Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2768/15.0T8CSC-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
POSSE
DESPACHO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGAR A DECISÃO
Sumário: 1 Deduzindo o embargante os embargos de terceiro decorridos que estejam 30 dias após a realização da diligência que ofende a sua posse ou qualquer direito de que se arrogue titular, e para obviar ao respectivo e imediato indeferimento liminar com fundamento na respectiva extemporaneidade, apenas se lhe exige que alegue na petição inicial que teve conhecimento da ofensa quando se mostravam já decorridos os referidos 30 dias.

2 Não dispondo o tribunal, na altura do despacho liminar , de elementos que apontem com segurança para a inexactidão da alegação do embargante no tocante ao conhecimento do acto ofensivo da sua posse, vedado  está o julgador de proferir de imediato despacho de indeferimento liminar dos embargos com fundamento na respectiva extemporaneidade;

3 De resto, o despacho liminar  a que se refere a 1ª parte do artº 345º, do CPC , deve no essencial ser proferido em face da simples inspecção da petição inicial.
                                              
SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                                        
1.Relatório:


Em sede de execução de arrolamento de bens pertencentes a A  [ determinado no âmbito de acção judicial a correr termos em instância Central de Cascais ], foi decretado o arrolamento de 136.469 acções da sociedade Estoril Plage, SA, porque pretensamente da titularidade do referido A, razão porque, arrogando-se os efectivos e legítimos possuidores das referidas acções, vieram - em 8/6/2016 - B e C deduzir embargos de Terceiros, impetrando que :
- Sendo os Embargos de Terceiros recebidos, se suspenda os termos do processo quanto às 136.469 acções da sociedade Estoril Plage, S.A. e às 148 acções da sociedade J…. - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, SA, de acordo com o disposto no artigo 347º do Código de Processo Civil ;
- Seja aos Embargantes restituída de imediata e provisoriamente a posse das referidas acções, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 347.° do Código de Processo Civil ;
- Sendo a afinal os presentes Embargos julgados procedentes, por provados, seja ordenado o levantamento do arrolamento das 136.469 acções da sociedade Estoril Plage, SA e das 148 acções da sociedade J….. - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, SA, procedendo-se à restituição definitiva das mesmas aos ora Embargantes.

1.1. Para tanto, alegaram os embargantes,em síntese,o seguinte :
- O requerido A  não é accionista da sociedade Estoril Plage,SA, desde 10/8/2015, data em que transmitiu as acções aos ora embargantes;
- Também as acções da sociedade J….- Sociedade de Investimentos Hoteleiros, SA, não são da titularidade de  A  ;
- Tendo os embargantes tido conhecimento do arrolamento das referidas acções em 20/5/2016, estão ainda em tempo para deduzir os embargos.

1.2. Conclusos os autos,  e por despacho datado de 1/7/2016, foram os embargos liminarmente indeferidos, considerando-se para tanto que eram os mesmos intempestivos, e isto porque “ O arrolamento a que os embargantes fazem referência nos presentes autos foi notificado à sociedade "J….. - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A." em 27-04-2016  conforme cópia do A/R junto a fls. 652 com a refª 6609639 dos autos principais, e à sociedade "Estoril Plage, S.A." também em 27-04-2016, conforme notificação de fls. 627 com refª 6571282 dos autos principais e consulta no site dos CTT's “.

1.3. Notificada - aos embargantes - a decisão identificada em 1.2., e da mesma discordando, vieram então os embargantes B e C, interpor recurso de apelação, que admitido foi, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
I.Os Recorrentes são titulares das acções das sociedades Estoril Plage, S.A. e J…..- Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A., atingidas pelo arrolamento objecto dos embargos de terceiros por si deduzidos.
II.Apesar de aquelas sociedades terem sido notificadas do arrolamento no dia 27 de Abril de 2016, os Recorrentes só dia 20 de Maio de 2016 tomaram conhecimento de que aquela diligência tivera lugar .
III.Assim, foi de forma errada e injusta que o Tribunal Recorrido julgou intempestiva a petição de embargos deduzida pelos Recorrentes, pois que a data na qual estes a apresentaram respeitou o prazo de 30 dias previsto no art.° 344.°, número 2, do CPC.
IV.À luz do artigo 343º, número 2, do Código Civil, não caberia aos Recorrentes demonstrar que o prazo legal para dedução dos embargos ainda não havia decorrido - pois que tal corresponde a uma excepção extintiva do seu direito, por conseguinte cabendo o ónus da sua alegação à recorrida - devendo apenas, para justificar a aplicação da segunda parte do art.° 344.°, número 2, do CPC, referir a data em que tiveram conhecimento do arrolamento, a fim de que o Tribunal Recorrido pudesse a/aliar da tempestividade da petição de embargos (em face do momento em que o conhecimento (superveniente) teve lugar).
V.Assim, na fase introdutória dos embargos de terceiro, não se exige ao embargante que faça mais do que uma prova sumária dos factos que alega e que indique a data do conhecimento do acto ofensivo do seu direito - tal como decidido pela Relação do Porto em acórdão de 14 de Janeiro de 2008.
VI.Identicamente, o Tribunal Recorrido não deveria fazer mais do que uma apreciação prima facie da tempestividade da petição de embargos - remetendo uma análise mais detalhada de tal questão, para a fase contraditória dos embargos.
VII.Esta apreciação preliminar sobre a tempestividade dos embargos não envolve não envolve senão uma comparação entre a data em que os embargos são deduzidos e (i) a data em que a diligência a que se reporta teve lugar ou (ii) a data em que o embargante alega ter tido conhecimento da diligência, quando este conhecimento seja posterior - tudo afim de apurar se entre uma e outra não decorreram já os 30 dias a que se refere o art.° 344.° do CP.
VIII.Quando, mesmo em face da petição de embargos - isto é, dos factos alegados pelo embargante- , seja manifesto que esse prazo já decorreu, deve o tribunal indeferir liminarmente o pedido; quando porém, a factualidade descrita pelo embargante se coadune com o prazo previsto na lei, deve o tribunal admitir a petição de embargos, relegando para a fase contraditória, se necessário for, uma indagação mais aturada da sustentação probatória dos factos alegados.
IX.Entendimento que corresponde à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça firmada no acórdão de 13 de Julho de 1988: “o que aquele condicionalismo [ o facto de, na fase introdutória, o princípio do contraditório ainda não se fazer sentir ] indica, no campo em apreço, é bastar a alegação , em termos concretos, da dedução atempada dos embargos, para que tal possa ser considerado, provisoriamente ,assente no respectivo despacho de recebimento".
XI.Assim, e ao contrário do que sucedeu na Sentença Recorrida, nesta fase dos embargos não deve o tribunal fazer mais do que proceder a uma apreciação prima facie da compatibilidade do momento em que os embargos são apresentados com o prazo imposto por lei para a sua alegada dedução, à luz da data alegada pelo embargante como sendo aquela na qual tomou conhecimento da diligência que ofende o seu direito.
XII.Ainda que se considerasse intempestiva a dedução da petição de embargos por parte dos Recorrentes, a verdade é que o conhecimento de tal circunstância não poderia ser feito de ofício pelo tribunal recorrido
XIII.Com efeito, tendo em conta que se prevê, no art.° 344.°, número 2, do CPC um prazo de caducidade do direito de deduzir embargos, deve aplicar-se o art.° 333.°, número 2, do Código Civil, segundo o qual, nos casos em que a caducidade seja estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes - como sucede no caso sub judice -, é aplicável a regra do artº 303º do mesmo diploma, no qual se prevê que a prescrição só pode ser conhecida mediante invocação do interessado na sua declaração.
XIV.Entendimento este que é acolhido em inúmeros acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, destacando-se em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2008 e 30 de Novembro de 2006, bem como os acórdãos da Relação de Lisboa de 26 de Novembro de 2009 e de 27 de Outubro de 2009.
XV.Não sendo, em regra, a intempestividade da petição de embargos de conhecimento oficioso, há porém um caso excepcional em que o tribunal pode declará-la ex officio: a hipótese em que a extemporaneidade dos embargos resulta da própria narração feita pelo embargante.
XVI.Isto é, quando o embargante deduza os seus embargos mais de 30 dias após a data em que teve lugar a diligência processual à qual reage, sem nada dizer quanto a um eventual conhecimento superveniente, fica patente a extemporaneidade da petição ; tal como é manifesta a intempestividade quando o embargante invoque só ter tido conhecimento da diligência numa data posterior àquele em que o acto teve lugar, mas ainda assim anterior em mais de 30 dias à data na qual deduziu os seus embargos.
XVII.Só em tais situações, pode o tribunal declarar oficiosamente a intempestividade da petição de embargos . Ora, no caso sub judice, nada disso sucede: a data em que os Recorrentes tiveram (e alegaram, na sua petição de embargos de embargos, ter tido) conhecimento do arrolamento - 20 de Maio de 2016- quando comparada com a data na qual os Recorrentes deduziram os embargos ( 8 de Junho de 2016 ), não permite qualquer conclusão de "manifesta extemporaneidade",
XVIII.Pelo contrário: só permite um juízo segundo o qual as duas datas (a do conhecimento e a da dedução dos embargos ) são consentâneas com o prazo de 30 dias previsto no art.° 344.°, Número 2, do CPC .
XIX.Em todo o caso, o tribunal Recorrido andou mal num outro ponto: se, como vimos, o ónus da prova da ( alegada) caducidade do direito dos Recorrentes de deduzir embargos cabia à Recorrida, tendo o tribunal Recorrido dúvidas sobre se essa caducidade se dera ou não, a "regra de julgamento “ dada pelo instituto do ónus da prova imporia que o Tribunal Recorrido tivesse decidido contra a parte a quem interessava que a caducidade ficasse provada - e não, como se verificou na sentença  Recorrida, contra os Recorrentes.
XX.Se do ónus da prova decorre que, no caso de haver dúvidas sobre um facto relevante para o litígio - e não podendo o tribunal conformar-se com um non liquet -, se deve considerar não ter ficado provado que tal facto ocorreu ( pois que a parte a quem cabia demonstrá-lo não o fez), e se no presente caso o ónus probatório relativo à caducidade do direito de embargar impediria sobre a Recorrida, não deveria o Tribunal Recorrido ter emitido um juízo de facto favorável à pretensão daquela ( ou desfavorável à pretensão dos Recorrentes).
XXI.Visando os embargos de terceiro proporcionar ao titular de um direito fundamental como é o direito de propriedade, uma forma de reagir contra uma diligência processual à qual é alheio e que briga com o seu direito, qualquer restrição a esse direito constitucionalmente consagrado deve ser, nos termos do artº 18º, da Constituição da República Portuguesa, interpretada de forma restritiva.
XXII.Sendo o prazo de 30 dias previsto no art.° 344.°, Número 2, do CPC ,uma restrição ao direito fundamental de propriedade - pois que, por uma questão meramente processual ( não deduzir os embargos dentro do - por sinal curto - prazo legalmente previsto ), o proprietário se pode ver afectado por uma diligência à qual é alheio -, interpretá-lo, não como (mera) condição de exercício, mas como pressuposto de gozo do direito seria exceder, em muito, as directrizes constitucionais de interpretação de normas restritivas de direitos fundamentais.
XXIII.Na Sentença Recorrida , por se não considerar provado terem os Recorrentes tomado conhecimento do arrolamento em data posterior àquela em que as sociedades foram notificadas, toma-se como data a quo  - para efeitos de contagem do prazo de 30 dias - aquela em que se deu a notificação às sociedades em questão.
XXIV.Tal parece dever-se a um entendimento segundo o qual, no momento em que as sociedades são notificadas, se deveria entender que, para todos os efeitos, tudo se passaria como se os Recorrentes - accionistas daquelas - tivessem sido notificados também, o que passaria por afirmar que tudo aquilo de que as sociedades comerciais têm conhecimento é forçosa e inerentemente conhecido pelos seus accionistas.
XXV.Trata-se, porém, de uma conclusão falsa: as sociedades comerciais e os seus sócios são pessoas jurídicas distintas, pelo que decorre do mais elementar bom senso que as primeiras sabem estes não têm necessariamente de saber e vice versa.
XXVI.Que assim é fica, aliás, demonstrado pelo facto de a lei atribuir aos sócios um direito à informação ( artigos 21º,número 1, alínea c), e 288.° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais ) - direito que não teria razão de ser caso se considerasse que os sócios de uma sociedade conhecem natural e inerentemente tudo aquilo que a sociedade conhece.
XXVII.Na Sentença Recorrida, suscitam-se também dúvidas - embora sem que delas o Tribunal Recorrido tivesse retirado qualquer consequência - sobre a questão de saber se os Recorrentes adquiriram ou não a titularidade relativa às acções arroladas, o que redunda, em termos processuais, em por em causa a legitimidade dos Recorrentes para efeitos dos embargos de terceiro
XXVIII.Uma das afirmações feitas pelo tribunal recorrido é a de que os Recorrentes não ofereceram, com a sua petição de embargos, uma "certidão de registo comercial " das sociedades em questão, das quais se pudesse retirar estarem as acções arroladas registadas em seu nome; porém, sendo a transmissão de acções um acto não sujeito a registo, a certidão de registo comercial não ostentaria o nome dos accionistas, actuais ou anteriores e a transição de acções.
XXIX.Perguntou-se também o Tribunal Recorrido sobre como se poderia explicar que as sociedades em questão não tivessem conhecimento de que os Recorrentes haviam adquirido a titularidade sobre as acções arroladas ; todavia, note-se que, no caso das acções da Estoril Plage, S.A., estão em causa títulos ao portador, pelo que nunca a sociedade poderia saber quem seria os respectivos titulares - a não ser por força de uma iniciativa destes dirigida a dar tal informação à sociedade.
XXX.Em qualquer caso, é irrelevante para o problema discutido nos autos saber se as sociedades tinham ou não conhecimento de que os  Recorrentes são titulares das acções arroladas, pois que, repete-se, os Recorrentes e as sociedades em questão são pessoas jurídicas distintas, não havendo qualquer relação de necessidade entre aquilo de que os primeiros e os segundos têm conhecimento.
XXXI.A verdade é que, porém, os Recorrentes adquiriram as acções arroladas, por via de dois contratos com A, contraparte da Recorrida no âmbito dos autos no contexto dos quais foi decretado o arrolamento sub judice,
XXXII.Sendo aliás irrelevante a demonstração de que as transmissões em questão foram sujeitas a registo - como a sentença Recorrida, ao perguntar pela certidão de registo comercial, parece sugerir - pois que, nos termos conjugados dos artigos 13.° e 14.° do Código do Registo Comercial, o registo da transmissão de participações sociais não tem efeito constitutivo,
XXXIII.Tendo, quando muito ,um efeito consolidativo : isto é, a eficácia de colocar os transmissários ao abrigo de (posteriores) aquisições tabulares ( ou seja, alienações onerosas posteriores feitas pelo mesmo transmitente a favor de terceiros - nulas, portanto - que , de boa fé, registem a respectiva aquisição).
XXXIV.É esse o alcance do artº 14º do Código do Registo Comercial, e não o de dizer que, antes do registo, um determinado negócio só é eficaz entre as partes, sendo inoponível a qualquer terceiro.
XXXV.Por tudo quanto se deixa dito, os Recorrentes são legítimos titulares das acções arroladas e deduziram embargos de terceiro de forma tempestiva, tendo em conta a data em que tomaram conhecimento do arrolamento que veio brigar com o seu direito.

Nestes termos, e nos demais de Direito:
a)- deverá o presente recurso ser admitido nos termos do disposto nos artigos 629.°, número 1, 644°, número 1, alínea a) e 645.°, número 1, alínea c), todos do Código de Processo Civil;
b)- deverá ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do disposto na alínea c) do número 3 do artigo 647.° do Código de Processo Civil;
c)- deverá ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, revogada a Sentença Recorrida.

1.4. Tendo o embargado A  apresentado contra-alegações, nas mesmas conclui no sentido de a apelação dos embargantes dever merecer provimento.
Para tanto, concluiu nos seguintes temos :
I.O Embargado celebrou com os Recorrentes dois contratos de doação relativos às acções das sociedades Estoril Plage, SA, e J… - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, SA, atingidas pelo arrolamento realizado nos presentes autos.
II.Na Sentença Recorrida não se faz qualquer análise substantiva dos referidos contratos, que foram celebrados de forma válida, e cuja eficácia operou na data da respectiva assinatura.
III.Mesmo que se entendesse que a transmissão da titularidade sobre as acções não se dera por mero efeito do respectivo contrato de doação, não haveria como negar que tal translação se concretizara pela entrega dos títulos aos Recorrentes.
IV.Assim, ao contrário do que considerou o Tribunal Recorrido, o Embargado alienou de facto as acções arroladas a favor dos Recorrentes, pelo que são estes os seus legítimos titulares.

Nestes termos, e nos demais de Direito:
a)- deverá a presente resposta ser admitida nos termos do disposto nos artigos 638.°, número 5, e 641°, número 7, ambos do Código de Processo Civil;
b)- deverá ser julgada procedente a presente resposta e, em consequência, revogada a Sentença Recorrida.

1.5.Outrossim a embargada D , tendo apresentado contra-alegações, nas mesmas conclui no sentido de a apelação dos embargantes dever improceder.
Para tanto, concluiu nos seguintes temos :
A.- Na acção principal que deu origem ao presente apenso de Embargos de Terceiros e na qual foi declarada a força executória da decisão inglesa de 19.08.2015, a Recorrida logrou obter o arrolamento de bens do Requerido A (de ora em diante, o "Requerido") sitos em território português.
B.- Entre os bens arrolados contam-se as acções detidas pelo Requerido no capital social das sociedades portuguesas Estoril Plage, S.A. e J……- Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A. (de ora em diante, em conjunto, as "Acções" e as "Sociedades" respectivamente), Acções estas que os Embargantes - filhos do Requerido e da Recorrida - vieram invocar terem-lhes sido doadas pelo seu pai, o que desde já se impugna.
C.- O arrolamento das Acções foi notificado às Sociedades em 27.04.2016, facto que não é contestado pelos Recorrentes e que resulta, como a douta sentença bem refere, da cópia do aviso de recepção junto a fls. 652, com a ref.ª 6609639, dos autos principais, da notificação de f1s. 627, com a refª 6571282, dos autos principais e consulta no site dos CTT através do código disponibilizado pela referida notificação, constante da impressão junta à decisão recorrida.
D.- Assim, o prazo de 30 dias para deduzir embargos deve contar-se da data em que a diligência foi efectuada, terminando, por isso, em 26.05.2016.
E.- Sendo que a petição inicial de embargos apenas foi apresentada em 08.06.2016, pelo que a mesma é manifestamente extemporânea.
F.- O início da contagem do prazo de 30 dias pode, porém, ser outro, se o embargante alegar e provar que teve conhecimento da alegada ofensa do seu direito em data posterior - cfr. artigo 344.°, n.º 2, do CPC,
G.- No caso em apreço, os Embargantes não lograram cumprir o ónus da alegação e da prova de que tiveram conhecimento da alegada ofensa do seu direito em data posterior a 27.04.2016.
H.-  A Estoril Plage, S.A. respondeu à notificação enviada pela Sra. Agente de Execução, em 09.05.2016, informando que o Requerido é seu accionista e administrador - cfr. requerimento que se juntou como Doc. 11 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
I.- Com o referido requerimento, a Estoril Plage, S.A. juntou ainda uma certidão do registo comercial da qual resulta que, à data da resposta, o Embargante B administrador da sociedade, assim como o Requerido.
J.- A J….- Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A. respondeu à notificação enviada pela Sra. Agente de Execução, em 17.05.2016, da mesma forma, i.e., informando que o Requerido é seu accionista e administrador - cfr. requerimento que ora se juntou como Doc. 2 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
K.- O Requerido B era também, à data, Presidente do Conselho de Administração desta sociedade, como resulta da certidão permanente que ora se juntou como Doc. 3 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
L.- Tendo em consideração que o Requerido era administrador das Sociedades à data da respectiva notificação do arrolamento ; que os Embargantes são filhos do Requerido e alegam que as acções lhes foram doadas por este último em 2015; e que o próprio Embargante B era administrador de uma das sociedades em causa (1), toma-se inverosímil que estas sociedades (i) não tenham tido conhecimento da alegada transmissão das acções por doação do Requerido aos Recorrentes; (ii) não tenham contactado o Requerido e os Embargantes de imediato, dando-lhes conhecimento do teor da notificação de arrolamento recebida e antes de responder à mesma (onde afirmam peremptoriamente que o Requerido é seu accionista).
M.- Ainda que os Embargantes não tivessem sido directamente informados pelas Sociedades, é indubitável que as Sociedades informaram o Requerido - na qualidade de administrador e accionista directamente afectado - das notificações recebidas. É o próprio Requerido a afirmá-lo nos artigos 1 e 2 do seu requerimento de 12.05.2016, que ora se junta como Doc. 4 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
N.- Ora, perante esta informação, caso as Acções tivessem sido efectivamente doadas aos filhos - o que não se concede e apenas se avança por mera hipótese de raciocínio - não é crível que o Requerido não tenha informado de imediato as Sociedades da doação das acções e que não tenha informado os filhos da tentativa do seu arrolamento.
O.- Por outro lado, a este propósito os Recorrentes limitaram-se a afirmar, na petição inicial de embargos: "ora, os aqui Embargantes tomaram conhecimento da notificação das sociedades Estoril Plage, S.A. e J…. - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A., para arrolamento de valores mobiliários e de direitos de crédito, no dia 20.05.2016, por conhecimento dado por uma das Sociedades ao segundo embargante" - cfr. artigo 17.°.
P.-  Os Embargantes não só não juntam qualquer documento que suporte esta afirmação, como também não cumprem o ónus de alegação que sobre si impendia: não alegam, sequer, qual das sociedades deu conhecimento do arrolamento ao segundo Embargante, nem por que meio este conhecimento foi dado ( por telefone, correio electrónico, carta ) nem por quem dentro da sociedade.
Q.- Primeiramente, os Recorrentes escudam-se na invocação do artigo 343.°, n.º 2 do Código Civil, segundo o qual "nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei", para defender que não lhes cabe o ónus de provar a dedução tempestiva dos embargos.
R.- Porém, ao contrário do que invocam os Recorrentes, neste caso, existe outra solução especialmente consignada na lei, resultante do artigo 344.°, n.º 2 do CPC, segundo o qual: "o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas".
S.- Defendendo exactamente o posicionamento referido no parágrafo anterior, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.06.2008, no processo n." 1376/08-3, rel. FERNANDO BENTO, disponível em www.dgsi.pt.
T.- Os próprios Recorrentes admitem que, a ser necessária prova "(. . .) não se poderia deixar de reconhecer que não seria necessária mais do que uma prova sumária dos factos demonstrativos dessa oportunidade, remetendo-se, se preciso fosse, para a fase posterior (contraditória) uma demonstração mais cabal dos factos alegados". Mas a verdade é que os Recorrentes não produziram qualquer prova e, por isso, não cumpriram o ónus de prova (ainda que sumária) que os próprios admitem existir.
U.- Os próprios Recorrentes também reconhecem que se impõe ao Tribunal a necessidade de fazer um juízo preliminar sobre a tempestividade dos embargos - cfr. págs. 7 a 10 das alegações - e o facto é que este juízo preliminar foi feito, tendo o douto Tribunal a quo concluído - e bem - que a intempestividade da dedução dos embargos é manifesta.
V.- Isto porque, o problema não se situa, sequer, ao nível do ónus da prova, mas a montante: está em causa o deficiente cumprimento pelos Embargantes do ónus de alegação, porque, como se deixou referido supra, os Recorrentes não alegaram, sequer, qual das sociedades deu conhecimento do arrolamento ao segundo Embargante, nem por que meio este conhecimento foi dado.
W.- A própria jurisprudência citada pelos Recorrentes refere que deve ser cumprido o ónus da alegação: "o que aquele condicionalismo indica, no campo em apreço, é bastar a alegação, em termos concretos, da dedução atempada dos embargos, para que tal possa ser considerado provisoriamente, assente no respectivo despacho de recebimento" - cfr. Ac. do STJ de 13.07.1988, citado na pág. 7 das alegações (destaque nosso).
X.- Contraditoriamente, depois de terem invocado a necessária existência de um juízo preliminar sobre a tempestividade dos embargos, os Recorrentes vêm invocar, afinal, a "incognoscibilidade ex officio da intempestividade dos embargos ", com base nos artigos 333.°, n.º 2, e 303.° do Código Civil. Todavia, este entendimento é expressamente afastado pela redacção do artigo 345.° do CPC: " Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante". Esta redacção não teria qualquer efeito útil se não fosse permitido ao tribunal conhecer oficiosamente da intempestividade dos embargos.
Y.- O artigo 345.° do CPC claramente indica que, se os embargos não forem apresentados em tempo, deve ser indeferida a petição inicial. Ora, este indeferimento pressupõe, necessariamente, o conhecimento oficioso pelo Tribunal da tempestividade da dedução dos embargos. Sobre o tema, veja-se o entendimento plasmado nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.09.2015, proferido no processo n.º 1129109.5TBVRL-H.Gl, reI. JORGE TEIXEIRA, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.05.2015, no processo n." 18365/10.4YYLSB-B.LI-2, disponível em www.dgsi.pt.
Z.- De seguida, os Recorrentes admitem uma excepção à invocada regra da "incognoscibilidade ex officio da intempestividade dos embargos": quando a intempestividade dos embargos decorre dos próprios factos alegados pelo embargante na petição inicial, a mesma pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal.
AA.- Também aqui não assiste razão aos Recorrentes: o que o artigo 345.° do CPC determina é que a petição inicial de embargos deve ser apresentada em tempo, sob pena de imediato indeferimento. Para aferir desta (in)tempestividade, o Tribunal não fica limitado àquilo que é alegado pelo embargante na petição inicial. Não faria sentido que assim fosse, porquanto o processo de embargos está dependente de uma acção principal na qual é alegadamente ofendida a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência ordenada, de que seja titular quem não é parte na causa. Assim, é perfeitamente legítimo que o Tribunal tenha em consideração, não apenas os factos alegados na petição inicial, mas também os factos já coligidos na acção principal.
BB.- ln casu, é perfeitamente legítimo que o Tribunal a quotenha tomado em consideração, na sua análise, que as notificações para o arrolamento das sociedades - nas quais um dos embargantes e o Requerido são administradores (e accionista, no caso do Requerido) - ocorreu em data anterior a 20.05.2016, sem que tenham sido alegados (e muito menos provados) quaisquer factos pelos Recorrentes que permitissem concluir que os mesmos apenas foram informados do arrolamento nessa data.
CC.- Não foi violado o princípio do dispositivo porquanto o Tribunal limitou-se a conhecer da tempestividade dos embargos, como impõe o artigo 345.° do CPC.
DD.- Ao contrário do que pretendem os Recorrentes, o Tribunal não fica limitado, no processo, aos factos alegados pelas partes, desde logo porque, além dos factos articulados pelas partes, devem ainda ser considerados pelo Juiz: (a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; (b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; (c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções- cfr. artigo 5.°, n.º 2 do CPC.
EE.- Os Recorrentes invocam ainda a violação das regras do ónus da prova pelo Tribunal a quo. Porém, no que concerne ao ónus da prova, a jurisprudência tem vindo a entender que cabe ao embargante provar a tempestividade da dedução dos embargos, quando se pretende prevalecer do conhecimento posterior ao acto judicial alegadamente lesivo do seu direito. Veja-se o entendimento dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12.06.2008, no processo n.º 1376/08-3, reI. FERNANDO BENTO, do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.05.2015, no processo nº 18365/1O.4YYLSB-B.LI-2, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.06.2007, proferido no processo n.º 2365/2007-1, rel. CARLOS MOREIRA, disponíveis em www.dgsi.pt.
FF.- Por outro lado e como já se arguiu, a verdade é que o que está em causa não é apenas o ónus da prova - i.e., o facto de os Recorrentes não terem produzido qualquer prova, ainda que sumária, da tempestividade da dedução dos embargos - mas também o ónus da alegação.
GG.- Sobre este aspecto, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.06.2008, no processo n.º 1376/08-3, Rel. FERNANDO BENTO, disponível em www.dgsi.pt:(…) sobre o embargante impende o ónus de alegar (e logo de provar, pois que o ónus de alegação precede o de prova )o momento em que teve conhecimento da ofensa para aferir a tempestividade do exercício, por si, do direito de oposição a actos executivos"  (sublinhado nosso).
HH.- No presente caso, o ónus da alegação, como se deixou referido supra, não foi cumprido pelos Recorrentes, o que permitiu ao douto Tribunal a quo concluir, e bem, pela intempestividade da dedução dos embargos.
II.- Ao não cumprirem o ónus de alegação, os Recorrentes perderam a oportunidade de o fazer em momento posterior, uma vez que todos os fundamentos da sua acção deveriam ter sido deduzidos na petição inicial, o que não aconteceu. Sobre o tema, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.09.2015, proferido no processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1, reI. JORGE TEIXEIRA, disponível em www.dgsi.pt.
JJ.- Embora os Recorrentes não especifiquem qual a interpretação concreta do artigo 344.°, n.º 2 do CPC que entendem ser inconstitucional, não se considera existir qualquer inconstitucionalidade na interpretação da norma em apreço tal como preconizada pelo douto Tribunal a quo.
KK.- A notificação do arrolamento às sociedades não pode ser considerada irrelevante, constituindo factos que deviam ter sido levados em conta pelo Tribunal a quo (como foram, aliás) na aferição da tempestividade dos embargos, designadamente à luz do disposto no artigo 345.° e artigo 5.°, nº 2, al. c) do CPC.
LL.- Uma vez que a sentença recorrida não se pronuncia sobre a legitimidade dos Embargantes em termos decisórios, já que indeferiu liminarmente a petição inicial de embargos com base na sua intempestividade, e não tomou qualquer decisão sobre este pressuposto processual, apesar de a Recorrida ter incluído a questão nas conclusões do seu recurso, não pode, salvo melhor opinião, esta matéria ser inscrita no seu objecto.
MM.- Não obstante, são os próprios Recorrentes a reconhecer que a transmissão das acções por "acto privado" deve ser objecto de informação subsequente à própria sociedade. Esta proposição vem justamente em auxílio da tese aqui defendida de que não é verosímil que, tendo ocorrido essa transmissão a favor dos Recorrentes, em Agosto de 2015, as Sociedades nada soubessem acerca dessa sucessão e tivessem vindo informar os autos, em Maio de 2016, de que o seu titular é o Requerido.
NN.- Por outro lado, os Recorrentes vêm invocar em sede de alegações factos novos acerca do tipo de acções arroladas. Como se sabe, de acordo com a redacção anterior à da Lei n.º 1512017, de 3 de Maio, as acções podiam efectivamente ser nominativas ou ao portador. Ora, os Recorrentes vêm agora alegar em sede de recurso (apesar de não juntarem qualquer prova) que as acções da sociedade J..… - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A., são acções tituladas nominativas (v. pág. 25 das alegações) - donde resultaria que as acções já deveriam estar em nome dos Recorrentes, mercê da transmissão que alegam ter sido realizada, o que os Recorrentes não demonstraram, e exigiria necessariamente que tal transmissão fosse do conhecimento da sociedade - o que esta infirmou pela informação prestada aos autos em Maio de 2016, permitindo o respectivo arrolamento.
OO.- Justamente nesta medida e a propósito da transmissão de valores mobiliários nominativos, o número 1 do artigo 102.° do CVM prescreve: "os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o represente". O n.º 5 do mesmo artigo determina que "a transmissão produz efeitos a partir da data do requerimento do registo junto do emitente". Ora, afigura-se absolutamente certo e inequívoco em face das disposições legais acima citadas que, para que a transmissão das acções arroladas a favor dos ora Recorrentes fosse eficaz e houvesse produzido os seus efeitos, a sociedade - "Emitente" para efeito do disposto nas disposições legais em apreço - teria de ter sido notificada de tal transmissão, devendo ter-lhe sido requerido o registo da mesma no corresponde livro de registo de acções.
PP.- Porém, atendendo à circunstância de a própria sociedade - repita-se, "Emitente" para efeitos das disposições legais acima citadas - em data posterior à alegada e conveniente transmissão gratuita das acções arroladas, ter expressa e inequivocamente comunicado aos autos serem as acções em apreço propriedade do Requerido (desconhecendo, pois, qualquer transmissão das mesmas), toma-se forçoso concluir que a suposta transmissão jamais lhe poderia ter sido comunicada e, como tal, não poderiam os efeitos translativos da propriedade de tais valores mobiliários considerar-­se produzidos.
QQ.- Alegam ainda que as acções da sociedade Estoril Plage, S.A., são acções ao portador (v. pág. 25 das alegações) e que, portanto, seriam transmitidas livremente sem necessidade de informação à sociedade. Porém, como vimos, cabia aos Recorrentes o ónus de prova da natureza dessas acções, através dos estatutos desta sociedade, e da posse das acções à data do arrolamento, a fim de beneficiarem da respectiva presunção de titularidade (à luz do princípio posse vale título), o que sempre seria possível mediante exibição de cópia das próprias acções ou em alternativa, através de acta de assembleia geral de accionistas e lista de presenças em que os Recorrentes figurassem como accionistas da sociedade.
RR.- Manifestamente tal prova não foi produzida e, em face dessa omissão e da informação constante dos autos por parte da sociedade visada, em Maio de 2016, pela qual esta confirmou a pertença destas acções ao Requerido e consequentemente viabilizou o seu arrolamento, nada há a censurar às considerações tecidas pelo Tribunal a quo a este propósito.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, douta mente suprirão, deve ser negado provimento ao presente Recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Assim, farão V. Exas. o que é de inteira JUSTIÇA.
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1.6.Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a resolver são as seguintes  :
A) Aferir se inevitável é a revogação da decisão impugnada, impondo-se a prolação de decisão de recebimento dos embargos, e seguindo-se os seus ulteriores termos até final.
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2.Motivação de Facto.
A factualidade a atender, no âmbito do julgamento do mérito da presente apelação é a seguinte , a qual por sua vez acresce à que dimana do antecedente relatório e para o qual se remete [ sendo uma parte relacionada com a factualidade que considerou o tribunal a quo provada em sede da decisão recorrida, e , uma outra, resultante dos termos da própria petição inicial  dos embargos ]:
2.1.- O arrolamento a que os embargantes fazem referência no respectivo requerimento inicial foi notificado à sociedade "J…- Sociedade de Investimentos Hoteleiros, S.A. " em 27-04-2016, e à sociedade "Estoril Plage, S.A." também em 27-04-2016;
2.2.- Os  embargos deram entrada em juízo em 08-06-2016;
2.3.- Da petição inicial dos embargos apenas consta a indicação/junção de prova documental ( dois documentos, ambos intitulados de “contrato de  doação de acções “,  e dos quais consta a data de 10/Agosto/2015 ) ;
***

3.Motivação de direito.
3.1.-Se inevitável é a revogação da decisão impugnada, impondo-se a prolação de decisão de recebimento dos embargos, e seguindo-se os seus ulteriores termos até final.
A questão que agora importa apreciar, é a de saber se o Exmº Juiz a quo podia e devia, desde logo em sede de despacho liminar, proferir decisão de indeferimento , considerando /concluindo para tanto que , “ Tendo os presentes embargos dado entrada em juízo em 08-06-2016,  fácil é de constatar que os mesmos se mostram intempestivos “.

É que, para os apelantes, várias são as razões que obstavam a que tivesse o tribunal a quo decidido como decidiu :
Primus : Porque ainda na fase introdutória dos embargos de terceiro, não se exige ao embargante que faça mais do que uma prova sumária dos factos que alega e que indique/alegue a data do conhecimento do acto ofensivo do seu direito;
Secundus : Ainda que se considerasse intempestiva a dedução da petição de embargos por parte dos Recorrentes, a verdade é que o conhecimento de tal circunstância não poderia ser feito de ofício pelo tribunal recorrido ;
Tertius : Porque o ónus da prova da caducidade do direito de deduzir embargos cabe à Recorrida, e tendo o tribunal dúvidas sobre se essa caducidade se dera ou não, obrigado estava o Tribunal Recorrido a decidir contra a parte a quem interessava que a caducidade ficasse provada.

Já para o tribunal a quo, e a justificar o indeferimento liminar dos embargos, discorreu, em síntese, nos seguintes termos ( sic ):
Os presentes embargos deram entrada em juízo em 08-06-2016, ou seja para além dos 30 dias sobre a data de realização do arrolamento.
Alegam, contudo, os embargantes que apenas tomaram conhecimento da diligência em 20-05-2016 ,através de uma das Sociedades notificadas do arrolamento.
No entanto, e salvo o devido respeito, os embargantes não concretizam os exactos termos em que alegadamente tomaram esse conhecimento, não identificando a pessoa ou pessoas que terão transmitido essa informação, uma vez que uma sociedade por si não o pode fazer, como não identificam qual das duas sociedades terá transmitido essa informação e porque que meio, se verbalmente ou através de escrito.
Sendo de notar que os embargantes também não oferecem qualquer prova quanto a este aspecto, pois que não arrolaram quaisquer testemunhas, nomeadamente aquelas que poderiam ter transmitido a situação do arrolamento ao 2º embargante, nem juntaram qualquer documento através do qual essa notificação poderia ter-lhes sido feita, sendo que a única prova que juntam ião os documentos através dos quais visam comprovar a doação das respectivas acções.
Ora, nos termos do art° 344° n° 2 in fine CPC, os embargantes tinham de oferecer logo todas as provas necessárias para fazer valer em juízo a sua pretensão, sendo que a questão da tempestividade dos embargos tem de ser previamente aferida pelo juiz, em sede liminar, antes deste poder realizar as diligências necessárias a fim de aferir se os embargos devem ser recebidos - cfr. art° 345° CPC.
Ou seja, a tempestividade dos embargos é um factor que se situa na fase liminar dos autos e tem de existir mesmo antes do tribunal poder avançar com diligências para aferir do mérito dos embargos.
Mesmo que se entendesse que a tempestividade deveria ser aferida com recurso à prova fornecida pelos embargantes, ou seja, que as diligências que incumbem ao Tribunal realizar também podem abranger o apuramento da tempestividade dos embargos - prova essa que deve ser logo indicada com a petição de embargos - constata-se que os embargantes não oferecem qualquer prova do por si alegado quanto ao momento em que tomaram conhecimento do arrolamento, acto que alegadamente ofenderá a sua posse das acções nas respectivas sociedades.
(…)
Assim, não tendo os embargantes feito prova de que apenas tomaram conhecimento do acto lesivo - o arrolamento das acções que aqui reclamam como sendo suas - da sua posse, em 20-05-2016, e tendo as sociedades sido notificadas em 27-04-2016, temos por assente que a data de referência para efeitos de contagem do prazo para deduzir embargos de terceiro é o da notificação das sociedades, em 27-04-2016.
Tendo os presentes embargos dado entrada em juízo em 08-06-2016, fácil é de constatar que os mesmos se mostram intempestivos “.
Quid Juris ?
Ora bem.
Nos termos do n.º 1 do artigo 342º do Código de Processo Civil, “Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado faze-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Por sua vez, dispõe o artigo 344º, do Cód. de Processo Civil , nos respectivos nºs 1 e 2, que “ 1- Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante”, e que “ 2- O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas “.

Já o dispositivo seguinte, o 345º, e com a epígrafe de “Fase introdutória dos embargos“, reza que “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.

Por último, e com interesse também para o thema decidendum, reza o artigo 343, n.º 2, do Código Civil, que “ Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei “.

Ora, em face do conteúdo das disposições legais acabadas de transcrever, mais exactamente do artº 344º, do CPC e do artº 343º,nº2, do CC, manifesto é que, o prazo para o lesado deduzir o incidente de oposição mediante embargos de terceiro, é um prazo de caducidade, qual excepção peremptória cujos factos subjacentes devem pelo embargado ser alegados e provados. (5)

Porém, quando ainda no âmbito da fase introdutória dos embargos [ a que antecede o despacho de recebimento dos embargos, e o qual determina a notificação das partes primitivas para contestar - artºs 345º a 348º,nº1, do CPC ] , admite-se que possa/deva o juiz conhecer, oficiosamente [ com base na alegação do embargante e nos elementos já constantes do processo ao qual são os embargos apensados - cfr. nº1, do artº 344º, do CPC ] da tempestividade da apresentação dos embargos.

É  que, rezando o artº 345º , do CPC, e como vimos supra, que  “ Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, manifesto é que pode/deve o juiz sindicar a tempestividade dos embargos, sendo a manifesta extemporaneidade dos mesmos motivo para a imediata prolação de decisão de indeferimento liminar da petição, não se justificando consequentemente a realização de qualquer diligência probatória.

Dir-se-á que, o disposto no artº 345º, primeira parte, do CPC, consubstancia/consagra como que uma das soluções especiais a que alude a parte final do nº2, do artº 343º, do Código Civil,  podendo e devendo o tribunal conhecer ex officio  da excepção atinente à propositura de acção após o decurso do prazo de 30 dias do conhecimento da ofensa pelo embargante.

Mas, escapandoos embargos ao despacho de indeferimento liminar da petição, e sendo consequentemente proferido despacho liminar de prosseguimento  do processo,  pode ainda assim seguir-se , após a realização das diligências probatórias necessárias [ daí a necessidade , no entender de Lebre de Freitas (6), de o embargante, na petição inicial, oferecer prova sumária dos factos que funda a sua pretensão, bem como da data em que teve conhecimento da penhora, se sobre ela já tiverem decorrido 30 dias ] a prolação de decisão de rejeição dos embargos, por extemporâneos, se analisada a prova sumária [ com base em juízo de simples probabilidade ] produzida ( a que alude o artº 345º, do CPC ), se convencer o Juiz de que foram os embargos deduzidos mais de 30 dias após o conhecimento, pelo embargante, do acto que o mesmo considera ofensivo do seu direito .(7)

É que, como é consabido, desdobra-se o incidente dos embargos de terceiro em duas fases, sendo uma de feição introdutória ( a que vai desde a sua dedução até ao despacho de recebimento ou de rejeição dos embargos ), e , uma outra , de estrutura predominantemente contraditória  [ a qual segue-se à prolação do despacho de recebimento, e assume a natureza de uma verdadeira acção declarativa, a tramitar segundo os termos do processo comum,  cfr.  artºs 347º/348º, ambos do CPC ] , sendo que , no âmbito da primeira tem lugar tão só uma avaliação de probabilidade  [ a efectuar em função dos termos da petição inicial,  e cabendo ao embargante o ónus de alegar matéria de facto favorável à sua legitimidadeà viabilidade e à tempestividade da acção ], utilizando em rigor o legislador no artº 345º, in fine, do CPC, a mesma fórmula que utiliza outrossim em sede de procedência das providências cautelares ( artº 368º,nº1,do CPC ) .

Ou seja, distinguindo-se é certo o despacho liminar [ o da 1ª parte do artº 345º, do CPC ] do despacho de recebimento e/ou rejeição [ o da 2ª parte do artº 345º, do CPC ], certo é que um e outro são despachos colocados no início do processo ; têm a mesma função geral: obstar ao andamento de processos que não oferecem condições de viabilidade. Mas a função específica é diferente” [cfr. ensinamentos de José Alberto dos Reis (8), em sede de anotação ao artº 1037º do CPC à data em vigor, mas que, no nosso entender, continuam ainda hoje a manter a sua actualidade, fazendo todo o sentido - desde que aplicados com as necessárias adaptações - em face do disposto no artº 345º do actual CPC ].

Por outra banda, e ainda segundo José Alberto dos Reis, embora ambos proferidos no inicio do processo [ ou melhor, na sua fase INTRODUTÓRIA ],  certo é que o da 2ª parte do artº 345º, do CPC, está já num momento posterior àquele em que se situa o despacho liminar  [ rectius o da 1ª parte do artº 345º, do CPC ], razão porque, sendo este último proferido em face da simples inspecção da petição inicial, já o segundo [ o da 2ª parte do artº 345º, do CPC ] é emitido depois de inquiridas testemunhas e examinadas as outras provas oferecidas [ ou seja, depois de realizadas as diligências probatórias necessárias, nos termos do actual artº 345º , as quais têm por desiderato essencial aferir da verificação, ou não, de uma séria probabilidade da existência do direito invocado pelo embargante  ].

Em suma, e tal como ensina José Alberto dos Reis, sendo ambos os despachos compatíveis[o despacho liminar e o despacho de recebimento e/ou rejeição ] , temos assim que os embargos de terceiro , na fase INTRODUTÓRIA, tem de vencer dois obstáculos preliminares, “ se esbarra no primeiro, já não chega ao segundo; se vence o primeiro, pode encalhar no segundo”.

No nosso entendimento, a percepção que José Alberto dos Reis fazia dos processamento dos embargos de terceiro, é também aquela que mais recentemente é advogada por Salvador da Costa, para tanto explanando na sua obra “ Os Incidentes da Instância” (9) , que :
“ No regime actual, por força do disposto no artigo 354º [ o qual corresponde ao artº 345º, do CPC, aprovado o pela Lei nº 41/2013, de 26/6 ], a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do nº 2 do artº 333º, do Código Civil.
Tendo em conta o disposto no artº 333º, nº2, trata-se de uma solução que não se conforma como disposto no  artigo 496º, segundo o qual, o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torna dependente da vontade do interessado.
Tendo em conta o disposto no artº 342º, nº2, do Código Civil, é ao embargado que incumbe ónus de alegação e de prova da extemporaneidade dos embargos, e , não se provando a data do conhecimento do facto lesivo, devem considerar-se tempestivamente instaurados.
Assim, se apenas se verificar a extemporaneidade dos embargos de terceiro face à data do acto de penhora, ainda que o embargante não tenha alegado a data em que dela teve conhecimento, não pode o juiz rejeitá-los liminarmente, isto é, não pode conhecer oficiosamente da excepção peremptória em causa antes de sobre isso ter exercido o contraditório, porque o ónus de demonstrar a efectiva extemporaneidade recai sobre o embargado.
Em consequência, só após a contestação dos embargos de terceiro é oportuna a decisão sobre a extemporaneidade ou não dos embargos com base nos articulados por ambas as partes, na fase da condensação se já houver factos assentes relevantes para o efeito”.

Aqui chegados, e munidos dos ensinamentos de autores conceituados, é nossa convicção que a explanação de Salvador da Costa é aquela que melhor salvaguarda todos os interesses em jogo no âmbito dos embargos de terceiro, e aquela que melhor compatibiliza/harmoniza o cumprimento dos normativos substantivos do Código Civil - os seus artºs 343º, nº1 e 333º - com a observância também das disposições adjectivas do CPC - dos seus artºs 345º e 348º - ,  ou seja,  e tal como recentemente também  sufragado pelo Tribunal da Relação de Guimarães (10) , “ O tribunal perante o qual sejam deduzidos deve pronunciar-se oficiosamente sobre a caducidade do exercício do direito de embargar, desde que  da petição inicial constem os factos que demonstrem de forma inequívoca em que data o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou do seu direito, e sobre a essa data já tenham decorridos 30 dias ( reportados àquele em que a acção entrou em juízo)”.

Em termos conclusivos, dir-se-á que, deduzindo o embargante os embargos de terceiro decorridos que estejam 30 dias após a realização da diligência que ofende a sua posse ou qualquer direito de que se arrogue titular, e para obviar ao respectivo e imediato indeferimento liminar com fundamento na respectiva extemporaneidade, apenas se lhe exige que alegue na petição inicial que teve conhecimento da ofensa quando se mostravam já decorridos os referidos 30 dias.

Porém, ultrapassado o obstáculo do imediato indeferimento liminar [ porque em face do alegado na petição inicial a sua prolação não se justificava ,não existindo motivo], mas não sendo claro para o Juiz que o alegado pelo embargante relativamente ao conhecimentoda ofensa corresponde à realidade,também no âmbito do despacho a que se refere a 2ª parte do artº 345º, do CPC, e caso não esteja convencido da tempestividade dos embargos [ quer porque não indicou o embargante na petição inicial qualquer prova relacionada com tal questão - não observando portanto o disposto no artº 293º,nº1, do CPC - , quer porque , ainda que a tenha indicado, uma vez produzida não foi possível ainda assim ao julgador formar uma convicção segura que apontasse para a extemporaneidade dos embargos ], então não deve ser proferido despacho de rejeição dos embargos, antes se impõe prosseguir com o incidente, notificando-se as partes primitivas para contestar .

E, porque já então no âmbito da fase contraditória dos embargos, caberá ao embargado invocar a caducidade, competindo-lhe outrossim o ónus da respectiva prova - cfr. artº 343º, do Código Civil.

Postas estas breves considerações, importa de imediato atentar que in casu está em causa a dedução pelos apelantes de um incidente de embargos de terceiro com feição repressiva , razão porque o que releva sobremaneira em sede de aferição da tempestividade para a respectiva dedução  é a data em que o embargante teve conhecimento efectivo [ interpretação que assenta na letra da lei, e que respeita o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, tal como o decidido pelo Tribunal Constitucional (11) ] do acto ofensivo da sua posse.

Ora, tendo os embargantes, logo em sede de petição inicial - qual antecipação de impugnação motivada de excepção a deduzir oportunamente pelos embargados em sede de contestação - alegado que apenas em 20/5/2016 tiveram conhecimento do arrolamento - o acto ofensivo da sua posse - , das acções, manifesto é que, em face da simples inspecção da petição inicial, oportuno e apropriado não é enveredar pelo imediato indeferimento liminar da petição com fundamento na extemporaneidade dos embargos.

É que, para todos os efeitos, não dispõe o julgador, no referido momento, de quaisquer elementos que lhe permitam concluir que a alegação do embargante alusiva ao conhecimento do acto ofensivo da sua posse  é inexacta, tendo ao invés o embargante tido efectivo conhecimento do acto ofensivo da sua posse  ainda no decurso dos 30 dias subsequentes ao arrolamento.

Ou seja, temos assim que, em rigor, a alegação dos embargantes  de que apenas tiveram conhecimento do acto ofensivo do seu direito em 20/5/2016, não merecia de imediato e logo em sede de despacho liminar considerar-se como contrariada [ não bastando para o referido efeito a mera dúvida ] por meio de prova [ constante dos próprios embargos ou do processo principal ] demonstrativo de não ser a mesma verdadeira.

E, assim sendo, como que configurando a decisão apelada uma decisão precipitada, porque proferida sem que o estado do processo permita com segurança concluir pela extemporaneidade dos embargos , e , ademais, porque como decorre do disposto no nº1, do artº 590º, do CPC [ ao dispor que o despacho de indeferimento liminar apenas se justifica quando na presença de pedidos manifestamente improcedentes, ou na presença , evidente, de excepções ] devem os tribunais devem fazer uso prudente e cauteloso do poder que lhes é conferido de proferir despacho liminar de indeferimento , sendo o critério essencial para aferição do seu uso o da segurança , impõe-se  portanto a procedência da apelação.
Em conclusão, e em face do exposto, a revogação da decisão apelada é inevitável.
***

4- Concluindo  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1.- Deduzindo o embargante os embargos de terceiro decorridos que estejam 30 dias após a realização da diligência que ofende a sua posse ou qualquer direito de que se arrogue titular, e para obviar ao respectivo e imediato indeferimento liminar com fundamento na respectiva extemporaneidade, apenas se lhe exige que alegue na petição inicial que teve conhecimento da ofensa quando se mostravam já decorridos os referidos 30 dias.
4.2.- Não dispondo o tribunal, na altura do despacho liminar , de elementos que apontem com segurança para a inexactidão da alegação do embargante no tocante ao conhecimento do acto ofensivo da sua posse, vedado  está o julgador de proferir de imediato despacho de indeferimento liminar dos embargos com fundamento na respectiva extemporaneidade;
4.3.- De resto, o despacho liminar  a que se refere a 1ª parte do artº 345º, do CPC , deve no essencial ser proferido em face da simples inspecção da petição inicial.
*

5.Decisão.
Em face do supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa ,em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pelos  embargantes  B  C:
5.1.- Revogar a decisão/sentença do tribunal  a quo .
5.2.- Determinar que o Tribunal a quo , não existindo outra razão para  a rejeição dos embargos de terceiro, profira decisão que os receba, notificando-se as partes primitivas para os contestar, nos termos do artº 348,nº1, do CPC.
*
Custas na apelação, pelos apelados .
***



LISBOA, 8/2/2018



António Manuel Fernandes dos Santos(O Relator)
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)
Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta)                                 
                                                       



(1)Cfr. o Ac. do STJ  de 5/5/2005, in www.dgsi.pt.
(2)Cfr. o Prof. José Alberto dos Reis, in Cód. Proc. Civil anotado, V , Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Prof. Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 687 a 689 e Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil,  2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36.
(3)Prof. José Alberto dos Reis, ibidem, pág.140.
(4)In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Editora Lex, 1997, pág. 221.
(5)Vide Ac do STJ, de 30-11-2006, Proc. nº 06B4244, sendo Relator SALVADOR DA COSTA, e in www.dgsi.
(6)In  A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, 5ª Edição, Coimbra Editora, pág. 292.
(7)Cfr. José Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. 1º, pág. 622 , Lopes de Rego, in Comentários ao CPC, vol. I, 2º ed., pág. 328 e  Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, pág. 195.
(8)In  Processos Especiais, Vol. I, Coimbra Editora, 1982, pág.440.
(9)In  Os Incidentes da Instância, 5ª Edição, Actualizada e Ampliada, Almedina, págs. 225/226.
(10)Cfr. Ac. de 16-02-2017, proferido no Proç. nº 1464/16.6T8BCL-E.G1, e  in www.dgsi.pt.
(11)Vide Ac do Trib. Const.  nº 468/2001, Proc. nº 191/2001, 2ª Secção, sendo Relatora a Exmª Consª Maria Fernanda Palma e in DR I Serie nº 276 de 28/11/2001.