Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3756/12.4TBGMR.G1
Relator: EUGÉNIA MARINHO DA CUNHA
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PRINCÍPIO DA AUTORRESPONSABILIZAÇÃO DAS PARTES
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Não cabe convite ao aperfeiçoamento (cfr nºs 2, 3 e 4, do art. 590º, do CPC), quando, dos próprios factos alegados, decorra a ineptidão da petição inicial ou a manifesta improcedência do pedido formulado, atenta a inviabilidade da pretensão e o princípio da autorresponsabilização das partes (não podendo o tribunal, ex officio, convidando a parte a “fabricar” factos, transmutar um articulado inepto num articulado viável);

2- Não gera, contudo, o vício da ineptidão da petição inicial a insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida. Basta, para que esteja desenhada a causa de pedir, que o núcleo factual essencial integrador da causa petendi surja caraterizado;

3- Para que ocorra a causa de extinção da instância prevista na al. e), do art. 277º, do CPC – inutilidade superveniente da lide – é necessário que, na pendência da causa, ocorra facto que acarrete a insubsistência da pretensão do Autor, seja por motivos atinentes ao sujeito, seja razões que se prendem com o objeto do processo, seja porque foi, entretanto, satisfeita fora do âmbito da providência solicitada. Tal não ocorre quando da petição inicial já resulte a verificação do referido facto (a poder revelar falta de interesse em agir).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. RELATÓRIO

José e mulher Maria propuseram ação popular cível, sob a forma ordinária, tendo, por decisão proferida a fls 576 e segs, transitada em julgado – cfr. Acórdão de fls 264 a 274, apenso C) –, sido ordenada a retificação da forma de processo para ação comum - contra:

1. Irmãos C., LDA,
2. Sérgio,
3. Rita,
4. Manuel,
5. Albina,
6. Fernando e mulher Manuela,
7. Josefina (falecida na pendencia da causa que prossegue com os habilitados herdeiros em sua representação),
8. Tiago e esposa Patrícia,
9. Conceição e marido Carlos,
10. Madalena e marido Vítor,
11. Pedro,
12. Armando e esposa Paula,
13. Bruna e marido Alberto,
14. Paulo,
15. Letícia,
pedindo que:

a) Sejam os contratos celebrados entre os RR declarados nulos por vício de falta de forma, a escritura pública;
b) Sejam os RR obrigados a repor a situação que se encontrava antes da construção do poços e da sua utilização no prédio onde se encontram o registado com o n.º 537/1930514 na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo 88,
c) procedendo à retirada, onde se encontram, no prédio registado com o n.º 537/1930514 na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo 88, dos restos dos efluentes e detritos poluentes que nela se encontram bem como a retirar todas as argolas de cimento que ainda se encontram enterradas no solo, por forma a impedir a sua utilização para o mesmo fim que vinham a ser utilizadas;
d) Sejam os RR condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos;
e) Sejam os RR condenados, solidariamente, a pagar aos AA uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por estes e seus familiares, no montante de 90.980,00€ (noventa mil novecentos e oitenta euros), e a pagar 100,00€ por cada mês em que se encontrem sem possibilidade de utilização da água à razão de 100,00€/ mês ou caso não se consiga estabelecer o prazo que ainda durará a privação da água o tribunal estabeleça, por equidade, o valor de indemnização a pagar pelos RR aos Autores.
Alegam os Autores, como fundamento da ação e resumidamente, os danos sofridos decorrentes da violação pelos Réus do seu direito de propriedade sobre águas de nascente existentes no seu prédio, por inquinação subterrânea decorrente da abertura e utilização continuada de três fossas séticas no prédio contíguo ao seu, onde se depositaram os dejetos de diversos residentes, o que levou a que a mesma água se tivesse tornado imprópria para consumo.

Responsabilizam os RR por tais danos invocando:

- quanto à primeira ré que construiu três fossas séticas no terreno dos 6ºs RR, com autorização destes, as quais serviram, desde 1996, para o lançamento das águas e dejetos dos proprietários e condóminos do prédio que a mesma ré viria a construir entre 1994 e 1996, em regime de propriedade horizontal, tendo posteriormente vendido as respetivas frações, e, ainda, que esta ré outorgou o contrato de permuta (nulo por falta de forma) com os 6ºs RR pelo qual estes a autorizaram àquela construção;
- quanto aos 2º a 5ºs RR invocam que estes construíram o prédio em regime de propriedade horizontal que a partir de 1996 passou a usar as fossas séticas para esgotos;
- quanto aos 6º e 15º RR., o 1º destes por ser o proprietário do prédio, que autorizou em 1993 e em 1994 a construção das fossas séticas e o seu uso pelos proprietários do prédio construído, e a 15ª ré, por ter sido proprietária posteriormente e por efeito de partilha extrajudicial (e embora os AA não especifiquem a data em que atribuem o domínio da propriedade a esta Ré fazem-no reportar à partilha extrajudicial junta por documento referente ao prédio 537/1930514 matriz-88 cuja compra pelo antecessor desta Ré – Alberto V. - aos 6º RR data de 4.01.996 - escritura de fls 364 a qual registada a 23.07.2008 – fls 111 sendo a partilha extrajudicial a favor desta ré registada em 25.05.2009 - fls 112.
- quanto aos 7º a 14º RR por terem outorgado a promessa de permuta mediante a qual os 6º RR autorizaram a construção das fossas.
Invocam a nulidade dos referidos contratos por falta de forma, e que sofreram prejuízos patrimoniais com a aquisição de água desde 1996, à razão de 100,00 euros mensais, e danos não patrimoniais, que eles e os seus familiares sofreram, estimados em 10.000,00 por cada um, num total de 70.000,00 euros, fundando a ação na nulidade de negócio e em responsabilidade civil extracontratual.
Mais invocam que o saneamento público foi instalado até final de 2010 tendo os AA procedido à ligação a este na Páscoa de 2011 e que os 6ºs RR procederam ao aterro das fossas deixando lá detritos e dejetos.
Os RR, para além de terem impugnado parte dos factos articulados, defenderam-se por exceção, ao invocarem, desde logo, a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade ativa e passiva e a prescrição do direito à indemnização.
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Após transito em julgado da decisão proferida em audiência prévia, a fls 578 e segs, que determinou que a ação siga a forma de processo comum (para prolação de despacho saneador e de fixação do objeto do litígio e dos temas da prova - v. fls 585), foi proferida decisão a julgar inepta a petição inicial (artigo 186º nºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil ) e a declarar a nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição dos RR da instância (artigos 576º, nº 2 e 577º, al. b) do Código de Processo Civil), considerando, sem prejuízo disso, extinta a instância, por inutilidade superveniente a lide, quanto ao pedido formulado sob a alínea d) do mesmo articulado.
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Os Autores apresentaram recurso de apelação pugnando por que a referida decisão seja revogada, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

A) O tribunal, a seu tempo, após a modificação da espécie da ação deveria ter decidido de ser aperfeiçoada, nem que não fosse pelo motivo de haver pedidos a favor de terceiros que o tribunal podia entender não se enquadrar nesta de forma de ação comum, o que não fez e devia ter feito o que só por si constituiu um vício da sentença e deve levar a que seja declarado nulo tudo o processado desde a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de declarar que o processo devia ser sob a forma de Ação de Processo Comum e não Ação Popular. Devendo ser notificado os Autores para aperfeiçoar a petição de Ação Popular para Ação de Processo Comum, o que se alega e requer seja conhecido. Sem prescindir,
B) Os autores têm legitimidade em pedir, uma vez que foram afetados quer na suas consequência jurídicas e de que maneira nas suas consequência práticas, veja-se as consequências na qualidade das águas que consumiam, pelo que ao ter decidido que não há causa de pedir neste caso e ilegitimidade, o tribunal a quo violou o previsto no art.º 410.º do CC, ao tê-lo invocado e o previsto nos art.º 286.º, e 875 do CC ao não o ter aplicado, devendo a sentença nesta parte ser revogada e substituída por uma decisão em que se considere haver causa de pedir e legitimidade para os autores pedirem a nulidades dos contratos definitivos e concretizados de facto, conforme alegado.
C) O tribunal não podia declarar que o dano já cessou e que existe ausência de causa de pedir, pelo que violou a alínea a), do n.º 2, do art.º 186.º de CPC, devendo a sentença nesta parte ser revogada e substituída por uma decisão em que se considere haver causa de pedir relativamente aos pedidos b) e ), conforme alegado.
D) O tribunal não podia declarar a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido da alínea d) já que o dano não cessou e o simples aterrar dos poços sumidouros não implica a ausência do dano, pelo que violou o art.º 277.º de CPC, devendo a sentença nesta parte ser revogada e substituída por uma decisão em que se considere haver causa de pedir relativamente a estes dois pedidos, conforme alegado.
E) Ao declarar a ineptidão por violação do artigo 186º n.ºs 1 e 2, al. a) do Código do Processo Civil, o tribunal a quo violou a norma do n.º 3, do art.º 186º do CPC, pelo que a arguição não podia ser procedente devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que declare não haver ineptidão da petição até porque os réus interpretaram convenientemente a petição inicial (não obstante a mesma não ter sido mandada corrigir após a modificação do tipo de ação de popular para comum).
F) Ao declarar a ineptidão da petição inicial o tribunal a quo violou a norma do, nº 1, do art.º 497º do CC, pelo que a arguição não podia ser procedente devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que revogue a absolvição a instância e faça o processo prosseguir os seus termos.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

- Se se verifica ineptidão da petição inicial;
- Se ocorre inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido formulado sob a alínea d) - pedido de condenação dos RR a absterem-se da prática de atos que correspondam à utilização dos poços séticos
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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) - Da existência de poder-dever do Tribunal de convidar os Autores a sanar vícios da petição inicial e da ineptidão da petição inicial

Sustentam os Autores que o Tribunal a quo devia tê-los convidado a corrigir os vícios da petição, concluindo “ O Tribunal, a seu tempo, após a modificação da espécie da ação deveria ter decidido de ser aperfeiçoada…”.

Antes de mais, cumpre referir que o art. 590º, do CPC, regula duas situações totalmente distintas:

- uma que corresponde ao nº1, em que o que está em causa é a petição inicial submetida a despacho liminar – antes de ordenada a citação do réu – podendo, então, ser indeferida, quando o pedido for manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis, das quais o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no art. 560º, ou seja, podendo o autor apresentar nova petição;
- outra que corresponde aos restantes números de tal artigo, em que pressupõe-se a superação dessa fase preliminar e a citação do réu, entrando-se , assim, numa fase programática, correspondente a um despacho pré-saneador, através do suprimento de eventuais excepções dilatórias, do aperfeiçoamento dos articulados… (1)

Assim, não é de convidar à correção da petição inicial nos termos do art. 590º, nºs 2, 3 e 4 do CPC, quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objeto desse convite à correção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a ação prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.

Para além disso, o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial deve, apenas, ser feito com o fim de serem corrigidas deficiências processuais – insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Em regra, o âmbito do aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objeto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo n.º 5 do artigo 508.º do CPC – v. neste sentido Acórdão do STJ, de 3.02.2009 (Pº 08A3887), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt. (2)

O poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4, do CPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz (3).
Não há lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento quando o autor não substanciou em termos bastantes a causa de pedir, porquanto não se está perante situação de meras imprecisões ou lacunas de exposição dos factos integradores da mesma (4).

Apesar de o atual Código de Processo Civil, com o louvável objetivo de se alcançar a verdade material e se lograr obter a boa administração da justiça, a justa composição dos litígios e a ampla satisfação dos interesses de cada cidadão e do Estado, interessado em que tais resultados últimos se alcancem, ter dado passos consideráveis para ultrapassar entraves formais, designadamente conferindo ao juiz poderes de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, há uma barreira que não pode ultrapassar: se, na configuração que as partes deram ao litígio, estas omitiram os factos essenciais à causa de pedir e ao pedido, seja da pretensão seja da defesa, não pode o tribunal ex officio tomar um articulado inepto num articulado viável, mediante um convite ao aperfeiçoamento. A tanto se opõe, além do mais, o princípio da autorresponsabilização das partes (5) (negrito e sublinhado nosso). E o mesmo se diga relativamente a uma pretensão manifestamente inviável. Não pode o tribunal convidar a alegar de outro modo ou a retirar, até ocultando, factos para que uma ação inviável passe a poder proceder.
Ora, foi proferida decisão a julgar inepta a petição inicial (artigo 186º nºs 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil ) e a declarar a nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição dos RR da instância (artigos 576º, nº 2 e 577º, al. b), do Código de Processo Civil), considerando, sem prejuízo disso, extinta a instância, por inutilidade superveniente a lide, quanto ao pedido formulado sob a alínea d) do mesmo articulado.
Atentando no alegado pelos Autores, de nenhum de vício sanável entendeu o Tribunal a quo padecer a petição, nenhum convite de concretização ou esclarecimento entendeu fazer, tendo, antes, conhecido da exceção dilatória da nulidade de todo o processo por considerar a petição inicial inepta - art. 186º, nº1 e 2, a), do CPC.
Cumpre, pois, e desde logo analisar se ocorre ineptidão da petição inicial e, caso se não exista, se estamos perante situação de inutilidade superveniente da lide quanto ao peticionado sob a alínea d), tendo, caso tal não ocorra, de prosseguir a ação seus termos para apreciação das demais questões, designadamente da necessidade de despacho de aperfeiçoamento, dos pressupostos processuais, incluindo da legitimidade e da eventual manifesta inviabilidade de alguma pretensão.
Vejamos.

Na verdade, estatui o artigo 186.º do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem outra referência (que reproduz, sem alterações o anterior art. 193º), que tem a epígrafe Ineptidão da petição inicial que:

1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e tal exceção é de conhecimento oficioso do tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.
Assim, se faltar ou for ininteligível seja o pedido seja a causa de pedir, se houver contradição insanável do pedido com a causa de pedir ou se ocorrer uma cumulação de pedidos substancial ou intrinsecamente incompatíveis ou inconciliáveis entre si, ou se houver contradição entre as causas de pedir, a petição é inepta, o que provoca a nulidade de todo o processo (art. 186º, nº1), sendo esta uma das causas que determinam a absolvição do réu da instância (arts, 557º, b) e 576º, 2), a decretar no despacho saneador (art. 595º, 1, a)), se antes não tiver sido indeferida liminarmente a petição, se houver despacho liminar (art.590º, 1) (6).
Como refere Alberto dos Reis se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, se se serviu “da linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretende obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta. (7)” (negrito nosso).
Como bem refere o mencionado autor “podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou factos, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir” (8).
Mais desenvolve “importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente… Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga” (9) (situação de manifesta inviabilidade).
O nº 4 do indicado artigo 581.º define a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido, precisando que a causa de pedir nas ações de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito jurídico pretendido.
Causa de pedir é o facto jurídico concreto ou específico invocado pelo Autor como fundamento da sua pretensão (10).
A causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e significado duma conclusão: a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão (11).

Analisa Anselmo de Castro “para que a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei – art. 193º, n.º 2 al. a) – só declara inepta a petição quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento(12). (negrito nosso).

Quanto à ininteligibilidade, afirma Rodrigues de Bastos “é necessário, porém, ter sempre presente que não é a obscuridade, a imperfeição ou equivocidade da indicação do pedido ou da causa de pedir que aquele preceito (correspondente à referida al. a), do nº2, do art. 186º) contempla, como bem se vê da redacção do n.º 3 do mesmo artigo” (13).

Como vimos, este entendimento já era o defendido por Alberto dos Reis, que, devidamente adaptado à atual redação do preceito em causa, conduz a que se considere inepta a petição, por ininteligibilidade, quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir. Assim, a petição será inepta por ininteligibilidade quando não seja possível saber-se qual é o pedido ou a causa de pedir.

No tocante à contradição entre pedido e causa de pedir, esta tem de se evidenciar entre o pedido, enquanto concreta pretensão jurídica formulada pelo autor, e a causa de pedir, enquanto facto ou factos jurídicos que se invocam para sustentar o efeito jurídico ou pedido, deduzido – artº 498º, nº 3 e 4, do Cód. Proc. Civil.
De acordo com a tese da substanciação, que o actual Código de Processo Civil acolhe, a causa de pedir é formada por factos sem qualificação jurídica, ainda que com relevância jurídica (14).
A petição inicial tem de traduzir um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suas premissas (as razões de facto e de direito explanadas) e a conclusão (o pedido deduzido) e a sua falta traduz-se numa ausência ou inexistência de objeto do processo.
Nos termos dos arts. 5º, nº1 e 552º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções. Da petição inicial devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. Isto é, o autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido.

Vista a Doutrina, analisemos, agora, a Jurisprudência.

Esta tem vindo a considerar que a petição inicial é inepta, por falta de causa de pedir, quando o Autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão.
A petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir.

contradição entre a causa de pedir e o pedido quando não exista um nexo lógico entre ambos. Existindo um nexo lógico entre ambos, não há contradição, podendo, apenas, ocorrer uma situação de improcedência, por a causa de pedir não ser bastante para alicerçar o pedido. (15)

Como se refere no Ac. do TRP de 27.5.2010, in proc. 5623/09.0TBVNG.P1., é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada. E a este respeito, como refere A. Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 121º, nº3769, págs. 121, é no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico, por ele requerido (pedido) através da acção judicial, que a doutrina e a jurisprudência justificadamente interpretam, aplicam a contradição prevista (e regulada) na alínea b).
“Assim, porque a contradição do pedido com a causa de pedir representa uma contradição intrínseca ou substancial insanável, por não existir entre eles o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão, não gera a ineptidão da petição inicial a circunstância de a alegada causa de pedir, conexionada logicamente com o pedido, não ser bastante para alicerçar este, pois o que então se coloca é um problema de improcedência (cfr. Acs. do S.T.J de 7/7/88 in BMJ 379º-592 e de 14/3/90 in A.J. 2º.-90 e Ac. da R.E. de 7/4/83 in BMJ 328º.-656)” - Ac do TCAS de 24-2-2005, proc 06656/02, in www.dgsi.pt (16).

Para que se verifique ineptidão da petição inicial é necessário que a alegação consistente na causa de pedir seja feita em termos genéricos tais que não ilustre e evidencie, em factos concretos, o objeto do litígio, ou que essa generalidade, ou deficiência por escassez ou falta de completa inteligibilidade, permita sem esforço de imaginação compreender qual é a causa de pedir, de tal forma que, em si mesma e mesmo sem aperfeiçoamento, autoriza um julgamento e uma decisão sobre o seu mérito.

A ineptidão da petição inicial supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a ação tenha um objeto inteligível. A mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes. (17)

No referido Acórdão do STJ, relatado pelo Ilustre Conselheiro Lopes do Rego, escreve-se, “a insuficiência na densificação ou concretização da matéria litigiosa … nunca poderia gerar o vício de ineptidão – devendo distinguir-se claramente esta figura (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial).
É que, neste caso, movemo-nos já no plano, não do vício de ineptidão da petição, mas da insuficiente alegação de um facto concretizador dos factos essenciais efectivamente alegados, podendo tal insuficiência de concretização factual (mesmo que não haja sido oportunamente detectada, em termos de originar a formulação de um convite ao aperfeiçoamento, na fase de saneamento) ser ainda suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução, nos termos do nº3 do art. 264º do velho CPC, vigente na data da realização da audiência nos presentes autos.
E, como é evidente, se tal falta de densificação ou concretização adequada dos factos substantivamente relevantes, - de que depende, afinal, a procedência da pretensão do A. - nem mesmo assim se puder ter por suprida, a consequência de tal insuficiência da matéria de facto processualmente adquirida não será a anulação de todo o processo, mas antes a improcedência, em termos de juízo de mérito, da própria acção, por o A. não ter logrado, afinal, apesar das amplas possibilidades processuais de que beneficiou, alegar e provar cabalmente todos os elementos factuais constitutivos de que dependia o reconhecimento do direito por ele invocado…

Ora, no caso dos autos, a originária insuficiência de alegação …nunca tornaria a petição inepta, sendo tal insuficiência de densificação factual suprível durante o processo, nos termos em que está admitida a aquisição processual de factos concretizadores dos que integram o núcleo essencial da causa de pedir invocada pelo A. – e conduzindo uma irremediável insuficiência da matéria de facto, caso o A. não tenha aproveitado as oportunidades que a lei de processo lhe confere para suprir durante o processo tal originária deficiência na densificação factual dos factos substantivamente relevantes que alegou na petição, não à absolvição da instância do R., mas à improcedência da acção, por insuficiência do acervo factual constitutivo do direito por ele invocado. Importa, por outro lado, realçar que – independentemente de tal preclusão – a insuficiência na densificação ou concretização da matéria litigiosa, notada no acórdão recorrido (e de algum modo acentuada pelo decidido pelo STJ no Ac.de 19/2/13, ao apagar da matéria de facto provada a conclusão de que a parcela física em litígio fazia parte do prédio reivindicado pelos AA.) , nunca poderia gerar o vício de ineptidão – devendo distinguir-se claramente esta figura (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida ( implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial)”.
In casu, pedem, desde logo, os Autores que se declarem nulos os contratos celebrados entre os RR por vício de falta de forma - a escritura pública(a)).

Alegam os mesmos a celebração dos contratos em causa e o facto por que formulam tal pedido – a falta da referida forma. A falta de escritura pública é o facto concreto ou a nulidade específica que os Autores invocam para obterem o efeito jurídico pretendido (cfr. nº4, do art. 581º, do CPC, acima citado). Não pode, pois, considerar-se ser inepta a petição inicial, por se verificar falta de causa de pedir para este pedido formulado pelos AA., antes foi, na verdade, alegada causa de pedir para o mesmo.

Pedem, ainda, os Autores que os RR sejam obrigados a repor a situação que se encontrava antes da construção do poços e da sua utilização no prédio onde se encontram o registado com o n.º 537/1930514 na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo 88, procedendo à retirada, onde se encontram, no prédio registado com o n.º 537/1930514 na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo 88, dos restos dos efluentes e detritos poluentes que nela se encontram bem como a retirar todas as argolas de cimento que ainda se encontram enterradas no solo por forma a impedir a sua utilização para o mesmo fim que vinham a ser utilizadas e a absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos (b) a d)).

O fundamento da ação reside no facto da utilização das fossas séticas em causa ter provocado contaminação da água do poço, a qual, por isso, deixou de ser própria para consumo.
Alegam os Autores, para além da construção e da propriedade, a utilização das fossas pelos RR, que lhes causou os danos que apontam e, apesar dos alegados aterros efetuados, tal não significa que os danos tenham, efetivamente, cessado, pois que, na verdade, as fossas, apesar de estarem aterradas, mantêm-se no prédio e alegadamente a situação de contaminação das águas subterrâneas dos prédios vizinhos continua a verificar-se.

Relativamente ao último pedido formulado pelos Autores – de condenação solidária de todos os RR a pagar-lhes uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos AA e familiares, no montante de 90.980,00€ (noventa mil novecentos e oitenta euros), e a pagar 100,00€ aos Autores por cada mês que se encontrem sem possibilidade de utilização da água à razão de 100,00€ mês ou caso não se consiga estabelecer o prazo que ainda durará a privação da água o tribunal estabeleça por equidade o valor de indemnização a pagar pelos RR aos Autores - também ele tem como causa de pedir a invocada contaminação, por factos concretamente imputados aos Réus.

Refira-se que, apesar de os Réus serem demandados por motivos diversos, tem de ser considerado o que dispõe o artigo 490º, do Código Civil, que, com a epígrafe Responsabilidade dos autores, instigadores e auxiliares, consagra que Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado. Assim, a coautoria não implica colaboração: podendo os coautores agir isoladamente uns em relação aos outros, relevante sendo o resultado danoso consequência dos vários atos realizados.

O artigo 497º, com a epígrafe Responsabilidade Solidária, sendo mero desenvolvimento do artigo anteriormente referido, consagra no nº1 que Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
Se forem, nos termos do art. 490º, vários corresponsáveis, o preceito anteriormente referido, em exceção prevista ao art. 513º, dispõe que é solidária a sua obrigação de indemnização.

Na verdade as obrigações plurais de natureza civil são parciárias, salvo se este regime, meramente supletivo, for afastado por lei especial ou por estipulação das partes. (18)
Obrigação parciária ou conjunta, que se opõe à obrigação solidária, é aquela em que, havendo uma pluralidade de credores ou de devedores, a cada um deles cabe apenas uma parte do crédito ou do débito comum. Na parciaridade passiva, o(s) credor(es) só podem exigir a cada um dos devedores a realização da respetiva quota-parte da prestação …Nas obrigações parciárias, tudo se passa quase como se entre a pluralidade de credores e/ou devedores existisse, na verdade, uma pluralidade de obrigações: as obrigações parciárias subdividem-se em tantos vínculos parcelares quanto o número de feixes relacionais que se formam entre as respetivas partes, todos eles gozando de autonomia perante os demais (19).

Entre os casos em que o próprio Código Civil estabelece regimes de solidariedade passiva conta-se o do supra referido art. 497º.
Ora, também, o pedido indemnizatório formulado pelos Autores que tem por fundamento a invocada contaminação provocada pelos apontados atos ilícitos dos Réus tem causa de pedir podendo a construção e a utilização das fossas séticas ser geradoras de responsabilidade solidaria dos RR.

Assim, e na verdade, existem causas de pedir para todos os pedidos, sendo que, quanto aos enunciados em b) a e) a mesma estrutura-se no facto de os Autores serem titulares de águas subterrâneas que vêm a ser contaminadas por esgotos que foram depositados (e que, ainda, estão) nas fossas séticas construídas no prédio vizinho, o que lhes causa prejuízo enquanto proprietários de águas particulares. Vem alegado, pelos Autores, prejuízos derivado da utilização das fossas séticas nas suas águas particulares. O dano provocado pelo uso das fossas séticas construídas produz-se, conforme alegado pelos Autores, na qualidade das águas de que se arrogam proprietários, impedindo a sua destinação ao consumo humano (que vinham fazendo). A contaminação alegada pelos Autores é provocada pelo escoamento de águas residuais nas fossas séticas existentes no prédio vizinho dos seus. Fundam-se estes pedidos, como já foi, até, considerado nos autos, em factos que configuram eventual responsabilidade civil dos Réus – a existência e utilização das fossas séticas consubstancia um ato poluidor da água e, por conseguinte, do ambiente. Visam os Autores tutelar um direito subjetivo, ao pretenderem defender o seu direito de propriedade sobre aquelas águas particulares, constituindo a ação uma reação à limitação das possibilidades de gozo e fruição das mesmas (v. citado art. 1347º, do Código Civil).

Existem, pois, pelo exposto, causa de pedir para todos os pedidos formulados pelos Autores na petição inicial.
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B - Da inutilidade Superveniente da lide quanto ao pedido formulado sob a alínea d)

A inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, prevista na al. e), do art. 277º, do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir seja por motivos atinentes ao sujeito, seja por razões ligadas ao objeto do processo, seja porque foi, entretanto, satisfeita fora do esquema da providência pretendida (20).
A inutilidade superveniente da lide pode verificar-se porque, por facto ocorrido na pendência da causa, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade, se extinguiu o sujeito, porque se extinguiu o objeto ou, ainda, porque se extinguiu a causa de pedir. (21)
O termo da lide por força da al. e), do art. 277º, do CPC, na inutilidade superveniente, supõe a ulterior ocorrência de circunstância que notoriamente retire às partes o interesse em agir, aferido em função da necessidade de tutela judicial e da adequação do meio em curso, ou seja, se as partes forem privadas daquele pressuposto processual (22)
Analisando o caso concreto, constata-se que não verifica inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido formulado sob a alínea d) - pedido de condenação dos RR a absterem-se da prática de atos que correspondam à utilização dos poços séticos - pois que do facto de ter passado a haver saneamento público e ligação à rede não decorre, por um lado, que tenham cessado os danos nem, por outro, que tenha, sequer, cessado a possibilidade de os Réus utilizarem os poços séticos.

Aliás, a existir impossibilidade, a mesma nunca seria superveniente, mas originária, já que a situação fáctica em causa resulta da própria petição inicial, a poder revelar falta de verificação do pressuposto processual interesse em agir.
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Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação e, não se verificando nulidade de todo o processo nem inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido formulado sob a alínea d), não pode a decisão recorrida ser mantida. Têm, pois, os autos de prosseguir seus termos.
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Refira-se, ainda, que nada mais cabe apreciar, pois que tal foi, apenas, o concretamente apreciado e decidido - cfr. dispositivo a fls 626(verso, último parágrafo)-627 - e sendo este Tribunal um Tribunal de recurso, o conhecimento das questões que ainda não mereceram decisão implicaria o inutilizar de um grau de jurisdição (sendo que a apreciação da ilegitimidade, relativamente a uns pedidos, da inviabilidade, de pretensões, ou da, eventual, necessidade de, antes disso, ser proferido despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, são questões a tratar pelo tribunal a quo, no prosseguimento da tramitação da ação).
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IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da ação.
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Custas pelos vencidos a final (na proporção do vencimento).

Guimarães, 18 de dezembro de 2017

(Dr. Eugénia Marinho da Cunha)
(Dr. José Manuel Alves Flores)
(Dr. Sandra Maria Vieira Melo)

1. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pag 805
2. Ac. da Relação de Lisboa de 19/6/2014, 802/12.5TBLNH.L1-2, dgsi.net
3. Ac. da Relação de Coimbra de 18/10/2016:Processo 203848/14.2YIPRT.C1.dgsi.net
4. Ac.da Relação do Porto de 28/2/2008:CJ, 2008, 1º, 198
5. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pag 805
6. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, Ediforum Edições Jurídicas, Lda, pág 291
7. Alberto dos Reis, Comentários ao Código de Processo Civil, 2º, 364.
8. Ibidem, pág. 371
9. Ibidem, pág 372
10. Vaz Serra, RLJ, 109º, 313
11. Alberto dos Reis, idem, pág. 381
12. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol.II, pág. 221
13. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Processo Civil, vol. I, pág. 253,
14. Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a teoria do Processo Declarativo 1980, págs. 158
15. Acórdão da Relação de Guimarães de 24/4/2012, Processo 2281/11.5TBGMR.G1, in dgsi.net
16. Ac. do TRP de 27.5.2010, in proc. 5623/09.0TBVNG.P1, in dgsi.net
17. Acórdão do STJ de 26/3/2015, Processo 6500/07.4TBBRG.G2,S2, in dgsi.net
18. Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, vol I, 2017, Almedina, pág 677.
19. Ibidem, pág 674-675.
20. Acórdãos da Relação de Lisboa de 18/11/2008 in CJ 2008, 5º, 91 e da Relação de Coimbra de 15/5/2007, Processo 80/1995.C1 e da Relação de Lisboa de 26/3/2009, Processo 927/07.9TBBNV.L1-8, ambos in dgsi.net.
21. Acórdãos da Relação de Lisboa de 20/5/2010, Processo 2541/03.9TCLRS.L1-6 e da Relação de Coimbra de 5/12/2012, Processo 1124/11.4TBTMR.C1, ambos in dgsi.net.
22. Acórdão do STJ de 21/5/2009, Processo 692-A/2001.S1 in dgsi.net