Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1342/21.7T8VCT.G2
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
RENOVAÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Admitida a ampliação do pedido, em recurso que apenas baixou já depois de proferida a sentença final, terá que reabrir-se a audiência para apreciação dos novos factos ali contidos.
2 – Sendo a ampliação desenvolvimento do pedido primitivo, deve ser considerada toda a prova indicada pelas partes, seja documental, testemunhal ou outra, mesmo apresentada em momento anterior àquele em que é pedida essa ampliação, independentemente de ter sido indicada e/ou renovada a sua indicação no requerimento de ampliação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA intentou ação declarativa contra BB pedindo que se declare que os bens elencados nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial pertencem, em propriedade ao autor, que se condene a ré a reconhecer ao autor o direito de propriedade sobre esses bens e, na sequência a abster-se da prática de quaisquer atos que violem tal direito e que se condene a ré a restituir ao autor os identificados bens.
Alegou que é proprietário dos bens que aí identifica, que se encontravam na sua residência antes de conhecer a ré, tendo-os adquirido com dinheiro próprio, proveniente do seu trabalho como sócio-gerente na empresa V..., Lda. Que, posteriormente, iniciou e manteve uma relação amorosa com a ré e retirou os bens do seu apartamento e instalou-os na casa da ré, para onde foram viver em .../.../2017, tendo contraído casamento civil em .../.../2018, que foi dissolvido por sentença de divórcio, proferida a 14/12/2020, tendo o réu saído de casa em maio de 2020 e aí deixado todos os seus bens, que, agora, reclama, depois de já ter interpelado a ré para os restituir, sem sucesso.
A ré contestou, excecionando a ilegitimidade ativa, contestou por impugnação, admitiu que alguns dos bens descritos na petição pertencem ao autor, e deduziu reconvenção, pedindo que sejam declarados como bens e/ou direitos do património comum conjugal ainda não dissolvido de autor e ré, os indicados nos artigos 20.º e 25.º, alíneas a), b) e d) da contestação.
O autor replicou peticionando a improcedência das exceções, a inadmissibilidade da reconvenção ou, em caso de se considerar a mesma admissível, a sua improcedência.
A reconvenção não foi admitida.
Dispensou-se a audiência prévia.
Julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade ativa.
Definiu-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
Posteriormente, o autor apresentou requerimento onde alega que, por mero lapso, aquando da elaboração da petição inicial, não foram indicados bens que são sua pertença e que se encontram na posse da ré – uma bateria e um carregador portátil do ... – requerendo a ampliação do pedido nos termos do artigo 265.º, n.º 2 do CPC.
A ré pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Foi proferido despacho que, entendendo não ser legalmente admissível a ampliação pretendida, indeferiu a mesma.
Em audiência de julgamento, após prestação do depoimento de parte da ré, a mandatária do autor requereu a junção de e-mail, em que a ré admite a existência do passaporte do autor, tendo-se a mandatária da ré oposto à junção.
Foi proferido despacho que considerou extemporânea a junção e não admitiu o requerido.
Destes despachos o autor interpôs recurso, que subiu em separado, tendo sido proferido Acórdão neste Tribunal da Relação que decidiu julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
- revogou o despacho recorrido que não admitiu a ampliação do pedido e, em sua substituição, admitiu a ampliação do pedido, com as necessárias consequências a nível da tramitação dos autos;
- confirmou o despacho recorrido que não admitiu a junção de documento em audiência de julgamento.
Entretanto, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando que os bens elencados nos pontos 1 e 2 dos factos provados pertencem em propriedade ao autor e condenando a ré a reconhecer ao autor o direito de propriedade sobre esses bem, abstendo-se da prática de quaisquer atos que violem tal direito e a restituir tais bens ao autor.
Desta sentença interpuseram recurso ambas as partes (relativamente a diferentes bens), tendo sido proferido Acórdão que julgou totalmente improcedentes as apelações, confirmando a sentença recorrida.

Na sequência do Acórdão que admitiu a ampliação do pedido, foi proferida, sem qualquer instrução, nova decisão, apenas quanto à ampliação do pedido, que a julgou improcedente, dele absolvendo a ré, mas nenhuma alusão se fazendo a factos novos. Aí se afirmou que a decisão final proferida anteriormente já tinha transitado em julgado, pelo que se deram por reproduzidos os factos ali apurados e, com base nos mesmos, concluiu-se pela improcedência do pedido de ampliação.

Desta decisão veio o autor interpor recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

I. Destina-se o presente Recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que judiciou pela improcedência do pedido do Autor quanto aos concretos bens cuja ampliação foi admitida pelo douto Tribunal da Relação, por considerar que tal pedido não tem suporte nos factos apurados constantes da decisão, não tendo resultado provada a propriedade de tais bens pelo Autor.
II. Mal andou a Mm.ª Juiz a quo na decisão proferida, porquanto não interpretou e aplicou devidamente a decisão ínsita no douto Acórdão proferido, errando ainda na conclusão jurídica a que chega sem mais, decisão com a qual não nos acomodamos, estando o Apelante compenetrado de que Vossas Excelências, reapreciando a factualidade descrita nos autos, bem como, a tramitação ali produzida, e subsumindo a mesma às normas legais efetivamente aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão proferida.

Perscrutemos,
• Primórdios:
III. Em sede de despacho saneador, definiu a Mma. Juiz a quo como objeto do litígio “(…) apurar a titularidade do direito de propriedade sobre os bens elencados e identificados nos artigos 1º e 2º da petição inicial.”, determinando ainda como temas de prova, os seguintes:
• Apurar a existência de todos os bens elencados nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial e se os mesmos se encontram na casa da Ré, sita no Caminho ..., n.º 2, em ..., ... e na posse da mesma;
• Os aludidos bens foram adquiridos com recurso a dinheiro do Autor, proveniente do seu trabalho como sócio-gerente na empresa V..., Lda.;
• Há mais de cinco anos que o Autor vem utilizando, em exclusivo, os aludidos bens, à vista de toda a gente, sem interrupção temporal, sem oposição de ninguém e com o animus de exercer um direito próprio;
• Desde Maio de 2017 a Ré passou a usufruir dos aludidos bens no convencimento de que eram bens próprios do Autor;
• A apropriação injustificada da Ré dos bens em causa.
IV. Antes da primeira sessão de audiência de discussão e julgamento, aduziu o Autor requerimento no qual alegou a seguinte factualidade: “1. Por mero lapso, aquando da elaboração e subscrição da petição inicial pelo Ilustre Colega anteriormente mandatado, não foram indicados bens que são pertença do aqui Autor e que se encontram na posse da aqui Ré, designadamente:
• Uma bateria, no valor de 7.000,00 €;
• Um carregador portátil do ... com a matrícula ..-VI-.., de 230V, conforme documentos que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais como Doc. ....
2. Ora, nos termos do disposto no artigo 265.º n.º 2 do CPC, “2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”.
3. In casu, a presente ampliação contende com o desenvolvimento do pedido primitivo, pois que, a presente ação, constitui, na sua génese, uma ação de reivindicação de bens, que são propriedade do Autor e que se encontram na posse da Ré, à semelhança dos bens ora aditados.
4. Pelo que se requer a V.ª Ex.ª digne admitir a presente ampliação do pedido, nos termos do artigo 265.º n.º 2 do CPC. (…)”.
V. Após, em sede de audiência de discussão e julgamento de 13-12-2021, proferiu a Mma. Juiz a quo despacho, considerando que “Do confronto do teor do requerimento ora apresentado com o que é alegado na petição inicial, constata-se que não existe aqui um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, sendo certo que o pedido agora formulado não encontra sustento factual em nada do que está alegado na petição inicial, sendo de facto reconhecido que há um lapso ao não ter sido indicado inicialmente. Significa que nada foi alegado quanto a estes bens, logo de início na petição inicial. Assim sendo, entende-se não ser legalmente
admissível a ampliação ora pretendida, e por essa razão indefere-se a mesma.”.
VI. Nessa sequência, o aqui Apelante interpôs Recurso de Apelação da decisão proferida quanto a tal ampliação, e, bem assim, da decisão proferida quanto à não admissão de junção de um documento relativo a um passaporte realizada na sequência de depoimento, questões que vieram a ser objeto de Acórdão proferido na pretérita data de 27-05-2022, tendo resultado judiciado que “Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência: - revoga-se o despacho recorrido que não admitiu a ampliação do pedido e, em sua substituição, admite-se a ampliação do pedido, com as necessárias consequências a nível da tramitação dos autos; - confirma-se o despacho recorrido que não
admitiu a junção de documento em audiência de julgamento.”.
VII. Nessa medida, voltou o Tribunal de Primeira Instância a pronunciar-se sobre tal questão, acabando quase por manter a decisão já anteriormente proferida, e judiciando improcedente tal pedido por ausência de suporte nos factos apurados, sem no entanto considerar os documentos juntos e sem providenciar pela produção da demais prova como seria expectável, decisão com a qual não nos conformamos e, por isso, impugnamos.
Vejamos,
• Das nulidades e vícios da decisão:
VIII. Considerou o Tribunal a quo que “Da factualidade acima evidenciada ressalta que o pedido (ampliação) não tem suporte nos factos apurados, não tendo resultado provado nenhum facto que nos permita afirmar que o Autor é proprietário de uma bateria e de um carregador portátil do ... com a matrícula ..-VI- .., de 230v. Assim sendo, impõe-se a improcedência deste pedido.”.
IX. Ora, a factualidade evidenciada corresponde à factualidade definida como provada e como não provada na decisão final proferida antes do Acórdão que versou sobre a ampliação, sendo que aquela assentou na produção de prova que se realizou sobre os bens que não foram objeto de ampliação.
X. Nessa medida, não se nos afigura percetível em que medida poderá ser extraída uma conclusão de ausência de prova, por mera remissão para um elenco de factos provados e não provados que reputam a momento anterior ao da ampliação.
XI. Da leitura atenta de tal conclusão decisória, não se vislumbra qual o seu real sentido e alcance, a que suporte se refere a Mma. Juiz a quo e por que motivos considera inexistir tal suporte, por mera remissão, não se aferindo nexo de causalidade entre a ausência de prova quanto aos bens objeto da ampliação e relativamente aos quais não chegou a verificar-se efetiva e suficiente produção de prova, e os factos que resultaram apurados por referência a outros bens e em momento anterior à prolação do douto Acórdão.
XII. In casu, não resulta daquela alegação quais os específicos fundamentos de facto e de direito que levaram a Mma. Juiz a quo a considerar, sem mais, que não havia suporte probatório relativamente à propriedade de tais bens.
XIII. Tais bens objeto da ampliação não figuram do elenco de factos provados precisamente porque a Mma. Juiz, em contradição ao Acórdão proferido, não permitiu que houvesse lugar à produção de prova que corresponderia à normal tramitação dos autos, desconhecendo-se até se teve ou não em consideração os documentos que foram juntos com o requerimento de ampliação.
XIV. A Mma. Juiz a quo conclui que não resultou provado nenhum facto que permita aferir que o Autor é proprietário de uma bateria e de um carregador portátil do ... com a matrícula ..-VI- .., de 230v, mas considera simultaneamente que tal ampliação não tem suporte nos factos evidenciados na decisão (factos provados e não provados), aparentando verificar-se contradição.
XV. Pelo que, salvo devido respeito, não se encontram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificariam tal decisão (a remissão operada não encontra qualquer suporte jurídico), verificando-se ainda obscuridade/ambiguidade que torna a decisão ininteligível (de facto, não se afigura percetível a decisão proferida, não permitindo compreender o porquê da ausência de suporte considerada e da respetiva improcedência do pedido, até porque não houve lugar à produção de prova nem os factos relativos à ampliação constam do leque de factos não provados), podendo ainda verificar-se contradição, e clara oposição com o Acórdão proferido, devendo judiciar-se tal decisão nula nos moldes supra expostos, de acordo com o disposto no artigo 615.º n.º 1 b) e c) do CPC.
Ademais,
XVI. Com a decisão proferida, o Tribunal a quo omitiu as formalidades processuais aplicáveis, nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC, não tendo procedido à reabertura da audiência para produção de prova quanto àqueles concretos bens.
XVII. A decisão proferida configura uma verdadeira decisão-surpresa, porquanto o Apelante não poderia razoavelmente contar com a mesma, nem tinha obrigação de a prever, pois que a normal tramitação importaria a reabertura de audiência para produção de prova sobre os bens da ampliação.- veja-se, a este propósito, o entendimento propalado pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 02-12-2019, pela relatora Eugénia Cunha, ao qual aderimos e nos termos do qual “III- Decisão- surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever. (…) VII - A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.”.
XVIII. Verificou-se a inobservância do princípio do contraditório, o que constitui uma nulidade processual suscetível de influenciar no exame e decisão da causa, pois que, não tendo sido admitida, em Primeira Instância, a ampliação do pedido quanto a tais bens, nada resultou discutido ou provado quanto aos mesmos.
XIX. Pelo que, afigura-se a existência de nulidade processual que, por sua vez, inquina a decisão proferida, verificando-se verdadeira decisão surpresa e, por conseguinte, configurando decisão nula, nos termos do disposto nos artigos 195.º n.º 1 do CPC e do artigo 3.º do CPC, tendo sido violadas tais normas jurídicas (devendo ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de as partes poderem exercer o contraditório quanto a tais questões e verificar-se efetiva produção de prova).
Ainda,
XX. A Mma. Juiz a quo considera que não resultou provada a propriedade dos bens objeto de ampliação, não os integrando, no entanto, no leque dos factos não provados que se encontram enumerados, adensando-se ainda mais a ininteligibilidade da decisão proferida.
XXI. Não foi feita qualquer referência aos documentos juntos pelo Apelante com o requerimento de ampliação (sendo que, salvo respeito por superior entendimento, se tal pedido de ampliação foi deferido, necessariamente terá de ser deferida e considerada a prova documental que o acompanhou), nem a qualquer meio de prova, para a fundamentação da decisão.
XXII. Ainda que tal prova documental tenha sido tomada em consideração pela Mma. Juiz a quo (o que não se consegue depreender de tal sentença), não poderá ter existido uma análise crítica, nem tal se encontra minimamente espelhado na decisão.
XXIII. Nessa medida, e para além das nulidades assacadas, ocorre ainda vício grave de fundamentação da sentença, tendo resultado violadas as normas jurídicas consagradas naquele artigo 607.º n.º 3 a n.º 5 do CPC, devendo ter sido interpretadas e aplicadas tais normas no sentido da consideração critica do meio de prova apresentado e exposição concreta e justificada do leque de factos provados e não provados, com a necessária fundamentação da conclusão- note-se a sapiência propalada pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 11-02-2020, pela relatora Maria João Areias, nos termos do qual “O dever de fundamentação da decisão proferida em sede de matéria de facto – imposto pelo nº 4 do art. 607º CPC– não se mostra cumprido (…) se tal exposição não se encontrar acompanhada da explicitação, relativamente a cada um dos factos ou matérias em causa, de quais, de entre esses meios de prova ou alguns deles, foram relevantes, por que deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.”.
Dessarte,
• Da violação das normas jurídicas ínsitas nos artigos 3.º (princípio do dispositivo e do contraditório), 411.º (princípio do inquisitório), 423.º (prova documental) e artigo 20.º n.º 4 da CRP (princípio da tutela jurisdicional efetiva):
XXIV. Com a decisão proferida, violou a Mma. Juiz a quo os princípios do contraditório e do dispositivo ínsitos no artigo 3.º n.º 1 a n.º 3 do CPC, porquanto não permitiu que fosse produzida prova sobre os bens objeto de ampliação, não sendo expectável para o Apelante que tal sucedesse.
XXV. Aquando do pedido de ampliação o Apelante juntou de imediato documentos, sendo que, tendo sido posteriormente admitida a ampliação pelo douto Tribunal da Relação, haveria a Mma. Juiz a quo que conhecer dos mesmos, o que na nossa ótica, não logrou fazer- veja-se, a este propósito, o entendimento propalado pelo Tribunal da Relação de Évora no Acórdão de 20-10-2016, pelo relator José Manuel Galo Tomé de Carvalho, nos termos do qual “(…) Neste domínio, importa reter aquilo que consta das conclusões das alegações de recurso «de nada releva a admissão de ampliação do pedido, se não for admitido o meio de prova indicado para comprovação dos factos alegados, nem tão pouco se concebe como se pode admitir a ampliação do pedido formulado e rejeitar o meio de prova indicado para comprovação dos factos supervenientes alegados.”.
XXVI. Para além disso, e atendendo ao que resultou alegado em tal requerimento de ampliação, os meios de prova a produzir (para além dos documentos juntos, nos termos do artigo 423.º do CPC) seriam os mesmos a produzir quanto aos restantes bens inicialmente indicados, designadamente prova testemunhal e por declarações das partes, pois que era essa a lógica natural e de tramitação processual (era, inclusive, essa a produção de prova que teria lugar se o pedido de ampliação tivesse sido inicialmente admitido)- note-se a sapiência propalada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 02-06-2020, pela relatora Dina Monteiro, ao qual aderimos na íntegra e segundo o qual “I– Tendo a A. ampliado o pedido inicialmente apresentada– através do articulado superveniente junto em Audiência Prévia -, ampliação que é o desenvolvimento do pedido primitivo, deve ser considerada toda a prova indicada pelas partes, seja documental, testemunhal ou outra, apresentada em momento anterior àquele em que é pedida essa ampliação, independentemente de ter sido indicada e/ou renovada a sua indicação neste requerimento.”.
XXVII. Ademais, resultou igualmente violado o princípio do inquisitório plasmado no artigo 411.º do CPC, porquanto incumbia à Mma. Juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, designadamente para apuramento da propriedade sobre aqueles concretos bens, o que não sucedeu in casu, resultando também transgredido o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artigo 20.º n.º 4 e n.º 5 da CRP, porquanto com a decisão proferida não assegurou a Mma. Juiz o direito do Apelante a um processo justo e equitativo, ao proferir decisão injusta e inexpectável, não concedendo ao Apelante a oportunidade de produção de prova, nos moldes já expostos.
XXVIII. Nessa medida, com a decisão proferida violou a Mma. Juiz a quo as normas jurídicas constantes dos artigos 3.º n.º 1 a n.º 3, 411.º do CPC, 423.º e 20.º n.º 4 e n.º 5 da CRP, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da necessidade de precatar a produção de prova sobre os bens objeto de ampliação, e de que os mesmos fossem objeto de discussão, devendo ter acautelado os direitos e garantias do aqui Apelante.
Não obstante, e ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se coloca,
XXIX. Caso se pugne pela desnecessidade de produção de melhor prova e se considere que a ausência de prova sobre tais bens resulta na sua inclusão no leque de factos não provados, desde já se impugna tal matéria, porquanto deveria ter sido judiciada como provada a propriedade do Autor/Apelante sobre os bens objeto de ampliação, considerando os documentos carreados com o requerimento de ampliação, nos quais consta a bateria e a fatura correspondente (a qual se encontra titulada em nome da V..., Lda., em virtude do acordo celebrado entre os sócios, mas pertence ao Apelante, tal como resulta dos autos), pelo que deveria incluir-se no leque dos factos provados.
Alfim,
XXX. Revogando a douta decisão proferida, e substituindo-a por uma outra que judicie pela reabertura da audiência para produção de melhor prova, judiciando ainda procedentes as nulidades assacadas, ou, caso assim não se entenda, que judicie pela procedência do     pedido do Apelante quanto à propriedade de tais bens, farão Vossas Excelências inteira e Sã Justiça.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente cuidarão de suprir, deve a presente Apelação ser julgada totalmente procedente, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-a por uma outra que judicie pela reabertura da audiência para produção de melhor prova, judiciando ainda procedentes as nulidades assacadas, ou, caso assim não se entenda, que judicie pela procedência do pedido do Apelante quanto à propriedade de tais bens.
Alterando a douta decisão apelada, farão vossas excelências, inteira e sã JUSTIÇA.

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
No mesmo despacho, a Sra. Juíza pronunciou-se pela inexistência das nulidades invocadas.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com as nulidades da sentença e com o desrespeito pelo Acórdão proferido que admitiu a ampliação do pedido, com as necessárias consequências a nível da tramitação dos autos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Torna-se desnecessário transcrever os factos considerados provados e não provados na decisão sob recurso, uma vez que eles nada têm a ver com a matéria de facto objeto da ampliação do pedido.
Na decisão objeto de recurso considerou-se, estranhamente, os factos já assentes na primeira sentença proferida nos autos, por “esta já ter transitado em julgado”, uma vez que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação.
Ora, o que está em causa, a partir do momento em que, por Acórdão desta Relação, se revogou o despacho que havia indeferido a ampliação do pedido e se admitiu essa mesma ampliação do pedido, “com as necessárias consequências a nível da tramitação dos autos”, obviamente que não podem ser os factos considerados na sentença proferida antes desta admissão da ampliação do pedido, porque nessa sentença tais factos, consubstanciadores da ampliação do pedido, não foram considerados (nem provados nem não provados).
A sentença ora em recurso é, portanto, nula, por ausência completa de fundamentação de facto – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC – bem como por obscuridade que a torna ininteligível – alínea c) do mesmo artigo – pois, não pode concluir-se que o pedido não tem suporte nos factos apurados, quando não foram considerados os factos constantes da ampliação, mas apenas os que já constavam da primeira sentença, quando não se havia admitido a ampliação.
Não pode dizer-se, como a Sra. Juíza sustenta no seu despacho final, que a pretensão de ampliação do pedido não teve qualquer suporte factual e que nada foi alegado para justificar a pretendida ampliação, uma vez que tal questão ficou decidida no Acórdão por nós proferido que admitiu a ampliação do pedido e ordenou a prossecução dos autos, com a tramitação necessária.
Como se salienta no referido Acórdão, “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”, numa clara exceção ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do CPC”.
Remete-se para o Acórdão proferido a explicação doutrinal e jurisprudencial para, a final se concluir que “No caso dos autos, sendo a causa de pedir o direito de propriedade do autor, dos bens cuja restituição reivindica da ré, bens esses de que se disponibilizou uma lista inicial que, posteriormente se pretendeu completar com o requerimento de ampliação do pedido, justificando tal requerimento com o lapso do anterior mandatário, que não incluiu tais bens na lista inicial, entendemos, ao contrário do decidido em 1.ª instância, que ocorre uma ampliação do pedido em função do surgimento de segunda lista de bens do autor que se encontram na posse da ré (por referência à mesma causa de pedir, que é o direito de propriedade do autor de bens que se encontram a ser detidos pela ré e que aquele reivindica). E, assim sendo, a ampliação requerida não envolve qualquer alteração da causa de pedir, e é um mero desenvolvimento do pedido primitivo, pois apenas se acrescentam novos bens, que se integram no mesmo complexo de factos, estando virtualmente contida no pedido inicial, caso em que a ampliação sempre seria de admitir”.
Ora, admitida a ampliação do pedido, teria que reabrir-se a audiência para apreciação dos novos factos aí contidos, devendo considerar-se, não só a prova oferecida com o requerimento de ampliação, como a prova oferecida inicialmente, uma vez que, como vimos, a ampliação do pedido, relativamente a dois bens que não foram inicialmente incluídos na lista de bens reivindicados, é feita por referência à mesma causa de pedir, que é o direito de propriedade do autor relativo a bens que se encontram a ser detidos pela ré (não se podendo, por isso, dizer que não há factos que os sustentem, porque os factos são os alegados na petição inicial relativamente a todos os outros bens, mas agora, por virtude da ampliação, devendo considerar-se, também, relativamente a estes dois bens não incluídos inicialmente). Ou seja, importa averiguar se estes dois bens fazem parte daqueles que são propriedade do autor e que, pelos motivos indicados na petição inicial, estão na posse da ré, que não os devolve.
O pedido formulado é o mesmo, quer inicialmente, quer na ampliação – no caso, condenação da ré a reconhecer o direito de propriedade do autor sobre esses bens e a restituí-los – sendo que o facto de serem diversos os bens, não lhes retira a natureza de serem bens que o autor levou para a casa da ré e que esta se recusa a entregar.
Daí que, como bem se conclui no Acórdão da Relação de Lisboa de 02/06/2020, processo n.º 1121/13.5TVLSB-D.L1-7 (Dina Monteiro), in www.dgsi.pt:
“Tendo a A. ampliado o pedido inicialmente apresentada – através do articulado superveniente junto em Audiência Prévia -, ampliação que é o desenvolvimento do pedido primitivo, deve ser considerada toda a prova indicada pelas partes, seja documental, testemunhal ou outra, apresentada em momento anterior àquele em que é pedida essa ampliação, independentemente de ter sido indicada e/ou renovada a sua indicação neste requerimento. No caso, não se trata aqui de prostergar a aplicação do disposto no artigo 588.º, n.º 5, do Código de Processo Civil Revisto, mas sim, de considerar que, estando em face de uma ampliação do pedido inicial, que mantém a sua natureza intrínseca na ampliação do pedido deduzido – obras e custos das mesmas -, a prova testemunhal inicialmente apresentada para esse efeito deve ser considerada e admitida como meio de prova para essa ampliação do pedido inicial”.
O que não pode é dizer-se que a sentença transitou em julgado e que, por isso, os factos a considerar são aqueles que aí ficaram assentes, quando em tal sentença não foi considerada a ampliação do pedido nem os factos que a sustentaram. A decisão proferida sobre a ampliação do pedido, com base em factos que não a consideraram, sofre de falta de fundamentação de facto e de obscuridade, uma vez que não pode concluir-se que o autor não fez prova, quando não lhe foi dada a oportunidade de o fazer, nem se fundamentou a improcedência do pedido em qualquer facto que se tivesse considerado não provado.

Do que fica dito resulta a procedência da apelação, sendo que, para dar integral cumprimento ao Acórdão por nós proferido a 26 de maio de 2022, que admitiu a ampliação do pedido, terá a audiência que ser reaberta e dada oportunidade às partes de produzirem prova – a que foi junta com o requerimento de ampliação e a que constava dos articulados iniciais – relativamente aos dois bens incluídos na ampliação, passando a decisão quanto aos mesmos a fazer parte integrante da sentença.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a reabertura da audiência de julgamento para produção de prova relativa à ampliação do pedido, nos termos supra expostos (prova documental junta com o requerimento de ampliação e outra prova junta com os articulados), de forma a dar cumprimento ao Acórdão já proferido nos autos, que admitiu a ampliação do pedido com as necessárias consequências a nível da tramitação dos autos.
Sem custas, face à ausência de contra-alegações e porque a decisão recorrida não cumpriu o determinado no referido Acórdão.
***
Guimarães, 20 de abril de 2023

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira