Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1992/15.0T8FNC.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DESEMPREGO DE LONGA DURAÇÃO
NULIDADE DA CLÁUSULA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I-O regime legal decorrente dos artigos 139.º a 149.º, 343.º a 345.º, 348.º e 393.º do Código do Trabalho de 2009, impõe, quanto aos contratos de trabalho a termo certo, o seguinte:
-Celebração por escrito, devendo do mesmo constar expressamente o “termo estipulado e do respetivo motivo justificativo”, sob pena de ser considerado contrato sem termo;
-Por prazo igual ou superior a 6 meses, exceto em situações excecionais previstas legalmente;
-Para acorrer às situações taxativamente contempladas nos números 2 e 4 do artigo 140.º, sob pena da nulidade da estipulação do termo;
-Não podendo ultrapassar, consoante os casos, 18 meses, 2 anos ou 3 anos consecutivos e as três renovações, sob pena de conversão em contrato sem termo;
-Caducando mediante comunicação escrita do empregador com a antecedência mínima de 15 dias antes do termo do prazo ou da sua renovação.
II-O motivo justificativo da aposição do termo neste tipo negocial não se pode limitar a transcrever secamente uma das alíneas dos números 2 ou 4 do artigo 140.º do atual Código do Trabalho, sob pena de o mesmo se converter em contrato por tempo indeterminado (artigo 147.º, número 1, alínea c)).
III-Tal motivo, se não pode ser tão vago e indefinido que impeça o trabalhador e, depois, a ACT e o tribunal de trabalho, de compreender e fiscalizar, devida e efetivamente, as razões em que se radica a necessidade de firmar um tal contrato, também não reclama que o empregador escreva e descreva o motivo explicativo com o máximo de detalhe ou pormenor que, materialmente, lhe for possível, bastando-lhe fazê-lo de maneira a que se ache suficientemente definida e percetível a situação de facto real e concreta que reclama a celebração do contrato de trabalho a termo certo em questão, possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal.
IV-No contrato de trabalho a termo certo em que é contratado um trabalhador em situação de «desemprego de longa duração», as exigências formais do número 3 do artigo 141.º e da alínea c) do número 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2009 não ficam satisfeitas com a mera reprodução/referência à alínea b) do número 4 do artigo 140.º e uma simples declaração complementar de que o trabalhador é considerado um «desempregado de longa duração».
V-A fronteira entre a licitude ou ilicitude do motivo justificador da aposição do termo certo passa exatamente pela existência ou inexistência de uma realidade factual concreta e verdadeira a que aquele necessariamente se tem de referir e à inerente possibilidade ou impossibilidade de acompanhamento e controlo pelo trabalhador e, depois, pela inspeção do trabalho e pelos tribunais do foro laboral, daquela correspondência e conformidade.
VI-A desconformidade material entre o motivo invocado no contrato e renovações e a realidade sócio laboral que justificou a sua celebração implica a nulidade do termo do respetivo contrato de trabalho bem como a aquisição da qualidade de trabalhador permanente do Autor, desde o momento inicial da sua celebração, por força do artigo 147.º, número 1, alíneas a) e b) do Código do Trabalho de 2009.
VII-A nulidade da aposição do termo pelos fundamentos expostos nos Pontos II a IV é de conhecimento oficioso pelo julgador.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


AA, em situação de união de facto, contribuinte n.º (…), residente na (…), veio, em 04/04/2015, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral, contra BB, SA, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua (…), pedindo, em síntese, o seguinte:

«1.º-Se declare que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de trabalho sem termo em 11.01.2011 e que o mesmo se encontra vigente.
2.º-Se declare que as renovações contratuais extraordinárias impostas e comunicadas pela Ré à Autora são ilegais, por inexistentes, e em flagrante violação do disposto no artigo 2.º, n.ºs 2 e 4 da Lei 03/2012 de 10 de Janeiro.
3.º-Se ordene a imediata reintegração da Autora nos quadros de trabalhadores efetivos da Ré.
4.º-Seja condenada a Ré a pagar à Autora todas as remunerações salariais que deixou de auferir, desde Janeiro de 2015 até o trânsito em julgado da sentença.
5.º-Se declare nulo, por ilegal, as comunicações e prazos da Autora, referidas, por não terem respeitado o prazo de quinze dias, pois o mesmo terminaria em 31 de Dezembro de 2014 e não em 12 de Janeiro de 2015.
6.º-Se declare que entre Autora e Ré, existe um contrato de trabalho válido e sem termo, celebrado em 12.01.2011».    
*

A Autora alegou para o efeito e em síntese, o seguinte:
(…)
*

Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 32), tendo a Ré sido citada por carta registada com Aviso de Receção, como resulta de fls. 33 e 38.

Mostrando-se inviável a conciliação das partes, ficou a Ré notificada para, no prazo e sob a cominação legal contestar (fls. 44), o que a mesma fez, em tempo devido, e nos termos de fls. 45 e seguintes, onde, em síntese, impugna parte dos factos e as questões de direito suscitadas pela Autora na sua Petição Inicial, concluindo pela improcedência total da presente ação.
*

Respondendo a fls. 122 e seguintes, o Autor pugna pela improcedência da exceção de caducidade.
*

O tribunal recorrido, por despacho de fls. 132, já transitado em julgado, determinou o desentranhamento de um segundo articulado da Ré junto aos autos a fls. 129 a 131.
*

Foi proferido despacho saneador (fls. 132 a 134), no qual se admitiu o pedido reconvencional da Ré, se fixou o valor da causa em € 30.001,00 + o valor da reconvenção, se relegou para final o conhecimento da exceção de caducidade deduzida pela Ré, se fixou o objeto do processo e dispensou-se a nunciação dos temas da prova, vindo ainda a ser admitidos os róis de testemunhas do Autor e Ré, juntos a fls. 14 e 109 e designada a data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
*

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio (fls. 172 a 178).
Foi proferida, a fls. 182 a 184, Decisão sobre a Matéria de Facto, que não foi objeto de reclamação pelas partes, dado nenhuma delas ter estado presentes à sua leitura (cf. Ata - fls. 186).      
*

Foi então proferida a fls. 80 a 83 e com data de 20/10/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Termos em que julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré do pedido.
Custas pela Autora, sem prejuízo do benefício que lhe foi atribuído.
Registe e notifique.”
*

A Autora AA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 98 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 110 dos autos, como de Apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

A Apelante apresentou, a fls. 98 e seguintes, alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:
(…)
*

A Ré apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 103 e seguintes):
(…)
*

O relator do presente recurso de Apelação, por entender que o fundamento invocado para a aposição do termo ao contrato de trabalho dos autos, nos moldes em que se mostrava redigido, poderia estar ferido de nulidade, convidou o ilustre magistrado do Ministério Público, assim como as partes, a pronunciarem-se sobre tal questão, assim como sobre a possibilidade deste tribunal da 2.ª instância poder conhecer oficiosamente de tal matéria, devendo os segundos fazê-lo, no prazo de 10 dias e em conjunto com a sua pronúncia acerca de tal parecer do M.P.   
*

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 116 e 117), não tendo o Autor se pronunciado no prazo de 10 dias acerca do seu teor, apesar de notificado para esse efeito, ao contrário do que aconteceu com a Ré, que veio responder-lhe a fls. 120 a 125, pugnando pela total confirmação da sentença.
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
               
II–OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
 
1.º-Autora e Ré celebraram entre si, em 12 de Janeiro de 2011, um contrato de trabalho a termo certo por 6 meses, renovado em 11-07-2011, para a Autora prestar, como prestou, as funções de estagiária de gerente adjunta de loja e/ou quaisquer outras funções em acumulação ou não.
2.º-Consta do referido contrato, como motivo justificativo, a contratação de trabalhador desempregado de longa duração.
3.º-Em 06 de Fevereiro de 2012 e em 23 de Maio de 2014, Autora e Ré, por proposta desta, celebraram, respetivamente, um aditamento ao contrato de trabalho celebrado em 12.01.2011 e um acordo de renovação extraordinária do mesmo contrato, até 12.01.2015, documentos escritos juntos a fls. 17 a 20 dos autos.
4.º-Em 18 de Dezembro de 2014, a Ré comunicou à Autora a não renovação do contrato de trabalho, com efeitos a partir de 11.01.2015., data em que a Autora cessou funções.
5.º-A Autora auferia da Ré a retribuição base mensal ilíquida de 885,00 Euros.       
*

III–OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 30/06/2014, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.   

B–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Realce-se que a Recorrente não impugnou expressa e formalmente a Decisão sobre a Matéria de Facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil (limitando-se a sustentar, de uma forma global e inócua, que o tribunal da 1.ª instância deveria ter dado como assente todos os factos da Petição Inicial, sem indicar o mínimo de prova produzida nos autos que pudesse sustentar tal tese, sendo certo que os depoimentos testemunhais ouvidos em Audiência Final não foram objeto de gravação), não tendo, por seu turno, a recorrida requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Novo Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C–OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES JURÍDICAS.

As questões de direito que se suscitam no âmbito deste recurso de Apelação são as seguintes:
a)Validade formal do motivo invocado para a aposição do termo certo no contrato de trabalho dos autos («desempregado de longa duração», muito embora a Autora insista teimosa e incompreensivelmente na tecla do «trabalhador à procura do primeiro emprego», num lapso que não condiciona minimamente a abordagem das questões suscitadas nos autos);
b)Veracidade de tal motivo (correspondência entre este último e a realidade subjacente à execução do contrato de trabalho a termo certo dos autos).     

D–SENTENÇA RECORRIDA.

A decisão impugnada, acerca destas questões, desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:
(…)

E–CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO.

O contrato de trabalho a termo certo dos autos, por ter sido celebrado em 12/01/2011, ou seja, depois da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, tem o seu quadro normativo legitimador e regulador vertido, em primeira linha, no seu próprio clausulado e, depois, na parte que para aqui importa, nos artigos 140.º, 141.º, 143.º, 147.º, 148.º, 149.º, 343.º, alínea a) e 344.º do referido diploma legal.

Tornando-se talvez fastidioso transcrever aqui todas as disposições legais acima indicadas, julgamos, contudo, importante, fazer uma rápida resenha pelos requisitos de natureza formal e material de que o aludido regime legal fazia depender a validade e eficácia jurídicas do contrato de trabalho a termo certo e que eram os seguintes:

-Celebração por escrito, devendo do mesmo constar expressamente a “indicação termo estipulado e do respetivo motivo justificativo”, sob pena de ser considerado contrato sem termo;
-Por prazo igual ou superior a 6 meses, exceto em situações excecionais previstas legalmente;
-Para acorrer às situações taxativamente delineadas no artigo 140.º, sob pena da nulidade da estipulação do termo, sendo que as previstas nas diversas alíneas do seu número 2 e outras equivalentes têm sempre de configurar necessidades temporárias do empregador, por força do seu número 1, ao contrário do que acontece com as elencadas no seu número 4;
-Não podendo ultrapassar, em regra, os três anos consecutivos e as três renovações, sob pena de conversão em contrato sem termo (sem prejuízo dos regimes excecionais entretanto introduzidos que consentem prorrogações extraordinárias para além do número e limite temporal antes referido);
-Caducando mediante comunicação escrita do empregador com a antecedência mínima de 15 dias antes do termo do prazo ou da sua renovação;
-A cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, de um contrato de trabalho a prazo impede uma nova admissão, a termo certo, para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido o período de tempo mínimo citado no número 1 do artigo 143.º.
Perante este quadro legal - dizendo ainda o número 3 do artigo 141.º que a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado -, o que dizer face ao contrato de fls. 12 a 16 e do qual consta, como cláusula 2.ª, que “O motivo subjacente à celebração do presente contrato a termo consiste na admissão de trabalhador desempregado de longa duração, nos termos do artigo 140.º, número 4, alínea b) do Código do Trabalho”[[1]]?

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/10/1992, em CJ, 1992, Tomo IV, pág. 221, sustentava, no quadro do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02, que, nos contratos de trabalho a termo, a indicação dos motivos da contratação pode ser mais ou menos circunstanciada, mas não satisfaz a mera remissão para um dado preceito legal, dizendo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 8/11/94, em CJ, 1994, Tomo V, págs. 298 e segs. que, sendo mencionadas tarefas ocasionais a executar, é preciso identificá-las, pois, caso contrário, o contrato passa a contrato sem termo. 

O fundamento justificativo da aposição do termo neste tipo negocial não pode limitar-se a transcrever secamente uma das alíneas dos números 2 ou 4 do artigo 140.º do atual Código do Trabalho, sob pena de o mesmo se converter em contrato por tempo indeterminado - artigo 147.º, número 1, alínea c) do mesmo diploma [[2]].

Embora admitindo uma maior exigência formal e material no que concerne à motivação dos contratos de trabalho a termo certo ou incerto radicada em qualquer um das alíneas do número 2 do artigo 140.º do que nas hipóteses do seu número 4 - até por referência à regra geral do seu número 1, que ali, ao contrário das situações contempladas nesse número 4, lhe serve também de pressuposto necessário -, seguro é que relativamente a qualquer uma delas, ainda que com as devidas adaptações, funciona a indicada imposição de índole formal e material contida no número 3 do artigo 141.º[[3]].

Mas, se assim é, também não pode ser tão vago e indefinido que impeça o trabalhador e, depois, a ACT e o tribunal de trabalho, de compreender e fiscalizar, devida e efetivamente, as razões em que se radica a necessidade de firmar um tal contrato, o que não significa que o empregador se encontre obrigado a escrever e a descrever o motivo explicativo com o máximo de detalhe ou pormenor que, materialmente, lhe for possível [[4]].

Basta-lhe fazê-lo de maneira a que se ache suficientemente definida e percetível a situação de facto real e concreta que reclama a celebração do contrato de trabalho a termo certo em questão, possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal.

Afigura-se-nos que as conclusões acima expostas são confirmadas pelos três seguintes Arestos:

-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/11/2005, Processo n.º 1431/05-2.dgsi.Net (Sumário):
1.A indicação da motivação do contrato a termo para ser válida, tem de estar concretizada de tal forma que possa permitir a verificação externa da conformidade do motivo invocado com as situações previstas no art.º 41.º, n.º 1, da LCCT, e a verificação da autenticidade da justificação invocada face à duração estipulada para o contrato.
2.A menção feita no art.º 42.º, n.º1, al. e) do DL nº 64-A/89, de 27/2, no que diz respeito aos contratos a termo incerto, conjugada com o disposto no art.º 49.º do mesmo diploma, inculca claramente a ideia da necessidade da justificação da contratação a termo incerto, no sentido de se indicar, em concreto, o trabalho de construção civil, a obra pública ou outra tarefa a realizar.
3.A justificação de contratação a termo que apenas faça alusão “às diversas empreitadas que lhe forem adjudicadas no decorrer do presente ano” é demasiado genérica e imprecisa não permitindo minimamente uma verificação externa da justificação da contratação a termo, pelo que não se pode considerar válida.

-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2009, Processo n.º 08S3769.dgsi.Net (Sumário):

1.A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se viesse a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo.
2.Isto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual.
3.Referindo-se no contrato de trabalho a termo certo que o mesmo foi celebrado «devido ao acréscimo excecional da atividade resultante da necessidade de satisfazer compromissos públicos da informação regional», sendo que a alusão ao acréscimo excecional da atividade constitui uma mera transcrição da letra da lei e, por outro lado, a necessidade de satisfazer compromissos públicos da informação regional nada adianta relativamente à pretendida temporalidade ou excecionalidade desses compromissos, configura-se a nulidade da estipulação do termo, que determina a conversão do contrato num contrato sem termo.

-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/01/2010, Processo n.º 52/08.5TTVNG.P1.dgsi.Net
 I–De acordo com o art.º 129.º, n.º 1 do C. Trabalho (aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto) o contrato a termo só pode ser celebrado para a satisfação das necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
II–Uma das formalidades a que deve obedecer o contrato a termo é a indicação do respetivo fundamento, sendo que a indicação desse motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, como impõe o art.º 131.º, n.º 1 e n.º 2 do C. Trabalho.
III–Não satisfaz os requisitos legalmente exigidos, o contrato de trabalho celebrado entre as parte indicando como fundamento da contratação a termo que o mesmo “é celebrado ao abrigo da al. f), do n.º 2 do art.º 129.º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, devido a acréscimo excecional da atividade da empresa por adjudicação de novos serviços de duração temporária do cliente D..........”.
IV–Deste modo, uma vez que no contrato em causa não consta, nos moldes exigidos, a indicação do motivo justificativo, de acordo com o art.º 131.º, n.º 4, “considera-se contrato sem termo”.
Ora, chegados aqui, será que o legislador, para dar cumprimento a tal norma, se satisfaz com a mera remissão para a alínea correspondente e referida qualidade de desempregado de longa duração, como acontece no contrato de trabalho a termo certo dos autos?      
Pensamos sinceramente que não![[5]]

Julgamos que, no mínimo, o empregador tem de averiguar, confirmar e referir na cláusula em questão as circunstâncias particulares do trabalhador contratado a termo (designadamente, por documentação que este lhe entregue e que, ficando em poder da entidade patronal e anexa ao contrato escrito, comprove a dita qualidade), de maneira a qualquer declaratário normal, colocado na posição do trabalhador, do inspetor da ACT ou do julgador, ficar a saber as condições concretas em que o primeiro foi admitido e confrontá-las com o fundamento legal abstrato que foi invocado para tal.

Sendo assim, para que uma cláusula como a dos autos tenha uma correspondência mínima, quer formal como substancial, com a letra e o espírito da lei, deverá especificar que o trabalhador x, tem a situação de desempregado de longa duração por já não desempenhar funções remuneradas desde o dia y ou, pelo menos, há mais de doze meses[[6]], não nos parecendo necessário qualquer menção à inscrição no Centro de Emprego, dado a sua irrelevância em sede do direito do trabalho e deste tipo negocial em particular[[7]

Possuindo a noção de «desempregado de longa duração» uma índole essencialmente jurídica e que se busca em legislação de cariz não laboral, importa não ignorar que a mesma, segundo a Dr.ª SUSANA SOUSA MACHADO, obra e local citados (cf. Nota 6), em nota de pé de página (472), deixou de ser unívoca, pelo menos durante o período de vigência da Portaria n.º 130/2009, de 30/01, que entrou em vigor em 31/01/2009 e que no seu artigo 3.º, números 1, alínea c) e 2, definia aquele como o «que se encontra inscrito em centro de emprego há mais de nove meses», não sendo «a qualificação como desempregado de longa duração (…) prejudicada pela celebração de contratos a termo ou trabalho independente, por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses.» [[8]]

Ora, concorrendo essa nova noção de «desempregado de longa duração» com a tradicional, quando as partes no contrato dos autos se limitavam a referir essa qualidade do trabalhador, queriam referir-se exatamente a quê: ao conceito jurídico habitual ou ao acima enunciado?

Dir-se-á que tal dúvida é despicienda no caso dos autos porque tal duplicidade de definições não é aqui invocável e, ainda que o fosse, seria de pouca valia no litígio em apreço, porque, quer ao abrigo da primeira conceção, como da segunda, a Apelante não logrou provar que não possuía tal estatuto, pois não conseguiu demonstrar que, à data da sua contratação pela aqui Apelada, se achava a prestar serviço para a empresa CC, no DD.

Ora, ainda que essa prova não se mostre efetivamente feita nos autos, tal lacuna não somente não pode ser imputada à Autora nem redunda nos efeitos jurídicos extraídos pela sentença recorrida, como veremos mais à frente, como não invalida minimamente o que temos vindo a defender em sede de motivação dos contratos de trabalho a termo certo firmados com referência a «desempregados de longa duração» (ou melhor dizendo, de trabalhadores em situação de desemprego de longa duração): não é irrelevante - e com mais nitidez, na situação em presença, durante os últimos onze meses e 19 dias do ano de 2010 e os 11 primeiros dias do ano de 2011 -, que se proceda à concretização do conceito em questão.      

A mera declaração de que se é um desempregado de longa duração - sem se preencher adicional e minimamente tal conceito com as características essenciais e pertinentes da situação laboral do trabalhador visado -, impossibilita este último, em muitos casos, (por não conhecer, de todo ou com exatidão a noção referida) de verificar se existe uma conformidade ou desconformidade entre o conceito jurídico e o cenário real e, nessa medida, de alertar o empregador para esse facto, de acordo com o disposto nos artigos 227.º do Código Civil e 102.º do Código do Trabalho de 2009.

Só se o trabalhador estiver na posse de todos os elementos pertinentes à exata compreensão do seu alegado estatuto de «desempregado de longa duração» é que se poderá falar depois e em tais circunstâncias em abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), caso o mesmo venha arguir a nulidade da dita cláusula por não haver correspondência entre a noção legal e a realidade subjacente.

O mesmo raciocínio pode ser feito relativamente à falta e vícios da vontade previstos nos artigos 240.º e seguintes do Código Civil, pois se o trabalhador estiver munido de todos os dados relevantes, mais dificilmente pode vir invocar e provar que foi intencionalmente enganado ou induzido em erro (ainda que não se ignore a dificuldade de prova de tais factos impeditivos, modificativos ou extintivos por parte daquele).

O cenário descrito também beneficia o empregador, pois se do texto do contrato constarem todos os dados fornecidos pelo trabalhador quanto à sua qualidade de «desempregado de longa duração», mais facilmente o mesmo alegará e demonstrará que foi enganado, por lhe ter sido falseada ou truncada a realidade exposta e demonstrada por aquele.                            

Convirá não olvidar também que a forma escrita do contrato de trabalho a termo, bem como a menção dos seus elementos essenciais, entre os quais se encontra o da indicação do motivo para a aposição do termo, possuem, inequivocamente, a natureza de formalidade “ad substantiam” (cf., quanto à distinção entre esse tipo de formalidades e aquelas qualificadas como “ad probationem”, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 3.ª Edição Revista e Atualizada, 1982, páginas 321 e 322, em anotação ao artigo 364.º do Código Civil), dado o artigo 141.º, número 1, do Código do Trabalho fazer depender a validade do prazo aposto nos respetivos contratos de trabalho da utilização obrigatória da forma escrita para a sua celebração (ressalvadas as exceções dos contratos de muito curta duração, previstos nos artigos 142.º do Código do Trabalho e 10.º-A da Lei n.º 4/2008, de 7/02, e dos contratos a termo certo de 6 meses referidos no artigo 348.º do Código do Trabalho), conforme ressalta do artigo 147.º, número 1, alínea a) do mesmo diploma legal, quando estatui que “considera-se sem termo o contrato de trabalho (…) em que falte a redução a escrito...”.

Ora, tendo os referidos motivos de obrigatoriamente constar (e de forma suficientemente circunstanciada – artigo 147.º, número 1, alínea c) do Código do Trabalho) do documento onde se acha vertido o contrato de trabalho a termo, qualificando-se a sua inserção nele como uma formalidade “ad substantiam”, cuja falta ou insuficiência implicam a nulidade do termo aposto, pois não podem ser supridas por outro meio, que não seja a da sua efetiva existência formal (Pires de Lima e Antunes Varela, obra e local citados, afirmam que o “negócio é nulo, salvo se constar de documento de força probatória superior”, hipótese essa de muito difícil, senão mesmo nula, verificação no quadro do direito laboral), tal implica que, no âmbito de uma ação judicial e face ao que estatuem os artigos 141.º, número 1 e 147.º, número 1, alínea c) do Código do Trabalho e 364.º, número 1, 371.º, 372.º, 374.º, 376.º, 393.º, 394.º, 351.º, 388.º e 390.º do Código Civil, o empregador não possa vir demonstrar os motivos que o levaram a contratar a prazo aquele trabalhador, de maneira a sanar a sua falta e a obstar à nulidade daquele termo.

Impõe-se, finalmente, atentar na norma contida no número 5: «cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo».

Logo, o empregador que contrate um trabalhador que seja desempregado de longa duração está obrigado, caso seja necessário, quer face à ACT, quer perante o tribunal do trabalho, a demonstrar os factos em que se radica a celebração do contrato de trabalho a termo certo.

Importa esmiuçar este ónus de prova, para dizer que o mesmo recai sobre a entidade patronal e que, em nosso entender, não se preenche com uma aparência simplista e formal da realidade do motivo mas que visa mais longe e fundo, reclamando a realidade e veracidade do fundamento invocado, mesmo que se trate de um trabalhador à procura do primeiro emprego ou em situação de desemprego há mais de 12 meses.

Considerar suficiente uma mera declaração do trabalhador no sentido de ser um desempregado de longa duração, sem que o empregador esteja obrigado a um controlo mínimo acerca da substância da mesma, é transferir para aquele uma responsabilidade que a lei, em rigor, não lhe assaca, desonerando, nessa medida, a entidade patronal de qualquer atuação de carácter material e esvaziando a norma em análise de conteúdo, alcance e sentido.[[9]]            

A conjugação desta norma com o regime anteriormente analisado consubstancia e reforça a necessidade de fazer verificar e constar do contrato o motivo circunstanciado para a sua celebração e aposição do termo, nos moldes acima perspetivados. 

Ora, chegados aqui e cruzando os factos dados como assentes e a documentação que os complementa com a interpretação jurídica dos preceitos legais aplicáveis que deixámos exposta, vislumbra-se que o contrato de trabalho a termo certo dos autos não concretiza suficientemente o motivo invocado, o que implica a nulidade da aposição do prazo em questão, não tendo a Ré, por outro lado, como lhe competia, nos termos do número 5 do artigo 140.º do Código do Trabalho de 2009, demonstrado a correspondência entre a concreta situação da Autora e o estatuto de «desempregado de longa duração» que lhe foi imputado no contrato dos autos e que esta formalmente reconheceu.

Impõe-se, nesta matéria, chamar à colação o regime constante do artigo 414.º do NCPC quando, sobre a epígrafe de “Princípio a observar em casos de dúvida” estatui que «A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita», ou seja, face à inexistência de prova relativamente à situação profissional da Autora no ano anterior a 12/1/2011, a dúvida assim criada funciona contra a entidade empregadora e não contra a trabalhadora.    

Logo, concluímos pela invalidade jurídica da cláusula do contrato de trabalho a termo certo de 12/01/2011, encarada em si e por si mesma, no que à sua suficiência formal do seu conteúdo respeita, bem como no que concerne à inexistência de prova no que se refere à conformidade material da qualificação da recorrente como «desempregada de longa duração» e da sua situação real e concreta à data da sua contratação inicial.

Sendo assim, estamos face a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, firmado entre a Autora e a Ré em 12/01/2011 e cessado, de forma ilícita, dado a caducidade invocada pela Apelada para o mesmo não constituir um meio legal de pôr um fim à relação laboral de índole permanente que emerge daquele negócio, configurando-se, por isso, como um despedimento informal e sem justa causa, porque não precedido do correspondente procedimento disciplinar, nem suportado em qualquer conduta culposa, ilícita e grave da trabalhadora (cfr. artigos 340.º, 344.º, 351.º a 358.º, 381.º, 382.º, 387.º, 389.º a 392.º do Código do Trabalho de 2009).

Importa frisar o óbvio e que é o da natureza imperativa de grande parte do regime legal que regula os contratos de trabalho a termo (a doutrina e jurisprudência têm feito uma interpretação assaz restritiva do incompreensível artigo 139.º do C.T./2009, que, por outro lado, não conhece expressão prática em sede da regulamentação coletiva, designadamente, naquela aplicável à relação laboral das partes [[10]]), por arrimo ao texto constitucional e à legislação comunitária, que buscam a proteção e defesa de interesses não apenas particulares ou privados mas também de cariz público ou coletivo, que se prendem com a segurança no emprego, com uma equitativa e sã concorrência e a transparência e verdade nesta área tão sensível do comércio jurídico.
Não convirá esquecer, por outro lado, a sanção jurídica que o legislador imputa a cenários como o analisado – a nulidade da dita cláusula e a conversão automática do negócio jurídico -, sendo tal invalidade absoluta (artigo 286.º do C.C.) e, como exceção perentória que configura, prevista igualmente no artigo 579.º do NCPC, de conhecimento oficioso. 
Está, portanto, este tribunal da 2.ª instância habilitado, depois de previamente ter assegurado o princípio do contraditório, a reconhecer e a declarar, ainda que oficiosamente, a nulidade formal da aludida cláusula, sendo que a material já se mostrava suscitada claramente pela Autora [[11]].              
O que acima se deixou sustentado torna quase inútil a análise e julgamento das questões atinentes às Leis n.ºs 3/2012, de 10/01 e 76/2013, de 7/11 (prorrogações extraordinárias), muito embora tenhamos de concordar com a decisão judicial impugnada na apreciação que faz de tal questão, pois a última renovação extraordinária é acordada não somente ao abrigo do primeiro regime jurídico excecional indicado (com um limite de vigência para as duas renovações aí consentidas situado em 31/12/2014), mas também segundo o diploma legal acima mencionado que lhe sucedeu (cfr. nesse sentido o Ponto 3 de tal acordo, firmado em 23/5/2014), que já permite as duas novas renovações aí reguladas até 31/12/2016).

Olhe-se com um pouco mais de atenção para o número de renovações concretizadas na sequência do contrato de trabalho a termo certo de fls. 12 e seguintes, do seu aditamento, que se mostra junto a fls. 17 e 18 e foi subscrito em 6/2/2012, assim como do acordo de renovação extraordinária de fls. 19 e 20 e que está datado de 23/5/2014, fazendo-se alusão à Lei n.º 3/2012, de 10/01 nesses dois documentos e no último ainda à Lei 76/2013, de 7/11, sendo que o prazo máximo para um contrato de trabalho a termo certo com fundamento na admissão de um desempregado de longa duração é de 2 anos.

A Autora e a Ré chegaram-se à frente mediante o contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, que conheceu renovações em 12/7/2011 (1.ª), em 12/1/2012 (2.ª), tendo depois sido atravessado o aditamento (6/2/2012) e vindo a ser feita a 3.ª renovação em 12/7/2012 e depois, em 12/1/2013 (quando chegou ao fim o tal prazo de 2 anos como limite máximo) e ainda uma quarta renovação extraordinária de 9 meses + uma quinta renovação extraordinária de 9 meses (o aditamento não é claro mas o segundo acordo de 23/5/2014, já o refere expressa e inequivocamente), com termo global em 12/7/2014 e finalmente uma sexta e última de 6 meses, com termo em 12/1/2015.

Logo, nem o número de renovações nem os prazos máximos permitidos se mostram excedidos nada havendo a censurar juridicamente no que respeita ao descrito e analisado cenário.                                

F-CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA.

Ora, tendo considerado ilícito o referido despedimento, pelas primeiras razões expostas, impõe-se então chamar à colação o disposto nos artigos 389.º a 392.º do Código do Trabalho de 2009, que, relativamente à materialidade espelhada nos autos, se desdobra nos seguintes direitos:

-Artigo 389.º do Código do Trabalho

A Autora pede a reintegração na sua petição inicial, não tendo até à proferição da sentença da 1.ª instância optado pela indemnização em substituição da antiguidade prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho de 2009, não podendo a recorrida, por seu turno, lançar mão do estatuído no artigo 392.º do mesmo diploma legal.
Logo, a Ré está obrigada a reintegrar a recorrente ao seu serviço, nos termos do artigo 389.º, número 1, alínea b) do Código do Trabalho de 2009.                        

-Artigo 390.º do Código do Trabalho 

A compensação referida nesta disposição legal reconduz-se às retribuições vencidas e vincendas entre a data do despedimento (que ocorreu em 12/01/2015 - cf. Ponto 4., muito embora nenhuma das partes se tenha dado ao trabalho de juntar cópia da denúncia escrita feita nesse sentido pela Ré à Autora) e a data do trânsito em julgado deste Acórdão (pois foi ele que declarou ilícito o despedimento e condenou a Ré nas prestações previstas na lei), sendo certo que a presenta ação deu entrada em juízo no dia 06/04/2015 (2 meses e 25 dias após a cessação do contrato de trabalho) mas, para efeitos da dedução prevista na alínea b) do número 2 do artigo 390.º do C.T./2009, há que considerar o pedido de nomeação de patrono feito pela trabalhadora em data anterior a 26/1/2015 (cfr. fls. 25) e o que se mostra previsto no número 4 do artigo 33.º [[12]] da Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29/7, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, com entrada em vigor em 1/01/2008), o que significa que tal dedução não pode operar na hipótese dos autos por a presente ação ter sido proposta, de acordo com a referida ficção legal, ainda dentro dos 30 dias posteriores ao despedimento da recorrente.
Constata-se que a Apelante recebia a título de retribuição-base o montante de 885,00 Euros x 14 meses + subsídio de alimentação diário de 2,78 € por cada dia de trabalho efetivo + os subsídios previstos na Lei e no Contrato Coletivo de Trabalho (cfr. Cláusula 5.ª do contrato de trabalho a termo certo de fls. 12 e seguintes), sendo que, no que respeita ao subsídio de Natal, só teria direito a auferir 885,00 Euros (artigos 262.º e 263.º do Código do Trabalho de 2009).

Logo, a Autora tem direito a perceber as remunerações vencidas entre 13/1/2015 e 30/04/2016, data do presente Acórdão, tudo sem prejuízo das retribuições que se vencerão até ao trânsito em julgado do mesmo, tudo a liquidar em incidente previsto nos artigos 609.º, número 2 e 358.º e seguintes do Novo Código de Processo Civil.

Importa não esquecer que a mesma já terá recebido os proporcionais das férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal, importando operar a correspondente dedução nos termos do artigo 390.º, número 2, alínea a) do Código do Trabalho (a dedução prevista na alínea b) do mesmo dispositivo legal já se acha acima analisada).

Caso a Autora tenha recebido subsídio de desemprego, também tal dedução deverá operar, nos moldes descritos na alínea c) do número 2 do artigo 390.º do C.T./2009.
Logo, pelos motivos expostos, tem o presente recurso de Apelação de ser julgado procedente com a revogação da sentença recorrida e sua substituição pela condenação da Ré nos termos anteriormente expostos.

IV–DECISÃO.

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por AA, revogando-se assim a sentença impugnada e substituindo-se a mesma nos seguintes moldes:

1)Declarar a nulidade do termo aposto ao «contrato de trabalho a termo certo» celebrado entre Autora e Ré no dia 12/01/2011 e considerar que entre as mesmas foi firmado desde essa data um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2)Declarar ilícito o despedimento em que se traduziu a denúncia do «contrato de trabalho a termo certo» referido no ponto anterior, comunicada pela Ré à Autora, com produção de efeitos no dia 12/01/2015;
3)Condenar a Ré a reintegrar, de imediato, a Autora no estabelecimento onde laborava esta última, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
4)Condenar a Ré a pagar à Autora todas as remunerações a que esta teria direito e que se venceram entre 13/1/2015 e 30/04/2016, data do presente Acórdão, sem prejuízo das retribuições que se vencerão até ao trânsito em julgado do mesmo e das deduções previstas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do C.T./2009, tudo a liquidar em incidente previsto nos artigos 609.º, número 2 e 358.º e seguintes do Novo Código de Processo Civil.             
*

Custas da ação e do presente recurso a cargo da Apelada - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Após trânsito em julgado do presente Acórdão, remeta-se cópia certificada à Segurança Social da Região Autónoma da Madeira (eventual recebimento de subsídio de desemprego – dedução da alínea c) do número 2 do artigo 390.º do C.T./2009).   


Lisboa, 04 de maio de 2016  

   
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Eduardo Azevedo


[1]O posterior aditamento/renovação de fls. 17 e 18 e a última renovação extraordinária escrita de fls. 19 e 20 não fazem qualquer menção ao motivo justificativo da celebração do referido contrato de trabalho a termo certo.
[2]Cfr., neste mesmo sentido e entre muitos outros, os seguintes Arestos citados por ABÍLIO NETO em “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados”, 2.ª Edição, Setembro de 2010, EDIFORUM, páginas 298 e seguintes: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8/05/2002, AD, 492.º-1747 (15) e de 19/02/2003, Processo n.º 03S25558.dgsi.Net (19), do Tribunal da Relação de Évora de 20/01/2004, Processo n.º 3274/2003-4.dgsi.Net (33) e de 25/01/2005, Processo n.º 1606/04-3.dgsi.Net (42) e do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2008, Processo n.º 0842881.dgsi.Net.    
[3]Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/09/2007, processo n.º 1210/05.0TTLRA.C1, relator: Serra Leitão, publicado em www.dgsi.pt.  
[4]Cfr., também neste mesmo sentido e entre muitos outros, os seguintes Arestos citados por ABÍLIO NETO, obra e local referidos em Nota anterior: Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12/03/2007, Processo n.º 0616752.dgsi.Net (55) e do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2008, Processo n.º 08S936.dgsi.Net, AD, 563.º-2178 e C.J./S.T.J., 2008, Tomo II, página 281.        
[5]Contra, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/11/2002 e 27/10/2003, processos n.ºs 0210805 e 0314001, relator: Sousa Peixoto e do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/12/2006, processo n.º 4239/2006-4, relator: Duro Mateus Cardoso, ambos publicados em www.dgsi.pt.
No sentido do texto, cfr. os Arestos de 31/10/2012, Processo n.º 4872/09.5TTLSB.L1 e de 26/3/2014, Processo n.º 2/10.9TTLRS.L1, ambos relatados pelo mesmo relator do presente Acórdão, encontrando-se o primeiro publicado em www.dgsi.pt, ao passo que o segundo permanece inédito e possui o seguinte Sumário:
«I-O regime legal decorrente dos artigos 128.º a 138.º, 143.º a 145.º, 389.º e 440.º do Código do Trabalho de 2003 fazia depender a validade e eficácia jurídicas do contrato de trabalho a termo certo das seguintes regras:
-Celebração por escrito, devendo do mesmo constar expressamente a “indicação termo estipulado e do respetivo motivo justificativo”, sob pena de ser considerado contrato sem termo;
-Por prazo igual ou superior a 6 meses, exceto em situações excecionais previstas legalmente;
-Para acorrer às situações taxativamente delineadas no artigo 129.º, sob pena da nulidade da estipulação do termo, sendo que as previstas nas diversas alíneas do seu número 2 e outras equivalentes teriam sempre de configurar necessidades temporárias do empregador, por força do seu número 1, ao contrário do que acontecia com as elencadas no seu número 3;
-Não podendo ultrapassar, em regra, os três anos consecutivos e as duas renovações, sob pena de conversão em contrato sem termo, sem prejuízo da terceira renovação extraordinária referida no número 2 do artigo 139.º, que podia prolongar o referido prazo limite até 6 anos;
-Caducando mediante comunicação escrita do empregador com a antecedência mínima de 15 dias antes do termo do prazo ou da sua renovação;
-A cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, de um contrato de trabalho a prazo impede uma nova admissão, a termo certo, para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido o período de tempo mínimo citado no número 1 do artigo 132.º.
II-O motivo justificativo da aposição do termo neste tipo negocial não se pode limitar a transcrever secamente uma das alíneas dos números 2 ou 3 do artigo 129.º do Código do Trabalho de 2003, sob pena de o mesmo se converter em contrato por tempo indeterminado (artigo 131.º, números 1, alínea e), 3 e 4).    
III-Tal motivo, se não pode ser tão vago e indefinido que impeça o trabalhador e, depois, a ACT e o tribunal de trabalho, de compreender e fiscalizar, devida e efetivamente, as razões em que se radica a necessidade de firmar um tal contrato, também não reclama que o empregador escreva e descreva o motivo explicativo com o máximo de detalhe ou pormenor que, materialmente, lhe for possível, bastando-lhe fazê-lo de maneira a que se ache suficientemente definida e percetível a situação de facto real e concreta que reclama a celebração do contrato de trabalho a termo certo em questão, possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal.
IV-No contrato de trabalho a termo certo em que é admitido um trabalhador com o fundamento de que «O contrato é celebrado ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 129.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, desempregado de longa duração” e ainda de que «O Segundo Outorgante, para os devidos efeitos, declara que não está a receber subsídio de desemprego nem se encontra com “Baixa de Segurança Social», as exigências formais dos números 1, alínea e) e 3 do artigo 131.º do Código do Trabalho de 2003 não ficam satisfeitas com essa mera reprodução/referência à alínea b) do número 3 do artigo 129.º (sendo as demais menções contratuais inócuas para tal efeito), o que gera a nulidade do termo aposto ao mesmo, com a inerente conversão daquele negócio jurídico em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
V-A nulidade da aposição do termo pelos fundamentos expostos nos Pontos II a IV é de conhecimento oficioso pelo julgador.»
Segue-se de muito perto no Aresto em presença a argumentação jurídica sustentada no Acórdão de 31/10/2012, acima identificado.      
[6]Acerca do conceito legal e jurisprudencialmente aceite de «desempregado de longa duração», ver, para além do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 34/96, de 18/04, citado na sentença, o artigo 4.º, número 1, do Decreto-Lei n.º 64-C/89, de 27/02, o artigo 4.º, número 1, do Decreto-Lei n.º 89/95, de 6/05 e artigo 6.º, número 4, da Portaria n.º 196-A/2001, de 10/03, bem como a posição adotada pelo Dr. PEDRO ORTINS DE BETTENCOURT, em “Contrato de Trabalho a termo”, ERASMOS EDITORA, 1996, página 162 e SUSANA SOUSA MACHADO, “Contratos de Trabalho a Termo - a transposição da Diretiva 1999/70/Código da Estrada para o Ordenamento Jurídico Português: (In) compatibilidades”, 2009, Coimbra Editora, páginas 184 e seguintes, bem como a jurisprudência referida por esses autores.          
[7]Cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2006, processo n.º 06S1961, relator: Sousa Peixoto, publicado em www.dgsi.pt
[8]Esta Portaria n.º 130/2009, de 30/01 (com retificação através da Declaração de Retificação n.º 13/2009, de 10/02) foi, no entanto, revogada pela Portaria n.º 125/2010, de 1/03, com exceção do artigo 4.º, que só veio a ser revogado pela Portaria n.º 353/2010, de 21/06, sem prejuízo da aplicação da redução da taxa contributiva prevista às contribuições devidas até 31 de Maio de 2010, ainda que o respetivo prazo legal de pagamento seja posterior, dessa forma tendo sido derrogada a prorrogação de tal regime até 31/12/2010, introduzida anteriormente pela Portaria n.º 99/2010, de 15/02.
A Portaria n.º 125/2010, de 1/03 deixou de ter qualquer referência ou noção do «desempregado de longa duração», repondo aparentemente a inicial (sem trabalho há mais de 12 meses). 
[9]Tal suficiência da declaração formal do trabalhador, levada ao extremo, implicaria, em última análise, que o empregador, ao abrigo da mesma e face à circunstância de não estar dependente da existência de necessidades temporárias da sua empresa, poderia contratar sem limites e sem precisão de confirmar a fidedignidade da situação de «desempregado de longa duração» de qualquer trabalhador, mesmo que este tivesse cessado um anterior contrato de trabalho no dia antecedente (como é, aliás, alegado pela Autora na sua Petição Inicial).    
[10]O CCT identificado na cláusula 13.ª do contrato de fls. 12 a 16 estipula a esse respeito apenas o seguinte:
Cláusula 8.ª
(Contratos a Termo)
Os contratos a termo devem obedecer às condições e regras estipuladas na Lei em vigor, quer nos seus aspetos formais, quer nos seus aspetos substanciais.
[11]Cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26/3/2014, Processo n.º 2/10.9TTLRS.L1, já antes referido e cujo Sumário transcrevemos.
[12]Artigo 33.º
Prazo de propositura da ação
1-O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo.
2-O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.
3-Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.
4-A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. (sublinhado nosso)

Decisão Texto Integral: