Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
857/20.9T8VCT-A.S1.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixou de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio;
2) O meio processual idóneo para alterar a decisão constante de uma sentença transitada em julgado é mediante a interposição do recurso de revisão, sujeito a apertados critérios, atenta a sua especialidade e não através de outro tipo de ação que sendo mais facilmente acessível, não é o adequado à apreciação de tal situação, ainda que de forma indireta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio interpor Recurso de Revisão da sentença proferida em 22/10/2020, na ação apensa, contra BB e CC, onde conclui entendendo que:

a) Deve o presente Recurso de Revisão ser admitido e ser julgado provado e procedente, anulando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, nomeadamente improcedência da ação declarativa apensa, obstando-se ao objetivo anormal prosseguido e querido pelos recorridos;
b) Devem, ainda, os recorridos ser condenados por litigância de má-fé em multa e em indemnização a favor do recorrente em montante a liquidar oportunamente nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 543º do CPC.

Para tanto alega, em síntese que o ora 1º recorrido, BB instaurou ação (857/20....) contra ora 2º recorrido, CC, não tendo este apresentado contestação, pelo que foi proferida sentença, em 29/09/2020, cuja revisão se requer, que decidiu julgar a ação procedente, por provada e condenar o réu a pagar ao autor a quantia de €59.250,00, sendo:
- €45.000,00, a título de capital;
- €6.750,00, de juros vencidos:
- €5.000,00, a título de cláusula penal; e
-€2.500,00, a título de honorários com advogado e despesas judiciais.
Mais se condenou o réu no pagamento da quantia de €1.000,00, por cada mês de atraso no pagamento do seu débito, até efetivo e integral pagamento do seu débito.
Acontece que a quantia em questão teria por base um crédito fictício, tratando-se de um processo judicial simulado, mediante ação concertada entre autor e réu, aqui réus, com vista a provocarem o rateio no produto de venda dos bens do réu CC, prejudicando e impedindo o ora recorrente AA de receber a totalidade do crédito de que é titular sobre o réu CC.
Em 10/12/2014, o ora recorrente, AA, intentou contra o ora 2º recorrido, CC, ação, que teve o nº ...4..., onde pede a condenação deste a reparar e eliminar, à sua custa, os defeitos e anomalias que se verificavam nas moradias que este se obrigou a construir e, por transação homologada por sentença transitada em julgado de 20/01/2017, o réu reconheceu que nas moradias do aí autor, AA, ora recorrente, existiam as anomalias e defeitos referidos no ponto 22 do relatório pericial de fls. 158 a 167 dos referidos autos e obrigou-se a concluir os trabalhos em falta e a eliminar e reparar os defeitos referidos no ponto 22 do referido relatório bem como a executar os trabalhos referidos na resposta ao quesito 25 do referido relatório de fls. 158 a 167 e a entregar as moradias ao autor concluídas nas devidas condições e sem defeitos ou anomalias, no prazo de 150 dias, a contar do dia 01/02/2017, sob pena de pagamento de €200,00 por cada dia de atraso.
Como o réu CC não prestou os factos a que estava obrigado, nos prazos estipulados, o ora recorrente, AA, instaurou execução para prestação de facto e pagamento dos danos sofridos com a mora (Processo nº 1548/14....), tendo o aí executado CC deduzido embargos, que foram julgados improcedentes, pelo que, em 15/11/2019, a dívida exequenda ascendia a €207.203,20, acrescida da quantia de €200,00 por cada dia de atraso, a contar dessa data, ascendendo a dívida, em 16/02/2021, a €304.603,20.
O ora recorrente não logrou cobrar o seu crédito, uma vez que o réu CC foi declarado insolvente em 25/03/2021, no processo 588/21...., instaurado por DD e EE, que invocam um crédito no montante de €100.000,00 e que foi reconhecido no processo nº 3927/19...., para além de invocarem a existência de outros créditos:
a) a FF, no montante de €27.545,21 (processo nº 171/20....);
b) a BB, no montante de €59.250,00 (processo nº 857/20....);
c) a GG, no montante de €49.050,00 (processo 13/20....).
Refere o recorrente que, consultados os referidos processos, os créditos invocados são fictícios e os processos em que foram reconhecidos são simulados, por se tratar de uma atuação concertada com todos, tendo em vista prejudicar o ora recorrente AA de receber o montante do seu crédito, não tendo sido apresentadas contestações.
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O recorrido CC apresentou resposta onde conclui entendendo que deve julgar-se improcedente por não provado o presente recurso de revisão, com as legais consequências.
Para tanto o recorrido impugna a factualidade alegada pelo recorrente, alegando não ter contestado as ações por se tratar de créditos verdadeiros e vencidos, entendendo que o recorrente, após ter instaurado, no dia 01/03/2018, a execução para prestação de facto por terceiro, não pode pretender continuar a cobrar do ora 2º réu a quantia de €200,00, por cada dia que passa, age com abuso de direito, pelo que a dívida do recorrido ao recorrente é de €49.003,20, relativa ao custa das obras em falta e a reparar e a quantia de €200,00 por dia desde ../../2017 até ../../2018, data da instauração da execução para prestação de facto por outrem, no total de €86.203,20.
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Por sua vez o recorrido BB apresentou resposta onde conclui entendendo que deverá julgar-se improcedente, por não provado, o presente recurso, com as consequências legais daí decorrentes, impugnando a factualidade alegada pelo recorrente.
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Realizou-se audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Por apenso (E) aos referidos autos de insolvência (588/21....), veio BB requerer a verificação ulterior de crédito no montante de €59.250,00, ao abrigo do art. 146º do CIRE, na qual foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente (12/5/2022) e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor (16/2/2023; ref.ª CITIUS ...16), transitando em julgado em 7/3/2023.
Tramitada a instância para efeitos probatórios (cfr., nomeadamente, os despachos proferidos em 10/1/2022 e 4/2/2022), e conferido o trânsito em julgado no parágrafo anterior, que motivou a cessação da suspensão da instância anteriormente decretada em razão da pendência desse apenso insolvencial, veio o autor requerer a procedência do pedido tendo em conta a exceção dilatória da autoridade e força de caso julgado dessa decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do art. 577º, i), do CPC, revogando-se a decisão recorrida e declarando-se anulada a sentença proferida no processo principal, nos termos do art. 701º, 2, do CPC.
O réu e recorrido na revisão BB apresentou pronúncia subsequente, pugnando pelo indeferimento de tal pedido.
Foi proferido despacho (18/4/2023) para as partes se pronunciarem sobre a existência de inutilidade superveniente da lide em face do sucedido nos autos de verificação ulterior de créditos.
Respondeu o autor e recorrente na revisão, reiterando a fundamentação e o pedido antes atravessado nos autos, mas reconhecendo que o decidido nos autos de verificação ulterior de créditos configura uma situação de inutilidade superveniente da lei, “uma vez que o interesse que o ora autor pretendia acautelar foi já salvaguardado e satisfeito com a decisão proferida na ação de verificação ulterior de créditos”, sufragando o entendimento do despacho anterior, sem prejuízo de as custas do processo ficarem a cargo dos recorridos BB e CC.
Foi proferido o despacho de 16/5/2023, com o seguinte teor:
“O Tribunal entende que a sentença proferida no âmbito do processo nº 857/20...., e que foi confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, não se pronunciou sobre o fundamento do pedido de revisão formulado na presente ação. Resulta da dita decisão que incumbia ao autor fazer prova da existência do crédito por si reclamado, o que não logrou alcançar.
Nessa decisão não é apreciada (nem tinha de ser) a questão da simulação.
Tal como referiu no despacho anterior, o Tribunal entende que estaremos antes perante uma situação de inutilidade superveniente dos presentes autos (art. 277º al. e) do CPC); em face do sucedido nos autos de verificação ulterior de créditos, o recorrente não manterá interesse na prossecução dos presentes autos.
Assim sendo, na sequência do despacho anterior e tendo em conta o requerimento que antecede, decide-se declarar extinta a instância, nos termos do disposto 277º al. e) do CPC.
Custas pelos recorridos – art. 536º nº 3 fine do CPC.”
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B) Inconformado com a decisão, o recorrido BB veio interpor recurso “per saltum” para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido (fls. 443, ref. ...87).
No Supremo Tribunal de Justiça o recurso não foi admitido, por incumprimento do corpo do artigo 678º nº 1 do CPC, tendo sido determinado, nos termos do artigo 678º nº 4 do CPC, que o processo baixasse ao Tribunal da Relação competente, a fim de aí o recurso ser processado e decidido como apelação.
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Nas suas alegações, o apelante BB apresenta as seguintes conclusões:

A. O réu, ora recorrente, sempre pugnou pelo ulterior prosseguimento dos autos, que nunca com a inutilidade superveniente da lide, ainda por cima e como se não bastasse, com custas a seu cargo.
B. A revisão de sentença requerida ao abrigo do disposto na alínea g) do artº 696º do CPC, tem como fundamento único, a simulação processual.
C. A sentença ora recorrida sustenta-se - apenas e tão só – mas indevidamente, numa sentença proferida num outro processo, chamado de Verificação Ulterior de Créditos.
D. Tendo tal sentença dado por não provada a matéria alegada pelo aqui autor, mais concretamente que:

1. A ação nº 857/20.... assenta em ato simulado das partes, para conseguir um fim proibido por lei, com o intuito de verem “reconhecido judicialmente” crédito fictício sobre o então réu e ora Insolvente, com vista a provocarem o rateio no produto da venda dos bens deste, prejudicando e impedindo o credor AA de receber a totalidade ou grande parte do crédito de que é titular sobre o Insolvente, causando-lhe prejuízo;

2. Não se provou a pretendida má-fé.
Importa concluir que: O presente recurso não tem fundamento legal reconhecido, que permita ao Tribunal pôr termo aos autos, com o fundamento na inutilidade superveniente da lide.
E. É abundante e pacífica a doutrina e a jurisprudência que considera que:
1. A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão, quando o litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612º, por não se ter apercebido da fraude.
2. O recurso extraordinário de revisão deve apenas ser utilizado quando exigências de justiça material se sobreponham a razões de certeza inerentes ao caso julgado.
F. O recurso de revisão com fundamento em simulação processual a que alude a alª g) do art. 696º do CPC, depende de uma tríplice condição, duas das quais inexistindo assentes nos autos:
a) “A existência de simulação processual bilateral (de autor e réu) na ação em que é proferida a decisão”;
b) Que a simulação seja causa de um prejuízo para o recorrente, embora não tenha sido praticada com o intuito especial ou específico de o prejudicar.
G. Inexiste provada nos autos a simulação, o acordo para prejudicar terceiro, a obtenção de um fim proibido por lei, o intuito de ver “reconhecido judicialmente” crédito fictício sobre o ora autor, com vista a provocarem o rateio no produto da venda dos bens do Insolvente, prejudicando e impedindo-o de receber a totalidade ou grande parte do crédito de que é titular sobre o Insolvente, da má-fé, a que alude o disposto no artºs 696º do Código de Processo Civil.
H. A proeminência dos interesses tutelados pelo princípio do caso julgado justifica a proteção constitucional deste, explicitada no comando contido no art. 282º, nº 3, da CRP, e alicerçada nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito (cf. art. 2º também da Lei Fundamental).
I. A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 277º, 536º, 607º, nºs 3, 4, 5 e 6, 615º, nº 1, alª d), e 696º, alª g) e 701º, nº 2 do CPC.
Termina entendendo que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos, ou, quando assim se não entenda, substituindo-a por outra que, pondo termo ao processo, condene o autor, ora recorrido no pagamento das custas.
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Pelo apelado AA foi apresentada resposta, onde formula as seguintes conclusões:

1ª O recurso interposto não cumpre os requisitos necessários e exigidos no nº 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser admitido como recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
2ª O argumento do recorrente BB     - de que não se encontrando provada a simulação entre autor e réu na ação principal, não pode a presente lide terminar por inutilidade superveniente - apenas poderia ser eventualmente relevante caso o Tribunal de 1ª instância tivesse proferido decisão de mérito sobre o objeto da ação, o que não ocorreu.
3ª A douta Sentença recorrida não apreciou, nem decidiu a questão em que o autor fundamenta o Recurso de Revisão interposto mas decidiu extinguir o presente processo por entender que, face à douta decisão proferida na ação de Verificação Ulterior de Créditos nº 588/21.....
E, não havia, como não há, interesse e utilidade no prosseguimento destes autos.
4ª Com efeito, conforme consta e resulta da ação principal (ação nº 857/20....), o autor BB, ora recorrente, instaurou a referida ação declarativa contra o réu CC no sentido deste (CC) ser condenado a pagar-lhe            (ao aí autor BB) a quantia que alegadamente lhe tinha emprestado;
5ª Consta e resulta ainda da ação principal (ação nº 857/20....) que, tendo sido citado para o efeito, o aí réu CC não apresentou contestação, considerando-se, por isso, os factos alegados pelo aí autor BB, ora recorrente, “reconhecidos” e “confessados” pelo aí réu CC, nos termos do disposto no artigo 567º, nº 1, do Código de Processo Civil, e em consequência, por douta Sentença proferida em 29/09/2020 e cuja revisão se requereu na presente ação/Recurso de Revisão, a ação principal (ação nº 857/20....), instaurada pelo aí autor BB, ora recorrente, contra o aí réu CC foi julgada totalmente procedente e, em consequência, o aí réu CC foi condenando a pagar ao aí autor BB, ora recorrente, todas as quantias por este peticionadas;
6ª O ora recorrido AA interpôs o presente Recurso de Revisão da douta Sentença proferida na ação principal por entender, como entende, que o crédito nela reconhecido ao aí autor BB nunca existiu, como não existe, constituindo antes crédito fictício e o processo judicial no qual tal alegado crédito foi reconhecidos ao suposto credor BB, ora recorrente, constituir, como constitui, um processo simulado, por acordo entre o suposto devedor CC e o suposto credor BB;
7ª O réu CC foi, entretanto, declarado insolvente no processo (insolvência) que corre os seus termos sob o nº 588/21...., Juízo de Comércio, do Tribunal Judicial ....
8ª Não tendo o ora recorrente BB reclamado o crédito de que alegadamente era titular sobre o réu/insolvente CC, o Sr. Administrador de Insolvência nomeado no processo de insolvência do CC (insolvência nº 588/21....) não reconheceu qualquer crédito ao suposto credor           BB,      ora recorrente, nomeadamente o crédito proveniente do suposto empréstimo que alegadamente tinha feito ao CC, no montante de €45.000,00, e que estava “reconhecido” na douta Sentença proferida na ação principal (ação nº 857/20....);
9ª O autor na ação principal BB, ora recorrente, instaurou, por apenso ao referido processo de insolvência, quer contra o Insolvente CC, quer contra todos os seus credores, Ação de Verificação Ulterior de Créditos que correu os seus termos sob o nº 588/21...., no sentido de ver reconhecido o crédito que alega ser titular sobre o Insolvente CC, proveniente do suposto empréstimo da quantia de €45.000,00 e que este (CC) alegadamente ficou de lhe devolver, peticionado e supostamente “reconhecido” na douta Sentença proferida na ação principal (ação nº 857/20....).
10ª Na petição inicial da Ação de Verificação Ulterior de Créditos nº 588/21.... o aí autor BB, ora recorrente, alegou no essencial os mesmos factos já havia alegado na petição inicial da ação principal (ação nº 857/20....), ou seja, que tinha emprestado diversas quantias ao Insolvente CC e que tal suposto crédito já se encontrava “reconhecido” por douta Sentença proferida na ação nº 857/20....;
11ª O credor AA, ora recorrido, contestou a Ação de Verificação Ulterior de Créditos nº 588/21.... instaurada pelo BB, ora recorrente, e impugnou tais créditos, alegando no essencial os mesmos factos já havia alegado na petição inicial do presente Recurso de Revisão (nº 857/20....), ou seja, que o BB nunca tinha emprestado qualquer quantia ao Insolvente CC e que este não era devedor daquele das quantias peticionadas ou de quaisquer outras, pugnando pelo não reconhecimento do referido crédito;
12ª Por douta Sentença proferida em 1ª Instância a Ação de Verificação Ulterior de Créditos instaurada pelo autor BB, ora recorrente (ação 588/21....), foi julgada totalmente improcedente, absolvendo os réus do respetivo pedido.
13ª Tendo o autor BB, ora recorrente, interposto recurso de tal decisão, por douto Acórdão proferido em 16/02/2023, transitado em julgado em 07/03/2023, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou o recurso de apelação interposto improcedente, confirmando, assim, a douta Sentença proferida em 1ª Instância, tendo o douto Acórdão baixado definitivamente à 1ª Instância em 13/03/2023.
14ª Assim, o suposto crédito “reconhecido” ao BB sobre o Insolvente CC na douta Sentença Judicial proferida na ação principal (857/20....), nunca existiu, como não existe, sendo antes crédito fictício e a ação judicial que este BB instaurou contra o CC para obter o seu “reconhecimento” judicial (ação nº (857/20....) é um processo simulado, por acordo entre o alegado devedor e o alegado credor;
15ª As doutas decisões proferidas na Ação de Verificação Ulterior de Créditos nº 588/21...., Juízo de Comércio, do Tribunal Judicial ..., constam do requerimento apresentado nos autos pelo autor AA em 22/03/2023, com a Refª Citius ...45;
16ª Assim, a questão a decidir nos presentes autos - existência ou inexistência do alegado crédito do suposto credor BB, ora recorrente, sobre o alegado devedor CC - foi invocada, discutida, apreciada e decidida no processo de Ação de Verificação Ulterior de Créditos nº 588/21...., Juízo de Comércio, do Tribunal Judicial ..., tendo-se aí decidido, com decisão já transitada em julgado, que esse alegado crédito não existe;
17ª Tendo a decisão proferida na Ação de Verificação Ulterior de Créditos nº 588/21.... apreciado e decidido a questão de mérito em causa nestes autos, concretamente ter apreciado o suposto empréstimo feito pelo BB ao CC que titula o crédito reconhecido ao autor BB na ação principal (857/20....) e se ter pronunciado pela sua inexistência, verifica-se uma situação de inutilidade superveniente da lide, uma vez que o interesse que o autor AA, ora recorrido, pretendia acautelar foi já salvaguardado e satisfeito com a decisão proferida na ação de verificação ulterior de créditos;
18ª Por se tratar de inutilidade superveniente da lide imputável aos réus/recorridos, porque decorrente de sentença que decidiu não reconhecer o crédito em questão nos presentes autos, tendo condenado o aí autor e aqui recorrido BB nas custas, proferida após a instauração dos presentes autos, devem as custas do processo ficar a cargo dos recorridos BB e CC, por lhe terem dado causa;
19ª No modesto entendimento do recorrido, não há razão ou fundamento para se revogar a douta Sentença recorrida e para a substituir por uma outra que ordene o prosseguimento dos autos.
20ª Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo réu BB, ora recorrente, com as legais consequências.
Termina entendendo que deve:
a) O recurso interposto ser admitido como recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães;
Em todo o caso:
b) Ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, com as legais consequências.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se a decisão recorrida é nula;
2) Se a decisão objeto de recurso deve ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O apelante BB afirma, no final das conclusões do recurso que a sentença recorrida violou (entre outros) o disposto nos artigos ( … ), 615º nº 1 alínea d), ( … )  do Código de Processo Civil, sem, no entanto, indicar qualquer fundamento ou argumento que justifique tal conclusão, pelo que, tal pretensão terá de improceder.
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Na decisão recorrida foi decidido julgar-se extinta a instância, nos termos do disposto no artigo 277º al. e) do NCPC, porquanto a sentença que refere ter sido proferida no processo nº 857/20...., mas que deverá referir-se, antes, ao processo 588/21.... (cfr. fls. 339 vº e segs.) que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 345 e segs), considerou que incumbia ao ali autor, CC, aqui recorrido, fazer prova da existência do crédito por si reclamado, o que não logrou efetuar.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no seu Código de Processo Civil anotado, Volume 1º, a páginas 546, que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixou de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.”
Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 10/05/2018, no processo 27/15.8T8TMC.G1, relatado pelo Desembargador Alcides Rodrigues, em www.dgsi.pt, “Como ensina Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, p. 368), a impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objeto, ou porque se extinguiu a causa.
A inutilidade superveniente da lide, prevista como causa de extinção da instância na alínea e) do art. 277º do CPC, ocorre quando, após a instauração da causa, sobrevêm circunstâncias que inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência (pois, a ser assim, estar-se-ia no âmbito do mérito), mas por razões adjetivas de impossibilidade de lograr o objetivo pretendido com a ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo.
A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua instauração que implique a impertinência, ou seja, a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.
A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade aa relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objeto ou à causa [decisão sumária singular da RC de 05-12-2012 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt].
A declaração de extinção da instância constitui decisão de forma, e não de mérito, salientando Alberto dos Reis que, nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o “tribunal não chega a conhecer do mérito da causa” (Comentário …, vol. 3º, p. 372) e Jacinto Rodrigues Bastos para quem, face à ocorrência anormal da lide se tornar impossível ou inútil, a pronúncia a emitir pelo juiz não deve ser nem da absolvição do pedido, nem da absolvição da instância, mas puramente declarativa dessa extinção (Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 3ª ed., 2000, p. 55).
Refere-se na Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 05/12/2012, no processo 1124/11.4TBTMR.C1, relatado pelo Desembargador Henrique Antunes, disponível em www.dgsi.pt que “A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade (artº 287 e) do CPC).
A instância extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objeto, ou por motivo atinente à causa, a respetiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.
A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade aa relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objeto ou à causa.
Sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a ação se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar.
A instância extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
Face a este breve enunciado é evidente que o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade da lide deve ser superveniente, i.e. de verificação ulterior relativamente à constituição da instância.
Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil; exige-se, para que se verifique a causa de extinção da instância considerada, que o facto seja superveniente.
Como a instância se considera iniciada com a proposição da ação e esta se considera proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida pela secretaria a respetiva petição inicial, segue-se que só o facto ocorrido posteriormente ao recebimento da petição inicial se deve considerar superveniente (artºs 150 e 467 nº 1 do CPC).
Se o facto que torna inútil a instância é anterior ao seu início, então o caso não é seguramente de inutilidade da lide – mas de improcedência da pretensão do autor ou requerente: se no momento em que propõe a ação, a relação jurídica substancial já era inútil, i.e., já era inútil a obtenção do efeito jurídico que com a ação se visa alcançar, o que sucede é que, no momento em que foi proposta, a ação não tinha condições para proceder. Neste caso, a causa adequada de extinção da instância é o julgamento e não a inutilidade superveniente da lide (artº 287 a) do CPC).”
Recorde-se que a pretensão constante do recurso de revisão consistia em ser anulada a sentença recorrida, com as legais consequências, nomeadamente, a improcedência da ação declarativa apensa, obstando-se ao objetivo anormal prosseguido e querido pelos recorridos.
 Ora, o recorrente AA veio alegar que o crédito invocado na ação 857/20...., que o aí autor BB peticionou contra o aí réu CC, em que a ação foi julgada procedente, é um crédito fictício, tratando-se de um processo judicial simulado.
Conforme resulta da sentença proferida no processo 588/21.... (cfr. fls. 339 e segs.), “Por apenso aos autos de insolvência de CC, veio BB, ao abrigo do disposto no art.º 146º do CIRE, requerer a verificação ulterior de um crédito no montante global de €59.250,00  ( … ) interpelado para proceder ao pagamento daquele seu débito, o Insolvente não o fez, razão pela qual instaurou, em 06.03.2020, no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., a ação declarativa com o nº 857/20...., na qual peticionou a condenação do réu/insolvente no pagamento da quantia global de €59.250,00, sendo €45.000,00 a título de capital, €6.750,00 de juros vencidos, €5.000,00 a título de cláusula penal pelo atraso no pagamento do seu débito na data do vencimento, e €2.500,00 a título de honorários com advogado e despesas judiciais; devidamente citado, o réu não apresentou contestação, tendo sido proferida sentença, em 29.09.2020, entretanto transitada em julgado, a qual o condenou em conformidade com o peticionado; o Insolvente, nada pagou ao autor, mantendo-se em dívida a quantia de €59.250,00.
Citada a massa insolvente, o devedor e os credores, nos termos do disposto do art.º 146º, nº 1 do CIRE, foi apresentada oposição pelo credor AA, o qual, além do mais, veio impugnar os factos alegados pelo autor, designadamente defendendo que o crédito de que aquele se arroga ser titular sobre o Insolvente não é verdadeiro, sendo antes um crédito fictício/simulado, resultante de atuação concertada entre aqueles, o que motivou já a interposição de recurso de revisão da sentença proferida na ação declarativa com o nº 857/20...., tudo tendo em vista prejudicar e impedir o credor ora contestante de receber a totalidade ou grande parte do crédito de que é titular sobre o Insolvente.”
E acrescenta-se, na fundamentação de direito, designadamente, que “No caso em apreço, incumbia ao autor fazer prova da existência do crédito por si reclamado, o que, efetivamente, não logrou alcançar, de acordo com a descrição da matéria de facto apurada e não apurada e respetiva motivação.
O autor alegou que o crédito reclamado emergia de múltiplos empréstimos, celebrados ao longo de dois anos, por meio dos quais havia emprestado ao insolvente a quantia reclamada. Todavia, esses alegados mútuos não foram juntos aos autos.
Acresce que, para que exista a obrigação de restituir a cargo do mutuário, não basta celebração de qualquer mútuo; tem de existir efetiva entrega da quantia mutuada. Ora, não existe nos autos prova de que o valor reclamado tivesse efetivamente sido transferido do património do autor para o do insolvente. Ora, o ónus de provar essa deslocação patrimonial, que vai gerar a obrigação de restituir e o correspondente direito de crédito, cabe a quem alega esse facto. Cabia, assim, ao autor a prova de que entregou efetivamente as quantias alegadamente mutuadas, pois é dessa concretização do contrato de mútuo que resulta o direito de exigir a restituição.
No que toca à questão da suscitada simulação, atendendo quer à materialidade em causa, quer à motivação àquela subjacente, julgamos desnecessário pronunciarmo-nos quanto à mesma nesta sede.”
E, decidindo, a sentença em questão julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus (?) do pedido.
A questão que se levanta é a de saber se com a decisão proferida no processo de verificação ulterior de créditos (artigo 146º do CIRE), já foi atingido o objetivo pretendido com o recurso de revisão, caso em que se verifica uma inutilidade superveniente da lide (do recurso de revisão).
Entendemos que não.
Desde logo, importa que se tenha em consideração que o meio processual idóneo para alterar a decisão constante de uma sentença transitada em julgado é mediante a interposição do recurso de revisão, sujeito a apertados critérios, atenta a sua especialidade e não através de outro tipo de ação que esteja mais facilmente acessível à parte interessada.
E, há que dizer, que, ainda que por mera hipótese de raciocínio, se com a decisão do processo de verificação ulterior de créditos se pudesse considerar que efetivamente havia sido atingido o objetivo visado com o recurso de revisão, ainda assim, não se poderia justificar a extinção da instância da pretensão constante do recurso de revisão, dado que a sentença recorrida, transitada em julgado, antes da proferida na verificação ulterior de créditos, sempre prevaleceria sobre esta, por força do disposto no artigo 625º Código Civil, verificados os respetivos pressupostos.
Por outro lado, existe uma razão que impediria tal desiderato, sustentado na decisão recorrida, que tem a ver com a circunstância de a exigência relativa aos critérios especiais previstos para a tramitação do recurso de revisão não serem suscetíveis de serem postos em causa mediante normas de natureza geral, como sucede com a previsão constante do artigo 277º alínea e) NCPC, de acordo com o brocardo “lex specialis derogat legi generali”.
Permitir que assim não fosse seria consentir que entrasse pela janela aquilo que a lei não permite que entre pela porta, isto é, estar-se-ia a conseguir um fim proibido por lei (cfr. artigo 612º NCPC), subvertendo o regime do recurso de revisão - sujeito a exigências específicas - que é o meio próprio e adequado para rever, excecionalmente, uma decisão transitada em julgado, que é aquela que não admite recurso ordinário, uma vez que, em regra, a decisão (sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa), uma vez transitada em julgado, fica a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos termos do disposto no artigo 619º nº 1 NCPC.
Acresce, ainda, que o fundamento específico do recurso de revisão, no caso que nos ocupa, é o constante do artigo 696º alínea g) NCPC, que consiste no facto de o litígio assentar sobre ato simulado das partes, questão que não foi - nem tinha de ser - apreciada naquela processo de verificação ulterior de créditos, que tem diversos objetivos e cuja apreciação é essencial para a decisão do recurso de revisão, pelo que a sentença proferida nesse processo nunca poderia servir de pressuposto para obstar ao prosseguimento do recurso de revisão, meio próprio de apreciação da questão suscitada. 
Por todo o exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a douta decisão recorrida terá de ser revogada e a apelação julgada procedente, determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento, para apreciação dos pedidos formulados.
Face ao vencimento de causa do apelante, as custas são da responsabilidade do apelado (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, determinando-se que o processo prossiga para julgamento, para apreciação dos pedidos formulados.
Custas pelo apelado.
Notifique.
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Guimarães, 07/03/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Eva Almeida
2º Adjunto: Desembargador Afonso Cabral de Andrade