Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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| Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO PRESCRIÇÃO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA LEI PENAL VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE OBEDIÊNCIA E LEALDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Nº do Documento: | RG | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 11/09/2023 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Sumário: | I – Apesar de a prescrição do direito de exercer o poder disciplinar não ser de conhecimento oficioso, deve conhecer-se dessa excepção, ainda que não taxativamente invocada, se, de acordo com as regras gerais de interpretação das declarações, v.g. previstas no art. 236.º do CC, for de concluir que a parte invocou a prescrição. II – Se os factos imputados ao trabalhador como integrantes da justa causa de despedimento integrarem, abstracta e concomitantemente, infracção criminal, é o prazo de prescrição da lei penal que se aplica para aferir da verificação ou não daquela excepção de prescrição do direito de exercer o poder disciplinar. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou – dando entrada em juízo do competente formulário - a presente acção declarativa, sob a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, pedindo desde logo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento. Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação. A empregadora/ré apresentou então articulado motivador do despedimento (AMD) alegando para tanto, e em síntese: A R. admitiu a autora ao seu serviço em 10.10.2016, a qual à data do despedimento, detinha a categoria profissional de Operador-1, e exercia as suas funções no estabelecimento da R. denominado “EMP01..., S.A” sito em .... A R. disponibiliza aos seus clientes um cartão que permite a acumulação e rebate de descontos em diversas lojas do grupo, entre as quais, as lojas da R. Os colaboradores devem sempre entregar os talões de compra aos clientes, em nenhuma circunstância podendo os colaboradores ficar com descontos ou talões de compra que os clientes não queiram, ou dos quais se esqueçam na loja, sendo que a A. tem pleno conhecimento destes procedimentos e teve formação sobre os mesmos. No dia 25 de novembro de 2021, e no âmbito da averiguação que estava a ser levada a cabo pela R. relativamente a recuperações indevidas de transações de clientes para cartões EMP01..., S.A, a R. tomou conhecimento de várias recuperações de transações da aqui A., registadas na própria caixa, ou seja, transações registadas pela A. a favor de outros clientes que atendeu no exercício do seu trabalho, sendo que, os talões ou transações desses clientes, foram associados ao cartão de cliente da A. no momento da transação e, noutros, veio a A. recuperar as mesmas transações para o seu cartão EMP01..., S.A. No total, e nas transações registadas na caixa onde estava a A. ao serviço e que a mesma fidelizou ao seu cartão EMP01..., S.A ou veio, posteriormente, a recuperar, a A. recuperou, pelo menos, o valor de € 363,99, e acumulou assim indevidamente no seu cartão EMP01..., S.A um crédito de, pelo menos, € 21,66, valor este que a A. depois gastou em compras nas lojas da R.. Requereu que a autora seja condenada como litigante de má-fé. A trabalhadora/autora apresentou contestação em que, no fundamental e resumindo, deduz matéria de excepção, pois, diz, a nota de culpa é extemporânea, ocorrendo mais de um ano e mais de três anos depois dos factos alegadamente praticados pela Autora até á notificação da nota culpa, e mostra-se ultrapassado o prazo legal de 60 dias, a contar dos factos alegadamente praticados pela autora, para iniciar o procedimento disciplinar, invocando expressamente a caducidade do procedimento disciplinar, e a excepção da falta de legitimidade – do Diretor de loja identificado na N.C. - para intentar o procedimento disciplinar e proferir decisão no mesmo. E ainda que quer na nota de culpa quer no AMD a ré imputa à autora acusações vagas e aproveita este articulado para introduzir factos novos e alterar, sem contraditório, o objeto do processo. Mais impugna, por falsos e descabidos, os factos descritos no articulado motivador do despedimento, aceitando apenas como verdadeiro o descrito em 2.º e 3.º do AMD, dando a sua própria versão. Alega ainda que nem a gravidade, nem as consequências dos comportamentos que a ré lhe imputa, ainda que praticados (o que não concede), comprometeriam alguma vez, de forma irreversível, a subsistência da relação laboral, sendo a sanção disciplinar aplicada completamente desproporcionada. Em reconvenção – e alegando ademais factos tendentes a demonstrar que sofreu danos não patrimoniais - pede, em suma, que a ré seja condenada a: a) Reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem qualquer prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos do artº 389º, 1, al. b), CT. b) Pagar à Autora todas as retribuições, incluindo retribuição base, diuturnidades e subsídio de refeição, que deixou de auferir desde a data do despedimento, em 25-02-2022 até à presente data, sendo as correspondentes a dezanove dias relativos ao mês de Cfr. Docs. ... e ..., que se juntam - e ainda dos meses de Março, Abril 2022, no valores respetivos de 200,82 € + 375,00 € + 375,00 € e total de 950,82€. Abril e ainda todas as vincendas até trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento. c) d) Reconhecer que a Autora tem direito a gozar onze dias úteis de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2021 e não gozados e ainda vinte e cinco dias úteis de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2022 e a receber o respetivo subsídio de férias correspondente, ou a receber a respetiva retribuição, na hipótese académica da presente ação não proceder. e) Pagar à Autora uma indemnização a título de danos morais causados em sequência direta do processo disciplinar e decisão de despedimento, ambos ilícitos, no valor de 10.000,00 €. f) Pagar juros de mora sobe tais quantias, liquidados á taxa legal, desde o momento da constituição em mora e até integral e efectivo pagamento.” A ré apresentou resposta, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela autora, e, reafirmando a posição já expressa no AMD, impugna a matéria em que a autora alicerça o pedido reconvencional, designadamente a factualidade respeitante aos alegados danos não patrimoniais. Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência: 1- Declaro a ilicitude do despedimento da A. AA e condeno a R. EMP01..., S.A.: a) a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria profissional; b) a pagar à Autora as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, as quais perfazem até esta data o montante global de €5.372,99 (cinco mil trezentos e setenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), montante a que haverá que descontar o valor do subsídio de desemprego eventualmente auferido pela A., condenando-se a Ré a entregar tal quantia à segurança social, nos termos do artigo 390º nº 2 al. c) do Código do Trabalho, tudo a liquidar oportunamente; 2- Condeno a Ré EMP01..., S.A. a pagar à A. AA: a) A quantia de €200,82 (duzentos euros e oitenta e dois cêntimos) a título de retribuição correspondente a 19 dias de trabalho no mês de Fevereiro; b) A quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes do despedimento; 3- Condeno a Ré EMP01..., S.A. a pagar à A. AA juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos sobre todas as quantias supra discriminadas, desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento. Custas pela R.” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “A – Da nulidade da sentença 1. A decisão do Tribunal a quo que julgou prescritos os factos imputados à A. no processo disciplinar, padece de nulidade. Pois que, 2. A A. não invocou a prescrição nos autos, mas sim e apenas a caducidade, o que fez nos pontos 1 a 8 da sua Contestação aperfeiçoada (requerimento com a referência CITIUS ...51 de 27.06.2022); 3. Caducidade essa que o Tribunal não considerou procedente, atentos, essencialmente, os factos provados sob os pontos 4, 18, 26 4. A prescrição não foi invocada e, como tal, não podia o Tribunal conhecer da aludida prescrição na medida em que não é de conhecimento oficioso, cfr o artigo 303º do CC e, ao pronunciar-se sobre essa questão em sede da sentença proferida, o Tribunal conheceu de uma questão que não lhe era lícito conhecer, incorrendo a Sentença em nulidade – vide Acórdão do TR de Lisboa de 29.05.2019, processo PROC. 2160/18.5T8BRR.L1; Acórdão Do Tribunal Relação de Coimbra, processo 1158/17.5T8VIS.C1 de 10.07.2019 e Acórdão do STJ de 15.03.2021, processo 10/16.6YFLSB 5. A sentença proferida padece de uma nulidade, a qual se invoca aqui de forma expressa, nos termos do disposto no artigo 77º do CPT, ex vi artigos 615º n.º 1 alínea d) do CPC Caso assim não se entenda, o que apenas e por estrito dever de patrocínio se ponderar, B – Da (im) procedência da prescrição 6. Andou mal o Tribunal a quo a julgar procedente a prescrição (não invocada) de factos. Vejamos, 7. Nos termos do n.º 1 do artigo 329º do Código do Trabalho “1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime” (realçado nosso). 8. Ora, sem prejuízo dos demais, são relevantes os factos considerados provados sob os números 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31. Sucintamente, 9. A A. Recorrida aproveitou-se do seu posto de trabalho no serviço de caixas da loja EMP01..., S.A da R. e Recorrente para se apropriar e fazer seus créditos concedidos pela A. aos seus clientes que efetuaram determinadas compras na loja registadas pela A. 10. Créditos esses que a A. associou ao seu próprio cartão cliente – os quais viu ainda aumentados em 7% do seu valor por se tratar de colaboradora da R. – vindo depois a usar em seu fazer em compras que efetuou nas lojas da R. 11. Tais factos são de natureza claramente criminal, correspondendo, em abstrato, a um crime de burla p. e p. no n.º 1 do artigo 217º do CP, conforme factos provados na sentença a quo sob os números: 14, 15, 16, 17, 18, 19, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 12. Nos termos do disposto no artigo 118º n.º 1 alínea d) do Código Penal “1. O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;”. Ora, 13. Tal crime e punível “com pena de prisão até três anos ou com pena de multa” – vide cit. artigo 217º do CP. 14. Assim, ao caso concreto e nos termos do disposto no artigo 329º n.º 1 do CT, ao caso concreto é aplicável a prescrição penal que, no caso, é de 5 anos. Ora 15. Conforme facto provado sob o ponto 18 da Sentença a quo, os factos imputados à A. ocorreram entre .../.../2018 e .../.../2020, tendo a R. tido deles conhecimento no dia 25.11.2020 (cfr. facto provado sob o ponto 26 da sentença a quo) e, 16. Tendo a A. recebido a nota de culpa no dia 19/01/2022 (cfr. facto provado sob o ponto 4 da sentença a quo), não se verificou a prescrição prevista no artigo 118º do Código Penal. Não obstante, 17. Ainda que se entendesse que no caso vertente, o comportamento da A. era compatível com um crime de abuso de confiança p. e p. no artigo 205º do Código Penal, era igualmente aplicável o mesmo prazo prescricional. 18. Por conseguinte, errou o Tribunal a quo na aplicação do prazo de prescrição de um ano, aplicando erradamente o disposto no n.º 1 do artigo 329º do Codigo do Trabalho – neste sentido, veja-se Tribunal da Relação de Guimarães de 17.1.2016, processo 36/14.4T8VRL.G1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimaraes de 13.09.2021, processo 5566/20.6T8BRG.G1; Acórdão 05.12.2012, processo 728/11.0T4AVR.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra Aliás, 19. Sendo certo que para a verificação da prescrição penal no caso concreto, a R. não tinha que exercer o direito de apresentar queixa crime, a verdade é que ainda, mesmo assim, apresentou. 20. Em momento posterior ao início dos presentes autos de impugnação do despedimento, no dia 29.04.2022 apresentou queixa crime contra a A. pelos mesmos factos que justificaram o despedimento e, no âmbito desse mesmo processo crime que corre os seus no Ministério Público de ... sob o número 432/22...., a R. foi notificada se pronunciar sobre a aplicação da suspensão provisória do processo, obrigando-se a A. a restituir á R. a quantia de € 21,66; prestar 20 horas de trabalho a favor da comunidade – vide doc. ..., doc. ... e Doc. ... cuja junção aos autos ao diante se requer ao abrigo do disposto no n.º 1 in fine do arguido 651º do CPC. 21. Na verdade, tendo a decisão do Tribunal a quo recaído sobre uma prescrição inexistente e ignorado o carater criminal dos factos imputados à A., justifica-se plenamente a junção aos autos da queixa crime; da constituição de assistente da R. e do despacho proferido pelo Ministério Público. 22. Tal junção tem acolhimento legal (e factual) no n.º 1 in fine do arguido 651º do CPC, onde se prevê que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” realçado nosso. 23. A pertinência do Doc. ... resultado facto de atestar que é o próprio Ministério Público que manifesta o entendimento – óbvio, diga-se – de que os factos imputados à A. são efetivamente passíveis de constituir crime. Em todo o caso, 24. Deve pois ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que aos factos imputados – confessados e considerado provados – aplica-se a prescrição de 5 anos, prevista no artigo 118º do CP, na medida em que a conduta da A. corresponde a um crime de burla (p. e p. pelo artigo 217º do CP). C - Da decisão de mérito quanto à justa causa de despedimento 25. Pese embora o Tribunal a quo não tenha tomado posição sobre a justa causa de despedimento (ou seja, não tenha tomado uma decisão de mérito) a verdade é que decidiu sobre a matéria de facto. Por conseguinte, 26. Salvaguardando o devido respeito por opinião diversa, não está o Tribunal da Relação de Guimarães impedido de decidir sobre essa mesma matéria. Por conseguinte, 27. Em face dos factos considerados provados sob os números 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 da sentença proferida pelo Tribunal a quo, apurou-se que a Recorrida aproveitou-se do seu posto de trabalho no serviço de caixas da loja da R. para se apropriar e fazer seus créditos concedidos pela A. aos seus clientes que efetuaram determinadas compras na loja registadas pela A. 28.Créditos esses que a A. associou ao seu próprio cartão cliente – os quais viu ainda aumentados em 7% do seu valor por se tratar de colaboradora da R. – vindo depois a usar em seu fazer em compras que efetuou nas lojas da R. 29. Tal conduta, culposa e intencional, constitui justa causa por violação grave dos deveres de obediência, lealdade e de promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, violando as alíneas e), f) e h) do n.º 1 do art.º 128º do Código de Trabalho, 30. Constituindo, por isso, justa causa para o despedimento que veio a ocorrer, ao abrigo do disposto no artigo 351º nº1 e nº2 als. a), d) e e) do Código do Trabalho. 31. Neste sentido Acórdão TRG, 10.07.2018, processo 3481/17.0T8BRG; Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1. 32. Deve, por isso, ser reconhecida a licitude do despedimento proferido pela R. Sem prescindir, caso assim não se entendesse, o que apenas por estrita e cautela de patrocínio se pondera e nada mais, D – Da condenação nos vencimentos de tramitação sem dedução 33. Caso se mantivesse a decisão do Tribunal a quo quanto á licitude do despedimento – o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se pondera – ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, teria que haver lugar à dedução dos eventuais vencimentos auferidos após o despedimento. 34. A R. alegou sob o ponto 57 do seu AMD que esses montantes, caso tivessem sido auferidos, tinham de ser deduzidos e, por desconhecer se de facto foram (assim como o subsídio de desemprego), requereu o ofício à segurança social para informar os autos se a A. tinha, ou ao, auferido montantes provenientes do trabalho e/ou do subsídio de desemprego. 35. Salvaguardando o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo ignorou por completo o requerimento da A. no que se refere ao ofício da Segurança Social, nada decidindo a tal respeito e não determinando qualquer notificação. 36. Se por um lado estava o Tribunal obrigado a fundamentar o indeferimento de tal diligência caso entendesse que seria de o fazer - Ac. TR Lisboa, de 26.09.2012, processo 2504/11.0TTLSB.L1-4 37. Em face do que foi alegado e da notificação que havia sido sucedida, impunha-se ao Tribunal notificar a segurança social para apurar os valores eventualmente auferidos pela A. por via do trabalho e, depois, efetuar tal dedução nos termos legais. 38.Não o tendo feito, violou o artigo 390º n.º 2 alínea b) do Código do Trabalho. E – Dos danos não patrimoniais 39. O mesmo se diga quanto à condenação da R. no pagamento de danos não patrimoniais. Pois que, 40. Ignorou o Tribunal a quo três fatores determinantes: (i) a conduta provada da A., a qual é manifestamente passível de justa causa e, mais ainda, de crime; (ii) a inexistência de prova relativamente à matéria dos pontos 34, 35, 36 e 37 41. Os factos dados como provados naqueles pontos 34 a 37 inclusive, além de conclusivos, carecem de prova e, da matéria provada nos pontos 6 a 31 da Sentença a quo, resulta precisamente o contrário. 42. E quanto à matéria dos pontos 36 e 37, como se disse, é conclusiva e não recaiu sobre a mesma qualquer elemento probatório concludente. Mais, 43. Em caso algum, perante uma decisão de ilicitude do despedimento em que se prova integralmente a conduta infracional grave da trabalhadora e, apenas por prescrição – que, por sinal nem existe – se decide pela ilicitude do despedimento, poderia o Tribunal a quo considerar ajustada qualquer indemnização por danos não patrimoniais, na medida em que, no caso concreto, a trabalhadora praticou efetivamente factos justificativos do despedimento.” A recorrida não apresentou contra-alegações. Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso, declarando-se a sentença nula, nos termos do disposto no artº. 615º. nº. 1 al. d) do CPC, determinando-se que os autos baixem à 1.ª instância para proferimento de nova sentença. Mais se exarando no douto parecer, e em suma: Na hipótese de não se entender que se verifica a apontada nulidade, e no que respeita à segunda questão suscitada pela recorrente - não estar o procedimento disciplinar prescrito por o prazo a considerar ser de 5 anos -, considera-se não assistir razão à mesma, sendo, na situação em apreço, efetivamente, o prazo de prescrição do procedimento criminal de um ano. Relativamente à terceira questão suscitada pela recorrente, a declaração de nulidade da sentença implica a baixa dos autos à 1ª. instância, para proferimento de nova sentença, não cabendo assim ao tribunal de recurso suprir a nulidade em causa e apreciar ex novo da existência ou não de justa causa de despedimento. Sempre se dirá, não obstante, que, efetivamente, no caso de não se concluir pela nulidade da sentença nem pela prescrição do procedimento disciplinar, existe, face aos factos imputados à autora, justa causa de despedimento. No que respeita às deduções a efetuar no âmbito das retribuições intercalares também se considera que assistiria razão à recorrente, tal como no que respeita à pretendida não condenação por danos não patrimoniais. Tal parecer mereceu resposta quer da recorrente quer da recorrida, discordando ambas, em parte, do mesmo (a recorrente afirmando-o expressamente, a recorrida por via do reporte que faz para o conteúdo da sentença). Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Questão prévia: A recorrente pretende juntar dois documentos - duas notificações de despachos, judicial e do Ministério Público -, mas que apenas anexou na resposta ao parecer do Ministério Público. Ora, como clara e expressamente decorre do n.º 1 do art. 651.º do CPC, em sede de recurso “As partes apenas podem juntar documentos às alegações”. Independentemente da verificação ou não dos demais requisitos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, o certo é que a apelante deixou passar a oportunidade para requerer a junção dos documentos, a qual se mostra, pois, extemporânea. Assim, não é admissível a requerida junção. Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar: - Nulidade da sentença; - Se prescreveu ou não o direito de exercer o procedimento disciplinar; - Se existe justa causa para o despedimento da autora; - Se são devidos os «vencimentos de tramitação»; - Se é devida indemnização à autora por danos não patrimoniais. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria): “1. Factos Provados Com relevo para a decisão, estão provados os seguintes factos: 1.1 Factos provados por confissão obtida na audiência de julgamento ou admitidos por acordo nos articulados ou por documento: Do articulado motivador do despedimento 1- A R. é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu escopo social, se dedica a todo o comércio retalhista e armazenista, nomeadamente a exploração de centros comerciais, grandes armazéns, charcutarias, confeitarias, cafés, restaurantes, padarias, talhos, relojoarias e ourivesarias e, ainda as indústrias de confeitaria, padaria, charcutaria e outras pequenas indústrias e a distribuição em livre serviço, a importação de todos os bens destinados ao comércio retalhista. A sociedade pode ainda importar e comercializar medicamentos não sujeitos a receita médica, e a título acessório, prestar serviços na área de comércio retalhista e grossista a outros estabelecimentos de livre serviço, bem ainda como a promoção, desenvolvimento e gestão imobiliária, compra e venda de imóveis próprios ou alheios e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis. 2- A A. por sua vez, foi admitida ao serviço da R. a 10.10.2016 e, à data do despedimento, detinha a categoria profissional de Operador-1. 3- À data do despedimento, exercia as suas funções no estabelecimento da R. denominado “EMP01..., S.A” sito em .... 4- A A. recebeu uma nota de culpa em 19/1/2022 onde se articularam os factos que lhe eram imputados, tendo sido comunicada a intenção de despedimento com justa causa e concedido o prazo de dez dias úteis para apresentar a sua defesa. 5- Após a instrução do processo, veio a ser proferida decisão de despedimento com justa causa, entregue à aqui A. no dia 25.02.2022. 6- A R. disponibiliza aos seus clientes um cartão que permite a acumulação e rebate de descontos em diversas lojas do grupo, 7- Entre as quais, as lojas da R. 8- Os descontos podem ser rebatidos total ou parcialmente, a partir do dia seguinte à compra, como meio de pagamento em valor de compras igual ou superior ao valor dos descontos. 9- Têm a validade de 12 meses após a compra respetiva. 10- Os talões de compra que não tenham sido registados no cartão podem ser recuperados para o mesmo. 11- A Autora recebeu formação acerca dos cartões dos clientes, designadamente que estes podiam ter cartão EMP01..., S.A e acumular saldo que podia ser descontado a partir do dia seguinte em compras de valor igual ou superior ao saldo acumulado e quanto ao seu próprio cartão, na qualidade de colaboradora, tomou conhecimento dos procedimentos através da sua supervisora e durante a execução do trabalho. 12- Caso o cliente não tenha aderido ao cartão, a transação é feita de forma normal, não incidindo sobre a referida compra qualquer desconto para ser rebatido posteriormente. 13- Caso o cliente tenha aderido ao cartão EMP01..., S.A, beneficia dos descontos que estejam em vigor relativos a determinados artigos. 14- Para além disto, se o cliente for colaborador da R. beneficia ainda de um desconto de 7% por cada transação efetuada, em Cartão EMP01..., S.A. 15- Os colaboradores devem sempre entregar os talões de compra aos clientes. 16- Em nenhuma circunstância os colaboradores podem ficar com descontos ou talões de compra que os clientes não queiram, 17- Ou dos quais se esqueçam na loja, 18- Foram associadas ou recuperadas para o cartão EMP01..., S.A da Autora com o número de conta ...39 e com a utilização do seu número de operadora ...03, as seguintes transações:
19- As transações realizadas no dia 16-06-202, às 19:03 horas no valor de €: 44,57 e no dia 26-09-2020 às 18:01 horas no valor €: 149,07 foram realizadas e registadas pela depoente na sua caixa, tendo os talões sido entregues à depoente pelo cliente BB, que no caso era seu conhecido, por ser seu patrão, tendo a depoente feito a recuperação das duas transações para o seu cartão EMP01..., S.A na caixa central. 20- No dia 25.11.2021, e no âmbito do inquérito levado a cabo pela R., a A. prestou declarações tendo afirmado que nunca recuperou para o seu cartão transações que não respeitassem a compras efetuadas para si própria, 21- Bem como, afirmou ainda a A. que nunca entregou talões de outros clientes a colegas para que estes os recuperassem. Da contestação-reconvenção da trabalhadora 22- A nota de culpa remetida à A. foi assinada pelo Sr. Director de Loja CC, não tendo sido acompanhada de qualquer procuração emitida pela Entidade Empregadora EMP01..., S.A Hipermercados S.A. * 1.2 Factos provados da matéria de facto controvertida:Do articulado motivador do despedimento 23- Era absolutamente proibido aos colaboradores da Ré associarem os seus Cartões EMP01..., S.A a talões de compra de cliente, 24- Ou utilizarem Cartões que pertencem a clientes. 25- A A. tem pleno conhecimento dos procedimentos descritos nos nºs 14 a 17. 26- No dia 25 de novembro de 2021, e no âmbito da averiguação que estava a ser levada a cabo pela R. relativamente a recuperações indevidas de transações de clientes para Cartões EMP01..., S.A, a R. tomou conhecimento de várias recuperações de transações da aqui A., registadas na própria caixa. 27- Ou seja, transações registadas pela A. a favor de outros clientes que atendeu no exercício do seu trabalho, sendo que, os talões ou transações desses clientes, foram associados ao cartão de cliente da A. no momento da transação e, noutros, veio a A. recuperar as mesmas transações para o seu Cartão EMP01..., S.A. 28- Assim sucedeu, para além das referidas no nº 19, nas seguintes transacções, registadas pela própria, ao serviço na caixa da loja: -Transacção nº ...66, realizada em .../.../2020, às 21:33:09, no valor de 3,91€, que deu origem a um valor acumulado de 0,27€; -Transacção nº ...06, realizada em .../.../2020, às 18:54:31, no valor de 126,07€, que deu origem a um valor acumulado de 8,82€; -Transacção nº ...53, realizada em .../.../2019, às 16:31:25, no valor de 12,77€, que originou um valor acumulado de 0,89€; -Transacção nº ...56, realizada em .../.../2018, às 21:08:58, no valor de 6,76€, que originou um valor acumulado de 0,47€. 29- No total, e nas transações registadas na caixa onde estava a A. ao serviço e que a mesma fidelizou ao seu Cartão EMP01..., S.A ou veio, posteriormente, a recuperar, designadamente nas transacções descritas no quadro do nº 18, a A. recuperou, pelo menos, o valor de € 363,99. 30- A A. acumulou assim, no seu Cartão EMP01..., S.A um crédito de, pelo menos, €21,66, sendo que a parte desse crédito que resultou das transacções referidas no nº 19 e no nº 28 ascende ao montante de €20,96. 31- A A. gastou o valor de €21,66 acumulado no seu cartão EMP01..., S.A em compras nas lojas da R.. Da contestação da trabalhadora 32- No dia 25/11/2021 a A. foi chamada ao gabinete do Diretor de loja, e no seu interior foi confrontada por Advogado da Ré com os factos que lhe vieram a ser imputados na nota de culpa, tendo-lhe sido proposto que apresentasse uma carta de demissão e uma declaração manuscrita a confessar a prática de factos, ao que a Autora não acedeu. 33- Na mesma ocasião outras duas colegas da A., DD e EE, foram igualmente confrontadas com a prática de factos semelhantes relacionados com a associação de talões de clientes da Ré aos seus próprios cartões EMP01..., S.A, tendo estas apresentado cartas de demissão e assinado declarações de dívida à R.. 34- A Autora nunca havia sido alvo de processos disciplinares, tendo sido sempre reconhecida como uma trabalhadora exemplar, quer aos olhos dos Clientes quer de toda a comunidade envolvente na relação contratual. 35- Sendo profissional que exerceu sempre as funções de Operadora com o maior empenho, zelo e diligências, reconhecida por superiores hierárquicos, colegas e clientes, as imputações de falta de lealdade e honestidade provocaram-lhe forte sentimento de injustiça e revolta, violentando o seu brio profissional. 36- O despedimento causou à Autora enormes aborrecimentos, preocupações, vergonha, vexame, junto dos seus familiares, amigos e colegas de trabalho. 37- Era uma pessoa habitualmente bem disposta e com atitude de otimismo e bem estar com a vida e, após o despedimento, deixou de o ser. 38- A A., à data do despedimento, auferia a retribuição de base de €375,00, correspondente a uma carga horária de 20 horas semanais. Da resposta à contestação 39- A aqui R., nos 30 dias após conhecimento dos factos, procedeu à realização de um inquérito, cuja última diligência de prova aconteceu no dia 05.01.2022, a qual se encontra documentada a fls. 59 vº dos autos. 40- Por procuração datada de 28.02.2020, e junta ao processo disciplinar a fls. 70 vº e seguintes destes autos, a aqui R. conferiu ao referido Diretor de loja, poderes para representar a sociedade no exercício do poder disciplinar, na celebração e cessação de contratos de trabalho, designadamente por caducidade, despedimento e denúncia de contratos a termo. 41- A Ré pagou à A., aquando da cessação do contrato de trabalho, as quantias discriminadas no recibo de vencimento constante de fls. 90, junto à contestação como documento nº ..., cujo teor aqui se dá por reproduzido. 42- A A. participou em várias formações ministradas pela Ré, tendo, inclusive, assinado as respectivas listas de presenças. * 2. Factos não provados:- Todos os demais alegados pelas partes e que não constam do elenco dos factos provados, designadamente e com relevo para a decisão: Do articulado motivador: os factos alegados nos artigos 24, 32, 33 e 36, 37, 38 e 39 (estes quanto à alegação de que a actuação da A. foi premeditada, planeada, consciente e intencional, com o objectivo de ludibriar e se locupletar à custa da Ré) e 42; e que as transacções nºs184999 e ...48 realizadas na posição nº 11, com o nº de operador da A. em .../.../2020 às 13:05:38 e em .../.../2020 às 21:46:12 respeitem a transações registadas pela A. a favor de outros clientes que atendeu no exercício do seu trabalho; Da contestação-reconvenção (aperfeiçoada): os factos vertidos nos artigos 14º (apenas quanto à alegação de que a A. se encontrava ao serviço em dia aparentemente normal), 15º, 18º, 19º, 21º (quanto à alegação de que a ré juntou ao AMD documentos que não constavam do processo disciplinar aquando da consulta do mesmo pela A.), 33 (quanto à alegação de que nunca foi chamada à atenção), 38, 56 (quanto à alegação de que a A. não gozou 11 dias de férias vencidas em 1/1/2021), 61º (quanto à alegação contida na 2ª parte), 62º (quanto a alegação contida na 2ª parte), 63, 64, 65, 66, 67, 71º (quanto à alegação de que a Ré não proporcionou formação profissional à A. nos últimos 3 anos). Da resposta à reconvenção: a matéria vertida no artigo 38. A demais matéria alegada pelas partes nos seus articulados reconduz-se a meros juízos de valor e argumentativos a extrair da matéria de facto.” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia: Em suma, pretende a recorrente que, nos termos do o artigo 303.º do CC, o Tribunal a quo não podia conhecer da prescrição pois que não é de conhecimento oficioso nem foi invocada e, ao pronunciar-se sobre essa questão em sede da sentença proferida, o Tribunal conheceu de uma questão que não lhe era lícito conhecer, incorrendo a sentença em nulidade Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão proferida pela Mm.ª Juíza a quo ao abrigo do art. 617.º/1 do CPC discorreu-se nos termos seguintes: “No seu requerimento de interposição de recurso veio a Ré arguir a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, sob a seguinte argumentação: “(…) 2. A A. não invocou a prescrição nos autos, mas sim e apenas a caducidade, o que fez nos pontos 1 a 8 da sua Contestação aperfeiçoada (requerimento com a referência CITIUS ...51 de 27.06.2022); 3. Caducidade essa que o Tribunal não considerou procedente, atentos, essencialmente, os factos provados sob os pontos 4, 18, 26; 4. A prescrição não foi invocada e, como tal, não podia o Tribunal conhecer da aludida prescrição na medida em que não é de conhecimento oficioso, cfr o artigo 303º do CC e, ao pronunciar-se sobre essa questão em sede da sentença proferida, o Tribunal conheceu de uma questão que não lhe era lícito conhecer, incorrendo a Sentença em nulidade (…)” Cumpre emitir pronúncia, nos termos dos arts. 77º do Código de Processo de Trabalho e 617º nº 1 do Código de Processo Civil) Salvo melhor entendimento, não se verifica a nulidade invocada, pois que o tribunal se limitou a aplicar o direito aos factos alegados pela A., não obstante a errónea e atabalhoada qualificação jurídica que fez dos mesmos nos artigos 1 a 8 da contestação aperfeiçoada a que a ré faz referência. Basta atentar no teor do alegado sob os ditos artigos 2º, 4º e 6º da contestação para se perceber que a A. quis invocar a prescrição do procedimento disciplinar por já ter decorrido mais de um ano sobre a data da prática à data da notificação da nota de culpa, o que equivale à invocação da prescrição. Concretamente, alegou a A. que: “(…) 2.º In casu, a aqui Autora, recebeu notificação Nota Culpa dia 19 de janeiro de 2022, concretizando factos, ou melhor a imputação de factos (que não aceita), segundo à narração praticados pela arguida nos períodos indicados no art.º 21 – concretamente – dia 28-05- 2018, 22-12-2019, 0706-2020, 16-06-2020, 28-06-2020, 26-09-2020, 10-11-2020)– doc. n.º ...- conforme resulta do AMD. 4.º Assim, fácil será de concluir, que a Nota de Culpa /– é de facto e de direito extemporânea, o que aqui invocamos para os devidos efeitos legais, sendo certo que o espaço temporal que medeia – prática dos factos até á notificação da Nota Culpa – ocorre mais de um ano e mais de três anos depois dos factos alegadamente praticados pela Autora.(sublinhado nosso) 6.º Com efeito a Entidade Empregadora, aqui Ré dispunha de um prazo de 60 dias subsequentes a contar da alegada infração,(…)” É manifesto, pois, que a A. quis invocar a prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo superior a um ano entre a data da prática das infracções e a notificação da nota de culpa, embora fazendo apelo erróneo ao regime da caducidade do exercício da acção disciplinar. Ora, nos termos do disposto no artigo 5º nº 3 do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Daí que, aos factos alegados pela A. tenha a signatária aplicado as regras de direito que entendeu correctas. Aliás, no despacho que fixou o objecto do litígio a signatária identificou expressamente como uma das questões a decidir a da prescrição do procedimento disciplinar, a par da caducidade da acção disciplinar. A Ré não reclamou deste despacho e podia tê-lo feito, nos termos do artigo 596º nº 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 49º nº 2 do Código de Processo de Trabalho. E na sentença apreciou a questão, tendo concluído pela procedência da excepção de prescrição do procedimento disciplinar. Ao contrário do alegado pela Ré, não se conheceu da questão da caducidade, por se ter considerado prejudicado o respectivo conhecimento, pelo que não é correcta a alegação da ré de que o tribunal considerou procedente a excepção de caducidade. Considera, pois, a signatária que não ocorre a nulidade apontada à sentença.” Concordamos inteiramente com este entendimento, perfilhado pela 1.ª instância. Com efeito, interpretando o a propósito alegado pela autora – e citado no transcrito despacho, mormente que a autora expressamente invoca o decurso do prazo previsto no n.º 1 do art. 329.º do CT (que alude expressamente à prescrição) -, à luz do que entenderia um «declaratário normal»[1], não pode deixar de se entender que a autora efectivamente deduziu (também) a excepção da prescrição do direito da ré exercer o poder disciplinar, prescrição que, aliás, pode até ser tacitamente alegada[2]. Na mesma linha e numa situação similar, pode ver-se Ac. RP de 11-09-2014[3], em cujo Sumário se lê: “I - Deve ser conhecida a excepção da caducidade, estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, não obstante a parte que a deduziu a tenha erroneamente classificado como prescrição. (…)” E na fundamentação do acórdão discorre-se: “Uma nota de sequência, para refutar o, pela recorrida suscitado, aparente óbice ao conhecimento da questão versada no recurso. Na verdade, refere esta que, tendo a ré-recorrente excepcionado o decurso do prazo de prescrição, só em via de recurso se apresentando a falar de caducidade, atento o princípio do dispositivo, apenas se poderia conhecer da prescrição, que não da caducidade. Sendo certo que esta, como previsto no nº 1 do artigo 333º do Código Civil, só pode ser apreciada oficiosamente se estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes. Não sendo o caso. Não lhe poderemos dar razão. Desde logo se dirá que não é inteiramente verdade que a ré não se tenha na contestação referido à caducidade. Não obstante na sua alegação essencial se reporte à prescrição, quer no intróito (artigo 1º da contestação) quer nas conclusões (artigos 17º e 18º), não deixa de aludir também à caducidade, no artigo 8º dessa peça processual. Mas o que quanto a nós releva é que toda a sua argumentação, nomeadamente quando transcreve o artigo 917º do Código Civil, se dirige ao que nos termos da lei consubstancia a excepção de caducidade prevista naquele preceito. O que foi perfeitamente entendido tanto pela autora como pela senhora juiz a quo. Pelo que é de todo irrelevante que, empregando terminologia jurídica errada, a tenha caracterizado como prescrição. Nessa linha, e tendo em atenção o disposto no artigo 236º do Código Civil, refere o Prof. Vaz Serra, in RLJ, Ano 103º, a págs 286, que “parece que também no nosso direito a interpretação das declarações de vontade, a fazer nos termos do artigo 236º, nº 1, do Código Civil, é uma questão de direito, pois não se trata de determinar o que o declarante de facto quis, mas qual o sentido que juridicamente deve ser atribuído à declaração”. Acrescentado, a fls 287 – “mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo no caso do nº 2 do artigo 236º) a fixar um simples facto - o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração - mas a fixar o sentido jurídico, normativo, da declaração”. (…) É, assim, irrelevante que a ré tenha classificado a excepção por si deduzida como prescrição. Efectivamente, como já concluímos, tal classificação não vincula o juiz, o qual deverá livre e correctamente caracterizar juridicamente a mesma.” (sublinhamos) Ante o exposto, sendo certo que o art. 615.º/1 d) do CPC prescreve que é nula a sentença (nomeadamente) quando o juiz conheça de questão de que não podia tomar conhecimento, é igualmente acertado concluir que, no caso, a questão foi suscitada pela autora, donde o Tribunal a quo podia – e devia – da mesma conhecer. Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença. Da verificação da excepção da prescrição: Consta, a propósito, da decisão recorrida: “Nos termos do artigo 329º do Código do Trabalho 2009 o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime (nº 1) e o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção (nº 2). A prescrição ocorre, ainda, decorrido um ano contado da data em que é instaurado o procedimento disciplinar se o trabalhador não for notificado nesse prazo da decisão final (nº 3). Os prazos de prescrição e caducidade estabelecidos nas citadas disposições legais interrompem-se com a notificação ao trabalhador da nota de culpa ou com o início do processo prévio de inquérito, caso este seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início ocorra dentro dos 30 dias subsequentes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo (arts. 352º e 353º nº 3 do Código do Trabalho 2009). O decurso do prazo prescricional torna ilícito o despedimento, nos termos do art. 382º nº 1 do Código do Trabalho 2009. Segundo a A. a nota de culpa foi-lhe notificada em 19/01/2022, sendo que entre a prática dos factos que lhe foram imputados e essa notificação decorreram mais de um e mais de três anos. Ora, dos factos provados decorre que as condutas alegadamente ilícitas imputadas à A. ocorreram em 28-05-2018, 22-12-2019, 07-06-2020, 16-06-2020, 18-06-2020, 28-06-2020, 26-09-2020 e 10-11-2020. Por outro lado, decorre ainda dos factos provados que a Ré teve conhecimento dessas condutas em 25/11/2021, procedeu a inquérito prévio dentro dos trinta dias subsequentes, cuja última diligência ocorreu em 5/1/2022 e a nota de culpa foi notificada à A. em 19/01/2022. Perante tal factualidade, tendo a última conduta imputada à A. ocorrido em .../.../2020, é manifesto que, à data do conhecimento dos factos pela Ré, 25/11/2021, já se encontravam irremediavelmente atingidos pela prescrição todas as alegadas condutas infractoras da A., sendo irrelevante que a Ré tenha imediatamente instaurado processo de inquérito para averiguação dos factos e tenha notificado a A. da nota de culpa antes do decurso do prazo de 30 dias sobre a conclusão da última diligência de inquérito. Isto porque, o direito de exercer o poder disciplinar (a prerrogativa disciplinar) extingue-se por prescrição logo que sobre a prática da infração disciplinar tenha decorrido o prazo de um ano, independentemente do seu conhecimento ou desconhecimento pela entidade patronal. Procede, pois, a invocada prescrição do procedimento disciplinar.” Vejamos. Diz a recorrente, em essência e síntese, que os factos que imputou à recorrida – e v.g. os que se encontram provados sob os números 14, 15, 16, 17, 18, 19, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 - são de natureza claramente criminal, correspondendo, em abstrato, a um crime de burla p. e p. no n.º 1 do artigo 217.º do CP, e que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118.º n.º 1 alínea d) e 217.º do CP, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de cinco anos. Assim, à situação em análise é, nos termos do disposto no artigo 329.º n.º 1 do CT, aplicável a prescrição penal que, no caso, é de 5 anos. Parece-nos que tem razão. Efectivamente, o artigo 217.º/1 do CP dispõe: “Burla 1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. (…)” Como em anotação a este artigo escreve A. M. Almeida Costa, “a burla recobre situações em que o agente, com a intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que a última, por esse motivo, pratique actos que causam a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial.”[4] Ora, dos factos supra aludidos – provados sob os números 6 a 31, desconsiderando os números 21 e 22 – decorre que a autora/recorrida, sabendo que, segundo as regras instituídas pela sua entidade empregadora/recorrente, não tinha esse direito, utilizou os descontos/talões de compra de clientes da recorrente para que, desconhecendo esta esse facto, pudesse gastar, como gastou, em compras nas lojas da recorrente o valor (de € 21,66) que assim acumulou no seu cartão EMP01..., S.A. É certo que o tipo legal exige que o enriquecimento ilegítimo do agente (ou do terceiro) seja atingido por meio de erro ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou, e que a matéria de facto não se mostra exuberante neste particular. Mas ainda assim pensamos que tais elementos se verificam no caso, consistindo precisamente na utilização dos descontos/talões de compra de clientes da recorrente, assim enganando a recorrida a sua entidade empregadora. A. M. Almeida Costa mais adiante (a pág. 300) na obra citada escreveu: “Ao reflectir uma deslealdade tida por inadmissível no comércio jurídico, o domínio-do-erro que viole os ditames da boa fé consubstancia, desde que preenchidos os demais pressupostos do delito, o desvalor característico do ilícito da burla, integrando, nessa medida, a expressão acabada do conteúdo de previsão do art. 217.º.” Na mesma linha, parece-nos, vai o entendimento de Carlos Alegre quando escreve que “(…) a astúcia, o ardil, o logro, a insídia, não tem de ser artifício necessariamente complicado. O legislador não terá querido, por isso, distinguir entre erro e engano, ao utilizar, em alternativa, as duas expressões.”[5]. Mais cumpre notar que “O enriquecimento patrimonial pode consistir num aumento de património, numa diminuição de débitos ou na poupança de encargos ou despesas.”[6] Em suma e em conclusão, a conduta da recorrida preenche abstractamente o crime de burla, pelo que se impõe concluir que não prescreveu o direito de a recorrente exercer, quanto aos factos em questão, o seu poder disciplinar. - Se existe justa causa para o despedimento da autora: Posto que são proibidos os despedimentos sem justa causa (cf. art. 338.º do CT, norma, como é consabido, inspirada no art.º 53.º da CRP), será ilícito o despedimento por inexistência de justa causa? No parecer do Ministério Público sustenta-se o entendimento de que “(…) existe, face aos factos imputados à autora, justa causa de despedimento, independentemente do valor do prejuízo causado à entidade empregadora, face à quebra irremediável de confiança, conforme, nomeadamente, jurisprudência citada pela recorrente e jurisprudência constante do acórdão do STJ de 30 de março de 2022 e do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29 de março de 2012, que versaram sobre factos idênticos aos aqui em causa nestes autos, ambos consultáveis in www.dgsi.pt”. Concordamos com este entendimento. De harmonia com o disposto no art. 351.º, n.º 1, do CT, constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.” Exige-se, pois, a verificação, cumulativa, de um requisito de natureza subjectiva – traduzido num comportamento culposo do trabalhador – e um requisito de natureza objectiva – que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho - e, ainda, existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral. Como decorre do art. 342.º, n.º 2, do C.C. e 387.º, n.º 3, do CT, é sobre o empregador que recai o ónus de alegar e provar a factualidade que esteve na base do despedimento, a culpa do trabalhador e a impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral. E nos termos do art. 351.º, n.º 3, do CT, “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. Como tem sido reafirmado pela jurisprudência, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do trabalhador. Atentemos ainda que segundo o disposto no art. 128.º do CT o trabalhador está sujeito a diversos deveres, designadamente prevê no seu n.º 1, e nas diversas alíneas, os deveres a que alude a recorrente – a ré invoca expressamente os deveres elencados nas al.s e), f) e h): “Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;”. Ora, os factos provados traduzem efectivamente a violação de deveres que, enquanto trabalhadora da recorrente, impendiam sobre a recorrida, designadamente do dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e, de modo muito particular, o dever de lealdade. Com efeito, a conjugação de toda a factualidade descrita nos diversos itens da lista dos factos provados, e muito particularmente dos factos insertos nos pontos 6 a 20 e 22 a 31, traduz um comportamento, aliás persistente, contrário às instruções e directivas da ré, e um comportamento até, e como se disse já, com relevância criminal. E factos esses que, além de constituírem um comportamento culposo da trabalhadora/recorrida, são, com todo o respeito por diversa opinião, quer idóneos a originar a quebra de confiança da recorrente na actuação daquela, desde logo porque aptos a gerar a “desconfiança” da recorrente sobre o comportamento futuro da recorrida, até porque, repete-se, não se tratou de uma actuação pontual, quer idóneos a causar prejuízos à recorrente. Como se sintetizou em recente acórdão do STJ, também trazido à colação no parecer do Ministério Público[7], “IV – Viola os deveres de obediência e lealdade, previstos respectivamente nas alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho de 2009, o trabalhador, operador de posto de abastecimento, que, por diversas vezes, à revelia de ordens e instruções do empregador, registou, no âmbito das suas funções, aquisições de combustível por clientes, mas utilizando o seu cartão EMP01..., S.A, nele registando o benefício da aquisição, que poderia utilizar em compras nos hipermercados EMP01..., S.A ou em aquisições de combustível nos postos da Ré, a fim de obter benefício indevido. V – Tal conduta afecta intoleravelmente a confiança que o empregador nele depositava tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho, integrando justa causa de despedimento.” Trata-se de um entendimento de há muito sedimentado na jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal: “Os deveres de lealdade, boa-fé e procedimento honesto têm um alcance axiológico-normativo que impõem ao trabalhador, nas relações com o empregador, uma atitude franca e proba: a exigir-lhe, em formulação positiva, a assunção dos cuidados que obviem à ameaça de um qualquer prejuízo; a vedar-lhe, em formulação negativa, a prática de comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa”[8] Não pode perder-se de vista[9] que a recorrida exercia funções de caixa, e sabia perfeitamente, pois conhecia as regras, que estava a agir incorrectamente, tendo persistido nessa conduta por diversas vezes. Entendemos, assim, que não pode exigir-se à recorrente a manutenção da relação laboral. A essa conclusão não pode obstar, por manifestamente não ser idóneo para tanto, o facto de a recorrida nunca antes ter sido punido disciplinarmente e ter até um bom passado profissional; os factos atingem um grau de gravidade tal, que o bom passado em termos disciplinares/profissionais muito pouca relevância acaba por poder assumir, pois em nada reduz a obrigação de a recorrida se pautar pela lisura de comportamentos na sua relação profissional com a recorrente. Nem, ante o que ficou dito, pode aceitar-se que a sanção do despedimento não é adequada, ou não é proporcionada, à gravidade da conduta e grau de violação dos deveres laborais. Em conclusão, entendemos que o despedimento não é ilícito. Face à solução que a que acabamos de chegar para a questão enunciada em terceiro lugar, ficam prejudicadas as duas restantes, isto é, se são devidos os «vencimentos de tramitação» e se é devida indemnização à autora por danos não patrimoniais. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, julgar o despedimento lícito e absolver a recorrente dos pedidos contra ela formulados pela recorrida. Custas da apelação a cargo da recorrida. Notifique. Guimarães, 09 de Novembro de 2023 Francisco Sousa Pereira (relator) Vera Maria Sottomayor Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso [1] Sobre o entendimento, que se crê pacífico, de que são de aplicar nesta sede as regras de interpretação previstas no CC, designadamente no art. 236.º, pode ver-se por ex. o Ac. desta Relação de 16-01-2020, Proc. 5533/18.0T8GMR.G1, Margarida Almeida Fernandes, www.dgsi.pt [2] Cf. sobre o tema, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, pág. 48. [3] Proc. 6637/13.0TBMAI-A.P1, José Manuel de Araújo Barros, www.dgsi [4] Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 275. [5] Crimes Contra o Património, RMP, Cadernos, pág. 109. [6] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 4.ª Ed. Actualizada, Universidade Católica Editora, anotação 21 ao art. 217.º, pág. 921. [7] Ac. de 30-03-2022, Proc. 764/20.5T8VNG.P1.S1, Leonor Cruz Rodrigues, www.dgsi.pt [8] Ac. do STJ, de 02.12.2013, Proc. 265/06.4TTVNG.L1.S1, Melo Lima, www.dgsi.pt e, em idêntico sentido, Ac. do STJ de 14/04/1999, Acs Dout. do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXVIII, N.º 456, pág. 1653. [9] Ao contrário do que se passava no Ac., de que também fomos relator, de 11 de Maio de 2023, Proc. N.º 603/22.2T8BGC.G1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||