio a ser publicada a Port. nº1386/04, de 10Nov., aprovando a tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito da protecção jurídica, publicada em anexo a esta portaria, posteriormente revogada pela Port. nº10/08, de 3Jan., entretanto também revogada e substituída pela Port. nº219/08, de 29Fev.
A necessidade de celeridade, transparência e eficiência nos pagamentos aos advogados pelos serviços prestados no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, justificou o desenvolvimento pelo Ministério da Justiça e pela Ordem dos Advogados de um conjunto de ferramentas informáticas, o Sistema de Pagamento do Apoio Judiciário (SPAJ) e o Sistema de Informação da Ordem dos Advogados (SInOA).
Tendo em vista a introdução de mecanismos de fiscalização do sistema, a Port. nº319/11, de 30Dez., veio atribuir às secretarias dos tribunais onde correm os processos a possibilidade de confirmação dos dados necessários ao processamento dos pagamentos aos advogados pelos serviços prestados neste âmbito, o que no caso justificou o documento de fls.41, do qual resulta a controvérsia em causa nos autos, relativa à contagem das sessões de julgamento a que compareceu a recorrente.
Tal documento não constitui nota justificativa, para efeitos da Port nº419-A/09, nem conta para efeitos do RCP, mas intervenção da secretaria no âmbito da determinação dos honorários devidos, em relação ao que o respectivo regime jurídico não estabelece qualquer restrição de recurso, pelo que, de acordo com a regra geral do art.399, CPP, não há razão para a sua não admissão.
Improcede, deste modo, a questão prévia suscitada pelo Ex.mo PGA.

2. Prevendo a Port. nº1386/04, de 10Nov., um critério de determinação da remuneração de serviços prestados no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, para o que aqui interessa, em função do número de sessões de determinada diligência, a nota 1 da respectiva tabela estabelecia “1- Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde”.
Face a este diploma legal, a presença em audiência de julgamento, que se iniciava na parte da manhã, interrompia para almoço e era retomada na parte da tarde, não suscitava dúvidas que correspondia a duas sessões.
A Port. nº10/08, de 3Jan., revogou a Port. nº1386/04, mas não chegou a entrar em vigor, sendo substituída pela Port. nº210/08, de 29Fev. que manteve em vigor os valores das compensações devidas aos profissionais forenses previstas na Port. nº1386/04, mas revogou aquela nota 1 da tabela anexa (art.2, al.a).
A eliminação desta nota 1, tem justificado divergências jurisprudenciais, para uns significando que o legislador quis afastar a interpretação de que, decorrendo a audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã, outra de tarde e outros defendendo que não há razão para alterar o critério de contabilização de duas sessões[1].
O despacho recorrido, apoiando-se no art.328, CPP, defende que só existe uma sessão por dia útil, devendo para os efeitos pretendidos pela recorrente, ser contabilizado uma sessão por cada dia útil, independentemente das interrupções.
Este preceito legal, porém, não visa estabelecer qualquer critério de determinação do número de sessões da audiência de julgamento, nem de remuneração de serviços para os efeitos que estão em causa nos autos, antes se limitando a proclamar o princípio da continuidade da audiência, que deve decorrer sem interrupção ou adiamento, até ao seu encerramento, admitindo, excepcionalmente, as interrupções estritamente necessárias, em especial para a alimentação e repouso dos participantes e se não puder ser concluída no dia em que foi iniciada, é interrompida para continuar no dia útil seguinte (nº 2 do mesmo artigo).
Neste preceito, a lei tipifica três causas de interrupção da audiência, a determinada para alimentação dos intervenientes, a determinada para repouso dos mesmos e a determinada pela impossibilidade de conclusão dos trabalhos no mesmo dia.
Ao tipificar naquele preceito legal as interrupções da audiência admitidas, o legislador teve como únicas preocupações o bom andamento do processo e a boa realização da justiça, com total indiferença para com quaisquer critérios de remuneração de serviços prestados por intervenientes processuais.
Em relação a esta avaliação, quanto a serviços prestados no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, o nº9 do anexo à Port. nº1386/04, estabeleceu um acréscimo de remuneração por cada sessão a mais “9 — Quando a diligência comporte mais de duas sessões…”.
O que seja nova sessão, era definido pela referida nota 1 a esse anexo, revogada nos termos referidos “1- Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde”.
Ou seja, cada interrupção (definida no nº2, do art.328, CPP) dava lugar a uma nova sessão, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde.
Levando-se à letra a revogação daquela nota 1, teria de se afastar o critério da interrupção da audiência como definidor de número de sessões (excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde) e então, em relação a audiências que se prolongam por vários dias consecutivos, por não poderem ser concluídas em cada um desses dias (nº2, do art.328, CPP), não poderiam ser contabilizadas como várias sessões, por não existir critério legal para o efeito, apesar de continuar em vigor o nº9 do anexo à Port. nº1386/04, estabelecendo um acréscimo de remuneração por cada sessão a mais.
Diz o despacho recorrido que cada dia útil só pode corresponder a uma sessão.
Além de tal critério não ter qualquer apoio na letra da lei, já que, como referimos, o citado art.328, nº2, não tem qualquer intenção de definir o número de sessões por que se desenvolve a audiência de julgamento de determinado processo, o mesmo não é compatível com o elemento histórico de interpretação, nem tem justificação face a critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Já antes da Port. nº1386/04, a Port. nº150/02, de 19Fev. (aprovou a nova tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário), revogada por aquela (art.9), previa um critério que tinha como referência o período da manhã ou da tarde na determinação de honorários e a nota 3 do respectivo anexo tinha redacção idêntica à que veio a ter a nota 1 da Port. nº1386/04.
Caso o legislador, com a revogação da mencionada nota 1, tivesse querido acabar com este critério de contabilização de sessões para efeito de remuneração dos serviços em causa, não o teria deixado de manifestar no próprio diploma revogatória (pois isso significava alteração importante do valor de remuneração, que em certos casos equivalia a redução de 50% - em julgamentos prolongados no tempo, em dias em que o serviço ocupasse a manhã e a tarde passava a ser compensado como uma sessão enquanto antes era como duas), o que não é compatível com a afirmação constante do preâmbulo respectiva portaria (Port. nº210/08) “… No que respeita aos valores dos honorários dos profissionais forenses, passa a aplicar -se a tabela de honorários que se encontra actualmente em vigor e que resulta da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro…”. Do mesmo preâmbulo consta, ainda, que esse diploma resulta de “…entendimento alcançado entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados sobre as condições da prestação das defesas oficiosas por advogados em matéria de acesso ao direito…”, entendimento esse que não seria razoável admitir em caso de redução da remuneração quanto a estes serviços concretos (em audiências de julgamento que se prolongam no tempo e que maior esforço exigem aos prestadores desses serviços).
Nada aponta, deste modo, para a intenção do legislador ter querido acabar com o critério já antigo de determinar o valor da remuneração de serviços prestados no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, através de um acréscimo, tendo por referência a parte de um dia (manhã ou tarde) como determinativo do número de sessões.
A eliminação deste critério, por outro lado, não se apresenta como razoável, proporcional, nem respeitador do princípio da igualdade, pois não distinguiria entre quem comparecendo no tribunal pelas 9h., vê a sua intervenção terminada às 12h. e aquele que, face à complexidade do processo, iniciando o serviço à mesma hora, é obrigado a retomar os trabalhos depois da interrupção para almoço, mantendo-se comprometido com o serviço até ao encerramentos do tribunal, vendo os seus serviços, neste caso, remunerados com o mesmo valor de quem ficou liberto às 12h., ou recebendo metade do que receberia caso o juiz tivesse optado por distribuir a mesma diligência pela parte de um dia (manhã ou tarde) e outra parte do dia seguinte.
Considerando que a revogação da referida nota 1 não revela qualquer opção legislativa e não tem subjacente quaisquer razões justificativas de alteração dos critérios de remuneração dos serviços prestados no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, entendemos que tal revogação conduziu a uma lacuna na definição do que se deva considerar sessão para os efeitos no nº9 do anexo à Port. nº1386/04, definição esta que a lei deixou de prever, mas que é necessária como forma de determinação da remuneração justa por serviços essenciais ao funcionamento do nosso sistema de justiça (honorários por serviços prestados no âmbito do apoio judiciário).
Integrando esta lacuna com a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art.10, nº3, do Código Civil), entendemos que não há razões para alterar o critério que, com apoio na letra da lei e aceitação dos vários intervenientes, vinha vigorando desde 2002, devendo considerar-se como duas sessões (para efeitos daquele nº9), a intervenção em audiência realizada na parte da manhã, interrompida para almoço e retomado na parte da tarde do mesmo dia.
Em conclusão, para os efeitos previstos no nº9 da Tabela de honorários aplicável no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, deve considerar-se como duas sessões a intervenção de advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário, sempre que intervenha em diligência iniciada no período da manhã, a mesma seja interrompida para almoço e seja reiniciada na parte da tarde, o que justifica o provimento do recurso.

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IVº DECISÃO:

Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando provimento ao recurso da Ex.ma Advogada, S., acordam em revogar o despacho recorrido, que se substitui por outro considerando como duas sessões a sua intervenção processual no dia 10Nov.16, iniciada na parte da manhã desse dia, interrompida para almoço e reiniciada na parte da tarde desse mesmo dia.
Sem tributação.

Lisboa, 13 de Março de 2018

Relator: Vieira Lamim

Adjunto: Ricardo Cardoso

[1] O Ac. do TRP de 2/7/2014 (Pº47/03.5IDAVR.P1-A, acessível em www.dgsi.pt) decidiu “  …o Legislador quis afastar a interpretação de que, decorrendo a Audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã, outra de tarde”.
Em sentido contrário, entre outros citados pela recorrente, o Ac. do TRC de 12-10-2016 (Pº nº107/13.4TND-B.C1, acessível em www.dgsi.pt) decidiu “I - A revogação da Nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, operada pelo art. 2.º, a) da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro significa que a lei, pura e simplesmente, deixou de prever qualquer critério para a determinação do número de sessões de cada diligência processual. II - Não se descortina qualquer razão atendível para que uma audiência que tenha decorrido da parte da manhã e da parte da tarde de um mesmo dia equivalha, para este efeito, a uma sessão, e que uma audiência que tenha decorrido na manhã de um dia e na manhã ou na tarde de outro dia equivalha, para o mesmo efeito, a duas sessões, originado retribuições diversas para o mesmo tempo de serviço prestado, sem um mínimo de razoabilidade”.