Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
438/23.5GILRS-A.L1-5
Relator: GUILHERMINA FREITAS (PRESIDENTE)
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
REENVIO PARA OUTRA FORMA DE PROCESSO
NÃO ADMISSÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/15/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PENAL
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: I - Em processo sumário é irrecorrível o despacho de reenvio para outra forma de processo.
II - Foram exigências de celeridade e simplificação processuais, presentes nas formas de processo sumário e abreviado, que levaram o legislador a optar – assumindo os riscos inerentes a tal opção – pela recorribilidade apenas da sentença e do despacho que puser termo ao processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: P ……….. veio reclamar do despacho judicial proferido em 20/3/2024, que decidiu que “Uma vez que o recurso interposto pelo arguido com a ref.ª ele. nº 14517158 foi já objecto apreciado no despacho proferido com a ref.ª ele. nº 159303622, nada mais a determinar. Notifique.”, alegando que está em crer que o recurso apresentado e o seu conteúdo em nenhum momento foi apreciado, pelo que, este despacho apesar de não o indicar expressamente, rejeitou o recurso apresentado.
Conhecendo.
Dos elementos constantes dos autos resulta que o Ministério Público apresentou os mesmos para julgamento em processo sumário e em 3/11/2023 foi proferido despacho judicial a determinar o reenvio dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.
Notificado desse despacho o reclamante dele interpôs recurso em 27/11/2023, o qual não foi admitido, por a decisão ser irrecorrível, por despacho de 5/2/2024, notificado ao ilustre defensor do arguido por ofício remetido em 6/2/2024.
Assim, não corresponde à realidade que não tenha havido despacho expresso sobre o requerimento de interposição de recurso pelo ora reclamante e sobre o seu conteúdo.
Admite-se, contudo, que a notificação não tenha sido perfeita, uma vez que só se faz referência ao despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 313.º, do CPP, sendo certo que no seguimento desse despacho foi proferido o despacho de não admissão do recurso, ao qual o ilustre defensor certamente não atentou.
Vejamos, então, a questão principal, objeto da reclamação. 
Dispõe o art. 391.º, n.º 1, do CPP, que:
“Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo”.
A questão interpretativa que, desde logo, se coloca é a de saber se a expressão “…de despacho que puser termo ao processo…” se refere ao termo do processo sumário ou abreviado, ou se essa expressão se reporta ao processo criminal, independentemente da respetiva forma, caso em que o recurso não será admissível porque este, afinal, não termina, apenas muda de forma.
Ora, esta questão, conforme tem sido entendimento da Presidência desta Relação, foi decidida pelo acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2014, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 112, de 12 de Junho de 2014, o qual, ao fixar jurisprudência no sentido de que:
«Em processo sumário é irrecorrível o despacho de reenvio para outra forma de processo», acabou por solucionar, quer a questão da admissibilidade do recurso, quer aquela outra que lhe está subjacente de o “…despacho que puser termo ao processo…” não ser o que põe termo ao processo sumário ou abreviado, mas o que põe termo ao processo criminal.
E assim, em face da jurisprudência fixada por este acórdão n.º 8/2014, dúvidas não restam de que não é admissível recurso do despacho de 20/3/2024, o qual, para além do mais, se limita a manter o já decidido no despacho de 5/2/2024, pelo que, a reclamação não pode deixar de improceder.
Refira-se, ainda, a este propósito o Ac. da RP de 6/11/2013, proferido no âmbito do Proc. 777/12.0PFPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt, no qual se diz “Com efeito, deve entender-se que “despacho que puser termo ao processo” é o mesmo que “decisão que ponha termo à causa”, expressão usada, por exemplo, nos artigos 406.º e 407.º do Cód. Proc. Penal, e significa “decisão que ponha fim ao processo criminal, conheça ou não do mérito da causa, isto é, do objecto do processo”[6].
Uma decisão põe termo à causa quando esta já não pode prosseguir.
Quando decide a situação sub judice, dando um remate ao litígio, a decisão põe termo à causa (acórdão do STJ, de 08.07.2003, Proc. n.º 2302/03-5.ª, citado por Simas Santos e Leal Henriques in “Noções de Processo Penal”, 479-480,).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 08.07.2003 (Proc. nº 2298/03-5ª): “Decisão que põe termo à causa é a que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objeto do processo, mesmo que não tenha conhecido do mérito. Tanto pode ser um despacho como uma sentença”.
Para efeitos de recurso, o artigo 391.º equipara a sentença ao despacho que puser termo ao processo e por isso se compreende que este seja recorrível.
Decisão (que não sentença) que põe termo ao processo será aquela que, por exemplo, declarar extinto o procedimento criminal por amnistia, por descriminalização da conduta imputada ou por prescrição.”
Foram exigências de celeridade e simplificação processuais, presentes nas formas de processo sumário e abreviado, que levaram o legislador a optar – assumindo os riscos inerentes a tal opção – pela recorribilidade apenas da sentença e do despacho que puser termo ao processo.
No mesmo sentido – da irrecorribilidade de decisões semelhantes – se pronunciaram os Acórdãos desta Relação de 4/11/2008 e da Relação do Porto de 6/3/2013, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos 6667/2008-5 e 155/11.9EAPRT.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, bem como o Sr. Desembargador Cruz Bucho, no estudo de 08.11.2010, com o título “A revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português” publicado no site do Tribunal da Relação de Guimarães.
Assim sendo, porque a decisão objeto do recurso interposto pelo reclamante não põe termo ao processo, nem constitui sentença, é a mesma irrecorrível.
Pelo exposto, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 405.º, n.º 4, do CPP.
Custas a cargo do reclamante.
Notifique-se.

Lisboa, 15 de Abril de 2024
Guilhermina Freitas – Presidente