Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2036/22.1T8GMR-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: CLÁUSULA PENAL
INDEMNIZAÇÃO
REDUÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – O montante da indemnização prevista numa cláusula penal, deve ser aquele que as partes tiverem previamente acordado, exatamente para que não se vejam confrontadas com as dificuldades de prova e para prevenir e evitar as dificuldades do cálculo da indemnização e a intervenção do tribunal para esse efeito, não se justificando a sua redução até ao valor do dano efetivamente sofrido.
2 - A intervenção do tribunal, no que diz respeito à redução de uma cláusula penal, deve sempre ser cuidadosa, não devendo neutralizar os objetivos que presidiram à fixação da mesma.
3 – A verificar-se, a redução da cláusula penal deve sempre operar com recurso à equidade, através de uma valoração global de todos os elementos em presença.
4 - A afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objetiva, e por vezes serena, da respetiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“S..., Lda.” e AA vieram deduzir oposição à execução que lhes move BB, visando a extinção da instância executiva.
Excecionaram a ilegitimidade ativa da exequente por estar desacompanhada dos restantes habilitados como autores nos autos declarativos. No mais, alegaram que as obras a que ficaram obrigados por transação judicial, foram efetuadas ou dentro do prazo, ou fora do prazo por causa única e exclusivamente imputável à exequente, tendo ficado por concluir uma pequena parte em virtude de a exequente não mais ter permitido a entrada dos colaboradores dos executados para concluírem o trabalho em falta. Invocam o abuso de direito da exequente e a sua má-fé, ao exigir o pagamento da cláusula penal que, em todo o caso, sempre teria que ser reduzida equitativamente. Mais alegam que a exequente e seu filho nunca saíram de casa, pelo que não há lugar às despesas de realojamento, bem como não é devido qualquer valor a título de danos não patrimoniais. Finalmente, pedem a condenação da exequente como litigante de má-fé.
A exequente contestou reiterando o constante do requerimento executivo. Requereu a intervenção como exequentes dos restantes herdeiros habilitados.
Admitiu-se, em sede de execução, a intervenção dos demais herdeiros habilitados.
Proferiu-se despacho saneador, julgando-se prejudicada a exceção de ilegitimidade.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Pelo exposto, decide-se:
1) Julgar parcialmente procedentes os embargos, determinando-se:
a) a extinção da execução relativamente aos trabalhos enunciados no ponto 3) dos factos não provados, ao valor de €: 1500 de cláusula penal, ao valor de €: 1500 relativo a realojamento e ao valor de €: 5000 de danos não patrimoniais.
b) o prosseguimento da execução relativamente aos trabalhos enunciados na alínea h) dos factos provados e ao valor de €: 3500 (três mil e quinhentos euros) a título de cláusula penal, acrescido, este último, de juros à taxa legal prevista para as dívidas civis, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento;
2) julgar improcedente o pedido de condenação da embargada/exequente como litigante de má fé.
Custas por embargantes e embargada, na proporção de 50%/50% – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil – sem prejuízo do apoio judiciário concedido”

A embargante “S..., Lda.” interpôs recurso da sentença, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1 - A decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e constante na fundamentação de facto da sentença recorrida, enferma de incorreta interpretação e apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, razão pela qual vem a mesma impugnada, visando-se a respetiva alteração, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do C.P.C.
2 - Tendo por referência o estatuído artº 607º, nº 4 do C.P.C., a sentença dos autos padece de erros crassos de análise das provas, não faz a correta compatibilização da prova produzida em julgamento e, por esse motivo acaba por decidir mal a matéria de facto, e consequentemente, também erra na aplicação do direito aos factos.
3 - Se tivesse sido feita, como deveria ter sido, uma efetiva análise crítica dos depoimentos prestados, nomeadamente da testemunha cujo depoimento parcial se transcreveu, seguida da necessária concatenação dos mesmos com os demais elementos de prova produzidos, não poderia, em circunstância alguma, ter-se dado como provados os pontos de facto constantes da al. h) e aqui postos em crise.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz deverá tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão, fazendo o exame crítico das provas (artº 607º do C.P.C.), deve avaliar os meios de prova atendíveis, lançando mão, se for o caso, das regras da experiência e da normalidade da vida, o que no caso dos autos não aconteceu pelo que, não tendo o tribunal a quo tomado em devida consideração todos os factos e documentos carreados para o processo e provados, nem efetuado o exame crítico que se impunha das provas, determinou que a sentença recorrida padeça de incorreta interpretação e apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, incorrendo, por isso, na violação dos normativos previstos nos artºs 607º, nºs 4 e 5 do C.P.C.
5 - Tendo em conta tudo o acima expendido, entende a Recorrente, que o Tribunal a quo incorreu em manifesto e clamoroso erro de julgamento e violou, clara e concretamente, o princípio da apreciação da prova e o disposto no artº 607º, nº 4 do CPC., pelo que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada e posta em crise, dando-a como não provada e, por outro lado, o facto dado como não provado e posto em crise, ser considerado provado.
6 – A pretensão da exequente de acionar a cláusula penal pelo seu valor total excede objetivamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico do acordado já que foi exercida de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mostrando-se inadmissível por exceder objetivamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico que presidiu à sua aceitação;
7 - A decisão proferida que reconhece à exequente o direito de ser indemnizada na quantia de € 3.500,00 a título de cláusula penal excede ela própria, objetivamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico do acordado já que foi exercida de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mostrando-se inadmissível por exceder objetivamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico que presidiu à sua aceitação;
8 – Viola pois a decisão dos autos o estatuído no artº 334º do C.C., ao não considerar que, em concreto, é ilegítimo o exercício do direito da exequente de acionar a cláusula penal, porquanto aquela excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito;
9 - Não obstante ter sido, na decisão em crise, reduzida parcialmente a cláusula penal prevista, certo é que aquela decisão não considerou todos os elementos constantes dos autos, nomeadamente, não considerou os pontos de facto dados como provados e identificados na sentença pelas alíneas k), l), n), p), q), r), t) e w, já que, se tais pontos de facto houvessem sido levados em consideração, haveria que ter sido reduzida muito mais do que foi, não só ao abrigo do nº 2 mas também ao abrigo do nº 1 do artº 812º do CC, já que, conforme resulta da matéria provada e não provada, as obras a realizar no exterior da habitação e uma parte significativa das obras a realizar no interior da habitação, concretamente as referentes a reparações de fissuras e pinturas, foram executadas dentro do prazo acordado, concretamente durante o mês de Dezembro de 2020, sendo ainda certo que parte das demais obras foram executadas fora desses prazos mas em termos diversos acordados entre as partes, conforme resulta do doc, nº 30; Foram assim violadas as disposições constantes dos nºs 1 e 2 do artº 812º do C.C.
10 - Considerando tudo o carreado para os autos, entende a recorrente que não deverá haver lugar à aplicação da cláusula penal, nos termos pretendidos pelo exequente, por ser ilegítima e, mesmo que assim se não considere, por ser manifestamente excessiva, ou seja, manifestamente exagerada e desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação, deverá a mesma, pelo menos, ser equitativamente reduzida, muito para além do que foi efetuado na decisão dos autos e ora em crise;
11 - Na decisão em crise, considerou-se ainda, erradamente, não ter a exequente atuado de má fé, já que, resulta claro que a exequente invocou factos que, bem sabia, não correspondiam minimamente à verdade, omitindo ainda, intencionalmente, por saber que eram desfavoráveis à sua, ilícita, pretensão, factos e documentos que bem sabia deveria ter trazido para os autos, pretendendo, dessa forma enganar o tribunal e obter vantagem que sabe ser ilegítima; Mais ainda, deduziu a exequente nos autos pretensões cuja falta de fundamento não ignora nem poderia nunca ignorar, omitindo factos e ocultando documentos relevantes para a decisão da causa incorrendo dessa forma em responsabilidade por má-fé, nos termos previstos no artº 542º, nº 2, al.s a), b) e d) do C.P.C., pelo que, deveria ter sido condenada a indemnizar os executados, nos termos previstos no artº 543º do C.P.C., pelo que se impõe, também nesta parte a reforma da sentença.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, e em consequência alterar-se a matéria de facto e de direito nos termos e pelos fundamentos supra expendidos, revogando-se a douta decisão em crise, e substituindo-a por outra que julgue a ação procedente, com as legais consequências.
Fazendo-se, desta forma, a costumada JUSTIÇA.

A exequente/embargada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, avaliação da cláusula penal e sua redução e eventual litigância de má-fé por parte da exequente.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:

A) Factos provados:

Do requerimento executivo:

a) Foi dado à execução a sentença homologatória de transação, datada de 01.06.2020, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 4990/18...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ... - Juiz ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b) Os Executados obrigaram-se, na transação referida em a) a sanar os danos assinalados nos pontos 83 a 93 inclusive da petição inicial de acordo com as regras técnicas e boa arte da construção civil, comprometendo-se a:
“a) Relativamente ao exterior a reparar as fissuras: i). nessa reparação devem efetuar o corte no revestimento; ii). aprofundar a fissura em cunha; iii). selar a cunha e nivelar as paredes com a aplicação de pasta flexível, reforçada com fibra de vidro, tipo “aquaplás fibra”, com uma aplicação de 1 (uma) demão de primeira; iv). pintura de todas as paredes exteriores fissuras com aplicação de 3 (três) demãos de tinta tipo “super rep” na cor original; v). deverá, ainda, relativamente ao muro de vedação que abateu, ser removida a rede pré-existente para posterior reaplicação, após reconstrução/reparação desse muro que deverá ter revestimento com características semelhantes ao original; b) Quanto ao interior: i). proceder à reparação das fissuras generalizadas em paredes e tetos em todos os compartimentos, devendo para tal realizar emassamento geral, com massa de reparação, tipo “aquaplás” da ...; ii). aplicação de "véu de noiva" – tecido em fibra de vidro – como precaução para o aparecimento de novas fissuras; iii). barramento geral com massa de nivelamento tipo “aquaplás standard” pintura das paredes e tetos interiores com aplicação de 1 (uma) demão de primário e 3 (três) demãos de tinta aquosa tipo “rep – ...” na cor a escolher pelos Autores, por forma a aproximar-se o máximo do original; iv). proceder ao levantamento e substituição das peças cerâmicas quebradas que compõem o revestimento das instalações sanitárias (chão e tetos) e cozinha; v). se não for possível aos Autores fornecer restos de peças de cerâmica idênticas (restos do mesmo lote), os Réus obrigam-se a substituir todas as peças cerâmicas por outras de qualidade e características semelhantes.“
c) Da petição inicial da ação comum referida em a) consta que:
“83. Na fachada exterior existem fissuras graves em vários pontos no reboco areado que revestem os paramentos exteriores. (cfr. docs. ...1, ...2 e ...3)
84. O muro de suporte/vedação abateu. (cfr. docs. ...4 e ...5)
85. Peças cerâmicas de revestimento exterior fissuradas. (cfr. docs. ...6 e ...7)
86. No hall de entrada da habitação existem fissuras acentuadas e generalizadas nas paredes e teto. (cfr. docs. ...8, ...9 e ...0)
87. No quarto principal da habitação existem fissuras acentuadas e generalizadas nas paredes e teto. (cfr. docs. ...1 e ...2)
88. Na casa de banho do quarto principal, as peças cerâmicas que compõem o revestimento das paredes estão quebradas. (cfr. doc. ...3)
89. No quarto do lado nascente da habitação existem fissuras acentuadas e generalizadas nas paredes e teto. (cfr. doc. ...4)
90. No quarto do lado sul da habitação existem fissuras acentuadas e generalizadas nas paredes e teto. (cfr. doc. ...5)”
d) Da transação, constava, ainda, que os Réus, aqui Executados, se obrigavam a iniciar os trabalhos a seu cargo no prazo de 120 dias, contados da data da homologação da transação e a concluir a obra no prazo de 60 dias, após o seu início.
e) Os Executados iniciaram os trabalhos na semana de 09 a 12 de outubro de 2020 não tendo concluído os trabalhos.
f) A exequente remeteu cartas registadas com aviso de receção, para ambos os executados, datadas de 27.01.2021, de 01.06.2021 e de 23.06.2021, nos termos constantes dos documentos juntos ao requerimento executivo com os números 1 a 5 e que se dão por integralmente reproduzidos.
g) Consta da transação dada à execução que o não cumprimento das obrigações correspondentes às prestações de facto, constituía os Réus, aqui Executados, na obrigação, solidária, do pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de cláusula penal, à Autora, aqui Exequente, permitindo que esta optasse pela realização das obras por pessoa da sua confiança, assumindo os Réus, aqui Executados, os respetivos custos, bem como ao pagamento da quantia mensal de €500,00 (quinhentos euros) enquanto durarem as obras no interior, “quantia essa que se destina a compensar os Autores e Intervenientes das despesas com realojamento”.
h) Em 11/4/2022 encontravam-se por realizar os seguintes trabalhos a que os executados se obrigaram na transação referida em a):
- Cozinha: colocar novo azulejo igual ao já colocado nas restantes paredes; pintar o teto;
- Casa de Banho Serviço: pintar o teto;
- Exterior: retificar fissura teto da varanda frontal.
i) O prédio em apreço é onde a Executada habita e é o seu espaço diário de convívio familiar.

Da petição de Embargos:

j) As obras iniciaram-se com a reparação de fissuras e pintura do exterior.
k) Os pintores levaram a cabo trabalhos no exterior não previstos, o que, só por si, determinou que tais trabalhos tivessem uma duração superior à inicialmente prevista;
l) O que sucedeu igualmente quanto ao interior, tendo o imóvel sido, completamente reparado e pintado, no que a paredes e tetos de gesso concerne e abrangendo incluindo paredes e tetos que não apresentavam os danos identificados na ação declarativa;
m) As reparações relativas às paredes revestidas com cerâmica nas casas de banho e na cozinha, e ao muro não foram concluídas até finais de dezembro de 2020;
n) Dadas as dificuldades na obtenção de peças cerâmicas iguais às existentes, estiveram as partes, durante vários meses em negociações, o que culminou com um acordo de alteração do acordo dado à execução;
o) A exequente omitiu, no requerimento executivo, o acordo celebrado em 9/3/2021 e junto à petição inicial de embargos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
p) Através do mencionado acordo, chegaram as partes a consenso no sentido de ao invés de substituir a rede no muro do logradouro descrito no artº 84º da P.I., os executados acrescentarem duas fiadas de tijolo e respetivo acabamento ao dito muro;
q) Como compensação por tal trabalho acrescido, a exequente abdicava da extração dos cerâmicos das casas de banho, aceitando a colocação de novos por cima dos existentes;
r) No que concerne à cozinha, e também a título de compensação por aquele trabalho acrescido, aceitou colocar azulejo novo apenas numa das paredes da cozinha, retirando os aí existentes e aproveitando-os para substituir os que estavam danificados nas restantes paredes;
s) O responsável pela aplicação de tais materiais esteve impedido de trabalhar durante período não determinado por ter contraído o vírus Sars Cov 2;
t) A dada altura, e tendo já sido colocados os novos cerâmicos na parede da cozinha que permitiu extrair cerca de 20 azulejos que seriam reutilizados para substituir azulejos danificados, a exequente exigiu aos executados que, para além dos 19 azulejos já substituídos, substituísse outros;
u) Exigência que os executados não aceitaram;
v) Em momento algum a exequente, ou algum membro do agregado familiar teve necessidade de se ausentar do domicílio em virtude das obras efetuadas;
w) Durante todo o período em que decorreram as obras a exequente e o seu filho, sempre fruíram da habitação dos autos e com a sua presença só contribuíram para que as obras demorassem mais do que o necessário.
x) Após junho de 2021 a exequente informou o trabalhador da executada sociedade que não valia a pena entrar porquanto já tinha decidido recorrer ao tribunal com vista a responsabilizar os executados pelo não cumprimento do acordo.
 
B) Factos não provados:

Do requerimento executivo:

1) Os executados deixaram de comparecer para concluir a obra em dezembro de 2020;
2) Os Executados estiveram na casa da Exequente só nos meses de outubro a dezembro de 2020;
3) Em 11/4/2022 encontravam-se por realizar os seguintes trabalhos a que os executados se obrigaram na transação referida em a):
- Cozinha: colocar radiador; colocar rodapé de granito do balcão; e retificar a borda decorativa do teto;
- Casa de Banho Serviço: rematar a porta com os aros/rodapés de madeiras;
- Exterior: reparar cor tinta parede traseira.
4) A falta de conclusão das obras tem provocado na Exequente sentimentos de injustiça, de ansiedade, de pânico, e de grande incerteza;
5) O terreno onde a Exequente construiu a sua habitação, com um grande sacrifício, com o produto do seu trabalho, foi-lhe doado pelos seus pais, o que significa que a casa para a Exequente é muito mais do que um simples prédio urbano: é a concretização de um sonho, resultado do esforço de uma vida, pelo que sempre zelou e cuidou muito bem do imóvel, fazendo-lhe pequenas obras de modernização e de conservação sempre que eram necessárias que tinha possibilidades financeiras;
6) Está a exequente sofrer com o estado de degradação a que o imóvel chegou.

Da petição de Embargos:

7) Ficou apenas a faltar a substituição dos cerâmicos;
8) Logo que começaram as obras no exterior a exequente solicitou e acordado com os pintores encarregados de executar tais trabalhos, que a execução dos trabalhos não só não seria efetuada segundo os parâmetros descritos na ata de transação efetuada, como ainda, estes se comprometiam, em compensação, a efetuar trabalhos não previstos na transação efetuada, nomeadamente a pintura de fachadas que não apresentavam fissuras e os caleiros e tubos de queda;
9) Uma vez exarado o acordo em março de 2021, que a exequente intencionalmente omitiu do requerimento executivo, ficou a Exequente incumbida de escolher os materiais cerâmicos que pretendia fossem colocados nas casas de banho e na parede da cozinha onde deveriam ser retirados os 19 azulejos necessários à substituição dos danificados que eram o objeto da transação efetuada e constavam do relatório de peritagem efetuado nos autos principais;
10) Para escolher os materiais a aplicar nos wc`s e cozinha, demorou a exequente mais de um mês;
11) Só durante o mês de abril de 2021 foi possível reatar os trabalhos e proceder à colocação dos cerâmicos;
12) A exequente recusou-se a abandonar o imóvel;
13) De forma sistemática, impunha condições e dava instruções aos trabalhadores, dessa forma condicionando o seu trabalho, ao ponto de alguns deles terem, em jeito de desabafo, referido aos RR que se os obrigassem a ir para lá se despediam;
14) A intenção da exequente era obstaculizar o cumprimento das obrigações por parte dos ora executados visando obter a cláusula penal e o mais peticionado;
15) Perante a recusa dos executados em substituírem mais de 20 azulejos da cozinha, a mesma não mais permitiu a entrada dos seus colaboradores para concluírem o trabalho em falta que, na realidade, se resume à colocação de um azulejo e à recolocação do radiador;
16) A exequente colocou sistematicamente entraves às obras nomeadamente impondo condições para a execução dos trabalhos (que teriam que ser realizados sempre na sua presença e sem que fosse realojada);
17) Os trabalhos de reparação a que se obrigaram os executados, acabaram por ser terminados alguns dias após o prazo acordado;
18) A casa de habitação da exequente tem mais de 20 anos e nunca tinha merecido obras de conservação.

Da contestação:

19) A pintura de caleiros e tubos de queda, foram pagos à parte pela Embargada;
20) A exequente solicitou aos Embargantes, como eram construtores de imóveis, se arranjavam uma habitação para a qual a Embargada, juntamente com a sua família, se pudesse mudar, enquanto durassem as obras, tendo recebido como resposta “Isso está fora de questão”;
21) Como bem sabem os Embargantes, não tinha a Embargada como arranjar um espaço até €500,00 (quinhentos euros) para ficar, sem saber ao certo por quantos meses, e ainda quando teria que se mudar.

A apelante impugna a decisão de facto.
Apesar de se referir genericamente às alíneas h) dos factos provados e ao número um dos factos não provados, a verdade é que apenas apresenta os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da proferida, relativamente a parte da alínea h) dos factos provados, pelo que, em obediência ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do CPC, apenas essa parte poderá ser analisada, sendo de rejeitar eventual impugnação de outros pontos que, certamente, se terá ficado a dever a lapso, uma vez que nada se diz quanto aos mesmos.
Assim, considerando apenas a alínea h) dos factos provados, no que se reporta à cozinha (pois nada é referido relativamente à casa de banho e ao exterior), entende a apelante que deve ser considerado não provado que não foram realizados os trabalhos de colocação de novo azulejo igual ao já colocado nas restantes paredes e pintado o teto. Para o efeito, sustenta-se no depoimento da testemunha CC, que tratou da substituição dos azulejos e no relatório pericial elaborado na ação declarativa, que terá estado na base da transação aí celebrada e do acordo posterior.

Vejamos.

Quanto ao teto da cozinha, a apelante não tem razão, uma vez que do texto da transação resulta, sem qualquer dúvida, que todos os tetos interiores teriam que ser pintados:

“b) Quanto ao interior: i). proceder à reparação das fissuras generalizadas em paredes e tectos em todos os compartimentos, devendo para tal realizar emassamento geral, com massa de reparação, tipo “aquaplás” da ...; ii). aplicação de "véu de noiva" – tecido em fibra de vidro – como precaução para o aparecimento de novas fissuras; iii). barramento geral com massa de nivelamento tipo “aquaplás standard” e pintura das paredes e tectos interiores com aplicação de 1 (uma) demão de primário e 3 (três) demãos de tinta aquosa tipo “rep – ...” na cor a escolher pelos Autores, por forma a aproximar-se o máximo do original; (…)”
Ora, é o texto da transação que tem que nos guiar quanto aos trabalhos que os réus, aqui executados, se obrigaram a efetuar, sendo o relatório pericial apenas um elemento que as partes tiveram em conta para a elaboração daquela transação.
Assim, não há dúvida que os executados se obrigaram a pintar o teto da cozinha e não o fizeram, conforme referiu a testemunha CC (adiantando como justificação que só deveria ser pintado no fim, depois da substituição dos azulejos, por causa do lixo que iam fazer e que, depois, acabou por não ser pintado), pelo que nada há a alterar quanto a isso.
A questão dos azulejos já é diferente.

O texto da transação, nesta parte, é o seguinte:

“iv). proceder ao levantamento e substituição das peças cerâmicas quebradas que compõem o revestimento das instalações sanitárias (chão e tectos) e cozinha; v). se não for possível aos Autores fornecer restos de peças de cerâmica idênticas (restos do mesmo lote), os Réus obrigam-se a substituir todas as peças cerâmicas por outras de qualidade e características semelhantes”
No relatório pericial levado a cabo nos autos, os peritos concluíram que, na cozinha, foram verificados 19 azulejos partidos e que a substituição dessas peças originará diferenças relativamente às peças existentes ficando a parede com “remendos” se não for substituído a totalidade do revestimento.
Ora, porque, no decorrer da obra, se vieram a revelar dificuldades com o dito revestimento, as partes, em 9 de março de 2021, subscreveram uma alteração ao acordo judicial, mediante a qual, a título de compensação por obras efetuadas que não constavam da transação, a exequente aceitou colocar azulejo novo apenas numa das paredes da cozinha, retirando daí os existentes e aproveitando-os para substituir os que se encontram danificados nas restantes paredes da cozinha. Ressalvaram, contudo, que, caso os azulejos retirados não permitam a substituição de todos os danificados, deve ser colocado novo azulejo em todas as paredes da cozinha.
É certo que, como se diz na motivação da decisão de facto, não se pode inferir do texto destes acordos que as partes estavam a pensar apenas nos 19 azulejos referidos no relatório pericial, pois, caso assim fosse, deveriam tê-lo dito expressamente e a verdade é que nunca os quantificaram.
Acresce que foi a própria testemunha que tratou dos azulejos – CC – que, apesar de dizer que substituiu 21 azulejos, acabou por aceitar que descobriram mais azulejos danificados atrás dos móveis e que já não tinha azulejos iguais para os substituir, concluindo que “fez-se o que era possível, o resto não se fez porque não havia”.
Ou seja, para cumprir o acordado, e uma vez que os azulejos retirados não permitiram a substituição de todos os danificados, terá de ser colocado novo azulejo em todas as paredes da cozinha.
Não há dúvida que o teto da cozinha não foi pintado e não foi colocado novo azulejo em todas as paredes da cozinha, pelo que nunca este facto poderia transitar para os factos não provados, apenas poderia concluir-se que os executados não estavam obrigados a realizar esses trabalhos. Já vimos que não foi assim, pelo que não pode ser alterada a alínea h) dos factos provados, tal como pretende a apelante, improcedendo, assim, a pretendida alteração da decisão de facto.

Avancemos, então, para a análise da questão relativa à cláusula penal.
Na transação que se executa ficou a constar que o não cumprimento das obrigações correspondentes às prestações de facto constituía os réus na obrigação solidária do pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de cláusula penal, à autora, permitindo que esta optasse pela realização das obras por pessoa da sua confiança, assumindo os réus os respetivos custos.
O nº 1 do arigo. 810º do Código Civil estabelece que «As partes podem (…) fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal».
Conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 12/09/2013, processo n.º 1942/07.8TBBNV.L1.S1 (Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt : “A função da cláusula penal é a fixação, por acordo das partes, da indemnização exigível ao devedor que não cumpre a sua prestação – art. 810.º do CC –, dispensando o autor de demonstrar quer a efetiva verificação de danos e prejuízos, quer os respetivos montantes”.
Entende a apelante que, a ter havido incumprimento, o mesmo foi residual e não justifica o montante elevado da indemnização fixado, sendo a decisão proferida desprovida de razoabilidade, equidade, desproporcionada e profundamente injusta. Acrescenta que, a pretensão da exequente de fazer valer a cláusula penal, nos termos em que o faz, representa um claro abuso de direito, face ao valor do prejuízo efetivo, considerando a diminuta inexecução contratual, o diminuto grau de culpa do devedor e a contribuição decisiva do credor para o alegado incumprimento.
Quanto à redução da cláusula penal, estabelece o artigo 812º do Código Civil que: «1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário. 2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida».
Não esqueçamos, contudo, que a intervenção do tribunal, a este título, deve sempre ser cuidadosa, não devendo neutralizar os objetivos que presidiram à fixação da cláusula penal.
“O controlo judicial da cláusula penal deve limitar-se aos casos de manifesto abuso, não para limitar de forma injustificada a liberdade contratual e os legítimos interesses do credor. Apenas deve ocorrer quando a cláusula penal for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.
Não basta que a cláusula seja excessiva, que ultrapasse o montante dos danos, até porque também lhe anda associada uma função compulsória, deve tratar-se de montante excessivamente desproporcional em relação ao dano e aos objetivos tidos em vista com a cláusula. Pode mesmo não ocorrer dano, esse simples facto não justifica a redução” – Acórdão da Relação de Guimarães de 04/10/2017, processo n.º 992/13.0TTBRG-A.G1 (Antero Veiga), in www.dgsi.pt.
A questão do montante dos danos não é, assim, conclusiva quanto à fixação do valor da cláusula penal, pois, como já vimos, o valor da cláusula penal não tem que limitar-se ao montante específico dos danos, sendo a intervenção do tribunal, na sua redução, limitada aos casos de manifesto abuso.
O montante da indemnização deve ser aquele que as partes tiverem previamente acordado, exatamente para que não se vejam confrontadas com as dificuldades de prova e para prevenir e evitar as dificuldades do cálculo da indemnização e a intervenção do tribunal para esse efeito, sendo que tal montante predeterminado entre as partes, obsta a que o devedor venha a pretender a sua redução até ao montante do dano efetivo.
A redução da cláusula penal há-de acontecer, como já vimos, em casos excecionais, a fim de evitar abusos evidentes, de modo a salvaguardar a autonomia privada e sempre com recurso à equidade, através de uma valoração global de todos os elementos em presença – veja-se, a este propósito, o Acórdão do STJ de 03/11/2015, processo n.º 266/14.9TBPRD-A.P1.S1 (Júlio Gomes), in www.dgsi.pt.
E, exatamente, através do recurso à equidade, considerou-se, na decisão recorrida, que a quantidade de obras realizadas, em contraposição para as não concluídas que, vista a globalidade do que foi feita, não se mostram relevantes e, por outro lado, a falta de diligência dos embargantes que protelaram muito no tempo a realização dos trabalhos, com os manifestos inconvenientes e desgaste para a exequente e sua família, que tiveram que conviver durante longos meses com obras dentro da habitação, impunham como adequada e equilibrada, a título de cláusula penal, a quantia de € 3.500,00.
Acresce que a exequente teve que socorrer-se da demanda judicial dos executados para obter a finalização das obras, execução que, em parte, é procedente, pelo que não pode concluir-se que atuou de forma manifestamente excessiva, reclamando direitos a que sabia não ter direito. Não pode dizer-se que tenha atuado em abuso de direito, apesar de ter omitido ao tribunal o acordo posteriormente celebrado com os executados para alteração parcial da transação celebrada na ação declarativa, até porque tal omissão não se revelou de particular importância, uma vez que ficou acautelado no acordo posterior a possibilidade de ter de se colocar novo azulejo em todas as paredes da cozinha, caso não fosse possível a substituição de todos os azulejos danificados e esse era exatamente o acordo celebrado na transação primitiva e que acabou por se concretizar, conforme resulta dos factos provados.
Não vemos, assim, razão para discordar do valor encontrado, considerando os argumentos aduzidos e a elaboração conceptual em torno da figura da cláusula penal.

E também não vemos razão para condenar a exequente como litigante de má-fé, considerando não só que a exequente acaba por ter parcial ganho de causa, pois a execução irá prosseguir, ainda que parcialmente, como também que não se provaram atitudes por parte da exequente que tendessem a obstaculizar o prosseguimento dos trabalhos e, quanto à omissão relativa ao acordo celebrado com os executados, posteriormente à transação, verifica-se, conforme já supra referimos, que as pretensões da exequente não colidem com tal acordo, pois no mesmo acabou por ficar consignado, para o caso de não ser possível a substituição dos azulejos primitivos, a colocação de novo azulejo em todas as paredes da cozinha, situação que já estava acautelada na transação primitiva e que a exequente acaba por peticionar na execução.
Pelo que consideramos correta a conclusão extraída na sentença recorrida: “Se concordamos que a exequente não teve a melhor prática processual, entendemos igualmente que não assumiu a gravidade que se exige para fundamentar uma condenação como litigante de má-fé, já que, de resto, não teve consequências para os executados/embargantes”.
Como temos repetidamente sustentado em Acórdãos já proferidos (por todos, o mais recente, proferido no processo n.º 2589/22....), a condenação como litigante de má fé há-de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente (situações resultantes da inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, aconselhadas pelas mais elementares regras do proceder corrente e normal da vida), pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que fez do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável.
A afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objetiva, e por vezes serena, da respetiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má fé - cfr., entre outros, os Ac. do STJ de 14/03/2002 e 15/10/2002, in www.dgsi.pt.

Improcede, assim, na sua totalidade, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 10 de julho de 2023

Ana Cristina Duarte
Eva Almeida
Raquel Tavares