Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
535/19.1T8MFR.L1-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: INUTILIDADE DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DA GUARDA DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA DA CRIANÇA NO ESTRANGEIRO
VONTADE DA CRIANÇA
CONVIVÊNCIA COM O OUTRO PROGENITOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A impugnação de factos que não sejam relevantes para a decisão da causa não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é suscetível de interferir na mesma, atenta a inutilidade dessa apreciação, de acordo com o princípio da limitação dos atos.
II. Na apreciação de pedido de alteração da guarda, a permanência da criança no estrangeiro, na companhia de sua mãe e do agregado familiar que entretanto constituiu, não pode revestir-se como desvalor, dando-se preferência a um progenitor por residir em Portugal em desfavor de outro, por residir no estrangeiro.
III. A vontade da própria criança apenas surgiria como factor de decisão caso fosse acompanhada de outras circunstâncias que apontassem para a vantagem da alteração.
IV. Sendo que a pretendida alteração não se vê como necessária em vista do superior interesse a proteger – o da criança – mas, apenas, conveniente, em vista do interesse (ainda que legítimo) do pai, que a Lei coloca em segundo plano.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
A
interpôs a presente alteração da regulação das responsabilidades parentais, relativas a
B
contra
C
peticionando:
Pelo que se impõe alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor B, por forma a que a sua  residência passe a ser fixada com o Pai, em Portugal, estabelecendo-se que, aquando das deslocações da Requerida a Portugal, esta privará e estará com o menor sempre que quiser, bastando para tal que avise previamente o Requerente com uma antecedência mínima razoável.
Citada, a requerida deduziu oposição, propugnando pela improcedência da pretendida alteração.
Realizada audiência final, foi proferida sentença, em 2/1/2024, com o seguinte dispositivo:
Tudo visto e ponderado, o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 42.° do RGPTC e artigos 1905.° e ss. do Código Civil, decide-se alterar na totalidade o regime de regulação das responsabilidades parentais da B, no que se julga ser o seu superior interesse face aos fatos provados e a subsunção do regime com o enquadramento interdisciplinar enquadrado supra, nos seguintes termos:
1- A guarda é atribuída à mãe, exercendo em exclusivo as responsabilidades parentais quanto aos atos de particular importância (cf. artigo 1906.°-2 e 1906.°-A-2-b) do Código Civil), devendo a progenitora sempre consultar previamente o pai e depois o informar das decisões tomadas quanto aos atos de particular importância.
2- Quanto aos contatos com o pai e alimentos, são fixados nos seguintes termos:
a. No período de natal: de 18 a 26 de dezembro a criança ficará um progenitor, e de 26 de dezembro a 2 de janeiro com o outro, alterando no ano seguinte, cabendo o primeiro período ao pai e o segundo à mãe, e assim sucessivamente.
b. Nas férias da pascoa a criança passará as férias escolares uma semana com o pai, a primeira do período das férias escolares, caso esteja previstas na escola que frequenta.
c. No verão a criança estará um mês e meio com o pai, havendo acordo em datas que resultem desse acordo, não havendo, o período do pai será desde o dia 15 de julho a 31 de agosto.
d. Nestes períodos da criança com o pai, a criança deverá ter acesso a contatos regulares por videoconferência com a mãe, pelo menos duas por semana, cabendo ao pai garantir e promover esses contatos.
e. Considerando a necessidade de efetuar viagens de avião, a criança poderá viajar acompanhado pelo pai ou mãe, ou quem a mãe indicar, seja hospedeira ou não.
f. Para além destes períodos, o pai deverá estar com a criança sempre puder, designadamente quando a criança vier a Portugal, devendo mãe facilitar e promover esses contatos, como direito do filho a ter também pai.
g. Nos restantes períodos em que pai e mãe estejam a viver em países diferentes, o pai deverá efetuar videoconferência com o filho pelos menos duas vezes por semana, uma ao fim de semana, por acordo com a mãe, e não havendo, à quarta e sábado pelas 19 horas, horas locais onde a criança se encontrar.
h. Deverá ainda ser garantido contatos presenciais ou por videoconferências da criança com os progenitores, consoante as circunstâncias, nos dias de aniversário dela e dos pais, e no dia do pai e da mãe.
i. As videoconferências deverão ser garantidas em condições de qualidade tranquilidade pelo progenitor que tiver a criança ao seu cuidado.
j. Com ambos os progenitores em Portugal, as entregas da criança ao pai serão efetuadas na casa da mãe em Portugal, recolhendo a mãe o filho na casa do pai. Sempre que o B viajar de avião acompanhado por terceiro, o pai recolherá o filho no aeroporto de destino, de preferência o de Lisboa.
k. A título de pensão de alimentos, considerando os rendimentos do agregado do pai e os da mãe, a pensão manter-se-á em € 150,00 (cinco euros por dia), fixando-se agora em 1/3 a cargo do pai, e 2/3 a cargo da mãe, com despesas escolares em escola pública, com livros, material escolar, explicações, visitas de estudo, propinas na universidade, (sendo privada a escola até ao 12.° ano, como é atualmente, a despesa com propinas caberá à mãe) e as saúde com médicos, medicamentos, intervenções cirúrgicas, exames, análises, incluindo as especialidades de dentista e oftalmologista, e também as de psicologia.
l. A pensão mensal fixada no ponto anterior será atualizada anualmente, em janeiro, com início em 2025, de acordo as percentagens de inflação calculados pelo INE para o ano anterior.
 m.           As viagens de avião serão suportadas pela mãe, que tem rendimentos no seu agregado, muito superiores aos do pai, e esta opção, é dela, embora legítima.
*
Inconformado, o requerente interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em apreço, alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais da criança B, filho de recorrente e recorrida, sentença com a qual não se conforma o recorrente, nem de facto e nem de direito.
2.ª A sentença recorrida fixou o regime de regulação das responsabilidades parentais da criança B nestes termos: a guarda é atribuída à mãe, exercendo em exclusivo as responsabilidades parentais quanto aos atos de particular importância (cf. artigo 1906.°-2 e1906.°-A-2-b) do Código Civil), devendo a progenitora sempre consultar previamente o pai e depois o informar das decisões tomadas quanto aos atos de particular importância; fixando a sentença as restantes especificações quanto a visitas e estadias do pai, em férias, os contactos, as entregas e recolhas e a prestação de alimentos.
3.ª A sentença recorrida padece de errónea e incongruente fundamentação.
4.ª O pedido formulado pelo recorrente pai na presenteação teve por fundamento, entre outros, o acordo celebrado entre os progenitores, homologado judicialmente, em 12.06.2018, acordo em que os progenitores fixaram a seguinte cláusula:O Pai autoriza a criança a deslocar-se com a Mãe, para a Guiné Bissau e residir nesse País enquanto a Mãe ali permanecer, com o limite máximo do mês de Dezembro de 2021.
5.ª Impugnam-se os factos que foram dados como provados nos itens 8., 9., 10., 11.,13. e 15. da sentença.
6.ª Quanto aos factos levados aos itens 8. e 9.a sentença recorrida dá como provado ter existido agressões do progenitor à mãe  e a outros elementos da família alargada e amigos; a fundamentação apresentada pela sentença para dar esta matéria como provada são os documentos indicados e reproduzidos em imagem na sobredita sentença em I-c) e dd), a fls. 36 a fls. 45 da sentença, ou seja, a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o recorrente ( apenas a acusação consta da imagem em causa); e como refere a sentença na dita fundamentação, tal acusação em sede de instrução foram todas as queixas quanto aos crimes que a admitem objeto de desistência;e quanto à queixa de violência doméstica foi a mesmo objeto de decisão de suspensão provisória processo; ou seja, a própria sentença reconhece que a acusação do Ministério Público não foi apreciada nem em sede de instrução nem em sede de julgamento.
7.ª Ora, os factos levados a uma acusação do Ministério Público não podem ser dados como provados só com base na dedução da acusação;o legislador do processo Civil criou normas específicas e próprias para a prova dos factos averiguados em sede penal poderem ser dados como provados fora dele; só a condenação definitiva proferida no processo penal constitui presunção (ilidível) no que se refere à existência dos factos que a integram ( art.° 623° do C.P.C.); num Estado de Direito, como é o nosso, não podem os Tribunais cíveis considerar como provados factos levados a uma acusação em processo-crime, cujo desfecho foi o arquivamento, quer por desistência quer por suspensão provisória.
8.ª No caso dos fatos que levou aos itens em apreço o julgador inferiu da instauração do processo-crime, aquando da separação do casal, os factos que levou aos itens 8. e 9., mas fê-lo por inferências, ilógicas e sem observância dos princípios constitucionais do direito penal - todos os arguidos se presumem inocentes até ao trânsito em julgado de sentença condenatória - não podem permanecer na sentença os factos levados aos itens 8. e 9. da sentença, sob pena de violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência dos arguidos e do caso julgado.
9.ª Quanto ao item 10. asentença recorrida considerou que a prova dos factos levados ao item 10. se inferia dos documentos em I-g) - pág. 47 da sentença - e ainda dos depoimentos identificados em II - c) e) f) dastestemunhas  …; porém, a verdade é que não se inferem estes fatos de nenhum dos depoimentos resumidos das testemunhas identificadas na fundamentação da sentença; não há qualquer relação entre os factos dados como provados e os resumos dos depoimentos das testemunhas transcritos na sentença a páginas 70 a 74; nenhuma das testemunhas se pronunciou sobre os factos levados ao item 10., nenhuma das identificadas testemunhas se lhes referiu nos seus depoimentos acima transcritos.
10.ª Quanto aos fatos levados ao item 11. a sentença conclui que o pai, dirigindo-se ao filho chama frequentemente nomes injuriosos ou difamatórios a toda a família materna; os documentos indicados pela sentença para tais inferências são os que constam em i-p), q) e e) da sentença; a irrazoabilidade de tais inferências: o documento p) - pág. 47 da sentença - é um email da autoria da mãe enviado ao pai e no qual a mãe diz ao pai que ele a insulta, este email foi junto à contestação da Mãe como documento n° 30; não se pode inferir, sem mais, que só porque a mãe diz que o pai a insulta, que o pai incorre nessa conduta; odocumento 9) - pág. 48 da sentença - é o documento n° 31 junto à contestação da Mãe, que traduz uma conversa por WhatsApp entre a mãe e o pai, na qual o pai acusa a mãe de o impedir de ter uma relação com o filho de ambos, é a mãe quem nessa conversa afirma para o pai "acabaste de me chamar perversa"; nessa mesma conversa o pai queixa-se da qualidade dos telefonemas e diz à mãe "a tua psicopatologia já não tem tratamento"; mas não chama o pai à mãe os nomes que a sentença fez constar do item 11.;
também o Prtscr de ecrã de conversas por WhatsApp entre os progenitores levado à alínea ee) página 62 da sentença não permite a prova do que foi levado como provado ao item 11; nessa conversa é a mãe quem diz ao pai que não permite que me chames cabra de merda à frente do B, é a mãe quem diz ao pai "acabaste de dizer ao B tens de pedir à vaca da tua mãe para vires ver a tua maninha”, isto em 13 de maio de 2023, poucas semanas antes da audiência de julgamento já marcada; nessas conversas não se ouve o pai chamar à mãe nenhum dos nomes que foram levados ao item 11.; a sentença errou na inferência que fez; posto isto, deve ser alterada a matéria de fato dada como provada neste item e substituída por outra.
11.ª Quanto aos factos do item 13.a sentença fundamentou a matéria de facto dada por assente neste item com os seguintes meios de prova: relatório do EMAT indicado em I-X-fls. 57 e 58 da sentença - declarações da progenitora em 29.04.2021, descrito em II-b) e depoimentos da testemunha… em II -i, de … descrito em II-o) e … descrito em II-m); o relatório do EMAT com data de 5.05.2020 (data da 1a conferência de Pais) não permite que se conclua no sentido da matéria dada como provada neste item; no relatório do EMAT não consta que tenha sido ouvida a criança …; o relatório do EMAT relata as declarações da progenitora quanto a esta matéria, edo relatório da EMAT não consta que tenhamsido realizadas diligências de prova no sentido de averiguar as inferências das declarações da progenitora; assim, apenas teremos como meio de prova para esta matéria as declarações da progenitora e do seu companheiro S__ e o depoimento das testemunhas …; segundo esta testemunha - fls. 78 da sentença - esteve com o B num restaurante na Guiné-Bissau quando o B regressou de Lisboa na véspera e ouviu o Bdizer à Mãe "o Pai disse-me que és uma bruxa má, não mandas em mim e eu faço o que eu quero";das declarações da testemunha X - fls 81 e 82 da sentença - infere-se que ouviu o B chamar "puta" à mãe e perguntar-lhe porquê e ele disse, "mas é isto que o pai chama à mãe"; ambas as testemunhas ouviram o B dizer que o pai chamava nomes à mãe, mas nenhuma delas ouviu o pai chamar à mãe nomes; ambas as testemunhas … declararam que o B tem boa relação com a mãe e é com ela afetuoso (pág. 82 da sentença); as declarações do S__, fundamento da matéria dada como provada neste item, e relatadas a fls 85 e 86 da sentença não contém qualquer referência a que tenha o S__ presenciado o B a chamar nomes à mãe, o … considera, como a progenitora considera, em apreciação subjetiva de ambos, que os contactos telefónicos entre o B e o Pai o deixa ansioso, que o B não pede para falar com o pai, que tem que o incentivar, que gagueja mais quando vai de férias com o Pai.
12 ª Quanto a esta matéria o Tribunal desprezou o depoimento da testemunha …, companheira do pai, e deveria o julgador ter valorado tanto as declarações da progenitora e do seu companheiro como as declarações da companheira do pai, e no confronto de uma e outras, a todas deveria ter dado o mesmo valor probatório, agindo de acordo com o dever de imparcialidade; otribunal não atendeu às declarações da companheira do pai - Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:55:24 que se transcrevem nestas alegações ( cf. supra páginas ....); ao ter valorizado apenas as declarações da progenitora e do seu companheiro, desprezando as declarações da companheira do pai, o Tribunal violou o seu dever de imparcialidade incorrendo em erro de julgamento sobre a matéria de facto.
13.ª Quanto aos fatos levados ao item 15.estão incompletos porque o Tribunal desprezou na íntegra as declarações do progenitor quanto a estes factos;considerou o Tribunal que esta vinda do B da Guiné-Bissau com escala em Lisboa e com destino ao Porto gerou mais um conflito na presença da criança com intervenção da PSP na esquadra; fundamentou o Tribunal os factos dados como provados, parcialmente, com o depoimento da testemunha … e com as declarações da progenitora; o Tribunal deu como provada uma versão parcial dos acontecimentos e omitiu as razões do conflito e ida à esquadra; tal como se acha aí relatado o pai pretendeu ficar com o B em Lisboa, já que o avião fez escala em Lisboa, o que a progenitora impediu com o despacho da bagagem do B para o destino do Porto, obrigando o pai a fazer a viagem de Lisboa-Porto para aí recolher o B e a sua bagagem; leia-se o relato do depoimento da testemunha RB__ - transcrito a fls. 80 e 81 da sentença - a viagem do B da Guiné para Lisboa, a 12.12.2019, confirmando que o pai estava em Lisboa à espera do B e que teve que embarcar no mesmo voo com destino ao Porto para aí lhe ser entregue o B e que foram à esquadra da PSP no Porto; e das declarações da progenitora - transcritas a fls. 67 a 69 da sentença - quanto à viagem do dia 12.12.2019 nada se infere no sentido da matéria dada aqui como provada; aliás a progenitora terá combinado a entrega do B em Lisboa, o que não aconteceu; e o progenitor declarou, quanto a esta matéria, fls. 66 da sentença, que foi combinado a entrega da criança na Gare do Oriente, mas que se deslocou ao Porto e que o avô materno o acusou de retirar documentos e chamou a PSP; o tribunal não completou a matéria de facto neste item 15, só nela consignou parcialmente os factos; ao fazê-lo o Tribunal permite que os destinatários da sentença infiram conclusões erradas, imputando mais um conflito e uma ação censurável ao pai, quando deveria ser a mãe a censurada ao ter marcado a viagem do B da Guiné-Bissau com destino ao Porto, não entregando o B ao pai em Lisboa como estava estipulado no regime em exercício das responsabilidades parentais.
14 a Posto isto, os factos levados aos 8., 9., 10., 11., 13., e 15., deverão passar a conter a seguinte redação:
8. A relação do casal tem sido marcada por conflitos que se iniciaram com a separação do casal, que deram origem a processos-crimes que foram arquivados por desistência de queixas.
9. Eliminada a matéria na íntegra.
10. O requerente sente-se amargurado, sofrido, pelo afastamento do filho, por este estar a residir com a mãe em países estrangeiros, desde o divórcio dos progenitores.
11. Os contactos por meios áudios entre o pai e o B são dificultados pelas comunicações, o B não se concentra nas chamadas que o pai lhe faz, o pai tem dificuldades em estabelecer conversas com o filho, ou porque o B não quer falar ou porque não está em ambiente próprio.
13. O B diz à Mãe que o Pai diz mal dela.
15. Numa das viagens do B para Portugal, para ser entregue ao pai, a mãe comprou um bilhete com destino ao Porto e escala em Lisboa, despachando a bagagem do B com destino ao Porto, o pai que estava à espera do B no aeroporto em Lisboa comprou bilhete de avião e foi no mesmo voo até ao Porto e daí regressou com o B a Lisboa.
15 a Fundamentos da prova para assim ser alterada a matéria de facto:
- Quanto aos factos do item 8. - Depoimento prestado na audiência de
discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da  testemunha …, nas passagens a partir de 00:53:32 ;       Depoimento prestado na   audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:43:48; Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695do Requerente, nas passagens a partir de 01:31:10.
- Quanto aos factos do item 11.- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:09:09 e de 01:03:36.
16.a Quanto à matéria de facto levada aos itens 19. e 20. dos factos provados; toda a matéria de fato levada a estes dois itens foi extraída por transcrição da perícia psicológica realizada ao progenitor; porém, o julgador extraiu parcialmente da dita perícia excertos do relatório, o que é grave, muito grave, e descurou elementos do relatório que são relevantíssimos para o objeto dos presentes autos; do relatório da perícia psicológica - que levou o julgador a fazer constar o que consta no item 19. e extraídos estes da pág. 15 do relatório (item 6.2) - também constam as seguintes observações:
6.4 À data da avaliação, o examinado não reporta sintomas de severidade global de desajustamento emocional na avaliação instrumental e nenhuma escala de sintomas ultrapassa o valor limite para o que se considera clinicamente significativo.
6.5 A análise integrada da informação clínica recolhida nos dados documentais e antecedentes pessoais e familiares, indica um perfil de funcionamento ansioso, e dá conta de historial de quadro depressivo em contexto de se sentir privado de conviver de forma regular com o seu filho e acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento de forma participada.
6.7 Da análise integrada da informação recolhida apura-se que o examinado evidencia preocupação, dedicação, envolvimento e proximidade afetiva com o filho. Ao longo do desenvolvimento da criança reporta ter procurado ir ao encontro das suas necessidades e especificidades. Não obstante, a separação conjugal com a progenitora do filho B, afastamento da criança com a sua alteração de residência para o estrangeiro com a mãe, e consequentemente conflito parental, indicia ter tido impacto no seu funcionamento psicológico e na forma como perceciona a progenitora no seu papel de mãe.
E quanto a esta mesma matéria de facto, o Tribunal desprezou na íntegra toda a prova pericial contida no exame médico-legal realizado ao progenitor e junto aos autos a 2. março.2022 cujas conclusões se transcrevem:
1. Da avaliação clínica realizada, consideramos que o Examinado apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação de Ajustamento (CID-10: F 43 OMS, 1992), com sintomas mistos ansiosos e depressivos, atualmente em remissão sintomática.
6. O Examinado não sofre de Perturbação Depressiva Recorrente (CID- 10:F33) ou de Episódio Depressivo (CID-10:F32); como referido na resposta ao quesito 1, tem o diagnóstico de Perturbação de Adaptação que, no caso do Examinado, cursou com sintomas depressivos.
17 a Ao eleger a sentença como elegeu parte das conclusões apenas de uma das duas perícias, a psicológica, desprezando a médico-legal, sem qualquer apreciação crítica da prova obtida, lançando fatos sem se saber porque extrai uns e outros não, da mesma prova pericial e porque não extrai nenhuns de outra perícia, o Tribunal não só desvirtua o trabalho científico dos Peritos autores do relatório como contribui para que a sua decisão não seja acatada com legitimidade.
18.a Deve ser aditada à matéria de facto os factos que resultam da prova pericial que se transcreve:
1- A análise integrada da informação clínica recolhida nos dados documentais e antecedentes pessoais e familiares, indica que o progenitor apresenta um perfil de funcionamento ansioso, e dá conta de historial de quadro depressivo em contexto de se sentir privado de conviver de forma regular com o seu filho e acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento de forma participada.
2 - No que diz respeito à avaliação das competências parentais, na avaliação instrumental apura-se um nível baixo de stresse associado ao exercício da parentalidade, sendo que apresenta maior stresse associado a medos e angústias, que eventualmente deriva do impacto do processo judicial em curso.
19.a É, pois, de se concluir, o que se espera seja feito em sede de recurso, que a matéria de facto dada como provada é deficiente e omissa de factos relevantes, devendo ser aditados aos factos provados os seguintes:
1-À data da avaliação, o examinado progenitor não reporta sintomas de severidade global de desajustamento emocional na avaliação instrumental e nenhuma escala de sintomas ultrapassa o valor limite para o que se considera clinicamente significativo.
2-A análise integrada da informação clínica recolhida nos dados documentais e antecedentes pessoais e familiares, indica o progenitor com um perfil de funcionamento ansioso, e dá conta de historial de quadro depressivo em contexto de se sentir privado de conviver de forma regular com o seu filho e acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento de forma participada.
20. a A sentença é nula por omissão de fatos essenciais e instrumentais relevantes para a decisão; os factos sobre as atuais condições de vida do B são escassos perante a abundante prova produzida em audiência de julgamento; a sentença não contém factos suficientes, e deveria conter, sobre a atual vida do B, de modo que o Tribunal decidisse com atualidade e de forma séria; e os factos que se consideram relevantes para a ponderação do interesse da criança, e que se acham omissos na sentença, são os factos referentes às suas atuais condições de vida, familiar e escolar nos Camarões.
21. a Posto isto, deverá tal omissão ser preenchida, com a seguinte matéria de facto, a aditar aos factos levados aos itens 25. e 26. da matéria de facto que deve ser dada como provada:
A) O B vive em residência permanente com a Mãe desde a separação do casal (...), viveu dois anos em Angola, três anos na Guiné e desde setembro de 2021 vive nos Camarões.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:06:46.
B) O B tem uma gaguez que é genética, do lado da família da mãe há muitos gagos (declarações da Progenitora...) - Não temos as declarações da progenitora
C) O B está matriculado e frequenta o 4° ano de escolaridade com ensino francês.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia
12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695 do Requerente, nas passagens a partir de 01:47:22.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia
12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:49:32.
D) O B teve consultas de psicologia no ano de 2022, para gestão das emoções, online com uma Psicóloga do Porto
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695 do Requerente, nas passagens a partir de 01:48:37.
Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:17:47.
E) O B é uma criança viva, alegre, aventureiro.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia
19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:27:41.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia
12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695 do Requerente, nas passagens a partir de 01:42:41 que se passam a transcrever:
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia
12.07.2023, gravado ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695da testemunha …, nas passagens a partir de 00:10:25 que se passam a transcrever:
F) O companheiro da Mãe, o …, "castiga” o B quando se porta "mal", às vezes bate-lhe dando-lhe uma palmada (as declarações do B são através do depoimento da …).
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha …, nas passagens a partir de 00:27:20 e de 01:08:46.
22. a Outros factos, referentes ao estado emocional do Pai que deverão ser aditados á matéria de facto assente:
A) O diálogo entre os progenitores é difícil, a C é imperativa nos emails e não estimula as conversas entre o B e o Pai.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha ..., nas passagens a partir de 00:53:32.
B) Por vezes o progenitor sente raiva, outras vezes está esperançado com o desenrolar dos presentes autos, o que lhe cria ansiedade e condiciona o seu estado anímico.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha ..., nas passagens a partir de 00:57:46.
23. a Inferências que se retiram do conjunto de factos assentes: a) o B fará 10 anos em maio de 2024, concluirá o 1° ciclo do ensino primário no corrente ano letivo; b) o B vive com a mãe, desde a separação dos progenitores, e já viveu em três países de África, frequentando escolas privadas, em língua francesa; c) o B passa férias em Portugal na residência do Pai, em Mafra; d) os progenitores mantêm entre si conflitos quanto às entregas e recolhas do B e quanto às comunicações audiovisuais com a criança; e) o pai sente ansiedade, amargura e sofrimento com o afastamento do filho e com o desenrolar do presente processo judicial; 1) a Mãe é médica, tem um discurso bem constituído, mas é pouco flexível e não estimula os contactos do B com o pai; g)o B está afastado do convívio regular com o Pai há seis anos a esta parte; h) o B não conta ao Pai a sua vida em África, não se concentra nas chamadas telefónicas com o pai; i) o B foi acompanhado por psicóloga para gerir a ansiedade; j) o motorista é quem leva o B à Escola, tem empregada doméstica em casa e explicadora particular que o auxilia nos trabalhos de casa, porque a Mãe passa muito tempo a trabalhar; l) o B é alegre, saudável, irrequieto, tem gaguez (hereditária).
24.a - O B nas suas declarações perante o Juiz disse-lhe que já esteve com a mãe agora quer ficar com o meu Pai.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712163024_4261244_3447695 do menor B nas passagens a partir de 00:57:46.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha ..., nas passagens a partir de 00:45:39. Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695 do Requerente, nas passagens a partir de 02:05:20.
25.a A fundamentação da decisão final proferida na sentença recorrida - a guarda é atribuída à mãe, exercendo em exclusivo as responsabilidades parentais quanto aos atos de particular importância, devendo a progenitora sempre consultar previamente o Pai e depois o informar das decisões tomadas quanto aos atos de particular importância - foi a seguinte, em síntese, e citando-se" não há dúvidas que há alterações das circunstâncias dos pressupostos do regime fixado, e são notórias, desde logo o local de residência da criança que era limitado no tempo e a carreira internacional da progenitora mantém-se, agora já nem na Guiné está, e está sim nos Camarões” (pág. 93 da sentença);”os factos provados são inequívocos, aqui é a mãe sem qualquer dúvida o progenitor amistoso.” (pág. 101 da sentença);”Este pai maltrata o filho quando lhe devolve coisas negativas sobre a mãe e a família materna, dificultando e muito a relação consigo, alienando-se a si próprio (pág. 101);”sendo a mãe o progenitor amistoso, a cláusula acordada pelos pais no regime em vigor de apenas autorizar a saída do filho para Bissau, e ainda mais a temporalidade, até dezembro de 2021, é contraída aos interesses da criança”. Logicamente terá (a criança) de continuar a viver com a mãe”.
26.a O restante raciocínio do julgador explanado na sentença, eivado de subjetivismo puro, não alicerçado em factos provados, constituiu uma notória propensão pelo encontrar de justificações para a opção que a sentença fez; o julgador analisou os "sonhos” da mãe, a sua carreira profissional, deslumbrando- se pela mesma, como teve a oportunidade de o afirmar em vários comentários que teceu ao longo das sessões de julgamento, e até mesmo durante os depoimentos das testemunhas oferecidas pela mãe que desenvolveram ou desenvolvem trabalho fora de Portugal; não se coibiu o julgador de glorificar as opções profissionais da mãe, as suas preferências por uma vida holística, sobre a qual o julgador e progenitora trocaram impressões.
27.a O desenrolar dos presentes autos, os inúmeros articulados, os sucessivos adiamentos de diligências, causaram ao progenitor, como se extrai dos relatórios periciais, "stresse associado a medos e angústias" (pág. 16 do relatório assinado pela Senhora Perita Dr*);o progenitor A em determinado período dos presentes autos demonstrou-se ansioso, agitado, tenso, irritável; e foi esse seu estado de funcionamento que o terão levado a ter, por vezes, reações menos adequados em vez de procurar diálogo com a progenitora sobre a vida do B, sobre as entregas e recolhas do B; a conflitualidade advém desta falta de confiança no tratamento por igual do que é igual, no respeito pela igualdade na parentalidade, no respeito pelo direito ao contraditório.
28.  A vontade da criança, do B não foi valorada pela sentença para a fixação da sua residência; o B nas declarações que prestou perante o Juiz disse-lhe:
“Eu já estive com a minha mãe agora quero ficar com o meu Pai.”
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712163024_4261244_3447695 do menor B, nas passagens a partir de 00:57:46.
- Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 19.04.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230419112147_4261244_3447695 da testemunha ..., nas passagens a partir de 00:45:39. Depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 12.07.2023, gravado no ficheiro áudio - 20230712134640_4261244_3447695 do Requerente, nas passagens a partir de 02:05:20.
29.a Ouvindo-se o depoimento do B qualquer ouvinte concluirá que o B é uma criança feliz tanto com o Pai como com a Mãe, o que foi corroborado por todas as testemunhas; tanto se sente bem em casa da Mãe como se sente bem em caso do Pai, estando adaptado à separação dos pais, não aceita e não se conforma é com a comprovada falta de capacidade de diálogo entre os dois; mas o B disse em sede de audição: ”Eu já estive com a minha mãe, agora quero ficar com o meu Pai.”.
30.a A vontade da criança é um meio de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal e não uma decisão, não é a criança quem decide a regulação das responsabilidades parentais, mas sim o Tribunal, porém, a jurisprudência, suportada na doutrina e nas áreas das ciências que a auxiliam nestas matérias, defende, como princípio informador, que deve o Tribunal decidir por forma a satisfazer as preferências da criança desde que a isso se não oponham dificuldades inultrapassáveis, as quais na realidade não existem no caso em apreço; in casu, o que importaria e que deveria ter sido feito pela sentença, era analisar em concreto o depoimento da criança em toda a sua dimensão, aquilatar se a vontade da criança foi manifestada com clareza, se essa vontade deveria ou não deveria ter sido acolhida na decisão da fixação da residência; o B expressou livremente a sua vontade em querer agora viver com o Pai, e nunca teve qualquer acontecimento negativo em casa do pai.
31.a Sublinhe-se que o B expressa a sua vontade numa só razão muito especifica, que elege como importantes, até porque sempre disse que gosta tanto da mãe como do pai - já viveu com a mãe agora é tempo de viver com o pai; note-se que do ponto de vista psicológico não nos foram trazidos quaisquer indícios que façam supor que o B não possua capacidade para fazer escolhas; da audição do B resultou a conclusão de que a vontade expressa do B não foi fruto de um qualquer conflito com a mãe ou sedução pelo pai, o que resulta é que o B deseja viver com o pai porque, não podendo viver com os dois por causa da separação de ambos e da sua residência em países distantes, então agora deverá viver com o pai porque já viveu com a mãe até agora.
32.a Estando o Tribunal perante dois progenitores, conflituantes entre si, ambos responsáveis por essa conflitualidade, ambos incapazes de superar essa conflitualidade, se o Tribunal entende que a criança deve continuar a residir com o progenitor com quem sempre residiu, se o Tribunal opta por um dos Progenitores sem atender à vontade da criança, mesmo que esta vontade seja determinada por razões afetivas, está o Tribunal a atentar contra os interesses da criança; o tribunal decidiu contra o interesse da criança.
33.a Dar peso às declarações de uma criança, mostra que a mesma deixou de ser tratada como um objeto para ser caracterizada como um sujeito de direitos, que possui a prerrogativa de se pronunciar sobre uma questão fundamental da sua vida, constituindo-se um sujeito de direitos e não um objeto em disputa; os Estados Partes da Convenção sobre os Direitos da Criança garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade (artigo 12°); a conjugação das disposições legais com relevo para o contributo da psicologia forense desagua no princípio da audição da criança, o qual se traduz (i) na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade (ii) no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração (iii) numa cultura da criança enquanto sujeito de direitos; a preferência da criança diz respeito a um elemento que deve ser considerado conjuntamente com outros tantos (e.g., fatores relativos à criança, fatores relativos aos pais, condições geográficas, condições familiares) e cujo resultado da análise factual não deve colidir com o superior interesse da criança; e o que não se alcança da sentença é a razão da não atendibilidade da vontade expressa pela criança.
34.a A omissão de factos relevantes para a boa decisão da causa, a extrair do depoimento do FR__ e do acervo documental afeta a sentença do vício de nulidade, nulidade que se invoca nos termos do art.° 615° - 1 - alínea d) do CPC.
35.a Em conclusão, e em sede critica á decisão recorrida quanto á matéria de fato constante aqui em apreciação diremos, pôr fim, o juízo sobre os factos, como já dizia Carnelutti, tem que se basear em elementos probatórios por meio de inferências logicamente válidas e controláveis; não encontramos na sentença recorrida esse juízo sobre aqueles factos, nem aceitamos que ocorram inferências válidas e lógicas retiradas do mencionado acervo documental e do conteúdo resumido dos depoimentos das testemunhas para àqueles fatos chegar nos termos em que o julgador declarou chegar.
36.a Quando os factos são controvertidos a atividade decisória, o juízo decisório corresponderá sempre a uma escolha entre soluções alternativas, como é o caso destes factos; quando o juízo decisório incide sobre uma das versões, tem o Tribunal o dever de estabelecer e formar a convicção sobre a versão dos factos que se lhe afigura ou é tida como a mais provavelmente verdadeira; e se o Tribunal elegeu como a mais provável aquela que elegeu - guarda exclusiva da criança com a mãe no estrangeiro - então tem o juízo decisório que demonstrar as inferências pelas quais atribuiu a uma das alternativas um grau de verdade equivalente a uma certeza; o que o julgador não fez in casu; e tanto não o fez como também desprezou aprova da qual as inferências iam em sentido contrário.
37.a Em conclusão, nesta matriz dogmática-normativa, a ponderação que o caso reclama assenta na aferição da necessidade de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais no que respeita ao pugnado pelo progenitor requerente.
38.a Em suma, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em sua consequência, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que decida
a) a residência da Criança B deve ser fixada com o Pai a partir do próximo ano letivo, em Portugal, na sua casa de morada de família em -- com a companheira e os dois irmãos mais novos nascidos desta união;
b) devendo ser regulados os aspetos, também relevantes para a vida do menor, referentes às suas férias com a Mãe e viagens para os Camarões nos termos em que agora são fixados na situação inversa.
39.a A sentença padece dos vícios de erro na fixação da matéria de facto e de aplicação do direito, sendo as normas violadas as que se especificam: art.° 1906° do Código Civil, em especial o n° 6; art.° 5° - 2- alíneas a) e b), o art° 607°- 4, e 615° - 1 - alínea d) todos do Código do Processo Civil, art.°s 4° 1- c) e 5°- 1 do RGPTC.
*
A requerida contra alegou, rematando com as seguintes conclusões:
I. A sentença do Tribunal a quo, sob recurso, não merece qualquer reparo, nem de facto nem de direito, resultando de análise cuidada da prova, não tendo o Recorrente logrado provar nenhum facto que determinasse uma decisão do Tribunal a quo em sentido diferente da proferida pelo que deve manter-se nos seus exactos termos.
II. O Recorrente não pode dispor de novo prazo para apresentação de novas alegações de recurso pois se entendesse que não tinha ao seu dispor os meios disponíveis para recorrer, deveria ter usado das faculdades previstas para o efeito, como ter entrado em contacto telefónico com o Tribunal para obter as mesmas e ter requerido prorrogação do prazo para o efeito ou o que entendesse conveniente, o que não fez.
III. O Recorrente impugna a matéria de facto sem, contudo, delimitar nas suas alegações e conclusões qual a prova, questões jurídicas e fundamentos que justificariam as alterações pedidas, sendo confusos os argumentos e indicação da alegada prova.
IV. O Recorrente requer a alteração ou eliminação dos factos da matéria dada como provada na sentença: 8; 9; 10; 11; 13; 15, o que não pode de todo proceder.
V. A factualidade resultante dos factos provados 8 e 9 em nada conflitua com os princípios constitucionais da presunção de inocência dos arguidos e do caso julgado, pois é possível dar como provados factos, num processo tutelar cível, tendo como princípio de prova uma decisão judiciária (despacho de acusação) conjugada com a demais prova testemunhal e documental.
VI. O Requerente esquece-se de que as agressões foram por si perpetradas à Requerida C, num restaurante, em frente a familiares e funcionários do mesmo, que prestaram depoimento perante autoridade judiciária e que a mesma foi sujeita a exame médico-legal, tendo ficado inclusivamente com uma incapacidade.
VII. O Recorrente não apresenta fundamento para alteração da matéria de facto no ponto n° 10, pelo que apenas se pode concluir que a redação do facto se deva a um ego ferido e interpretação própria, sem objectividade, sobrepondo-se à interpretação levada a cabo pelo MM° Juiz a quo, respeitando o princípio da livre apreciação da prova.
VIII. De acordo com a documentação analisada, a mensagem exposta nas redes sociais do Recorrente e os testemunhos identificados, o MM° Juiz a quo criou a convicção de que o Recorrente se encontra ressentido, pelo abandono da progenitora, o que aliás é dito por várias testemunhas com expressões como: «a C tirou-lhe o tapete; quando se separaram o A ficou muito em baixo; está cada vez mais triste mas não está tão quizilento; passou a ser monotemático, só B e C; ficou muito perturbado o A, somos humanos, ele não esperava a decisão da C; ficou muito afectado», cabeando-lhe retirar, do que é dito e pela forma como é dito pelas testemunhas, o sentido das afirmações e qual a sensação que subjaz a essas afirmações - o ressentimento notório é certamente uma delas.
IX. A redacção do facto n° 11 não merece reparo pois respeita a prova produzida e a convicção criada pelo MM° Juiz a quo,
X. O Recorrente não aceita que tudo esteja sustentado no que a progenitora diz ter ocorrido, chegando mesmo ao ponto de equacionar que, quando a mãe envia mensagens ao pai a relatar os insultos, está a fazê-lo de forma calculista, salvaguardando prova futura para Tribunal.
XI. Este argumento e pensamento do Recorrente demonstra exactamente aquilo que o Recorrente faz, por exemplo, dando toques sucessivos no telefone, para depois provar que a mãe não atendeu as inúmeras chamadas, ou fazendo isso também para impedir que a mãe fale com o filho quando o mesmo se encontra nos períodos de férias - as pessoas quando fazem críticas, descrevem-se!
XII. O facto provado n° 13 deverá manter-se nos exactos termos constantes da douta sentença recorrida, com base no relatório da ATE da EMAT de 05/06/2020, nas declarações da progenitora prestadas a 29-04-2021 e nos depoimentos das testemunhas …, que assistiram várias vezes às reacções violentas do B após visitas ou chamadas, insultando a Mãe e papagueando as atrocidades que o Pai diz sobre a Mãe.
XIII. Até do depoimento da própria companheira do Recorrente (...) se infere claramente que o Recorrente não tem uma atitude correcta e bem-educada para com a Recorrida C, reconhecendo que o Pai não se consegue controlar, não é Santo e que procede mal.
XIV. O facto provado n° 15 deverá manter-se nos exactos termos constantes da douta sentença recorrida, com base nos depoimentos da Mãe e da testemunha …, pois foi convicção do MM° Juiz a quo da veracidade dos relatos efectuados, não colhendo a versão do Pai, pretendendo este que saneado da matéria provada a sua atitude agressiva e provocadora e atentatória da estabilidade da criança.
XV. O Requerente peticiona (uma não questão) o aditamento aos factos provados 19 e 20 de transcrição dos relatórios periciais, o que não faz qualquer sentido, já que os factos provados resumem o diagnóstico alcançado - sendo que naturalmente foram tidos em conta os relatórios na sua integralidade, mas não podem ser ipsis verbis transcritos.
XVI. O Requerente alega a nulidade da sentença, por omissão de factos essenciais e instrumentais, sem qualquer fundamento ou enquadramento legal no artigo 615° do CPC, pretendendo apenas o aditamento de vários factos sem, contudo, especificar de forma clara os meios de prova que impunham decisão diversa e qual o impacto que os mesmo poderiam ter na alteração da decisão final, percebendo-se apenas a preocupação em que fiquem assentes os estados de espírito relativos ao pai e o seu superior interesse e não o do filho B.
XVII. O Recorrente entende que o Tribunal a quo lhe deveria ter dado razão e que a decisão final terá de ser revertida, porque a criança, referiu, em sede de audiência de julgamento que quer ficar com o pai, sem que ninguém lhe tivesse feito a pergunta e já depois de ter regressado a Portugal para estar em período de férias com o pai.
XVIII. No entendimento do Recorrente, toda a prova produzida, todo o tempo vivido com a mãe, todos os verdadeiros maus-tratos perpetrados pelo progenitor devem ser postos de parte porque a vontade da criança tem de prevalecer, ignorando que esta mesma criança também referiu que o pai ficou zangado quando disse que queria terminar o CM2 (ensino primário), que o pai ficou zangado quando, no Dia do Pai, escreveu uma carta ao pai e uma ao …, não obstante no dia da mãe ter feito o mesmo, um poema para a mãe e um para a companheira do pai, sem qualquer reacção negativa da progenitora.
XIX. Esta criança a quem o pai diz que não pode gostar do padrasto, que não o pode tratar como se fosse um pai, um cuidador, é a mesma criança que tenta (incutida por uma verdadeira lavagem cerebral) fazer justiça ao pai dizendo que "seria justo estar um ano com o pai outro ano com a mãe”, porque o pai não é feliz e “eu tenho que ajudar o meu pai”.
XX. Conforme resulta do disposto no artigo 1906°, n° 5 do CPC o primeiro critério a ter em conta é sempre o superior interesse da criança, tendo o Tribunal a quo, analisado a vinculação do menor e a figura do progenitor amistoso, entendendo, e bem, que “quem ataca o pai ou a mãe, ataca sempre a criança também, até porque geneticamente cada célula tem 23 genes de cada um, que não são só códigos, mas comportamentos, modelos e evolução dos ancestrais, sendo os pais os mais próximos, e por força da vinculação, o mundo psíquico dos pais também vive dentro das crianças".
XXI. O Tribunal a quo conclui, à luz de toda a prova produzida e dada como provada, que a mãe é o progenitor amistoso, a mãe que se sujeita a ser agredida verbalmente em todos os telefonemas/videochamadas do filho para que este mantenha o contacto com o pai, e que no fim de cada uma tem que explicar ao filho que “nem sempre os adultos se portam bem”, mas que o pai ama este filho, voltando a construir, de todas as vezes, as raízes de segurança emocional que devem envolver a criança.
XXII. Este progenitor recusa-se a ouvir falar das conquistas do filho, das suas atividades, aproveita as chamadas telefónicas para insultar a mãe e a família paterna, e o padrasto, enfim para destabilizar a criança com estas condutas, esquecendo que as crianças que recebem apoio emocional e interações positivas têm um maior probabilidade de desenvolver uma autoestima, confiança, habilidades sociais e resiliência e que um ambiente seguro e enriquecedor pode impulsionar as suas habilidades cognitivas, linguísticas e motoras, preparando-as para uma aprendizagem para a vida.
XXIII. Como tal, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido de outra forma: a criança deve manter-se com a mãe, com quem vive há 6 anos, com quem encontra estabilidade e apoio, quem lhe oferece, indubitavelmente, o melhor projeto de vida, nas suas diversas componentes, desde a emocional, educacional e espiritual, promovendo a aceitação, pela criança, de um pai nem sempre ajustado, integrando a família paterna, os avós paternos, com quem mantém contactos frequentes, os irmãos, a companheira do pai e todos quantos fazem parte da vida do B.
XXIV. Entende-se, assim, que se deverá manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo justiça!
*
O Ministério Público apresentou as seguintes alegações:
1. O recorrente não sintetiza e delimita nas suas conclusões recursivas quais as questões jurídicas e os fundamentos que justificam a sua pretensão.
2. O recorrente discorda do juízo sobre a matéria de facto vertida na sentença, mas não se vislumbra que esta valoração seja ilícita.
3. É possível julgar-se provada uma agressão no processo tutelar cível sem que num processo criminal haja uma condenação transitada em julgado sobre essa mesma agressão.
4. O progenitor não é amistoso com a progenitora e, denegrindo-a na presença da criança, desqualifica-se como progenitor a quem esta deva ser confiada, atentos os riscos para o desenvolvimento neurológico da criança com a exposição a tais comportamentos do progenitor.
5. A mãe é o progenitor que melhor assegura a tranquilidade da criança, melhor lhe proporciona contactos com o progenitor e família alargada, melhores condições de vida, melhor acesso a educação e cultura variada.
6. A sentença recorrida salvaguarda o superior interesse da criança confiando-a à mãe.
Pelo exposto, afigura-se que recurso deverá ser julgado improcedente.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
i) Impugnação da decisão de facto;
ii) Nulidade da decisão recorrida;
iii) Verificação dos pressupostos de alteração do regime fixado.
*
III. Os factos
Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados:
1. A criança B, nascida em 15.05.2014, é filho de A e de C, todos melhor identificados nos autos.
2. Por decisão datada de 12.06.2018, transitada em julgado, proferida no âmbito processo de divórcio sem consentimento apenso, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais do menor B nos seguintes termos:
"Cláusula 1ª.
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, para a vida da criança continuarão a ser exercidas em comum por ambos os progenitores.
2 - O exercício das responsabilidades parentais relativo aos atos da vida corrente da criança caberá ao pai ou à mãe com quem a mesma em cada momento se encontrar.
Cláusula 2ª.
A criança fica a residir habitualmente com a Mãe na Rua --- (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício).
Cláusula 3ª.
1 - A criança poderá estar com o pai sempre que este desejar, sem prejuízo dos horários de vida dela (descanso, alimentação, escolares, atividades), contactando previamente a Mãe com 24 horas de antecedência, e, indo buscá-la e entregá-la ao seu domicílio (ou estabelecimento escolar, conforme combinado entre pais).
2 - O pai da criança poderá contactar com a mesma todos os dias por videoconferência ou qualquer outros meios de comunicação possível, entre as 18:30 horas e as 19:30 horas, sem prejuízo dos horários de vida da criança (descanso, alimentação escolares, atividades).
3 - A criança passará o fim-de-semana com o pai, de 15 em 15 dias, desde as 18:30 horas de quinta feira até às 18:30 horas de Domingo, ficando a condução da criança entre V. N. de Famalicão e Lisboa (Gare do Oriente), a cargo da mãe e entre Lisboa e Porto (Campanhã), a cargo do pai.
4 - Nas férias de verão, o pai poderá ter a criança consigo durante dois períodos, sendo um de dez dias e outro de sete dias, interpolados, com as férias da mãe.
5 - O pai poderá esta com a criança no "dia do Pai", e no dia do seu aniversário, bem como poderá tomar uma das refeições com a criança no dia de aniversário desta. Se o dia de aniversário da criança calhar durante a semana, o pai poderá estar com a criança no fim-de-semana seguinte.
6 - A mãe poderá estar com a criança no "dia da Mãe", e no dia do seu aniversário, bem como poderá tomar uma das refeições com a criança no dia de aniversário desta.
7 - O período de Natal (véspera e dia respetivo), será passado pela criança rotativa e alternadamente com a mãe e com o pai. Passando a criança, este ano, o dia 24 de dezembro com a mãe e o dia 25 de dezembro com o pai. O período de Ano Novo (véspera e dia respetivo), será passado pela criança, alternadamente, com a mãe e com o pai. Passando a criança, o próximo final de ano (dia 31 de dezembro e 1 de janeiro), com o pai.
8 - As férias do Natal e de Páscoa da criança serão repartidos por ambos os progenitores, em períodos semanais. No Natal, a 1.2 semana será passada com a mãe e na Páscoa, a 1.2 semana será passada com o pai.
9 - Os Pais desde já se autorizam, reciprocamente, à deslocação para o estrangeiro com o filho, em regime de passeio/férias.
Cláusula 4ª.
1 - O pai contribuirá, a título de alimentos devidos ao filho, abrangendo-se nesta prestação, o comer, o vestir, o calçar e os produtos de higiene, com a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), valor que o pai depositará ou transferirá para a conta bancária do Banco BPI da qual a Mãe é titular, até ao dia 10 (dez) de cada mês.
2 - O pai também comparticipará na proporção de metade, em todas as despesas médicas e medicamentosas, que não sejam comparticipadas pelo SNS, bem como em todas as despesas escolares e extracurriculares (de preferência previamente combinadas ou de necessidade comprovada), designadamente as respeitantes a infantário, matrículas, livros, material escolar e visitas de estudo, a pagar no prazo de pagamento da prestação do mês seguinte após comunicação dos respetivos comprovativos.
3 - O montante previsto no n.° 1 será atualizado anual e cumulativamente, no mês seguinte ao perfazer da anualidade da decisão homologatória do acordo, em quantia nunca inferior a 3%.
4 - O recebimento de quantias relativas a subsídio familiar a crianças e jovens (antigo abono de família) ou outros a que o filho tenha direito compete à mãe do mesmo."
3. Posteriormente, no seguimento de requerimento de alteração da regulação das responsabilidades parentais apresentado pela aqui Requerida, médica de profissão (infeciologista), em 28.06.2018 e, apenas 16 dias após a celebração do primeiro acordo, por decisão datada de 20.07.2018, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo tutelar (falta de acordo), com o n.° 5027/17.0T8VNF-C agora apensado a estes autos, correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, foi homologado o acordo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor B nos seguintes termos:
 1º O pai autoriza a criança a deslocar-se com a mãe, para a Guiné Bissau e residir neste país enquanto a mãe ali permanecer, com o limite máximo do mês de dezembro do 2021.
2° A criança terá os seguintes períodos de permanência com o pai:
. De 20 a 27 de outubro;
. De 13 de dezembro a 4 ou 5 de janeiro;
. De 12 a 20 de abril;
. De 11 a 18 de maio;
. De 01 a 20 de julho;
. De 04 a 24 de agosto.
3.° O período de 11 a 18 de maio é valido para o ano de 2019, sendo substituído pelo período de 17 a 28 de março no ano de 2020 e novamente pelo período de 11 a 18 de maio no ano de 2021.
4° No ano de 2018, as viagens relativas ao período de 20 a 27 de outubro serão suportadas de forma repartida pela mãe e pelo pai, sendo o pai a custear a viagem de vinda da criança a Portugal e a mãe a custear a viagem de regresso da criança à Guiné Bissau.
5° As viagens relativas ao período de 20 a 27 de outubro dos anos de 2019, 2020 e 2021 serão custeadas pelo pai.
 6°
Sempre que for necessário para as viagens da criança no período de 20 a 27 de outubro, a mãe providenciará pela obtenção de transporte e alojamento para o pai na Guiné Bissau.

As restantes viagens serão custeadas pela mãe.

A criança passará o período de 18 de agosto a 02 de setembro de 2018 com o pai.

A criança passará com a mãe, os períodos:
. Entre os dias 20 a 25 de dezembro, até às 12:00 horas, de 2018;
. Entre os dias 25 de dezembro, a partir das 10:00 horas, a 29 de dezembro de 2019;
. Entre os dias 20 a 25 de dezembro, até às 12:00 horas, de 2020;
. Entre os dias 25 de dezembro, a partir das 10:00 horas, a 29 de Dezembro de 2021.
10°
O pai e a mãe autorizam que a criança viaje entre Portugal e a Guiné Bissau ou entre a Guiné Bissau e Portugal acompanhada por uma das seguintes pessoas:
. Pelos avós maternos … . Por …;
 . Pelos avós paternos …
11°
Nas viagens entre a Guiné Bissau e Portugal, a criança será entregue ao pai no Porto ou em Lisboa, consoante o aeroporto em que termine a viagem.
12°
Em tudo o demais mantém-se o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que foi celebrado, nas matérias que não sejam contrariadas pelas presentes alterações."
4. Alteraram o regime alimentar provisoriamente nestes autos por decisão homologada em ata de 27-10-2021 de redução da pensão de alimentos para 100 euros devida pelo progenitor A, com todas as demais despesas a cargo da progenitora.
5. O B encontrava-se a residir com a mãe, na Guiné Bissau, desde agosto de 2018, onde frequentava uma escola francesa, e tinha também várias atividades extracurriculares.
6. E por força da deslocação do companheiro/marido da progenitora para os Camarões, decidiram mudar, tendo a progenitora, como médica, virologista, também uma carreira internacional, ido nos Camarões continuar a sua Carreira, o que foi autorizado por decisão provisoria proferida a 19-7-2023, no essencial com seguinte fundamentação e dispositivo:
(...)
 Logicamente que sendo a mãe o progenitor amistoso, a cláusula acordada pelos pais no regime em vigor de apenas autorizar a saída do filho para Bissau, e ainda mais a temporalidade, até dezembro de 2021, é contraria aos interesses da criança, que decorre da vida dos pais e as circunstâncias mudam.
A alteração da vida da progenitora é natural e decorre da sua carreira e da do seu companheiro, ambos com carreiras internacionais.
Considerar como válidas seria tornar esta criança um objeto de um negócio, dos interesses egoísticos dos pais.
Não colhe.
O tribunal só poderá, pois, provisoriamente deferir o pedido da mãe, autorizando a sua saída, não se justificando mais nenhuma alteração, pois estar em Bissau ou nos Camarões terá o mesmo quadro, não se vislumbrado alterações significativas, pelo que o regime em vigor será apenas alterado em relação ao local de residência da criança, e afastada a clausula de temporalidade, já que não é do interesse da criança.
Decisão:
Tudo visto, ao abrigo do disposto no artigo 28.°, 38.° do RGPTC, e 1906.° do Código Civil, fixa-se provisoriamente a seguinte alteração do regime das responsabilidades parentais da criança:
- Mantém-se o regime em vigor, autorizando-se a mudança de residência da criança com a mãe para os Camarões, dando-se sem efeito a cláusula de temporalidade fixada no regime de regulação das responsabilidades parentais, definida até dezembro de 2021, devendo no demais os pais acordar o regime de férias já em curso de acordo com o regime em vigor."
7. Por dificuldades de voos ou da vida da requerida, houve alterações nos regimes de visitas, como as descritas nos artigos 5.° e ss. das alegações do pai, que nunca foram compreendidas e negociadas por falta de disponibilidade do pai, que se recusa a falar com a mãe, e depois acusa-a de não lhe comunicar as chegadas do estrangeiro e de com ele combinar as situações, como o faz no artigo 23.° das suas alegações, sendo certo que a mãe comunica com o pai a forma e as alterações das visitas da criança como o ocorreu nas ocasiões identificadas designadamente nos documentos infra indicados em I-d) a k), que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
8. De fato, a relação do casal parental tem sido marcada por enorme conflito, que começou logo o inicio da separação conjugal com agressões do progenitor A à mãe do B, C, e outros elementos da família alargada e amigos, de que decorreu ser instaurado processo crime contra o progenitor (processo crime n.° 458/17.9PAVNF, que correu termos no DIAP de Vina Nova de Famalicão, secção 2, e depois na instrução) e foi objeto de despacho final de acusação, que com a anuência das vitimas, designadamente a progenitora, na instrução foram homologadas as desistências de queixa quanto aos crimes que a admitem, e quanto à Violência Doméstica, com a anuência da progenitora C, foi objeto de decisão de suspensão provisória do processo, com medidas aplicadas ao progenitor, aí arguido, de não ter contato com a progenitora, aí vitima, e de lhe pedir desculpas formalmente, e que, entretanto, determinou, decorrido o prazo fixado de 12 meses, o arquivamento dos autos - cf. documentos indicados e reproduzidos em imagem infra em I-c) e dd), que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
9. Dessa agressão perpetrada pelo requerente à mãe do B, a progenitora ficou com lesões descritas na perícia infra indicada e transcrita em imagem em I- cc), que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.
10. Num ressentimento profundo do requerente ancorado na ideia de que a mãe lhe tirou o filho, que depois de se separarem em Angola, onde a criança ficou com o pai, o progenitor sente e verbalizou que a mãe abandonou os dois, filho e marido na altura, e o levou a fazer, por exemplo, posts colocados em rede social pelo pai, com fotos do filho, e a inscrição dirigida à mãe a dizer: "perfection is achieved, not when there nothing more to add, bute wen there is notnhig left to take away", que traduzido é "a perfeição é alcançada, não quando não há mais nada a acrescentar, mas quando não há mais nada a tirar - cf. documentos identificados infra em I-g), que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, e depoimentos identificados em II-c) e), f), C MFMM, PACHF, MLDTML (avó paterna),
11. Também os contatos por videoconferência tanto para a Guiné como para os Camarões, do pai para o filho, são tensos, pois quando o pai não está acompanhado pela sua companheira ND__, dirigindo-se ao filho, chama frequentemente nomes injuriosos ou difamatórios a toda a família materna, e enquadra comportamentos da mãe contra o pai, e que são designadamente estes: diz ao filho que a mãe é "puta", "vaca", "a tua mãe não te deixa falar comigo", "a tua mãe não me liga para eu falar contigo", "a tua mãe não diz a verdade", "não sei nada de ti", ao ponto da criança dizer à mãe, "sabes mamã, o papá chama-te estes nomes porque ele não gosta de ti"; ou o requerente diretamente à mãe do B, diz-lhe: "a tua psicopatologia já não tem tratamento", "perversa" (está à frente do B), ao ponto depois da mãe reagir e lhe devolver, que não permite "que me chames Cabra de merda a frente do B", e «acabaste de dizer ao B "tens de pedir a vaca da tua mãe para vires vir a tua maninha"» - Cf. documentos infra indicados em I-p), q), ee) que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; cf. ainda depoimento descrito em II-k), , e declarações da progenitora em a 29-04-2021, descrito infra em II-b), e o depoimento descrito em II-k) de …
12. A progenitora mantém uma boa relação com a companheira do progenitor, , que muitas das vezes está presente nas videochamadas do pai com o filho, e ajuda a acalmar o progenitor e a incentivar ao diálogo tranquilo com a criança, como ocorreu quando a progenitora incentivou o filho numa das videochamadas a declamar um poema em francês que tinha aprendido na escola, que o progenitor se recusou a ouvir, alegando não querer saber de poemas em francês pois o que interessa ao B é saber português, isto tudo num tom desagradável, agressivo, e que deixou o B imediatamente a gaguejar; acabou por ser a companheira do pai a ouvir o poema, incentivando o B a continuar, dizendo-lhe "recita lá o poema para mim, é tão bom sabermos outras línguas" - cf. declarações da progenitora em a 29-04-2021, descrito infra em II-b).
13. A criança quando vem das visitas do pai para a mãe, ou decorrente de videoconferências com o pai, fica instável, e verbaliza à mãe e a amigos quadros de acontecimentos e desvalorizações, como estas: "és uma puta; és uma vaca; roubaste dinheiro ao pai; não quero viver contigo; tu bateste-me quando estava ao colo do meu pai; a ND__ (companheira do pai) diz que que o pai não pode dizer estas coisas a mim", "o pai disse-me que és uma bruxa má, não mandas em mim, e eu faço o que eu quero", tendo mesmo se descontrolado depois de uma chamada para o pai, descontrolou-se depois de falar com o pai, e acusava a mãe de ter atacado o pai no restaurante, e que ela dava pontapés no carro, e tudo isto determina que demore tempo a se restabelecer, tendo mesmo uma professora do B aconselhado a que a criança fosse acompanhada em consultas de psicologia, que neste momento ainda ocorrem de duas em duas semanas por videoconferência - Cf. relatório da EMAT infra indicado em I-x), que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; cf. declarações da progenitora em a 29-04-2021, descrito infra em II-b), e depoimento descritos infra em II-i) de … em II-o) de …, e o descrito em II-m) de …
14. O B fica desconfortável se se tenta entrar na sua intimidade em relação ao pai e mãe, quer agradar aos dois lados, gagueja quando está nervoso, e ultimamente a situação tem-se agravado, e está muito instável, ativo, não para quieto - cf. depoimentos descritos infra em II-e), f), g), h), j), e n), respetivamente de …
15. Num episódio de vinda da criança a Portugal para visitar o pai, em viagem de avião sem a mãe, acompanhada por hospedeira e onde vinha também uma amiga da mãe, com destino Bissau-Porto, e com escala em Lisboa, a mãe tinha combinado com o pai a entrega do filho por familiar que recolheria a criança no Porto, que depois nesse dia o entregaria ao pai na Gare do Oriente como habitualmente, o progenitor deslocou-se ao aeroporto de Lisboa e exigiu ficar logo ali com o filho, questionando a amiga da C, RB__, "quem é você?" (que vinha no mesmo avião), criando uma tensão imediata, ao ponto da criança se esconder logo atrás das pernas da referida RB__; quando percebeu que só o poderia recolher o filho no Porto, pois não se poderia recolher a bagagem da criança, comprou bilhete Lisboa-Porto nesse avião, e acompanhou- o até ao Porto; já no Porto, o avô materno esperava o neto como combinado entre os pais da criança, e logo se gerou mais um conflito, também na presença da criança, que obrigou mesmo a intervenção da PSP na esquadra - cf. declarações da progenitora em a 29-04-2021, descrito infra em II-b), e o depoimento descrito em II-l) de …
16. O local de entrega da criança, na Gare do Oriente foi imposta pelo progenitor, para evitar contatos com ela, e houve períodos em que a progenitora desconhecia onde o pai vivia.
17. Em regra, é a mãe que liga ao pai para efetuar as videoconferências nos contatos regulares fixados no regime de regulação das responsabilidades parentais, tanto no período de Bissau, como agora a partir dos Camarões, recusando-se o progenitor de as efetuar.
18. Da perícia psiquiátrica efetuada à progenitora C, junta a 29-9-2021, conclui- se aí que a examinanda não padece de qualquer doença ou depressão e "no que foi possível apurar no exame psiquiátrico a examinada exerce um estilo parental participativo, em que existe cuidado com o estabelecimento de normas e limites, num clima de afetividade. A examinanda revela interesse pela educação do filho, pelos aspetos de socialização deste, nomeadamente no estabelecimento de relações familiares estáveis. Tende a proporcionar um ambiente estimulante e investe na educação do seu filho tentando fortalecer a suas características individuais." - Cf. documento infra indicado em I-ll, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, e depoimento do Dr. …, Perito da perícia ao pai, descrito infra em ii-q)
19. Da perícia psicológica ao progenitor A, junta a 18-1-2022, conclui-se aí que "apuram-se elevações que apontam para um padrão de funcionamento retraído, ansioso, agitado, tenso, irritável. Podendo também ser suscetível e suspeitoso e evidenciar dificuldades de concentração e memória, pensamento confuso, sentimentos de desemparado e desvalia associados a perturbação afetiva". E, atento "ao historial de conflito parental e historial clínico, considera-se que beneficia de continuar o acompanhamento ao nível da psiquiatria e psicoterapia". Quanto às competências parentais apresenta maior stresse associado a medos e angústias, com um estilo participativo, com recurso a castigos físicos moderados e pouco usados, de todo o modo "compatível uma parentalidade ajustada" - Cf. documento infra indicado em I-mm, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
20. E depois na perícia psiquiátrica complementar ao progenitor A, junta a 2-32022, conclui-se, agora com recurso à perícia psicológica, que se confirma que o pai A "apresenta um diagnóstico de Perturbação de Adaptação, com caraterísticas mistas ansiosas e depressivas" - Cf. documento infra indicado em I- nn), que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
21. Atualmente vive o Requerente com a companheira …, e as duas filhas de ambos, em habitação própria permanente na morada que consta dos autos.
22. Desde o dia 13.05.2019 encontrava-se o Requerente a exercer funções na Câmara Municipal de … na Divisão de Ação Social e Apoio Institucional, e atualmente na …, dá aulas de surf, e aufere mensalmente cerca de 1.000 euros - cf. declarações na segunda audição do pai, na diligência de 12-07-2023 e do depoimento descrito em II-g), …, companheira do pai.
23. A companheira do requerente, …, é advogada em sociedade de advogados com sede em Lisboa, , e aufere mensalmente cerca de € 2500 - cf. declarações na segunda audição do pai, , na diligência de 12-072023 e do depoimento descrito em II-g), , companheira do pai.
24. O agregado suporta de despesas fixas, para além das despesas ordinárias com consumos, alimentação, vestuário, etc., cerca de € 400 de prestação bancária de mútuo contraído, e € 275 de creche, sendo este valor pago pela mãe do requerente.
25. A progenitora C iniciou ainda na Guiné uma relação com …, e teve desta relação uma filha, nascida a 10 setembro de 2022, …, que nasceu em Portugal; mudaram-se para os Camarões em 2021, vivem numa casa com quartos disponíveis para todos, com apoio de empregada interna, motorista; S__ ganha mensalmente 4.600 euros, e a C 3000 euros. Têm como encargos principais, a renda e a escola, cerca de 3.000 por ano. Os empregados representam um encargo de 1000 euros mensais. Tem uma relação como casal conjugal marcada por amor e de cooperação, ajudando-se mutuamente.
26. O B está numa escola privada com ensino em francês, tem explicações em casa. Gosta da escola e fala já fluentemente francês. Tem uma relação de forte vinculação com a mãe e com o S__, que assume como um companheiro protetor.
27. O pai quando está como filho leva-o para as suas atividades de surf, anda sempre com ele, e cuida do filho de forma adequada, exceto quanto aos contatos com a mãe e à demais família materna, como decorre do supra provado.
28. A criança tem uma forte relação de grande proteção e segurança com a companheira do pai, ND__.
29. Há uma forte relação de irmandade do B com os irmãos de sangue e a uterina.
*
A impugnação da matéria de facto.
Dispõe o art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil:
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287:
O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
*
Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
A este respeito, cumpre recordar duas restrições a uma leitura literal e formal destes ónus processuais inerentes ao exercício da faculdade de impugnação da matéria de facto.
Deve-se considerar a tendência consolidada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640º e realçado a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material, na expressão de Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 171 (nota 279) e 174.
Em primeiro lugar, apenas se mostra vinculativa a identificação dos pontos de facto impugnados nas conclusões recursórias; as respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como cumprido o ónus de impugnação nesses termos.
No que tange à decisão alternativa, veja-se o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023, com o seguinte dispositivo:
Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Quanto aos restantes requisitos, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal, de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes), de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado), de 19/2/2015 (Tomé Gomes); de 22/09/2015 (Pinto de Almeida), de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados, citando-se o primeiro:
«(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória
Em segundo lugar, cumpre distinguir, quanto às explicitações exigidas ao impugnante e no que se refere à eficácia impeditiva do seu incumprimento, para a apreciação da impugnação, em dois graus de desvalor.
Se o incumprimento dos ónus processuais previstos no nº 1 do citado art. 640º implica a imediata rejeição da impugnação, já o incumprimento dos ónus exigidos no  nº 2 do mesmo preceito (…indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso…) tem visto essa eficácia limitada aos casos em que essa omissão dificulte gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária ou o exame pelo tribunal de recurso, pela complexidade dos facos controvertidos, extensão dos meios de prova produzidos ou ausência de transcrição dos trechos relevantes.
A esse respeito, veja-se o Acórdão de 11/02/2021 (Maria da Graça Trigo) consultável em www.dgsi.pt:
I. O respeito pelas exigências do n.º 1 do art. 640.º do CPC tem de ser feito à luz do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição.
II. No caso dos autos, afigura-se que o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura susceptível de ser apreendida, tendo sido, aliás, efectivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada.
III. Trata-se de uma acção relativamente simples, com um reduzido número de factos provados e de factos não provados, em que a pretensão dos réus justificantes é facilmente apreensível e reconduzível aos factos por si alegados para demonstrarem a usucapião e que encontram evidente ou imediato reflexo nos factos não provados que pretendem que sejam reapreciados, factos esses correspondentes, em grande medida, à matéria objecto da escritura de justificação.
De igual modo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 29/10/2015 (Lopes do Rego), consultável em www.dgsi.pt:
1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) .
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.
Veja-se, também do Supremo Tribunal, o Acórdão de 21/03/2019 (Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt:
«I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662°, n °1, ambos do Código de Processo Civil, impõe- se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos defacto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do n°l do citado artigo 640°, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n° 2 do mesmo artigo 640°, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640°, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n°l, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640° implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n° 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640°, n° 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.».
No mesmo sentido, o Acórdão de 19/1/2016 (Sebastião Póvoas), disponível na mesma base de dados:
5) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.
Ainda, o aresto de 6/12/2016 (Garcia Calejo), da referida base de dados:
No caso vertente, os recorrentes indicaram, por referência a cada um dos depoimentos das testemunhas (em que baseiam o seu entendimento), o início e o termo deles por referência ao ficou exarado nas actas de audiência de julgamento e referiram a data em que os depoimentos foram realizados. Referenciaram ainda os trechos dos depoimentos das testemunhas que, no seu entender, justificavam a alteração almejada. Ou seja, transcrevendo parte dos depoimentos e fornecendo as indicações que permitem localizar, na gravação, as passagens a que se referem, os recorrentes forneceram à Relação os elementos relevantes e concretos que permitiriam ao tribunal a reapreciação da matéria de facto.
Por isso, os recorrentes cumpriram o ónus em causa, pelo que a reapreciação da matéria de facto impugnada deveria ter sido efectuada.
*
Por fim, qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é suscetível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de atos inúteis no processo.
Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt:
“O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
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Neste enquadramento genérico, que flui do texto legal interpretado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, concluímos pela improcedência da impugnação, em virtude da irrelevância para o mérito da decisão das alterações ao quadro factual pretendido pelo recorrente.
Irrelevância que infra melhor desenvolveremos.
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência da impugnação de facto.
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IV. O Direito
Da nulidade da sentença
Invoca o recorrente a nulidade da sentença, com o seguinte fundamento:
20. a A sentença é nula por omissão de fatos essenciais e instrumentais relevantes para a decisão; os factos sobre as atuais condições de vida do B são escassos perante a abundante prova produzida em audiência de julgamento; a sentença não contém factos suficientes, e deveria conter, sobre a atual vida do B, de modo que o Tribunal decidisse com atualidade e de forma séria; e os factos que se consideram relevantes para a ponderação do interesse da criança, e que se acham omissos na sentença, são os factos referentes às suas atuais condições de vida, familiar e escolar nos Camarões.
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Dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença»:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Repare-se que, como nos recorda o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 3/3/2021 (Leonor Rodrigues), disponível em www.dgsi.pt:
I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124 e 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
No que se refere à nulidade por falta de fundamentação, a mesma ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento.
Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como nos ensina Antunes Varela, ob. cit., pag. 687:
Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
E, como afirmava José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 140:
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade.
É entendimento pacífico que apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
A nulidade verifica-se, assim, quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais.
Questão diferente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na sentença, prevista no n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil, é a falta de fundamentação ou de motivação da decisão de facto, prevista no n.º 4 do mesmo artigo, como se alertou no Acórdão desta Relação de 5/3/2020 (Inês Moura), disponível em www.dgsi.pt.
Quando está em causa uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção e para a decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos, tal não determina a nulidade da sentença nos termos do citado art.º 615.º n.º 1 al. b), apenas havendo lugar à remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o art.º 662.º n.º 2 al. d) do mesmo Código ao dar a possibilidade à Relação de, mesmo oficiosamente, “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
No caso em apreço, a sentença mostra-se fundamentada de facto e de direito, confundindo o recorrente a imputada nulidade com a discordância relativamente aos factos apurados.
Tendo procedido também à impugnação dessa decisão de facto.
Não se pode dizer que haja falta absoluta de fundamentação, pois a sentença surge fundamentada, quer quanto aos factos considerados provados ou não quer quanto à aplicação do Direito a esses factos.
Não padece, por isso, a sentença proferida de nulidade, por falta de fundamentação.
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- Adequação do despacho recorrido ao regime legal.
Como é sabido, a regulação do exercício das responsabilidades parentais comporta três aspectos: a guarda, o regime de visitas e os alimentos.
O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é, como se sabe, o “superior interesse da criança“ – artigos 1905.º do Cód. Civil, 42.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC, supra citado) e 3.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
E o “interesse superior da criança“, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.º 69.º, n.º 1, da Constituição da República), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 3/5/2006, disponível em www.dgsi.pt).
O exercício das responsabilidades parentais deve ter presente ainda o princípio da dignidade da pessoa humana, legitimador do menor enquanto sujeito de direitos e não como mero objecto, o princípio da continuidade das relações familiares e da convivência familiar e o princípio da igualdade dos pais.
Deve, ainda, promover a cooperação dos pais no bem-estar emocional da criança, exaurindo qualquer factor propiciador da hostilidade psicológica dos progenitores.
Daí que a lei privilegie a consensualização, ou seja que os conflitos familiares sejam dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação [com o consentimento das partes], sempre que necessário – art.ºs 4.º, n.º 1, 23.º e 44.º, alínea b), do RGPTC.
Na ausência desse consenso, repete-se, o Tribunal tem de decidir tendo sempre como pano de fundo o superior interesse da criança.
Como corolário, o incidente de alteração em crise assume a natureza de jurisdição voluntária, nos termos consignados no art. 12º do diploma em apreço, pelo que  o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, à luz do disposto no art. 987º do Cód. Proc. Civil.
*
A guarda desta criança sofreu a seguinte evolução, fruto das alterações da situação profissional da sua mãe, ora requerida:
2. Por decisão datada de 12.06.2018, transitada em julgado, proferida no âmbito processo de divórcio sem consentimento apenso, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais do menor B nos seguintes termos:
"Cláusula 1ª.
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, para a vida da criança continuarão a ser exercidas em comum por ambos os progenitores.
2 - O exercício das responsabilidades parentais relativo aos atos da vida corrente da criança caberá ao pai ou à mãe com quem a mesma em cada momento se encontrar.
Cláusula 2ª.
A criança fica a residir habitualmente com a Mãe na Rua Dr. … (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício).
(…)
3. Posteriormente, no seguimento de requerimento de alteração da regulação das responsabilidades parentais apresentado pela aqui Requerida, médica de profissão (infeciologista), em 28.06.2018 e, apenas 16 dias após a celebração do primeiro acordo, por decisão datada de 20.07.2018, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo tutelar (falta de acordo), com o n.° 5027/17.0T8VNF-C agora apensado a estes autos, correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, foi homologado o acordo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor B nos seguintes termos:
 1º O pai autoriza a criança a deslocar-se com a mãe, para a Guiné Bissau e residir neste país enquanto a mãe ali permanecer, com o limite máximo do mês de dezembro do 2021.
(…)
6. E por força da deslocação do companheiro/marido da progenitora para os Camarões, decidiram mudar, tendo a progenitora, como médica, virologista, também uma carreira internacional, ido nos Camarões continuar a sua Carreira, o que foi autorizado por decisão provisoria proferida a 19-7-2023, no essencial com seguinte fundamentação e dispositivo:
(...)
Tudo visto, ao abrigo do disposto no artigo 28.°, 38.° do RGPTC, e 1906.° do Código Civil, fixa-se provisoriamente a seguinte alteração do regime das responsabilidades parentais da criança:
- Mantém-se o regime em vigor, autorizando-se a mudança de residência da criança com a mãe para os Camarões, dando-se sem efeito a cláusula de temporalidade fixada no regime de regulação das responsabilidades parentais, definida até dezembro de 2021, devendo no demais os pais acordar o regime de férias já em curso de acordo com o regime em vigor."
Na decisão recorrida, decidiu-se:
1- A guarda é atribuída à mãe, exercendo em exclusivo as responsabilidades parentais quanto aos atos de particular importância (cf. artigo 1906.°-2 e 1906.°-A-2-b) do Código Civil), devendo a progenitora sempre consultar previamente o pai e depois o informar das decisões tomadas quanto aos atos de particular importância.
*
Pretende o recorrente alterar o regime actual de guarda da criança, nos seguintes termos:
Pelo que se impõe alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor B, por forma a que a sua  residência passe a ser fixada com o Pai, em Portugal, estabelecendo-se que, aquando das deslocações da Requerida a Portugal, esta privará e estará com o menor sempre que quiser, bastando para tal que avise previamente o Requerente com uma antecedência mínima razoável.
No presente recurso, peticiona o recorrente:
38. a Em suma, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em sua consequência, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que decida
a) a residência da Criança B deve ser fixada com o Pai a partir do próximo ano letivo, em Portugal, na sua casa de morada de família em Mafra, com a companheira e os dois irmãos mais novos nascidos desta união;
*
Do que se retiram as seguintes conclusões:
i) Desde o início da regulação das responsabilidades parentais, aos 4 anos, a criança vive com a mãe, em Portugal e nos países para onde a mesma mãe se deslocou em trabalho;
ii) Essa guarda exclusiva emergiu do acordo entre ambos os progenitores;
iii) Pretende o pai a alteração dessa guarda, permanecendo a criança consigo, em Portugal.
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Ora, como nos parece evidente, cumpre averiguar se existe razão para concluir da necessidade da alteração da guarda, em virtude do superior interesse da criança.
Da factualidade que o Exmo. Juiz a quo considerou provada, nenhuma razão existe que fundamente a alteração do regime actualmente fixado.
Nem, tão pouco, essa necessidade resulta da factualidade alegada pelo requerente e que o mesmo pretende seja considerada provada; senão, vejamos:
Inicia o requerente as suas conclusões recursórias por pretender distinta redacção dos pontos 8, 9, 10, 11, 13 e 15.
14 a Posto isto, os factos levados aos 8., 9., 10., 11., 13., e 15., deverão passar a conter a seguinte redação:
8. A relação do casal tem sido marcada por conflitos que se iniciaram com a separação do casal, que deram origem a processos-crimes que foram arquivados por desistência de queixas.
9. Eliminada a matéria na íntegra.
10.O requerente sente-se amargurado, sofrido, pelo afastamento do filho, por este estar a residir com a mãe em países estrangeiros, desde o divórcio dos progenitores.
11. Os contactos por meios áudios entre o pai e o B são dificultados pelas comunicações, o B não se concentra nas chamadas que o pai lhe faz, o pai tem dificuldades em estabelecer conversas com o filho, ou porque o B não quer falar ou porque não está em ambiente próprio.
13.O B diz à Mãe que o Pai diz mal dela.
15. Numa das viagens do B para Portugal, para ser entregue ao pai, a mãe comprou um bilhete com destino ao Porto e escala em Lisboa, despachando a bagagem do B com destino ao Porto, o pai que estava à espera do B no aeroporto em Lisboa comprou bilhete de avião e foi no mesmo voo até ao Porto e daí regressou com o B a Lisboa.
Salta à vista a irrelevância desta factualidade, enquanto motivo ou fundamento para a alteração da guarda pretendida.
Num país como Portugal, com uma tradição de emigração acentuada, dificilmente seria compreensível que a opção da mãe da criança, em encetar a sua vida profissional no estrangeiro, tivesse como consequência a perda da guarda do seu filho (actualmente de 9 anos), em virtude da amargura do pai pelo afastamento ou por causa de um episódio de desencontro no aeroporto.
Se essa amargura é natural, também seria natural similar amargura da mãe caso se determinasse a alteração da guarda pretendida, agravada pelas dificuldades do trabalho em país estrangeiro.
Mas, recorde-se, o critério exclusivo será o do superior interesse da criança, não as conveniências ou interesses (mesmo que legítimos) dos progenitores.
Daí a irrelevância desta factualidade.
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Pretende, em segundo lugar,  o requerente, o aditamento do seguinte grupo de factos:
19.a É, pois, de se concluir, o que se espera seja feito em sede de recurso, que a matéria de facto dada como provada é deficiente e omissa de factos relevantes, devendo ser aditados aos factos provados os seguintes:
1-À data da avaliação, o examinado progenitor não reporta sintomas de severidade global de desajustamento emocional na avaliação instrumental e nenhuma escala de sintomas ultrapassa o valor limite para o que se considera clinicamente significativo.
2-A análise integrada da informação clínica recolhida nos dados documentais e antecedentes pessoais e familiares, indica o progenitor com um perfil de funcionamento ansioso, e dá conta de historial de quadro depressivo em contexto de se sentir privado de conviver de forma regular com o seu filho e acompanhar o seu crescimento e desenvolvimento de forma participada.
Novamente se constata a irrelevância destas circunstâncias para a decisão do presente incidente de alteração, pois o perfil psicológico do requerente apenas relevariam enquanto factor negativo.
Noutras palavras: a estabilidade emocional do requerente e o maior ou menor grau depressivo do mesmo, não constituem factor de decisão para que se altere a guarda da criança, não se apurando qualquer desvalor psicológico da parte da mãe.
Novamente, considerando exclusivamente o superior interesse da criança e não o interesse do pai.
Irrelevante, pois, se mostra também esta matéria.
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Em terceiro lugar, invoca o requerente um conjunto de factos, que, a seu ver, deveriam ter sido considerados provados:
O B vive em residência permanente com a Mãe desde a separação do casal (...), viveu dois anos em Angola, três anos na Guiné e desde setembro de 2021 vive nos Camarões.
O B tem uma gaguez que é genética, do lado da família da mãe há muitos gagos
O B está matriculado e frequenta o 4° ano de escolaridade com ensino francês.
O B teve consultas de psicologia no ano de 2022, para gestão das emoções, online com uma Psicóloga do Porto
O B é uma criança viva, alegre, aventureiro.
O companheiro da Mãe, o … "castiga” o B quando se porta "mal", às vezes bate-lhe dando-lhe uma palmada (as declarações do B são através do depoimento da …).
O diálogo entre os progenitores é difícil, a C é imperativa nos emails e não estimula as conversas entre o B e o Pai.
Por vezes o progenitor sente raiva, outras vezes está esperançado com o desenrolar dos presentes autos, o que lhe cria ansiedade e condiciona o seu estado anímico.
O B nas suas declarações perante o Juiz disse-lhe que já esteve com a mãe agora quer ficar com o meu Pai.
Salta, novamente, à vista, a insuficiência destes factos, enquanto fundamentadores da pretendida alteração.
A permanência da criança no estrangeiro, na companhia de sua mãe e do agregado familiar que entretanto constituiu, não pode revestir-se como desvalor, dando-se preferência a um progenitor por residir em Portugal em desfavor de outro, por residir no estrangeiro.
A vontade da própria criança, que sempre será de escutar e ponderar, apenas surgiria como factor de decisão caso fosse acompanhada de outras circunstâncias que apontassem para a vantagem da alteração.
No caso, a tenra idade da criança (9 anos), o transtorno emotivo e físico que causariam a mudança de país e o afastamento da sua mãe, a que se deve acrescentar a ausência de argumentos que desaconselhem a sua permanência no estrangeiro, junto do novo agregado familiar constituído pela mesma, torna insuficiente a sua vontade, enquanto fundamento constitutivo exclusivo dessa alteração da guarda.
Não se desconsidera a vontade da criança.
Como refere Paulo Guerra, in QUESTÕES DO REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL 3. Audição da criança, pg. 88 e sgs, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_QRGTPC.pdf:
 A criança não tem capacidade em regra para exercer os seus direitos em tribunal. 
 Mas, nesta sede, por gozar do direito de ser ouvido em tribunal, tem de se fazer ouvir, quando tal for considerado conveniente e tiver maturidade para o efeito.
 Deixar de ouvir uma criança neste jaez é «matar» um seu direito substancial, colado à sua pele com a própria «essência das coisas».
 Ouvir uma criança em tribunal não é um acidente de percurso – é um direito inalienável de toda a criança, para o exercício do qual, nesta sede, não tem de ser representado por terceira pessoa. 
Isso faz parte da essência dos seus direitos.
Volto à Magna Carta da Infância.
Quanto ao conteúdo normativo da Convenção da ONU de 1989, pode-se dizer que o mesmo se reconduz a quatro princípios fundamentais:
— Princípio da não discriminação, consagrado no artigo 2.º, segundo o qual os Estados Partes se comprometem a respeitar e a garantir os direitos firmados na Convenção «a todas as crianças que se encontrem na sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação»;
— Princípio do interesse superior da criança, plasmado no artigo 3.º, o qual deverá constituir a consideração primacial a ter em conta em «todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos»;
— Princípio de que a criança tem direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento, estabelecido pelo artigo 6.º, que protege não só o direito à vida, como também à sobrevivência e ao desenvolvimento, devendo estes últimos ser assegurados na «máxima medida possível» (e aqui a noção de «desenvolvimento» deve ser interpretada num sentido amplo e abarcando uma dimensão qualitativa que contemple, para além da saúde física da criança, o seu desenvolvimento mental, emocional, cognitivo, social e cultural);
— Princípio do respeito pelas opiniões da criança, reconhecido pelo artigo 12.º, o qual se reconduz ao direito de que a criança é titular de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que a ela respeitem e de as suas opiniões serem devidamente tomadas em consideração, de acordo com a sua idade e maturidade – para tanto, «deve ser assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem».
Contudo, o respeito pela opinião da criança não deve significar a obediência cega à sua opinião, limitada naturalmente pelo respectivo grau de maturidade e pelas circunstâncias do momento.
A vontade da criança deve funcionar como um farol cuja luz guia o decisor, na escolha do melhor caminho a tomar. Não como único critério a ponderar.
Pelo que, na ausência de outros argumentos que indiciem a necessidade ou conveniência de uma alteração ao regime fixado, será insuficiente, por si só, para justificar tal alteração.
Apurando-se, como se apurou, que o actual regime não prejudicou o bem-estar da criança, a sua segurança, o seu desenvolvimento saudável e equilibrado – nem tal foi alegado.
Desconsiderando-se o natural prejuízo emergente do afastamento físico de seu pai – à luz do exclusivo critério, aquele seu superior interesse – sendo que esse prejuízo não seria menor em caso de correspectivo afastamento de sua mãe, como pretende o ora requerente.
Cabendo a ambos os progenitores o ónus de garantir que esse afastamento territorial inevitável será mitigado pela regularidade dos contactos com o pai, quer à distância e facilitado pelos actuais meios digitais, quer nos períodos de permanência em Portugal.
Como se procurou garantir no regime de regulação actualmente em vigor.
*
Face à irrelevância dos argumentos factuais invocados pelo requerente, não se vê motivo para sujeitar a criança à pretendida alteração da guarda, com afastamento da sua mãe e regresso definitivo a Portugal, quebrando-se o equilíbrio emocional em que tem sido criado desde os 4 anos.
Sendo que a pretendida alteração não se vê como necessária em vista do superior interesse a proteger – o da criança – mas, apenas, conveniente, em vista do interesse (ainda que legítimo) do pai, que a Lei coloca em segundo plano.  
Daí a improcedência da apelação.
*
V. A decisão                                           
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Lisboa, 21 de Março de 2024
Nuno Lopes Ribeiro
Jorge Almeida Esteves
Anabela Calafate