Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2606/08
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – Após o trânsito em julgado da sentença, não pode ser utilizada via postal simples como modo de notificação do arguido, quando a notificação tem de ser feita na sua pessoa.
II – A decisão que revoga a suspensão da execução da pena de prisão tem de ser notificada pessoalmente ao arguido.
III – Para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar as quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da prisão, é necessário demonstrar positivamente que ele tinha condições económicas para efectuar o pagamento. Ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo sumário nº08/07.5PTBRG-B, do 4º Juízo Criminal do T.J. de Braga, foi o arguido DAVID condenado, por sentença de 23/02/07, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº3º, nºs1 e 2 do Dec-Lei nº02/98, de 03/01., na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob condição de, em 6 meses, comprovar o pagamento da quantia de € 500,00 aos Bombeiros Voluntários.

Por despacho de 25/09/07 foi ordenada a notificação do arguido para fazer prova do cumprimento da condição imposta para a suspensão da execução da pena.
Não tendo sido possível notificá-lo, por despacho cuja cópia consta de fls.52, foi ordenada a notificação do Defensor Oficioso para, em 10 dias, demonstrar o cumprimento pelo arguido da supra referida condição, bem como para indicar o paradeiro do arguido.
Veio, então, o Defensor Oficioso informar desconhecer qualquer uma das situações.
O Sr. Juiz ordenou que, por contacto telefónico com o arguido, se obtivesse a sua morada.
Obtida esta, foi ordenada a sua notificação, o que não foi conseguido.
Por despacho cuja cópia consta de fls.64, foi ordenada a notificação dos Bombeiros Voluntários para informarem se receberam do arguido a quantia de € 500,00 e, em caso afirmativo, a data da entrega, ao que aquela instituição respondeu negativamente.
Por despacho cuja cópia consta de fls.68, foi designada data para audição do arguido, que não foi notificado nem compareceu.
Após junção do CRC e notificação dos Bombeiros Voluntários para informarem se receberam ou não a quantia fixada na sentença, foi proferido despacho cuja cópia consta de fls.109 a 111, no qual foi ordenada a notificação do Defensor Oficioso para, em 10 dias, se pronunciar sobre o incumprimento da condição imposta ao arguido, bem como sobre a sua ausência em parte incerta, que nada disse.
Nada tendo o Defensor Oficioso dito ou requerido, foi, então, proferido despacho, datado de 16/06/08, cuja cópia consta de fls.115 a 119, que revogou a suspensão da execução da pena e ordenou a passagem de mandados.
O Defensor Oficioso do arguido veio, em 20/06/08, requerer se procedesse à reforma deste despacho e juntar documento comprovativo do pagamento da quantia fixada aos Bombeiros Voluntários, em 18/06/08 (fls.122), o que foi indeferido, por despacho de 27/06/08 (fls.128/129).
Em 03/07/08, veio o Defensor Oficioso informar ter pedido escusa do patrocínio, através de requerimento dirigido à OA.
Pelo Sr. Juiz foi proferido despacho, datado de 14/07/08, a notificar o Defensor Oficioso de que a dispensa de patrocínio deveria ser requerida ao tribunal e não à AO.
Em 17/07/08 o Defensor Oficioso veio requerer a dispensa de patrocínio, tendo o Sr. Juiz proferido despacho, em 23/07/08, a ordenar a notificação da Delegação da OE, em Braga, para se pronunciar sobre o requerido.
O arguido foi detido em 15/09/08.
Em 30/10/08 constituiu mandatário e interpôs recurso dos “despachos de revogação da suspensão da pena de prisão e subsequente mandado de detenção para cumprimento daquela”, o qual não foi admitido por extemporaneidade (fls.194/196).
Após reclamação para o Sr. Presidente deste Tribunal, julgada procedente, foi o recurso admitido.

A ele respondeu o MºPº, concluindo pela sua improcedência.

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O Exmo Procurador–Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu parecer no qual declara subscrever, no essencial a resposta do MºPº, embora com “dúvidas na questão da contagem de prazos no caso do pedido de escusa do defensor” mas considera o recurso extemporâneo e, além disso, considerando que embora a questão não seja pacífica, cita jurisprudência no sentido de que não é necessário notificar o arguido do despacho de revogação da suspensão da pena, bastando a notificação do seu defensor.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

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Cumpre decidir:
Questões a decidir:
1. Extemporaneidade do recurso;
2. Saber se é necessário notificar o arguido do despacho de revogação da suspensão da pena ou basta a notificação do seu defensor oficioso.


Extemporaneidade do recurso:
Começaremos pela alegada extemporaneidade do recurso por se tratar de questão cuja procedência poderá prejudicar o conhecimento da questão principal A decisão do Exmº Presidente não vincula o tribunal de recurso (artigo 405º, n.º4 do CPP)..
Processado com interesse para a decisão da questão:
- por sentença de 23/02/07, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº3º, nºs1 e 2 do Dec-Lei nº02/98, de 03/01, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob condição de, em 6 meses, comprovar o pagamento da quantia de € 500,00 aos Bombeiros Voluntários;
- por despacho de 25/09/07 foi ordenada a notificação do arguido para fazer prova do cumprimento da condição imposta para a suspensão da execução da pena;
- não tendo sido possível notificá-lo, por despacho cuja cópia consta de fls.52, foi ordenada a notificação do Defensor Oficioso para, em 10 dias, demonstrar o cumprimento pelo arguido da supra referida condição, bem como para indicar o paradeiro do arguido;
- veio, então, o Defensor Oficioso informar desconhecer qualquer uma das situações;
- o Sr. Juiz ordenou que, por contacto telefónico com o arguido, se obtivesse a sua morada;
- obtida esta, foi ordenada a sua notificação, o que não foi conseguido.
- por despacho cuja cópia consta de fls.64, foi ordenada a notificação dos Bombeiros Voluntários para informarem se receberam do arguido a quantia de € 500,00 e, em caso afirmativo, a data da entrega, ao que aquela instituição respondeu negativamente.
- por despacho cuja cópia consta de fls.68, foi designada data para audição do arguido, que não foi notificado nem compareceu.
- após junção do CRC e notificação dos Bombeiros Voluntários para informarem se receberam ou não a quantia fixada na sentença, foi proferido despacho cuja cópia consta de fls.109 a 111, no qual foi ordenada a notificação do Defensor Oficioso para, em 10 dias, se pronunciar sobre o incumprimento da condição imposta ao arguido, bem como sobre a sua ausência em parte incerta, que nada disse.
- nada tendo o Defensor Oficioso dito ou requerido, foi, então, proferido despacho, datado de 16/06/08, cuja cópia consta de fls.115 a 119, que revogou a suspensão da execução da pena e ordenou a passagem de mandados;
- o Defensor Oficioso veio, em 20/06/08, requerer se procedesse à reforma deste despacho e juntar documento comprovativo do pagamento da quantia fixada aos Bombeiros Voluntários, em 18/06/08 (fls.122), o que foi indeferido, por despacho de 27/06/08 (fls.128/129).
- em 03/07/08, veio o Defensor Oficioso informar ter pedido escusa do patrocínio, através de requerimento dirigido à OA.
- pelo Sr. Juiz foi proferido despacho, datado de 14/07/08, a notificar o Defensor Oficioso de que a dispensa de patrocínio deveria ser requerida ao tribunal e não à AO.
- em 17/07/08 o Defensor Oficioso veio requerer a dispensa de patrocínio, tendo o Sr. Juiz proferido despacho, em 23/07/08, a ordenar a notificação da Delegação da OE, em Braga, para se pronunciar sobre o requerido.
- o arguido foi detido em 15/09/08.
- em 30/10/08 constituiu mandatário e interpôs recurso dos “despachos de revogação da suspensão da pena de prisão e subsequente mandado de detenção para cumprimento daquela”, o qual não foi admitido por extemporaneidade (fls.194/196).
- após reclamação para o Sr. Presidente deste Tribunal, julgada procedente, foi o recurso admitido.

Vejamos:
Nos termos do nº2 do artº66º do C.P.P., O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa. E o nº4 do mesmo preceito estipula: Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo. Isto, sem prejuízo do consagrado no artigo seguinte.
Por outro lado, o nº1 artº44 da Lei nº34/04, de 29/07, estabelece: Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18º, (…).
Ora, o artº42º que no seu nº2 desta Lei estipula: O pedido de escusa (…) apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o nº5 do artº24.
Conjugando esta disposição com o nº2 do transcrito artº66º, resulta que enquanto não for substituído, o defensor oficioso se mantém em funções mas o prazo que estiver em curso interrompe-se. Ou seja, a partir de 03/07/08, data em que o Exmº Defensor informa que requereu a escusa à Ordem, embora este se mantenha em funções, o prazo em curso para recurso da decisão cuja cópia consta de fls.115 a 119 Do qual foi pedida a reforma e de cujo indeferimento o Exmº Defensor foi notificado por aviso postal registado expedido em 01/07/08. interrompe-se, só se reiniciando com a notificação ao novo patrono nomeado da sua designação ou com a notificação do indeferimento do pedido – artºs34º, n.º 2, e 24º, nº 5, da Lei nº34/04 -, no caso, com a constituição de mandatário, em 30/10/08 – cfr. fls.177 a 185 De notar que até esta data o Exmo Defensor ainda não havia sido substituído (cfr. fls.171). .
Assim, porque quando o Tribunal a quo foi informado da apresentação à OE do pedido de escusa do defensor oficioso, estava em curso o prazo para recorrer da decisão de fls.115/119, o qual tem efeito interruptivo, nos termos do nº 2 do referido artº34º, pelo que, embora por razões diferentes das constantes da douta reclamação, entendemos também que o recurso está em tempo.


Questão principal:
Saber se é necessário notificar o arguido do despacho de revogação da suspensão da pena ou basta a notificação do seu defensor oficioso:
O recorrente apesar de não ter sido notificado do despacho que revogou a suspensão da pena confessa que dele tomou dele conhecimento através do seu defensor oficioso, segundo este refere no requerimento de reforma do despacho (fls.122/123). Mas do despacho de fls.126/127, que indeferiu o pedido de esclarecimento daquela decisão nunca foi notificado.
Ora, o artº113º do C.P.P., sob o título “Regras Gerais sobre Notificações”, dispõe no seu nº9:
As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
Estabelecem-se neste número duas formas distintas de notificação do arguido, conforme a importância dos actos a notificar.
Na primeira parte e para os actos menos importantes, a regra é a de que a notificação pode ser feita na pessoa do defensor ou do advogado.
Na segunda parte, dada a importância de determinados actos processuais – acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento, sentença, imposição ou alteração de medidas de coacção e de garantia patrimonial e dedução de pedido de indemnização civil - a notificação, para além de dever ser feita na pessoa do advogado ou defensor, tem também que ser feita directamente ao arguido.
Mas, as formas de notificação previstas neste artigo, conforme posição por nós já defendida, designadamente, no Processo nº722/06 Na sequência de douto Parecer proferido pelo Exmº Procurador Geral Adjunto Dr. Ribeiro Soares e no Proc. nº2429/06, citado no despacho recorrido., apenas se aplicam até ao trânsito em julgado da sentença. Como se escreve no parecer proferido nesse processo, que obteve a nossa total concordância, Esta forma de notificação foi, como é sabido, introduzida por via do DL 320-C/2000 de 15/12, representando um instrumento de combate contra a morosidade da justiça, contra os infindáveis adiamentos dos julgamentos por ausência dos mesmos arguidos. Em face do seu confesso objectivo – realização efectiva dos aprazados julgamentos, foi integrada esta forma de notificação não como um procedimento normal de notificação dos arguidos, mas sim como integrando uma medida de coacção – o Termo de Identidade e Residência – vd. Art.196 do CPPenal. A inclusão desta forma de notificação de um arguido revela-se, como tal, como sendo uma medida cautelar, uma medida de coacção e subsiste, por isso, apenas até ao trânsito em julgado da decisão. Realizado o julgamento de um arguido sujeito a termo de identidade e residência esta medida coactiva cessa, extingue-se, passada que seja em julgado a decisão condenatória conforme prevê o art.214, nº1, al.e) do CPPenal. Ou seja, depois do trânsito em julgado da decisão condenatória as notificações ao arguido não poderão já ser realizadas através de ofício postal simples, terão de ser feitas ou através de contacto pessoal ou através de carta registada. É o que resulta do mencionado art.113, nº1, al.c) do CPPenal.
No caso dos autos as medidas de coacção há muito que cessaram, como é manifesto.
Não estando tal situação abarcada na norma citada a notificação do arguido poderá ser feita na pessoa do seu defensor ou terá que ser uma notificação pessoal?
A resposta a esta questão é-nos dada no Acórdão do Tribunal Constitucional, acima citado DR II Série, de 22/09/05., com cuja argumentação concordarmos totalmente.
Nele se escreve:
(…) represen­tando a revogação da suspensão da execução da pena de prisão uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação e tendo por efeito directo a privação de liberdade do condenado, surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento de que se impõe a notificação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, e não apenas ao seu defensor. Isto é: justifica-se, no caso, a aplicação, não da regra da parte inicial do n.º 9 do artigo 113.º do CPP (“As notificações do arguido ... podem ser feitas ao respectivo defensor ...”), mas das ressal­vas do segundo período desse n.º 9, que contemplam diversos actos (acusação, decisão ins­trutória, designação de dia para julgamento, sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, dedução do pedido de indemnização civil – alguns, aliás, de menor gra­vidade pessoal para o arguido do que o presente), em que, a par da notificação do defensor, se exige a notificação do arguido, contando-se o prazo para a prática do acto processual subse­quente a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
Do exposto, concluímos que a notificação ao arguido da decisão que revoga a suspensão da execução da pena tem que ser pessoal.

Não tendo sido feita essa notificação, ainda não transitou em julgado este despacho, pelo que não deviam ter sido emitidos mandados de detenção, sendo o mesmo passível de recurso.


Passemos, então, à apreciação do despacho de fls. 115/119 a fim de determinar se se mostram preenchidos os pressupostos necessários à revogação da pena:
Dispõe o artº55º do C.P.:
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº5 do artigo 50º.

E o artº 56º do mesmo diploma, preceitua:
1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) (…)
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição da prestação que haja efectuado.

Da conjugação das transcritas normas resulta que a revogação ou alteração da suspensão da execução da pena importa a verificação dos seguintes pressupostos:
· Que o condenado deixe de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos por culpa sua;
· Que essa culpa seja grosseira.

Como se escreve no Ac. da Rel. do Porto, de 09-12-2004 http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, relatado pelo Sr. Desembargador Fernando Monterroso. , citando Eduardo Correia, a «culpa» é o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter actuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso.
E prossegue: Para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar as quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar positivamente que ele tinha condições económicas para efectuar o pagamento. Ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho.
De outro modo, não se pode formular o juízo de que o condenado «podia e devia» ter pago.
Ora, no caso dos autos, tal como no acórdão citado, não ficou demonstrado que o arguido tivesse condições económicas que lhe permitissem o pagamento da quantia fixada na sentença.
Com efeito, a PSP do Porto, a quem solicitado que averiguasse da existência de bens penhoráveis (fls.34), informou não poder cumprir o solicitado por o arguido não viver na morada indicada nem ser nela conhecido (fls.50). E noutros ofícios em que é ordenada a sua notificação apenas se informa dessa impossibilidade por ser desconhecido.
Nenhuma outra diligência foi ordenada.
Além disso e no que se refere à culpa grosseira, que a lei não define, escreve-se no Ac. da Rel. do Porto, 10/03/04 http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, relatado pelo Sr. Desembargador Brízida Martins. :
A violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada.
Não pode esquecer-se, como princípio orientador da matéria, o que desde o início se acentuou, a propósito desde regime legal: dever fazer-se apelo a uma certa liberdade, reclamada pela situação humana concreta, de modo a que, ainda assim, não se perca a finalidade última da recuperação do delinquente.
Escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Março de 1985, CJ, Ano X, Tomo II, pág. 72, que a apreciação desta infracção deve ser feita de forma criteriosa e cuidadosa.
Ademais, tem entendido a jurisprudência que, a infracção dos deveres impostos não opera automaticamente como causa de revogação da suspensão da execução da pena, como medida extrema que é, não devendo o tribunal atender ao aspecto meramente formal daquela violação, mas, prevalentemente, ao desejo firme e incontroverso de cumprimento das obrigações. Só a inconciabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir à revogação- Cfr. Ac. da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1997, CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 167-.
No caso em apreço nos autos, para além da conduta omissiva do recorrente, não resulta indiciado qualquer comportamento que possa ser classificado como grosseiro que tenha desencadeado o incumprimento da obrigação.
Mas vejamos o despacho recorrido. Nele se escreve:
Tendo em conta o factualismo supra referido O “factualismo supra referido” é uma súmula do processado que também nós fizemos aquando do conhecimento da questão da extemporaneidade. , é de concluir que o arguido permanece numa situação de desrespeito frontal, directo e grosseiro da injunção que lhe foi imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
Com efeito, o arguido não procedeu ao pagamento da quantia de 500,00€ (quinhentos Euros) aos Bombeiros Voluntários de Braga no prazo de 06 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Por outro lado, o arguido fugiu para parte incerta, alheando-se absolutamente do presente processo e da sentença condenatória aplicada, o que reforça o entendimento sobre o carácter manifestamente grosseiro da violação do dever imposto, bem como de que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas.
Tal conclusão sustenta-se igualmente na circunstância de o arguido ter fornecido uma morada falsa no contacto telefónico realizado.
Assim, face à forma grosseira e de total alheamento para com o presente processo que o arguido demonstrou – encontrando-se presentemente em parte incerta – e ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º1, alínea a), e n.º2, do Código Penal, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, devendo o arguido cumprir a pena de 07 (sete) meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos por decisão condenatória transitada em julgado.
Tal como no acórdão citado na nota 7, o que se censurou ao arguido foi o facto de ele não ter colaborado, como podia e devia, com o tribunal. Mas nada na lei ou nas regras da experiência permite presumir que quem não colabora com a justiça tem, necessariamente, boa situação económica.
Repete-se: o que está em causa é apenas saber se o arguido é passível de censura por não ter pago (foi esse o único dever imposto na sentença) e não se tem outros comportamentos igualmente censuráveis, mas irrelevantes para a decisão de revogação da suspensão.
Assim, não tendo ficado provado que o recorrente podia efectuar o pagamento da quantia fixada como condição para a suspensão da execução da pena, não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a revogação da suspensão da pena.

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DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida.
Sem tributação.