Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3456/22.7T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RECURSO EXCECIONAL PARA A RELAÇÃO
MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. Para que se possa concluir pela admissibilidade do recurso para o Tribunal a título excecional na vertente de que tal se afigura “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” têm de estar em causa circunstâncias excecionais das quais resulte que é manifesta a necessidade da melhoria da aplicação do direito não bastando ser conveniente ou necessário. Tem de ter sido cometido um erro grosseiro incomum, ou uma errónea aplicação flagrante do direito, nele não se incluindo a mera discordância quanto à interpretação e aplicação do direito pelo tribunal recorrido (erro de julgamento).
2. Para que o Tribunal da Relação possa concluir pela admissibilidade do recurso a título excecional, não basta que os Recorrentes formulem requerimento autónomo e invocar um dos argumentos previstos no n.º 2 do art.º 49.º, pois impõe-se que nele se alegue as razões concretas que evidenciem, que no caso o recurso é manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, já que o recurso só será admitido a tútulo excecional se as razões invocadas convencerem da sua pertinência, de forma a permitir concluir justificar-se a sua apreciação por ocorrência de um erro grave, incomum e notório, em que a solução jurídica contida na decisão recorrida se não possa manter.
Decisão Texto Integral:
RECORRENTES: H..., LDA.; AA e BB
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – Juiz ...

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições de Trabalho, que deu origem aos presentes autos foi a arguida H..., LDA, aplicada a coima de €714,00, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punida pelos arts. 8.º, n.º 2 e n.º 3 e 554.º n.º 3 b) do Código do Trabalho, sendo responsáveis solidários pelo pagamento da coima CC e AA e DD, ou seja, por não ter comunicado à ACT, com cinco dias de antecedência a identidade dos trabalhadores a destacar para o estrangeiro, o utilizador, o local de trabalho, o início e termo previsíveis da deslocação.
A arguida, bem como os responsáveis solidários pelo pagamento da coima impugnaram judicialmente a decisão administrativa junto do Tribunal da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., vindo este Tribunal a negar provimento à impugnação, mantendo a decisão impugnada.
A arguida H..., LDA  e os responsáveis solidários AA e DD inconformados com esta decisão recorreram para este Tribunal da Relação de Guimarães, ao abrigo do disposto no artigo 49.º n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14/09, com fundamento na necessidade de melhoria da aplicação do direito, assinalando o prazo do artigo 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a culpa como fundamento da sanção contraordenacional e como limite da coima e a fundamentação da culpa na sentença como melhor explanará nas suas alegações. Pede que lhe seja concedido provimento.
Na sua alegação de recurso formula as seguintes conclusões:
“I. A Recorrente – H..., Lda. e responsáveis solidários, em sede dos presentes autos de contraordenação, recorrem da decisão proferida pelo douto Juízo do Trabalho ... – Juiz ... - Tribunal Judicial da Comarca ... – que negou totalmente provimento à impugnação judicial apresentada e, mantendo a decisão impugnada, condenou a arguida, pela prática de uma contraordenação grave (prevista e punível pelos arts. 8.º, n.ºs 2 e 3, 550.º e 554.º, n.º 3, al. E), do Código do Trabalho), no pagamento da coima de sete UC/€714. E nos termos do art. 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho os gerentes AA e DD, como responsáveis solidários pelo pagamento da coima.
II. (…)
III. Na verdade, os Recorrentes entendem, que a matéria de Direito sujeita a exame pelo Tribunal recorrido merece outra apreciação, no que toca ao prazo do artigo 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, à culpa como fundamento da sanção contraordenacional e á culpa como limite da coima na contraordenação e à fundamentação da culpa na sentença, impunha-se uma decisão diferente, conforme se procurará demonstrar.
IV. Ora entre a instauração do procedimento contraordenacional n.º CO ...65, com data de 14/06/2019 e a notificação da decisão proferida no processo de contraordenação em 25/05/2022, passaram cerca de 35 meses, sem qualquer explicação, fundamentação legal.
V. Há aqui uma duração extensa da instrução.
VI. Ora, o decurso do tempo sem que, desde o cometimento da infração, ou seja, 11/07/2018, a instauração do procedimento contraordenacional em 14/06/2019, a notificação da decisão de aplicação da coima em 25/05/2022, a arguida seja efetivamente sancionada tem como reflexo inevitável o esbatimento das finalidades sancionatórias.
VII. Por isso, esse esbatimento é tanto maior quanto o tempo vai decorrendo, sem que a administração sancionatória efetive na arguida a sanção decorrente da conduta contraordenacional; e é menor, quanto mais grave é a contraordenação praticada.
VIII. O limite deste esbatimento teleológico há de ser o momento cronológico específico em que já não é possível a realização de finalidades de prevenção geral ou de prevenção especial, não sendo por isso necessária a execução da sanção.
IX. Daí que, todo e qualquer ato praticado para além do limite temporal previsto naquele normativo acima identificado poderá ser considerado nulo e de nenhum efeito.
X. (…)
XX. Sabe-se que a culpa, no domínio das contraordenações, é um elemento subjetivo indispensável à punição, que pode subsistir sob a modalidade de dolo ou de mera negligência, cfr o artigo 8.º do RGCO, que faz valer o princípio da culpabilidade (nulla poena sine culpa), no sentido de que toda a sanção contraordenacional tem por base uma culpa concreta.
XXI. Tendo a Recorrente enviado os documentos de forma a cumprir as normas, mostra-se excluída a sua responsabilidade no cometimento da contraordenação em análise, importando por isso a revogação da sentença.
XXII. (…)
XXVII. Dizer que a culpa é fundamento da coima e das eventuais sanções acessórias equivale a dizer que ainda que se verifique uma ação típica e ilícita contraordenacional, se não houver culpa, a mesma não será sancionável.
XXVIII. Inexiste, assim, responsabilidade contraordenacional objetiva.
XXXIX.A culpa é, como vimos sublinhando, fundamento da sanção contraordenacional, embora não seja o seu fundamento exclusivo.
XXX. A negligência, a expressão “não agiu com o cuidado e zelo exigíveis” referida na sentença, ou equivalente, trata-se de formulação pouco menos, senão mesmo insuficiente, potenciadora de absolvições, ou de recursos com esse fim nos tribunais superiores.
XXXI.
XXXIII. Mas no caso presente, na douta sentença e no lugar próprio nada se evidenciou sobre o elemento subjetivo.
XXXIV. E a imputação tem de ser feita de forma autónoma e direta, a negligência não é o residual onde tudo fica se não houver dolo.
XXXV. Além do mais, não resultou da omissão, atraso das comunicações qualquer prejuízo para o trabalhador, sequer para o Estado, no âmbito dos direitos dos trabalhadores e no âmbito do interesse em geral, o da comunidade a que pertencemos.
XXXVI. Da factualidade dada como provada, não existem factos que permitam imputar factos objetivos aos recorrentes a título de negligência, em qualquer uma das suas modalidades (consciente ou inconsciente), pois, não se vislumbram quaisquer factos concretos consubstanciadores por parte dos Recorrentes da representação do facto e a sua não atuação com a intenção de o realizar, com a omissão dos deveres de cuidado.
XXXVII. Os recorrentes agiram sem consciência que tal ato conduziria à prática de um comportamento ilícito.
XXXIX. Ora, a falta da consciência da ilicitude é apenas censurável quando o agente revela uma, atitude de indiferença pelos valores jurídico-penais o que, in casu, não se verificou, nem sequer ficou provado.
XL. Atentas as circunstâncias dos factos e o facto de os Recorrentes terem comunicados os destacamentos, não se pode de forma alguma dizer que a falta de comunicação à ACT se tenha ficado a dever a uma qualquer qualidade desvaliosa e jurídico-penalmente relevante da personalidade do agente, a uma indiferença perante o bem Jurídico protegido pela norma ou que seja consequência de uma omissão do cuidado exigível. XLI. De harmonia com o art.º 15º do Cód. Penal, aplicável ex vi do artº 32.º do DL 433/82, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preencha um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
XLII. Do conceito legal de negligência fala-nos o art. 15.º do Cód. Penal, nos termos do qual age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização (negligência consciente) ou não chega, sequer, a representar a possibilidade de realização do facto (negligência inconsciente).
XLIII. Esclarece-se que, embora o ilícito negligente comporte um momento omissivo - precisamente o não ter o cuidado, ou de prever um certo resultado ou, tendo-o previsto, de evitá-lo - não se confunde com a omissão, que qualifica um tipo legal em relação à estrutura do comportamento.
XLIV. A violação do dever de cuidado tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão.
XLV. (…).
XLVI. No presente caso, diremos que do texto da decisão recorrida, num pequeno parágrafo, na “Fundamentação de Direito” da decisão, conjugada com as regras da experiência comum, resulta que o tribunal recorrido cometeu erro notório na apreciação da prova ao considerar verificado o nexo de imputação subjetiva, pelo menos, a título negligente, dos factos objetivos provados à atuação da arguida.
XLVII. E sem culpa não há responsabilidade contraordenacional.
XLVIII. (…)
LV. No caso concreto não o verificamos, pois, após explanar este raciocínio, podia acrescentar-se que na apreciação da prova utilizou-se o entendimento do cidadão médio e as regras da experiência comum, respeitando-se o valor intrínseco de cada prova, de per si e no confronto e conjugação com as outras.
LVI. Assevera-se também que, em termos de condenação, tanto na decisão administrativa, como da sentença apenas se fez referência a um documento, no que se refere à condição económica “como referem a sentença: “7.º A arguida obteve um volume de negócios, €743012 (RU 2017). (cfr. Ac. Do TRC de 4/12/2013).
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, concedendo provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra, em conformidade com as presentes conclusões, farão, como sempre, boa e sã justiça!
O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela sua inadmissibilidade, em razão do valor da coima aplicada, a que acresce o facto de não se revelarem preenchidos os requisitos a que alude o n.º 2 do art.º 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, defendendo que a decisão recorrida não evidência qualquer erro jurídico grosseiro ou invulgar, nem se verifica um manifesto erro na aplicação do direito a carecer de correção por tribunal superior, razão pela qual deve o recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal. Por fim, e caso assim não se entenda pugna o Ministério Público pela sua total improcedência do recurso.
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Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (art.º 416.º do CPP), no âmbito do qual sustentou a inadmissibilidade do recurso a título extraordinário, quer por omissão de fundamentação do requerimento, quer por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do n.º 2 do art.º 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 por não estarmos perante uma situação de erro grave em que a solução jurídica contida na decisão recorrida se não possa manter. Nem está em causa uma questão jurídica que o tribunal recorrido tenha apreciado ou omitido em termos que pudessem ser considerados seriamente duvidosos à luz de controvérsia relevante na doutrina e/ou jurisprudência, que justificasse uma reapreciação que representasse um contributo para uma discussão que aproveitasse a casos similares futuros.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
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Objecto do Recurso
           
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do CPP. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

As questões apreciar, sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras, são as seguintes:

- Como questão prévia: apurar da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09;
- Caso seja admitido: apurar da nulidade da decisão impugnada por ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias para conclusão da instrução – art.º 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 e omissão do elemento subjectivo do tipo do ilícito em causa.

Fundamentação de facto

Encontram-se provados os seguintes factos:
1.º A arguida «H... e Aluguer de Equipamentos,
Lda.», NIPC ..., volume de negócios, € 743012 (RU 2017), é uma sociedade por quotas, desenvolvendo a atividade de instalação de canalizações (CAE 4322I).
2.º Com sede e local de trabalho na Rua ..., ..., ... ..., legalmente representada por CC, NIF ..., AA, NIF ... e DD, NIF ..., na qualidade de gerentes.
3.º No dia 11/07/2018, deram entrada nos Serviços da ACT, duas comunicações da infratora sobre o destacamento dos trabalhadores duas comunicações da infratora sobre o destacamento dos trabalhadores infra identificados, pertencentes ao seu quadro de pessoal, para ..., em ...:
EE, com cartão de cidadão n.º ...;
FF, com o cartão de cidadão n.º ...;
GG, com o cartão de cidadão n.º ...;
HH, com o cartão de cidadão n.º ...
4.º O destacamento teve início em 23/04/2018 e termo em 31/12/2018 relativamente aos trabalhadores EE, FF e GG, e teve início em 10/05/2018 e termo em 31/12/2018 relativamente ao trabalhador HH.
5.º A arguida não comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho, com cinco dias de antecedência, a identidade dos trabalhadores a destacar para o estrangeiro, o utilizador, o local de trabalho, o início e termo previsíveis da deslocação.
6.º A arguida, enquanto entidade empregadora, devia cumprir com as suas obrigações legais, bem conhecia as consequências da omissão do seu cumprimento e, mesmo assim, mostrou-se indiferente ao grau de ilicitude, censurável, conformando-se com o seu resultado.
A arguida não agiu com o cuidado e zelo exigíveis, enquanto entidade empregadora.
7.º A arguida obteve um volume de negócios, €743012 (RU 2017).
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Fundamentação de direito

Questão prévia: da admissibilidade do recurso

Ao caso é aplicável o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (doravante RPACOLSS). E, em conformidade com o previsto no seu art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(…), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, ou seja, o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Antes de mais importa apreciar a admissibilidade do recurso nos termos do n.º 2 do art.º 49.º de referido regime processual, uma vez que o mesmo seria admissível por ter sido aplicada à Arguida uma coima inferior a 25 UC, ou seja, inferior a €2.550,00.

Estabelece o artigo 49.º do RPACOLSS o seguinte:

“Decisões judiciais que admitem recurso
1 - Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo.º 39.º
2 – Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.

E prescreve o art.º 50.º nos seus n.ºs 2 e 3 do RPACOLSS o seguinte:
“2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior, o requerimento segue junto ao recurso, antecedendo-o;
3 – Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que é resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso”

Resulta dos citados preceitos legais que o Tribunal da Relação pode aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, incumbindo ao recorrente justificar admissibilidade do recurso em requerimento autónomo, constituindo questão prévia a apreciação e decisão do mesmo.
A arguida e os responsáveis solidários vieram interpor recurso ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 49.º do RPACOLSS dizendo apenas no requerimento de interposição de recurso, que a apreciação do recurso se afigura necessária à melhoria da aplicação do direito, assinalando como questões a decidir o prazo do artigo 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a culpa como fundamento da sanção contraordenacional e a culpa como limite da coima na contraordenação, remetendo para a alegação de recurso os respectivos fundamentos. Ou seja, o requerimento apresentado pelos Recorrentes é omisso quanto aos fundamentos para que o Tribunal decida se o recurso é ou não necessário, sendo por isso de aceitar ou não o recurso.
Apesar do método utilizado não ser o mais correto, pois tal como resulta do n.º 2 do citado artigo 50.º do RPACOLSS é no requerimento que antecede a alegação de recurso e não nesta, que devem constar as razões porque excecionalmente o recurso deve ser admitido, ainda assim impõe-se analisar se é ou não de admitir o recurso excecionalmente, ao abrigo do n.º 2 do citado artigo 49.º.
Vejamos se estão reunidos os requisitos que nos permitam aceitar o recurso com base no disposto no n.º 2 do art.º 49.º do RPACOLSS, ou seja por as questões nele colocadas se afigurar de “manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito”, uma vez que só em circunstâncias excecionais tal possibilidade é de admitir.
Importa salientar que este recurso excecional não pode servir de meio para ultrapassar a impossibilidade legal de se aceder ao recurso designadamente por o valor da coima não o permitir.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra Ordenações, págs. 303 a 310, são dois os requisitos que nos permitem aceitar o recurso nestas circunstâncias, “a melhoria da aplicação do direito” (…) “e a promoção da uniformidade da jurisprudência”. No caso apenas está em causa a melhoria da aplicação do direito.
Mais adiante afirma ainda o mesmo autor a propósito da melhoria da aplicação do direito, que estando esta em causa importa o preenchimento dos seguintes requisitos: “1) ser relevante para a decisão da causa, (2) ser uma questão necessitada de esclarecimento e (3) e ser passível de abstracção (…) isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos similares.”
Como também refere a este propósito Abílio Neto no Código de Processo do Trabalho Anotado, Lisboa, Janeiro 2010, p. 357), “[o] recurso da decisão pode assumir-se como “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” quando, por ex., verse uma questão que seja objecto de soluções desencontradas por parte da doutrina, ou de relevante incidência prática, ou quando seja objecto de tratamento diversificado pela jurisprudência. De todo o modo, trata-se de um conceito aberto, cuja aplicação em concreto dependerá, em larga escala, do discurso argumentativo utilizado.”

Por outro lado, a jurisprudência de forma uniforme tem vindo a defender, designadamente neste Tribunal a este propósito o seguinte:
Ac. RG de 20/09/2018, proc. n.º 997/17.1T9VRL.G1, consultável em www.dgsi.pt “…o n.º 2 do artigo 49.º visa proporcionar excepcionalmente a via recursória, quando a mesma não é admitida pelas regras “normais”, designadamente, pelo n.º 1, quando razões de interesse geral e de dignificação da justiça possam estar em causa, ou seja quando a decisão recorrida revele um erro manifesto, intolerável e de tal forma grave que permita a reapreciação por tribunal superior que o possa corrigir como forma de evitar uma decisão errática ou até absurda.
(…) só se verifica a necessidade de melhoria da aplicação do direito quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, ou uma errónea aplicação do direito gritante, tal não sucedendo obviamente quando estamos perante uma mera discordância quanto à aplicação do direito.”
- Ac RG de 19-05-2022, proc. n.º 1737/21.6T8VCT.G1 consultável em www.dgsi.pt. “ o recurso é manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, nos termos do artigo 49.º, n.º 2 do regime processual das contraordenações laborais e de segurança social, quando esteja em causa uma questão de direito autónoma e que, por ser amplamente controversa na doutrina e na jurisprudência, com relevante aplicação prática, apresente uma dignidade ou importância que extravase o caso concreto, de tal forma que se imponha o seu melhor esclarecimento pela instância superior, com vista a propiciar um contributo qualificado no seu tratamento e aplicação a título imediato e em casos idênticos futuros”. Sublinhado nosso
Em suma, para que se possa concluir pela admissibilidade do recurso para o Tribunal da Relação a título excecional na vertente de que tal se afigura “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” tem de estar em causa circunstâncias excecionais das quais resulte que é manifesta a necessidade da melhoria da aplicação do direito não bastando ser conveniente ou necessário. Tem de ter sido cometido um erro grosseiro incomum, ou uma errónea aplicação flagrante do direito, nele não se incluindo a mera discordância quanto à interpretação e aplicação do direito pelo tribunal recorrido. O erro tem de ser de tal maneira grave que a solução jurídica contida na decisão recorrida se não pode manter, por desprestígio da própria magistratura, por aberração, pela iniquidade da decisão, pelo sacrifício imposto ao condenado, pelos graves reflexos económicos que produz, só nestas situações, se justifica a possibilidade de a decisão ser revogada.
Retornando ao caso em apreço, temos por certo que, invocando os Recorrentes a necessidade do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito, contudo não invocam argumentos concretos que possam ser submetidos à apreciação deste Tribunal.
Na verdade, para que este Tribunal possa concluir pela admissibilidade do recurso a título excecional, não basta que os Recorrentes formulem requerimento autónomo e invocar um dos argumentos previstos no n.º 2 do art.º 49.º, pois impõe-se que nele se alegue as razões concretas que evidenciem, no caso o recurso é manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, já que o recurso só será admitido a título excecional se as razões invocadas convencerem da sua pertinência, de forma a permitir concluir justificar-se a sua apreciação por ocorrência de um erro grave, incomum e notório, em que a solução jurídica contida na decisão recorrida se não possa manter.
Cabendo aos Recorrentes em requerimento autónomo alegar as razões necessárias que denunciem que a decisão da 1.ª instância padece de erro grosseiro, notório ou que padece de uma flagrante e errónea aplicação do direito, que torna manifestamente necessária para a melhoria da aplicação do direito a admissibilidade do recurso, não se revela de suficiente remeter para a alegação de recurso.
Ora, fácil é de concluir que os Recorrentes nem sequer deram cabal cumprimento ao n.º 2 do artigo 50.º do RPACOLSS, a que acresce ainda dizer que as conclusões do recurso, apenas reiteram a posição defendida pelos Recorrentes na impugnação judicial da decisão administrativa, não indicando, nem apontando em parte alguma o erro grosseiro, notório ou incomum, ou a flagrante e errónea aplicação do direito. A discordância dos Recorrentes não se funda no erro grosseiro ou grave.
Como resulta das conclusões do recurso, o que está em causa é a mera discordância da decisão recorrida e tanto basta para se concluir pela inadmissibilidade do recurso.

Decisão

Por todo o exposto acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães na rejeição do recurso.
Custas a cargo da Recorrente, fixando a taxa de justiça em 3UC – cfr. art.º 513.º n.º 1 do CPP, ex vi do art.º 74.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 59.º e 60.º do RPACOLSS e 8.º n.º 7 e 9 e Tabela III do RCP.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.
27 de Abril de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira