Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13312/17.5T8LSB.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
CONTRATO DE PERMUTA DE IMÓVEIS
RELAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRATIVA
CÂMARA MUNICIPAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I– Em sede de aferição do tribunal materialmente competente, se o comum ou antes o administrativo, o que importa é ter em atenção qual a relação jurídica que está na base do litígio e qual a natureza das normas que a disciplinam, e tal como se mostra aquela configurada nos autos pelo requerente.

II– Aos tribunais administrativos está reservado o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais ( cfr artº. 212º., nº. 3, da CRP), e sendo estas últimas as reguladas por normas de direito administrativo.

III– Estando o pedido dos AA – de condenação no pagamento de uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil contratual – dirigido para o réu Município ancorado em causa petendi relacionada com contrato de permuta de bens imóveis, outorgado entre as partes e não sendo o mesmo regulado por normas de DIREITO PÚBLICO [ ao invés, mostra-se o pedido formulado e respectiva causa de pedir alicerçados em contrato de natureza exclusivamente civil e privado celebrado pelas partes, a permuta ], não é o Tribunal Administrativo o competente para julgar a subjacente acção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.–Relatório:


A e B, intentaram - em Junho de 2017 - acção declarativa de condenação, contra,
MUNICÍPIO DE LISBOA, PETICIONANDO que, no seguimento da procedência da acção, seja o Réu condenado a pagar aos AA a quantia de €551.124,22, acrescida de juros de mora vincendos , à taxa supletiva legal de 4%, contados da presente data e até integral e efectivo pagamento.

1.1.Para tanto alegaram os AA, em síntese, que :
- Necessitando o réu de concluir as obras de execução de um arruamento de ligação entre a Calçada da Quintinha e a Avª Engº Duarte Pacheco, e necessitando para o referido efeito de adquirir um prédio – terreno sito na Calçada dos Sete Moinhos - à data propriedade dos pais dos AA, foi em 2000 acordado verbalmente que seria outorgada uma permuta do referido prédio com um outro propriedade do réu e sito na Rua Teresa Gomes, freguesia de S Domingos de Benfica;
- Outorgada em 29 de Dezembro de 2006 a escritura de permuta referente aos sobreditos prédios, e ficando nela logo previsto que mais tarde seria efectuada a sua rectificação de forma a valorizar o terreno sito na Calçada dos sete Moinhos e, outrossim , a revalorizar o prédio sito na Rua Teresa Gomes, Freguesia de S Domingos de Benfica, certo é que o réu [ após 21/3/2013, data em que celebrou com os ora AA uma escritura pública de rectificação da escritura de permuta outorgada em 29/12/2006  ] vem-se negando a proceder – como se comprometeu verbalmente a fazê-lo , antes ainda da escritura pública de rectificação de 21/3/2013 -  à análise e total  satisfação das pretensões dos AA em sede de sobrevalorização do prédio que ao Réu cederam e sito na Calçada dos Sete Moinhos;
- Ora, em face do aludido comportamento do réu,  e porque com a avaliação por este último efectuada ( aquando da outorga da permuta ) no tocante aos valores dos prédios permutados acabam os AA por sofrer um prejuízo avultado, incorre portanto o Réu em responsabilidade civil, quer pré-contratual, quer contratual, ou ainda em erro sobre a base do negócio e/ou alteração substancial das circunstâncias, ou em última análise em enriquecimento sem causa, o que obriga à sua condenação em indemnizar os AA. no valor do prejuízo sofrido e de 551.124,22€.

1.2.– Citado o Réu MUNICÍPIO DE LISBOA , veio o mesmo apresentar contestação, no âmbito da qual deduziu defesa por excepção dilatória e peremptória, e por impugnação motivada, sendo que, no tocante à primeira invocou a Incompetência Absoluta do Tribunal [ além da ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário ], propugnando a final pela prolação de decisão que determine a sua absolvição da instância ou, então, que o absolva do pedido.

1.3.– Exercido o contraditório no tocante às excepções pelo réu invocadas na sua contestação, e conclusos os autos para – eventual - prolação de despacho saneador, e conhecendo da excepção dilatória da Incompetência  Absoluta do Tribunal, veio em 16/4/2018 a ser proferido SANEADOR-SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“(…)
Pelo exposto, nos termos conjugados do referido normativo  e dos artºs  96º, 97º, 99º e 577º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta desta instância Central Cível quanto ao pedido formulado contra o réu Município de Lisboa.
Custas pelos Autores.
Lisboa, d.s.”

1.4.– Notificado do Saneador/Sentença identificado em 1.3., e do mesmo discordando, vieram então os Autores  A e B, do mesmo interpor a competente apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões  :
1- A sentença recorrida julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta por entender que entre os Recorrentes e o Recorrido se estabeleceram relações jurídico-administrativas e um contrato administrativo.
2- Segundo Diogo Freitas do Amaral, relação jurídica administrativo é "aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração "- Direito Administrativo, Vol. III, pág. 439/440.
3- E de acordo com Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 16, o critério mais adequado para distinguir o direito público do direito privado é o designado por teoria dos sujeitos, nos termos do qual, o direito privado regula as relações jurídicas  estabelecidas entre particulares ou entre particulares e o Estado ou outros entes públicos, mas intervindo estes despidos de «imperium» ou poder soberano.
4- Ora, e conforme resulta dos autos, o contrato de permuta referido na p.i. reveste carácter privado, dele resultando direitos e obrigações regulados pelo direito civil, não estando em causa a interpretação e a aplicação de normas de direito público, nomeadamente o RJUE e dos Planos e respectivos regulamentos em vigor.
5- Em abono dessa tese, trazemos à liça os ensinamentos colhidos do Acórdão do TRP, de 27/04/2015 (proc. 266/14.9TBPRD-A.P1), in www.dgsi.pt. que no Ponto Um do respectivo sumário é taxativo: " A apreciação de um contrato de permuta celebrado entre um município de um particular não é da competência do foro administrativo. ".
6- Assim, não se estabeleceram relações jurídico-administrativas entre os Recorrentes e o Recorrido.
7- Por outro lado, dispõe o n.° 2, do artigo 200.° do Código do Procedimento Administrativo (DL n.° 4/2015, de 7 de Janeiro) que " São contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial".
8- Ora, é manifesto que o Código dos Contratos Públicos ( DL n.° 18/2008, de 29 de Janeiro) não tem qualquer aplicação ao caso concreto.
9- Nas palavras de Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, Vol. I, pág. 335/336, o conceito de contrato administrativo compreende necessariamente o elemento de sujeição a um regime substantivo de Direito Público, ou seja o contrato para ser qualificado como administrativo não basta que envolva a Administração Pública ou que io seu procedimento de gestação se paute pelo Direito Administrativo, exigindo-se ainda que as relações contratuais dele emergentes sejam reguladas materialmente pela lei administrativa ou processual civil.
10- Por conseguinte, não se estabeleceu qualquer contrato administrativo entre os Recorrentes e o Recorrido.
11- Termos em que a sentença em crise viola o disposto no artigo 4.° do ETAF e no artigo 220.°, n.° 2, do CPA, devendo, pois, ser revogada. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso julgado procedente e, assim, ser revogada a sentença recorrida, Assim se fazendo Sâ e Inteira Justiça.

1.5.– O apelado Município de Lisboa, e em relação à apelação referida em 1.4., não apresentou contra-alegações, vg pugnando pela respectiva improcedência in totum .
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Thema decidendum
2– Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,a questão a apreciar e a decidir é tão só a seguinte
I–  Aferir se “andou mal - como assim o consideram os apelantes - o Tribunal a quo em julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta - em razão da matéria - , absolvendo o Réu Município de Lisboa da instância ;
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3.–Motivação de Facto
Para efeitos de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à factualidade que resulta do relatório do presente acórdão, justificando-se tão só á mesma adicionar a que se segue, para melhor compreensão do presente acórdão :
3.1.- Aos vinte e nove dias de Dezembro de dois mil e seis, na cidade de Lisboa, foi lavrada escritura de PERMUTA, e na qual intervieram como outorgantes :
Primeiro - Carlos ….., casado, natural da freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra, com domicílio profissional, no Campo Grande números  a, que outorga em representação do Município de Lisboa (…).
Segundos - a)- Jaime ….. e mulher Maria ….., casados (…).
b)- A, actualmente casado com Joana ….., no regime de comunhão de bens adquiridos. conforme verifiquei pelo boletim de casamento (…);
c)- B, divorciada, natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, residente em (…), e como procuradores de Maria …., viúva, natural da freguesia de Caneças, à data concelho de Loures, residente em Lisboa(…);
Terceira - Joana ….., casada com o outorgante nesta escritura identificado na alínea b), e com ele (…);
(…)

– Pelos primeiro e segundos outorgantes, e nas qualidades em que outorgam, foi dito:
Que, de harmonia com as deliberações da Câmara Municipal de Lisboa e da Assembleia Municipal de Lisboa tomadas em suas reuniões, respectivamente, de 28/04/2004 e de 11/05/2004, sobre a Proposta nº 274/2004 e com o despacho do ora primeiro outorgante, datado de 20/12/2006, exarado na informação nº 772/DPI-DAJ/06, do Departamento de Património mobiliário da Câmara Municipal de Lisboa, documentos que arquivo, fazem a seguinte permuta:
O Município de Lisboa transmite em comum e sem determinação de parte ou direito aos segundos outorgantes, na situação em que se encontra, livre de ónus ou encargos de natureza real, e pelo valor atribuído de setecentos e vinte e nove mil e setecentos euros, uma parcela de terreno para construção sita na Rua Teresa Gomes, freguesia de Benfica, em Lisboa, com a área de mil duzentos e quarenta e cinco metros e vinte decímetros quadrados, que constitui o prédio urbano descrito na Quinta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número três mil duzentos e vinte e seis, da referida freguesia, e aí registado a favor da Câmara Municipal e do Município de Lisboa pelas inscrições G (…);

Por sua vez, e em troca, os segundos outorgantes transmitem ao Município de Lisboa, livre de ónus ou encargos de natureza real, e pelo valor atribuído de quinhentos E' trinta e um mil duzentos e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos, o prédio urbano sito na Calçada dos Sete Moinhos, nºs … a …, na freguesia de Santa Isabel, em Lisboa, descrito na Nona Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número dois mil oitocentos e quarenta e um, da referida freguesia, ali registado a favor dos segundos outorgantes, em comum e sem determinação de parte ou direito (…).

Pelos outorgantes foi mais dito, ainda de harmonia com as citadas deliberações e despacho, que para igualação dos valores dos bens permutados, os segundos outorgantes são devedores ao Município de Lisboa da quantia de cento e noventa e oito mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e quarenta cêntimos, e cujo pagamento é efectuado, parcialmente em espécie, através da transmissão ao Município de Lisboa, pelo valor atribuído de cento e noventa mil cento e setenta euros, dos bens futuros constituídos pela fracção autónoma destinada a comércio, com a área de cento e oito metros e sessenta e sete decímetros quadrados, no rés-do-chão e dois lugares de estacionamento em subsolo no edifício a erigir na parcela de terreno, ora transmitida pelo Município.

Que o remanescente é pago no presente acto pelos segundos outorgantes, em numerário, ao Município de Lisboa, na quantia de oito mil duzentos e noventa e quatro euros e quarenta cêntimos, que o primeiro outorgante, na qualidade em que intervém, declara que recebeu e dá qual dá integral quitação.

Disseram finalmente todos os outorgantes na qualidade em que respectivamente outorgam, que o pedido de licenciamento de obra de edificação a erigir na parcela de terreno ora transmitida pelo Município de Lisboa deve ser apresentado, ao mesmo Município, no prazo máximo de seis meses, contados da presente data e que a presente permuta é efectuada mediante a condição de a mesma ser revista de acordo com o valor da área do prédio urbano que os segundos outorgantes ora transmitiram ao Município, e verificado posteriormente pelo Departamento do Património Imobiliário, logo que aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa “
(…)”

3.2.– Aos vinte e um de Março de dois mil e treze, em cartório da cidade de Lisboa, foi lavrada escritura de RECTIFICAÇÃO  e na qual intervieram como outorgantes :
Primeiro– António …., divorciado,  natural da freguesia das (…), que outorga em representação do Município de Lisboa (…).
Segundos– a)- Jaime …. (…),casado com Maria ….. (…), que outorga por si e na qualidade de procurador do seu referido cônjuge Maria …… (…);.
b)- A (…), casado com Joana …, no regime de comunhão de adquiridos (…), devidamente autorizado pelo seu referido Joana ….. (…), que outorga por si e ainda na qualidade de procurador de ;
c)- B, divorciada, natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, residente em (…).

PELOS  OUTORGANTES FOI DITO:

Que, por escritura outorgada na Divisão de Notariado e Apoio à Contratação da Câmara Municipal de Lisboa, em vinte e nove de Dezembro de dois mil e seis, lavrada a folhas cento e quatro e seguintes, do Livro de r:.otas número oitenta - M, foi concretizada a permuta pela qual o representado do primeiro outorgante transmitiu aos segundos outorgantes, em comum e sem determinação de parte ou direito, pelo valor atribuído de setecentos e vinte e nove mil e setecentos euros, uma parcela de terreno para construção, com a área de mil duzentos e quarenta e cinco metros e vinte decímetros quadrados, na mesma escritura devidamente identificada.

Que, por sua vez, e em troca, os segundos outorgantes, transmitiram ao representado do primeiro outorgante, pelo valor atribuído de quinhentos e trinta e um mil duzentos e trinta e cinco sessenta cêntimos, um prédio urbano identificado na referida escritura.

Que, para igualação dos valores dos bens permutados, os segundos outorgantes ficaram devedores ao Município de Lisboa, da quantia de cento e oito mil quatrocentos e sessenta e quatro quarenta cêntimos.

Que, foi efectuado ao Município de Lisboa, no acto da referida escritura e em numerário, o pagamento da quantia de oito mil duzentos e noventa e quatro euros e quarenta cêntimos, ficando o pagamento do remanescente, no valor de cento e noventa cento e setenta euros, de ser pago em espécie, através da transmissão ao Município de Lisboa, dos bens futuros constituídos, pela fracção autónoma, destinada a comércio, com a área de cento e metros e sessenta e sete decímetros quadrados, rés-do-chão e dois lugares de estacionamento em subsolo no edifício a erigir na parcela de terreno, então transmitida pelo Município. 

Que, a já referida escritura de permuta, foi outorgada mediante a condição de a mesma ser revista de acordo com o valor da área real do prédio urbano que os segundos outorgantes então transmitiram ao Município de Lisboa,  verificado posteriormente pelo, à data, departamento do Património Imobiliário da dita Câmara.

Que,  na sequência da regularização registral e matricial desse prédio particular, apurou-se que o mesmo tem a área total de mil quinhentos e quarenta e sete metros e noventa e cinco decímetros quadrados, e não os mil quatrocentos e dez metros quadrados, como inicialmente verificado na certidão predial à data.

Que, este aumento de área implica a revalorização de prédio transmitido ao Município de Lisboa de quinhentos e trinta e um mil duzentos e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos, para quinhentos e noventa e três mil cento e vinte euros e vinte e quatro cêntimos, obtendo-se um crédito de sessenta e mil oitocentos e oitenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos, a favor dos segundos outorgantes.

Que, por outro lado, à valorização realizada para a parcela de terreno transmitida pelo Município de Lisboa, corresponderiam mil seiscentos e sessenta e um metros quadrados de área de construção acima do solo, quando no âmbito do Processo de Construção número quatro, cinco, um, barra, EDI, barra, dois mil e oito, havia sido aprovada uma área de mil setecentos e cinquenta e nove metros e vinte decímetros quadrados, ou seja, mais noventa e oito metros e vinte decímetros  quadrados do que inicialmente previsto.

A esta estimativa de valorização dos noventa e oito metros e vinte decímetros quadrados por melhor aproveitamento do lote, apurou-se o valor de sessenta mil duzentos e oitenta e nove euros, a pagar ao Município de Lisboa pelos segundos outorgantes. 

Que, desta forma, os segundos outorgantes detêm um crédito sobre o Município de Lisboa de um mil oitocentos e oitenta e quatro euros e quatro cêntimos, e o Município de Lisboa um crédito sobre os segundos os outorgantes de sessenta duzentos e oitenta e nove euros.

Que, nesta conformidade, pela presente e de harmonia com a deliberação da Câmara de Lisboa , tomada em sua reunião de nove de Maio de dois mil e doze, sobre a proposta número duzentos setenta e sete de dois mil e doze, e ainda com despacho de vinte e sete de Abril de dois mil e doze, do Exmo. Senhor Vice Presidente, exarado na Informação número duzentos e quarenta e três , barra DMPRGU, barra DPSVP, de dois mil e doze, Departamento de Politica de Solos e Patrimonial, documentos que arquivo, procede-se à alteração da área e valor da parcela de terreno transmitida pelos segundos outorgantes pela já a mencionada escritura de permuta que passa a ser de  quarenta e sete metros e noventa e mil quinhentos e quadrados e o valor atribuído de cinco decímetros quinhentos e noventa e três mil cento e vinte euros e vinte e quatro cêntimos.

Que, como pela já mencionada valorização realizada para a parcela de terreno transmitida pelo Município de Lisboa, os segundos outorgantes ficam a deter um crédito sobre o Município de Lisboa de sessenta e um mil oitocentos e oitenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos, e o Município de Lisboa um crédito sobre os segundos outorgantes de sessenta mil duzentos e oitenta e nove euros, os mesmos procedem, por este acto, à compensação de créditos.

Que, como após a compensação de créditos, ainda resulta um saldo favorável a favor dos segundos outorgantes, os mesmos, por este acto  renunciam a esse crédito que detêm sobre o Município de Lisboa, no valor de mil quinhentos e noventa e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos , de forma a compensar o Município de Lisboa pelos custos incorridos com o levantamento topográfico regularização e com a matricial e registral do prédio que transmitiram a esse mesmo Município de Lisboa.

Que, em tudo o mais, se mantém inalterada a escritura ora rectificada.
(…)”.
***

4.–Motivação de Direito
4.1- É, ou não, o tribunal a quo, o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção e pelos apelantes - A e Bintentada contra o Réu MUNICÍPIO DE LISBOA.
Como vimos supra, importa tão só apreciar no âmbito da presente instância recursória, da competência em razão da matéria do tribunal a quo para conhecer da acção declarativa de condenação e com processo comum, intentada pelos apelantes contra o apelado MUNICÍPIO DE LISBOA, importando pois aferir da efectiva verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção esta que, devendo é certo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal ( cfr. artº 97º,nº1, do CPC), foi porém in casu arguida pelo Réu na contestação apresentada , e , em sede de despacho/saneador proferido, veio a ser atendida pelo tribunal de primeira instância.
Em rigor, em causa está tão só em aferir se, em razão do pedido deduzido na acção pelos apelantes e da causa petendi que o alicerça/sustenta, deve a decisão apelada manter-se, sendo que, a fundamentar a decidida incompetência em razão da matéria para conhecer da presente acção, aduziu o tribunal a quo, em parte e no essencial, os seguintes fundamentos [ dos quais discordam os apelantes ]  :
“(…)
Dispõe o art° 4º do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.
(…)
No caso vertente, a ré é manifestamente uma entidade pública.
Ora, a aplicação de regimes de direito privado às pessoas colectivas de direito público depende de disposição específica de lei ou de, mediante acto ou contrato apropriado, elas se submeterem voluntariamente - quando a lei não afaste tal possibilidade - a regimes desses.
Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Município de Lisboa as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo, exorbitantes das de direito privado - insusceptíveis, portanto, de aplicação às relações entre particulares.
Acresce que o contencioso administrativo aplica-se mesmo quando se trate de responsabilidades derivadas de actos de gestão privada, isto é, praticados e regulados ao abrigo de normas de direito privado, como decorrência da alínea e) e f) do art. 4.°, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02.
Ora no caso dos autos alegam os AA. que a ré para ser efectuado determinado plano urbanístico necessitava de adquirir um prédio da herança dos AA., afastando o recurso à expropriação, mas em substituição da aquisição acabou por celebrar um contrato de permuta verbal, ou seja na permuta do prédio inicial por um outro, autorização obtida junto da Assembleia Municipal de Lisboa, com a entrega ainda em espécie do valor da diferença de avaliação.
Porém, referem que a avaliação da ré não corresponde ao valor do prédio, resultando para os AA. num prejuízo, e que toda a base do negócio da permuta tem por base uma avaliação errada pelo que concluem pela responsabilidade quer pré-contratual, quer contratual da ré, ou ainda o erro sobre a base do negócio, alteração substancial das circunstâncias, ou por último tendo por base o enriquecimento sem causa, mas concluindo sempre pela condenação da ré a indemnizar os AA. no valor de 551.124,22€.
Ora, o Município é uma pessoa jurídica de direito público, criada para o prosseguimento de tarefas de natureza pública, em modelo de organização política, administrativa e territorial do Estado, logo, caso se entenda que existe responsabilidade pré-contratual nos termos do art. 4.°, n.º 1 alínea e) do ETAF - na redacção em vigor à data da propositura da presente acção, a do DL n.º 214-G/2015, de 02-10 - é da competência exclusiva dos tribunais administrativos.
Tratando-se de responsabilidade contratual esta será sempre uma responsabilidade fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, e não radica na eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial.
Aliás são os próprios AA. que na sua alegação referem as decisões administrativas subjacentes aos actos praticados, mormente o contrato de permuta e todas as decisões subjacentes e das quais o AA. concluem pela obrigação de indemnizar dos mesmos pela ré. Trata-se, por conseguinte, de relações jurídico-administrativas, para as quais apenas os tribunais administrativos detêm competência.
(…)
Tal preceito, como se vê, confere à jurisdição administrativa a competência para apreciar questões relativas a contratos administrativos típicos, contratos atípicos com objecto passível de acto administrativo e de contratos atípicos com objecto passível de contrato de direito privado que as partes tenham expressa e inequivocamente submetido a um regime substantivo de direito público ( Esteves de Oliveira e outro, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pág. 53 e ss.).
Relação jurídica administrativa " é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração" ( Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, pág. 439 ), sendo pacífico que pelo menos um dos sujeitos tem de actuar nas vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público ( cfr. José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, pág. 239 ).
Actualmente, prevê-se no Artigo 4.° do ETAF que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a: (...) e) Validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes ( sendo a última alteração operada pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10).
Tal incompetência é absoluta - art° 96° a) - determina a absolvição da ré da instância -art° 99° n°l, porém, poderá ser aplicado o disposto no art° 99° n° 2 desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.”
Ora Bem.
Como é consabido, a competência dos tribunais, na ordem jurídica interna, reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, e fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei ( cfr. artºs 37º e 38º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO – e artº 60º, do Código de Processo Civil).
Por outro lado, como é entendimento  uniforme da melhor doutrina (1) e jurisprudência, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer , sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (2)
Ou seja, pacífico é nesta matéria que, determinando-se a competência do tribunal para especifica acção com base no pedido do autor ou pretensão que tem por desiderato alcançar, e outrossim pelos respectivos fundamentos, para o referido efeito não importa já averiguar qual a viabilidade da aludida pretensão, pois que a competência é questão prévia a tal apreciação, a decidir independentemente do mérito e ou demérito da acção.
Depois, nos termos do artigo 40º, nº1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, mister é outrossim não olvidar que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual ( os tribunais judiciais são competentes para as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional ), sendo que ela - a competência -  fixa-se , como vimos já, no momento em que a acção se propõe. (3)
É assim que, também o artº 64º, do Código de Processo Civil, é expresso em determinar que “ São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídos a outra ordem jurisdicional “.

Em suma, e em sede de síntese conclusiva (4) , sendo em atenção à matéria da lide, ao acto jurídico ou facto jurídico de que a acção emerge, que importará aferir se deve a acção correr termos pelo tribunal comum ou judicial (5) , ou , antes , por  um tribunal especial , e sendo o primeiro o tribunal regra [ porque goza de competência não discriminada, incumbindo-lhe apreciar e decidir todas as causas que não forem atribuídas pela lei a alguma jurisdição especial, ou outra ordem jurisdicional ], então a competência dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes [ não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência de algum tribunal especial, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial ] .

Dito de uma outra forma [ cfr Miguel Teixeira de Sousa (6) ] ,é a competência material dos tribunais civis aferida, por critérios de atribuição positiva ,“ segundo as quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal”.

Aqui chegados, e importando in casu aferir da competência material dos tribunais administrativos ( em razão do sentido e objecto do Saneador/Sentença apelado ), recorda-se que, do artº 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa , e do artº 1º, nº1, do ETAF  (7) , com a redacção posterior às alterações introduzidas pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, resulta, respectivamente, que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, e que “ Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto ” .

Por outra banda, e agora no seu artº 4º, identifica o ETAF, em diversas alíneas do respectivo nº 1, vários tipos de litígios cuja apreciação, em razão fundamentalmente do respectivo objecto, incumbe/compete forçosamente/obrigatoriamente aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, sendo que, de entre eles, salientam-se aqueles [ porque subsumíveis em diversas alíneas do nº1, do artº 4º e que se mostram referenciadas pelo tribunal a quo na decisão apelada ]  que se prendem, v.g. com  a :
- Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais alínea a)  ;
- Validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantesalínea e)  ;
- Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigoalínea f)  .
Em face do conteúdo das disposições legais aludidas, máxime da Lei Fundamental e outrossim do ETAF, e de resto com consonância com a ratio que norteia a criação de diversas espécies de tribunais e que é o do defesa e salvaguarda do princípio de especialização, em razão das conhecidas vantagens que lhe são inerentes, a primeira conclusão que dos referidos normativos de imediato importa retirar é a de que, prima facie, estão no essencial os tribunais administrativos vocacionados e direccionados para o julgamento de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas,  o que equivale a dizer que o critério material que enforma a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa é, pois, o conceito de relação jurídica administrativa, e no âmbito da qual desenvolve por regra a Administração uma actividade típica ou nuclearmente dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público .

De resto, e como bem se chama à atenção em Acórdão do Tribunal de Conflitos (8), é “tendo sempre presente o conceito de relação jurídica administrativa que devem ser lidas e interpretadas as várias alíneas do art.º 4,° do ETAF “, sendo hoje pacífico que a “ lei passou, agora, a incluir na competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal apenas a matéria derivada de contratos administrativos ou dos contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública.

Isto dito, recorda-se que, por relação jurídico administrativa , deve considerar-se, no entender de Carlos Alberto Fernandes Cadilha (9), toda “ a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos ( um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.  Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, inter-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.

Já Marcello Caetano (10), e no pressuposto de que as relações jurídicas-administrativas não são geradas apenas por actos unilaterais, mas também por contrato [ o acordo celebrado entre duas ou mas pessoas com interesses individualizados, a cujas vontades a lei reconheça o poder de, por essa forma, livremente criarem modificarem ou extinguirem uma relação jurídica ], o qual não é de todo incompatível com o Direito Público e não são também essencialmente diferentes dos que brotam da tradição civilista, o que o caracteriza e distingue é o facto de ser ele fonte de relações de direito público e nas quais predomina a disciplina imposta pelo interesse público.

Ou seja, segundo Marcello Caetano (11), o que na verdade caracteriza o contrato administrativo, é a especial sujeição, nele, do particular ao interesse público, traduzido no dever de acatamento das leis, regulamentos e actos administrativos que se refiram as condições jurídicas e técnicas de carácter circunstancial ( não essencial) estipuladas quanto á execução das obrigações contraídas.

Também para Mário Esteves de Oliveira (12), ”sempre que por força de um encontro de vontades entre a administração e particulares, ou entre pessoas colectivas públicas se gere ( modifique ou extingue) uma relação jurídica regulada por normas de direito público, aí temos um contrato administrativo “.

Ou seja, e como também o defende Mário Aroso de Almeida (13), “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis”, e, consequentemente, “serão relações jurídicas administrativas as derivadas de actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados”.

Por último, e explicando qual o correcto e devido alcance do nº 3, do artº  212º, da Constituição da República Portuguesa, ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira (14) que em causa estão apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais), e implicando tal qualificação duas dimensões caracterizadoras :
“(1)– as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração);
(2)– as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.

Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”.

Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (...)”.

Apetrechados de todos os referidos contributos de natureza doutrinal e direccionados para a lege lata relevante em sede de resolução da questão que é objecto da apelação, e começando por caracterizar o objecto do litígio da acção intentada pelos apelantes contra o apelado MUNICÍPIO DE LISBOA, parece-nos algo linear que a causa petendi do pedido que ambos deduzem mostra-se pelos demandantes configurada como estando relacionada com o instituto da responsabilidade civil contratual [ não extra-contratual ] , isto por um lado e, por outro, como correspondendo o negócio em causa e entre demandantes e demandado outorgado a um “mero” contrato de PERMUTA de imóveis.

Também decorre do teor do conteúdo dos negócios identificados na motivação de facto [ itens 2.1. e 2.2 ] , que , reconhecendo os outorgantes que existiam diferenças de valores dos prédios objecto do contrato, logo o  proprietário do imóvel com menor valor se obrigava a entregar ao proprietário do imóvel mais valioso  e para igualação dos valores dos bens permutados, uma determinada quantia, sendo que, uma sua parte seria  paga/liquidada em espécie, e , uma outra/remanescente, através da transmissão ao ora Réu Município de Lisboa de um bem futuro.
Não estando actualmente o CONTRATO DE PERMUTA tipificado no Código Civil [ ao invés do que ocorria com o Código Civil de 1867, e que, no Título II, dedicado aos contratos em particular, dedicava-lhe três disposições legais  - 1592.º a 1594.º - , rezando vg. o artigo 1592.º que o escambo ou troca era definido como “ o contrato por que se dá uma coisa por outra, ou uma espécie de moeda por outra espécie dela “ ] , vem sendo entendido porém que ao mesmo se aplica, por força do artigo 939.º do Código Civil (CC), as normas da compra e venda e podendo/devendo ser o mesmo definido como configurando um contrato “ que tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou direitos entre os contraentes, com exclusão de dinheiro” . (15)

No essencial, portanto, a causa petendi do pedido que os apelantes dirigem contra o Réu MUNICIPIO relaciona-se com um contrato bilateral [ do mesmo brotando obrigações para ambos os contraentes e em relação de reciprocidade ou interdependência, e intercedendo entre elas um nexo de sinalagma (16) ], obrigacional e real quoad effectum [ uma vez que a propriedade dos bens trocados se transmite por mero efeito do contrato – cfr art.ºs. 879.º, al. a) e 408.º, n.º 1, ambos do C.C.], e desdobrando-se a permuta  pelos contraentes outorgada em duas obrigações unidas, que têm a sua causa uma na outra (sinalagma genético) e permanecem ligadas por uma relação de reciprocidade e interdependência durante a fase de execução do contrato (sinalagma funcional).

Continuando a análise da causa petendi da acção pelos apelantes intentada contra o MUNICÍPIO, mais exactamente esmiuçando o conteúdo dos negócios identificados na motivação de facto [ itens 2.1. e 2.2 ], uma segunda conclusão que importa retirar é a de que, no respectivo clausulado não se vislumbra existir uma qualquer estipulação ( nele aposta por vontade das partes  e nos termos do artº 405º, do CC ) que afaste a aplicação ao mesmo das normas relativas à compra e venda previstas no Código Civil, e que, vg., antes sujeite a relação estabelecida e ora em causa a leis, regulamentos e/ou princípios de direito administrativo , ou seja, a um regime substantivo de Direito Público.

De resto, menos se descobre outrossim que, no contrato bilateral pelas partes outorgado, e de PERMUTA, tenha o Réu Município emitido a respectiva declaração negocial estando protegida e resguardada pelo jus imperii , e porque vg obrigada a afectar a fins de interesse público o imóvel dos AA e objecto da referida permuta .

Em suma, se como vimos supra é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal , então e em face da natureza essencialmente civil do incumprimento contratual pelos apelantes invocado, e ,outrossim, porque não se mostra que o contrato dos autos deva [ pela vontade dos outorgantes ] regular-se por normas de direito substantivo de direito público [ administrativo e/ou fiscal vg ], tudo indica que nada justifica – em face do princípio da especialização – considerar o Tribunal Administrativo como sendo o competente, em razão da matéria, para conhecer e julgar a presente acção.

É que, convenhamos, o único ponto de contacto do contrato dos autos com o direito público reside no facto de um dos respectivos outorgantes ser  uma entidade ou contraente público [ uma  autarquia local , dispondo o artº 235º, nº2, da CRP que as autarquias locais – como os municípios - são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas ], mas, para todos os efeitos, a relação material em litígio, tal como configurada pelos AA., pode/deve ser qualificada como sendo tão só de natureza essencialmente civil , demandando a aplicação de normas civis ou privatísticas e relacionadas com a responsabilidade contratual, que não uma relação jurídica administrativa a resolver com normas substantivas de direito público.

A confirmar o acerto do entendimento supra explanado, e apesar de não aprovado ainda aquando da outorga entre AA e Réu do contrato de Permuta, recorda-se que, vem o artº 4.º, n.º 2, al. c), do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro [ Diploma que aprova o Código dos Contratos Públicos (CCP) e que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo ] , a ser expresso em excluir a aplicação do CCP aos “ Contratos de compra e venda, de doação, de permuta e de arrendamento de bens imóveis ou contratos similares “.

Ademais, e como o chamam à atenção Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (17), vem o Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro [ máxime o respectivo artº 1º, na  Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de Julho ] a tornar mais claro que a alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF [ a qual, como vimos supra, coloca na órbita dos tribunais Administrativos os litígios relacionados com a “Validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes ] sujeita à apreciação dos tribunais administrativos os litígios em matéria contratual respeitantes a dois tipos/grupos:
I)– Os contratos administrativos, cujas relações jurídicas emergentes são submetidas a um regime substantivo de direito administrativo, sendo que, devem como tal ser qualificados ( em face dos artigos 1.º, 3.º e 8.º do CCP ) e, por conseguinte, submetidos à jurisdição administrativa:
(a)- os contratos que a própria lei directamente submete a um regime substantivo de direito público, sendo que integram este grupo: (i) os contratos administrativamente típicos previstos no Título II da Parte III do CCP; (ii) os demais contratos administrativos típicos previstos em legislação avulsa; e (iii) os contratos qualificados como administrativos pelas alíneas b) e c) do n.º 6 do artigo 1.º do CCP; e
(b)- os contratos atípicos com objecto passível de contrato de direito privado que, em conformidade com o disposto nos artigos 1.º, n.º 6, alínea a), 1.º e 8.º do CCP, são administrativos quando uma das partes seja um contraente público e as partes expressamente submetam a um regime substantivo de direito público.
II)– Os contratos que, independentemente da sua designação e natureza, são celebrados pelas entidades adjudicantes a que se refere o CCP e cujo procedimento de formação está sujeito a um regime de direito público, esteja ele previsto no CCP ou resulte de legislação avulsa : esta categoria compreende os contratos administrativos previstos na alínea d) do n.º 6 do artigo 1.º do CCP, mas não se esgota nela, porque se estende a todos os contratos submetidos a regras pré-contratuais públicas, independentemente da natureza das prestações que eles possam ter por objecto..

Aqui chegados, e impondo-se concluir, porque pertinente não é integrar o objecto da acção pelos AA intentada em qualquer uma das diversas alíneas do nº1, do artº 4º ,do ETAF , máxime nas suas alíneas a), e) e f), estando ao invés o quid disputatum ou quid dedidendum do pedido que os Autores/apelantes dirigem para o Réu Município, com segurança, relacionado com QUESTÃO interligada com relação de natureza substantivamente jurídico-privada [ contrato de permuta no âmbito do qual não decorre do respectivo teor que tenha o Réu Município agido no exercício de um poder público e na prossecução de um interesse público ] , tudo aponta para  que o tribunal a quo não tenha decidido com acerto a questão da verificação de excepção dilatória da incompetência absoluta .

É que, partindo do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa no sentido tradicional de “relação jurídica de direito administrativo (18) , com exclusão, neste caso , das relações de direito privado em que intervém a Administração,  ou , até , da noção de relações que se regem por normas de Direito Administrativo (19), então pertinente não é integrar o julgamento do mérito do pedido dirigido pelos apelantes para o Réu Município no âmbito da alínea e)  , do artº 4º do ETAF e, muito menos, da respectiva alínea f) , porque em causa não está qualquer responsabilidade civil extra-contratual do demandado MUNICÍPIO DE LISBOA.

Destarte, forçosa é, assim, a revogação da decisão recorrida, impondo-se declarar a competência absoluta do tribunal judicial para conhecer do pedido que os AA dirigem ao Réu, e determinar portanto o prosseguimento da acção.
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4.– Concluindo ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC)
I- Em sede de aferição do tribunal materialmente competente, se o comum ou antes o administrativo, o que importa é ter em atenção qual a relação jurídica que está na base do litígio e qual a natureza das normas que a disciplinam, e tal como se mostra aquela configurada nos autos pelo requerente.
II- Aos tribunais administrativos está reservado o  julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais ( cfr artº. 212º., nº. 3, da CRP), e sendo estas últimas as reguladas por normas de direito administrativo.
III- Estando o pedido dos AA – de condenação no pagamento de uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil contratual – dirigido para o réu Município ancorado em causa petendi relacionado com contrato de permuta de bens imóveis, outorgado entre as partes e não sendo  o mesmo  regulado por normas de DIREITO PÚBLICO [ ao invés, mostra-se o pedido formulado e respectiva causa de pedir alicerçados em contrato de natureza exclusivamente civil e privado celebrado pelas partes, a permuta ] , não é o Tribunal Administrativo o competente para julgar a subjacente acção.
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5–Decisão
Pelo exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, na sequência dos fundamentos supra aduzidos, em conceder parcial provimento à apelação de A e B e , consequentemente decidem :
5.1. - Revogar a sentença apelada no tocante à decidida absolvição da instância do Réu MUNICÍPIO DE LISBOA;
5.2.-  Determinar o prosseguimento dos autos, porque é o tribunal a quo o competente em razão da matéria para apreciar e julgar a acção.
Sem custas .
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(1)Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.
(2)Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1,  e o Ac de 25.06.2015, do Tribunal dos Conflitos , proferido no Processo nº 08/15, ambos in www.dgsi.pt.
(3)Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil,  Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(4)Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil,  Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(5)Reza o artº 211º,nº1, da CRP, que “ Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais “.
(6)In A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, págs. 31 e 32.
(7)O ETAF -  Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - foi  aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, a qual por sua vez foi sujeito já a diversas alterações, designadamente introduzidas pelas Leis nºs 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, 107-D/2003, de 31 de Dezembro, 1/2008, de 14 de Janeiro, 2/2008, de 14 de Janeiro, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, e 59/2008, de 11 de Setembro. DL n.º 166/2009, de 31/07, Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, Lei n.º 20/2012, de 14/05 e DL n.º 214-G/2015, de 02/10.
(8)De 08-11-2018, proc. nº 058/17,  e in www.dgsi.pt.
(9)In Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Dezembro de 2006 , pág. 117/118
(10)In Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 1980, págs.  569,574, 576, 579, o
(11)Ibidem, págs 590/591.
(12)In Direito Administrativo, Vol I, Almedina, 1980,pág 650
(13)In Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág, 57.
(14)I Constituição da República Portuguesa, Anotada, II, 4ª ed., pág, 566.
(15)Cfr Prof. Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Almedina, 3.ª edição, pág. 165
(16)Cfr. Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª edição refundida,Almedina,  pág. 270 e segts.
(17)In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Almedina,  2017, págs. 24 e 25.
(18)Cfr. Professor José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Almedina, 2017, pág.s 60 e segs. .
(19)Cfr.  Professor Aroso de Almeida ,  em anotação ao artigo 212º na Constituição anotada dos Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, Coimbra Editora.
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LISBOA, 7/2/2019


                                       
António Manuel Fernandes dos Santos  (O Relator)       
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)         
Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta)