Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6563/21.0T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: FACTOS ESSENCIAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A alegação conclusiva de facto essencial deve suscitar um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos do dever de gestão processual que se impõe ao Juiz, definido no art.º 590.º do C. P. Civil.
2 – Não tendo existido tal convite, não existe alegação de facto que o Tribunal possa considerar provada ou não provada.
3 – Tal não pode implicar, contudo, a improcedência da ação e, quando assim tenha sido decidido, impõe-se anular a decisão proferida para que seja efetuado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, circunscrevendo-se tal anulação à questão relativa à matéria de facto não alegada e à sua posterior subjunção jurídica.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Maria da Conceição Barbosa de Carvalho Sampaio
2º Adjunto: José Manuel Flores

Processo 6563/21.0T8GMR.G1
Juízo Local Cível ... – Juiz ... – Comarca ...               

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

EMP01... SA intentou contra AA ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do réu no pagamento à autora da quantia de 14.362,33 euros, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que descreve, se deu o embate entre o veículo de matrícula ..-QR-.. conduzido pelo réu e o veículo de matrícula ..-AB-.., propriedade de BB e conduzido por CC e onde seguia igualmente como passageira DD.
Existindo um contrato de seguro relativo àquele veículo QR imputa ao réu condutor deste a culpa pela verificação do acidente, porquanto conduzia sob a influência de uma TAS de 0,294 g/l, que lhe diminuía a atenção e capacidade de resposta quando confrontado com a presença do outro veículo.
Alega também que, por força desse embate, o AB sofreu danos na parte frontal e lateral esquerda, a passageira transportada no AB sofreu ferimentos ligeiros e a EMP02..., concessionária da autoestrada onde o mesmo ocorreu, danos de natureza patrimonial consistentes em dezasseis guardas metálicas, dezanove prumos, dezanove prumos e um delineador.
Alega ainda que a reparação dos danos do AB ascendia a 16.449,05 euros, quando o valor venal da viatura era de 7.500,00 euros e o do salvados de 1.811,00 euros, tendo por isso proposto à proprietária o pagamento da quantia de 5.689,00 euros, o que esta aceitou, concretizando-se esse pagamento no dia 02/11/2018.
Já a reparação dos danos sofridos pela EMP02..., alega, ascendeu a 4.044,30 euros, que foram pagos no dia 19/12/2018.
Por força dos ferimentos sofridos pela passageira do AB, alega ainda ter pago ao Centro Hospitalar..., pela assistência que lhe prestou no dia do sinistro, a quantia de 117,25 euros e a quantia de 1.811,77 euros à sinistrada para ressarcimento das despesas de transporte, hospitalares, médicas e medicamentosas por ela suportadas para tratamento das lesões sofridas com o embate e ainda 1.500,00 euros, igualmente à sinistrada, a título de indemnização final por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais ainda não ressarcidos.

Alegou ainda a autora:
“15º.
Destarte, o Réu foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo-se apurado que conduzia o veículo seguro com uma taxa alcoolémia de 0,294 g/l – cfr. Documento n.º .....
16º.
Conforme se pode ler no Auto de Notícia elaborado pela GNR, o Réu “[…] (em regime probatório (3), após ter sido submetido ao teste de álcool ao ar expirado (em aparelho qualitativo), acusou uma T.A.S superior ao permitido por lei, pelo que foi submetido a novo teste ao ar expirado (em aparelho quantitativo, Drager Alcotest 7110MKIIIP ARAA-0009), tendo acusado uma T.A.S 0,294 G/L” – negrito e sublinhado nosso | cfr. Documento n.º ....
(3) De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código da Estrada, “[a]De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código da Estrada, “[a] carta de condução emitida a favor de quem ainda não e encontrava legalmente habilitado a conduzir qualquer categoria de veículos fica sujeita a regime probatório durante os três primeiros anos da sua validade” – negrito e sublinhado nosso.
Destarte, o regime probatório da carta de condução não é mais do que o período de três anos, durante o qual alguém que tenha acabado de tirar a carta de condução tem licença para conduzir, pese embora a mesma não seja ainda definitiva.
17º.
Ora, a verificação do sinistro em apreço resultou, exclusivamente da atuação culposa do Réu, o qual, aliás foi já notificado do auto de contra-ordenação que contra si foi instaurado sob o processo número ...64, por violação das disposições legais previstas no n.º 1 e 3 do artigo 81.º do Código da Estrada – cfr. Documento n.º ....
(...)
24º. O artigo 81.º do CE estabelece que “[é] proibido conduzir sob a influência de álcool […]”, sinalizando o n.º 3 o mesmo preceito legal que [c]onsidera-se sob influência de álcool o condutor em regime probatório […] que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,2 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico – negrito e sublinhado nosso.
Isto posto,
25º.
Conforme emerge da factualidade atrás enunciada, resulta evidente, que a condução do Réu comprometeu seriamente a segurança dos utilizadores da via, conduzindo, ademais, sob o efeito de uma TAS de 0,294 g/l, que atendendo ao regime probatório de que padecia, era superior ao permitido por lei, o que lhe diminuiu a atenção e a capacidade de resposta, quando confrontado com a presença do veículo que lhe precedia.
(...)
63º.
Considerando a factualidade supra alegada, nomeadamente a relativa à dinâmica do acidente, dúvidas não subsistem que o acidente em apreço teve como causa única, exclusiva e adequada o comportamento do Réu, o qual não só não guardou para o veículo que o precedia a distância suficiente, como conduzia o veículo seguro com uma TAS de 0,294 g/l, em violação flagrante do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 81.º, n.ºs 1 e 3 do CE. – Cfr. Documento n.º ...
64º.
Pelo exposto, à luz do direito de regresso consagrado na alínea c), do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, deverá o Réu ser condenado a pagar à Autora a quantia global de 13.162,22€”.
**
Regularmente citado, contestou o réu, excecionando a prescrição do direito da autora e impugnando a dinâmica do sinistro, aduzindo que as condições de visibilidade da via onde o sinistro ocorreu, na hora em causa, não eram boas, sendo que ele, demandado, foi encandeado pelo sol, que lhe apareceu de frente, e o AB seguia ou a uma velocidade reduzida para a via por onde circulava ou reduziu de forma abrupta essa velocidade, o que não lhe permitiu evitar o embate.
Foi proferido despacho a que alude o art.º 590.º, nº2, alínea b), e nº4 do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil), convidando-se a autora a concretizar os danos e lesões enunciadas na petição inicial, o que esta fez nos termos do requerimento de 10/03/2022.
Foi realizada audiência prévia e, nesta, foi a autora novamente convidada a “descrever os concretos danos infligidos em cada uma das peças enumeradas no art.º 28.º da p.i., bem como os infligidos nas peças identificadas no art.º 42.º da p.i.”.  Tendo sido requerido prazo para o efeito, este não foi concedido e, assim, não houve resposta ao convite então efetuado.
Realizado o julgamento foi proferida sentença a julgar improcedente a exceção de prescrição e a ação, absolvendo-se o réu do pedido.
**
Inconformada com a decisão, veio a autora interpor recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

a) Contrariamente ao consignado pelo Tribunal a quo, a Recorrente não só alegou que o Recorrido deu causa ao acidente – por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, do CE –, como também que este se encontrava abrangido pelo regime probatório previsto no artigo 81.º, n.º 3, do CE, designadamente nos artigos 15.º a 17.º (inclusive) e 57.º a 64.º (inclusive) da petição inicial.
b) Alegando que conduzia com uma TAS de 0,294 g/l – Artigo 15.º da petição inicial –, que se encontrava em regime probatório, fazendo expressa referência, por transcrição, e não mera remissão, ao consignado no auto de notícia – Artigo 16.º da petição inicial – e que lhe foi lavrado auto de contra ordenação por violação do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 81.º do CE – Artigo 17.º da petição inicial.
c) Sendo que a sujeição do Recorrido ao regime probatório foi expressamente confirmada pelo depoimento da Testemunha EE, que atestou o levantamento de auto de contra ordenação 9.9(Cfr.[00:03:25]a[00:04:10]doficheiroáudio20221114152502_6003169_2870584.wma)
d) Ademais, a participação de acidente de viação, configurando um documento emitido por um órgão de polícia criminal, no âmbito das suas competências, consubstancia um documento autêntico, nos termos do artigo 371.º do CC, com força probatória plena.
e) Assim, dúvidas não restam de que a Recorrente cumpriu o ónus de alegação, quanto ao preenchimento dos requisitos da al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na qual sustenta o seu direito de regresso, o qual deverá ser reconhecido e, consequentemente, o Recorrido condenado no reembolso à Recorrente das despesas suportadas com a regularização do sinistro.
f) Devendo o facto b. integrante da factualidade dada como não provada passar a integrar a factualidade dada como provada.
g) De igual modo, a Recorrente cumpriu o ónus de alegação quanto aos danos no veículo AB e na autoestrada, decorrentes do sinistro, atento o exposto nos artigos 2.º a 5.º (inclusive) do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial.
h) Alegando, detalhadamente, quanto ao veículo AB, as peças que deveriam ser reparadas/substituídas – Artigo 2.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial – as peças que deveriam ser objeto de pintura – Artigo 3.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial – e a mão de obra que seria necessária – Artigo 4.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial.
i) Já quanto ao danos na autoestrada, mais uma vez, alegando detalhadamente as peças que deveriam ser substituídas e a mão de obra que seria necessária – Artigo 5.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial.
j) Ambas as alegações suportadas pelos documentos juntos na petição inicial sob os n.os 4 e 9, para os quais a Recorrente não efetua uma mera remissão, os quais, salvo melhor entendimento, não foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo.
k) Assim, deverá o Recorrido ser condenado no reembolso à Recorrente das despesas suportadas com a regularização do sinistro, incluindo-se o valor pago proprietária do veículo AB (€ 5.689,00) e à concessionária da autoestrada (€ 4.044,20), a par do pago a DD (Cfr. Factos l. a o. Integrantes da factualidade dada como provada).
l) Devendo o facto p. integrante da factualidade dada como provada assumir a redação “Em 06.09.2018 o AB foi avaliado e apresentava danos na frente, traseira direita e lateral esquerda, carecendo de reparação/substituição de peças, pintura de peças e ainda mão de obra, conforme alegado nos artigos 2.º a 4.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial, sendo a reparação foi orçamentada em € 16.449,01”.
m) Ser aditado à factualidade dada como provada um facto que assuma a redação “Do acidente em apreço resultaram igualmente danos na infraestrutura da via da Autoestrada (A...) concessionada pela EMP02..., conforme alegado no artigo 5.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial”.
n) E o facto c. integrante da factualidade dada como não provada passar a integrar a factualidade dada como provada”.
**
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
**
II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - Da impugnação da matéria de facto suscitada pela autora;
2 – Do ónus de alegação de factos essenciais, constitutivos do direito da autora.
*
III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:
a) Através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...78, válido e eficaz à data de 02.09.2018, foi transferida para a Companhia de Seguros EMP03... SA a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula ..-QR-..;
b) Em 30.12.2016 a Companhia de Seguros EMP03... SA incorporou, por fusão, a EMP04... SA, a EMP05... SA e a EMP06... – Companhia de Seguros SA., tendo adotado a firma EMP07... SA;
c) Em 01.10.2020 a EMP07... SA incorporou por fusão a EMP01... Vida – Companhia de Seguros e a EMP01... – Companhia de Seguros SA tendo adotado a firma EMP01... SA.
d) No dia 02.09.2018, pelas 09H05, ao km 47,600 da A... (União de Freguesias ... e ..., Concelho ...) ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo de matrícula ..-QR-.., propriedade de “EMP08..., Lda” e nesse momento conduzido pelo R., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., com matrícula ..-AB-.., propriedade de BB e nesse momento conduzido por CC, onde seguia, igualmente, como passageira DD;
e) A A..., no local referido em d), é composta por duas via de trânsito no mesmo sentido, com traçado em reta e piso betuminoso que na época se encontrava em estado regular de conservação, dispondo de um separador central metálico;
f)A hemi-faixa de rodagem por onde circulavam o QR e o AB tinha uma largura de 7,80 m e o limite de velocidade no local era de 120 km/h;
g) O QR circulava pela via da direita da hemi-faixa de rodagem da A... afeta ao sentido Guimarães/... quando embateu na traseira do AB, tendo este, em consequência, sido projetado contra as guardas metálicas do separador central, acabando por se imobilizar vários metros à frente na via da direita;
h) O sol apresentava-se de frente para os condutores do AB e do QR, tendo o R. sido encandeado pela sua luz;
i) O R., submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, acusou uma TAS de 0,294;
j) Dada a força do embate ambos os veículos necessitaram de ser rebocados pelo pronto-socorro da assistência em viagem;
k) Como consequência direta do embate descrito em g) a passageira do AB DD sofreu traumatismo do ombro direito e uma fratura com desvio da clavícula direita, tendo sido transportada para o Centro Hospitalar... e posteriormente, em 14.09.2018, submetida a cirurgia de osteossíntese com placa e parafusos;
l) Em despesas medicamentosas para tratamento das lesões mencionadas em k) a DD gastou €124,89;
m) Em consultas médicas e exames para tratamento das lesões mencionadas em k) a DD gastou €512,55;
n) A A. liquidou à DD as quantias mencionadas em l) e m);
o) Para além do mencionado em n), em 07.05.2019 a A. pagou à DD a quantia global de €1.500 a título compensação pelos danos não patrimoniais e o remanescente dos danos patrimoniais ainda pendentes emergentes do embate descrito em j);
p) Em 06.09.2018 o AB foi avaliado e apresentaria danos, não concretamente identificados, na sua frente, na traseira direita e lateral esquerda, cuja reparação foi orçamentada em €16.449,01;
q) O AB, à data de 02.09.2018, teria um valor venal de €7.500, tendo o salvado sido avaliado em €1.811;
r) A A. pagou à proprietária do AB em data não anterior a 30.10.2018 a quantia de €5.689; s) A A. pagou à EMP02... em 18.12.2018 a quantia de €4.044,20”.
**
Resultaram não provados os seguintes factos:

“a) Que o AB circulasse pela A... a uma velocidade bastante reduzida ou que tenha reduzido a sua marcha de forma abrupta, inesperada e sem qualquer aviso;
b) Que a TAS mencionada em 1.1.i) tenha diminuído as atenção e capacidade de resposta do R. quando confrontado com a presença do veículo que o precedia;
c) Que a reparação de que o AB carecia em 06.09.2018 e mencionada em 1.1.p) tenha sido consequência do embate descrito em 1.1.g);
d) Que em consultas médicas, exames e despesas medicamentosas para tratamento das lesões mencionadas em 1.1.k) a A. tenha pago a DD a quantia global de €1.811,77;
e) Que a A. tenha pago ao Centro Hospitalar..., pela assistência médica prestada a DD na sequência do embate descrito em 1.1.g), a quantia de €117,25”.

IV - Do objeto do recurso:
1 - Da impugnação da matéria de facto:

1.1. Em sede de recurso a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, a recorrente indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entende permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção aos específicos meios de prova a considerar, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
**
1.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Relega-se para último lugar as considerações expendidas pela autora sobre a questão do “regime probatório” em que alegadamente se encontrava o réu à data do acidente.
Quanto à restante impugnação de facto, a perplexidade da autora reporta-se à matéria de facto constante da alínea c) da matéria de facto provada e à não inclusão na matéria de facto provada da matéria de facto por si alegada no requerimento através do qual aperfeiçoou a petição inicial, requerendo o aditamento de um facto e a correção do que foi alegado sobre a alínea p) da matéria de facto provada.
Está em causa a seguinte matéria:
- alínea c) dos factos não provados: “que a reparação de que o AB carecia em 06.09.2018 e mencionada em 1.1.p) tenha sido consequência do embate descrito em 1.1.g)”;
- alínea p) dos factos provados: “em 06.09.2018 o AB foi avaliado e apresentaria danos, não concretamente identificados, na sua frente, na traseira direita e lateral esquerda, cuja reparação foi orçamentada em €16.449,01”, propondo a recorrente que passe a constar com a seguinte redação: em 06.09.2018 o AB foi avaliado e apresentaria danos na sua frente, na traseira direita e lateral esquerda, carecendo de reparação / substituição de peças, pintura de peças e ainda mão de obra, conforme alegado nos artigos 2.º a 4.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial, sendo a reparação orçamentada em € 16.449,01.
- alínea a aditar à matéria de facto provada: “do acidente em apreço resultaram igualmente danos na infraestrutura da via da Autoestrada (A...) concessionada pela EMP02..., conforme alegado no artigo 5.º do requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial”.
Escreveu-se na motivação da decisão sobre a matéria de facto:
Não conseguiu a testemunha descrever quais os concretos danos que as estruturas da EMP02... (e que concretas estruturas) terão sofrido como consequência do embate ocorrido em 02.09.2018, já que não teve qualquer intervenção no levantamento efetuado – esse levantamento, disse, foi efetuado por uma estrutura local da empresa.
Ficou, assim, frustrada a possibilidade de, por via do princípio da aquisição processual, se ver superada a omissão da A. consubstanciada na falta de resposta ao convite que lhe foi formulado no sentido de descrever os concretos danos sofridos pela EMP02... como consequência do embate ocorrido entre o AB e o QR.
Os (demais) factos dados como não provados resultaram da ausência de produção de prova (total, no caso dos factos enunciados em 1.2.a), b) e c)), suficiente no caso do facto constante de 1.2.e)) sobre os mesmos.
Nenhuma testemunha se referiu à factualidade enumerada em 1.2.a) e b) e não tendo a A. respondido ao convite do Tribunal no sentido de identificar os concretos danos sofridos pelo AB como consequência do embate ocorrido em 02.09.2018 impossível se torna estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o embate a reparação de que a viatura careceria em 06.09.2018, data em que foi avaliada”.
Não acompanhamos este raciocínio do Tribunal de 1.ª Instância.
Este ignorou por completo a resposta que foi dada pela autora perante o despacho de 22/02/2022, tendo este Tribunal de recurso alguma dificuldade em perceber o que pretendia o Tribunal de 1.ª Instância fosse alegado pela parte quando se referia à descrição dos concretos danos sofridos pelo veículo AB ou os concretos danos sofridos na infraestrutura da autoestrada.
                                                                                                              
As circunstâncias em que se verificou o acidente não estão já em discussão, tendo as partes aceite a matéria de facto fixada pelo Tribunal.
Assim, sabemos que o veículo seguro embateu na traseira do AB, tendo este, em consequência, sido projetado contra as guardas metálicas do separador central, acabando por se imobilizar vários metros à frente na via da direita.
Sabemos, por isso, que se verificou um embate nas guardas metálicas da autoestrada. A existência de danos materiais nas guardas metálicas está identificada na participação policial como existindo em 16 guardas metálicas, 19 prumos, 19 amortecedores e 1 delineador. Apesar de impugnado, não foi deduzido qualquer incidente de falsidade contra este documento.
A participação refere inclusivamente a presença de “guardas metálicas danificadas, substância gordurosa (óleo no pavimento)”. O réu, em depoimento de parte, referiu-se também a aos rails danificados no lado direito.
Temos, por isso, partindo da alegação de facto que consta dos autos que não existe qualquer dúvida que, em consequência do acidente sofrido e do embate nas guardas metálicas da infraestrutura da autoestrada A..., foram causados danos em 16 guardas metálicas, 19 prumos, 19 amortecedores e 1 delineador.
É certo que não sabemos exatamente o que lhes aconteceu, no sentido de não sabermos se partiram, ficaram inutilizadas ou se teriam de ser substituídos.
Mas daqui não resulta que não seja certo que ficaram, como alegado, danificados, com base nos elementos de prova recolhidos, ou seja, as circunstâncias descritas do acidente – e aceite por todos – e a participação policial.
Quanto à alegada lavagem da via, que sabemos ter ficado suja com óleo porque assim refere a participação policial, o dano verificado é, não a lavagem (como alega a autora ao referir como dano a lavagem da via) mas a sua sujidade (presença de óleo), que necessitou, por isso, de ser lavada.
Sabemos assim que a via da autoestrada ficou suja de óleo em consequência do embate e que foi lavada.
E, note-se, que quem comunica ter verificado estes danos à EMP02... é a GNR, como resulta de fls. 74 verso, ofício de 20/10/2018, que surge nas “costas” do documento ... junto pela autora.
Esta verificação foi também referida no depoimento da testemunha EE que confirmou o que fez constar da participação policial.
E consta das declarações que o segurado fez constar na declaração amigável ao referir “outros danos”, “EMP02...”, “barras laterais” – documento ... junto com a petição inicial.

Tem, pois, que aditar-se à matéria de facto provada que:
 s) Como consequência do embate verificado entre os veículos AB e QR resultaram danos na infraestrutura da autoestrada A... concessionada à EMP02... em 16 guardas metálicas, 19 prumos, 19 amortecedores e 1 delineador.
t) Como consequência daquele embate a via ficou suja de óleo e teve de ser lavada.
A alínea s) dos factos provados passará a constar como alínea u).
Quanto aos danos no veículo AB, a autora alegou-os de forma mais do que suficiente ao referir que ficaram danificadas as peças do veículo que identifica no art.º 28.º, na redação posterior ao convite efetuado e que ficou danificada a pintura dos componentes que descreve no art.º 29.º do mesmo articulado, importando a sua reparação a mão de obra a utilizar nos serviços que descreve no art.º 30.º daquele articulado.
E, aqui chegados, a questão que se coloca é saber se existe prova que permita concluir que foram estes os danos sofridos no veículo AB.
O réu referiu em depoimento de parte que o AB sofreu “bastantes danos”, a proprietária daquele que “a frente ficou desfeita” e que o “carro não circulava”, a autoridade policial que um dos veículos tinha “a frente destruída”, FF, avaliador que presta serviços à autora, foi ver o veículo na oficina para onde foi rebocado e aceitou a estimativa de danos que foi efetuada e que orçava em cerca de 16.000,00 euros, a esse valor aproximado se reportando também o documento ..., datado de 06/09/2018.
Ora, a participação do acidente está apenas datada de 07/09/2018.
Assim, não é de crer que a autora soubesse já, quando estimou os danos do veículo AB, que o condutor do veículo seguro circulava com uma taxa de álcool no sangue que, em condições muito específicas, pode conceder-lhe o exercício de direito de regresso sobre o condutor do veículo seguro.
Ou seja, a autora estava então a estimar danos que visavam a reparação do lesado, numa situação em que o seu segurado assumira na participação amigável que embatera nas traseiras do veículo AB e, assim, em que seria, à partida, e sem ter conhecimento da existência de álcool, único responsável pelo pagamento da indemnização.
Não existe assim fundamento para crer que, nestas circunstâncias, aquela estimativa, destinada à própria autora, não tivesse pressuposto, apenas, os danos que eram identificáveis e aceites pela empresa de reparação e pela autora, sem a desmontagem do veículo, como expressamente se refere no documento junto.
Temos assim como claro que têm de considerar-se provados os factos alegados pela autora e, nesta matéria, estando hoje o Tribunal adstrito apenas à alegação de factos essenciais, a redação do facto refletirá naturalmente tal realidade.
Assim, elimina-se a alínea c) dos factos não provados e altera-se a redação da alínea p) dos factos provados que passará a constar com a seguinte redação:
p) Os danos sofridos na frente, traseira direita e lateral esquerda do AB, em consequência do acidente verificado, foram avaliados em 06/09/2028, tendo a sua reparação sido orçamentada em €16.449,01.
*
A impugnação da autora revela ainda a sua oposição ao entendimento manifestado pela Mm.ª Juiz que presidiu à realização da audiência quanto à matéria por si alegada relativamente ao “regime probatório” em que se encontraria o réu, à data do acidente.
A autora coloca esta questão como se a mesma representasse um erro de apreciação do Tribunal, considerando ter sido por si alegado que tal regime era aplicável.
Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2023, do Juiz Desembargador Jerónimo Freitas, proc. 9028/21.2T8MTS.P1 in www.dgsi.pt, “conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova”, remetendo para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/2009 do Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, também ele disponível in www.dgsi.pt.
Nas palavras de Anselmo de Castro só “acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objeto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, Volume III, 1982, pág. 268/269).
O Tribunal seguirá aqui de perto o entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2019, da Juiz Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. 1333/15.7T8LMG.C1.S1, in www.dgsi.pt: “no regime anterior na audiência de julgamento, após a produção da prova, abria-se o debate sobre a matéria de facto, com produção de alegações sobre o tema pelos advogados das partes, e seguia-se o proferimento de decisão onde se julgavam os factos, indicando-se os tidos como provados e aqueles que se consideravam como não provados. Ultrapassada a fase em que às partes era facultada a discussão sobre o aspeto jurídico da causa, era proferida a sentença na qual, além do mais, se discriminavam os factos admitidos por acordo, os factos provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os factos constantes do acórdão ou do despacho proferido no final da audiência; seguia-se a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes a esses factos, assim se chegando à decisão final - tudo nos termos enunciados nos arts. 652º, 653º e 659º do CPC então vigente,
Atualmente, porém, à audiência final, onde são produzidas as provas e as partes produzem alegações sobre a matéria de facto e o direito aplicável, segue-se o proferimento da sentença, em cuja fundamentação o juiz discrimina os factos que considera provados e não provados, através de análise crítica das provas, tomando ainda em consideração os admitidos por acordo e os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas pertinentes, concluindo pela decisão final – arts. 604º e 607º do atual CPC.
Coerentemente, não havendo já, na tramitação de um concreto processo, a prolação de uma decisão sobre os factos e, depois, o proferimento de uma decisão de mérito, muitas vezes com a intervenção sucessiva de julgadores diferentes – o do facto e o do direito –, foi eliminado o antigo nº 4 do art. 646º, que rezava assim: “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Como a este propósito escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, esta “(…) opção legislativa tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que a circunstância de ambos os segmentos surgirem agregados na mesma peça processual facilita e simplifica a decisão do litígio (…).”.
Porém, tal “(…) opção não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”.
E continua, “não poderá, portanto, a sentença, ao emitir o julgamento sobre os factos atinentes a uma dada questão de direito, considerar como provado o correspondente conceito jurídico, desacompanhado dos factos suscetíveis de o integrarem”.
Como se concluiu no Acórdão que acompanhamos “sendo incluída, em sede de decisão sobre a matéria de facto, a afirmação de uma dada conclusão jurídica sem que se julguem como provados factos concretos que a integrem, não se poderá fazer uso do remédio previsto no nº 4 do antigo art. 646º – desaparecido que está da nossa ordem jurídica –, mas haverá lugar à constatação de que a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir; na verdade, um erro do tribunal com esse conteúdo não pode suprir o facto em falta”.
É nesta questão que se insere a alegação da autora de se encontrar o réu “em regime probatório” e que, como resulta da sentença proferida, não consta nem dos factos provados nem dos não provados, sendo certo que, como veremos, deles não poderia constar, pois que não encerra qualquer realidade fáctica que pudesse ser considerada provada e não provada.
             
2 - Do ónus de alegação dos factos essenciais:

A improcedência da ação decorreu do entendimento da Mm.ª Juiz a quo expresso nos seguintes termos:
(...), a afirmação da existência do direito de regresso da A. depende não apenas da responsabilização do R. pelo sinistro ocorrido mas igualmente de uma condição adicional: a de o condutor tripular a viatura com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.
O art. 81.º/1 CEst prescreve que “É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.”, considerando-se sob influência de álcool “o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.” (art. 81.º/2 CEst).
Provado ficou que o R. tripulava o QR com umaTAS de 0,294 g/l, pelo que, e aparentemente, não seria de considerar como estando a conduzir sob influência de álcool.
Porém, o art. 81.º/3 CEst preceitua que “Considera-se sob influência de álcool o condutor em regime probatório e o condutor de veículo de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de TVDE, de automóvel pesado de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,2 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.”
Não alega a A. factos concretos que permitam concluir pela aplicabilidade, ao R., do regime mais restritivo previsto no art. 81.º/3 CEst.
A este respeito, a A. apenas alega que o R. se encontrava “em regime probatório” (cfr. art. 57.º CEst) e nada mais.

O regime probatório encontra-se previsto no art. 122.º CEst. Lê-se nas respetivas disposições que:

“1 - A carta de condução emitida a favor de quem ainda não se encontrava legalmente habilitado a conduzir qualquer categoria de veículos fica sujeita a regime probatório durante os três primeiros anos da sua validade.
2 - Se, no período referido no número anterior, for instaurado contra o titular da carta de condução procedimento do qual possa resultar a condenação pela prática de crime por violação de regras de circulação rodoviária, contra-ordenação muito grave ou segunda contra-ordenação grave, o regime probatório é prorrogado até que a respetiva decisão transite em julgado ou se torne definitiva.
3 - O regime probatório não se aplica às cartas de condução emitidas por troca por documento equivalente que habilite o seu titular a conduzir há mais de três anos, salvo se contra ele pender procedimento nos termos do número anterior.
4 - Os titulares de carta de condução das categorias T, AM e A1 ou B1 ficam sujeitos ao regime probatório quando obtenham habilitação para conduzir outra categoria de veículos, ainda que o título inicial tenha mais de três anos de validade.
5 - O regime probatório cessa uma vez findos os prazos previstos nos n.os 1 ou 2 sem que o titular seja condenado pela prática de crime, contra-ordenação muito grave ou por duas contra-ordenações graves.”

Resulta, assim, da lei que para que a conduta do R. fosse subsumível à previsão do art. 81.º/3 CEst necessário seria que, cumulativamente: i) o R. não estivesse legalmente habilitado a conduzir à data da emissão da carta de condução de que era titular; ii) a carta de condução de que o R. era titular à data do sinistro tivesse sido emitida há menos de 3 anos; iii) a carta de condução de que o R. era titular à data do sinistro não tivesse sido obtida por troca de documento equivalente que o habilitasse a conduzir há mais de 3 anos.
A A. não alegou quaisquer factos que, a comprovarem-se, demonstrariam o preenchimento dos requisitos enunciados no parágrafo anterior.
Logo, torna-se impossível afirmar que o R., à data de 02.09.2018, estava sujeito ao regime probatório, talqualmente alegado, e como tal impedido de conduzir veículos automóveis com uma TAS igual ou superior a 0,2 g/l.
Consequentemente, apenas poderá ser considerado, para efeitos de aferição da condução, pelo R., de um veículo com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, o comando previsto no art. 81.º/2 CEst..
Como ficou demonstrado, a TAS de que o R. era portador era de 0,294 g/l.
Qualificando o art. 81.º/2 CEst como conduzindo sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l (ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico), impossível se torna afirmar que em 02.09.2018 o R. tripulava o QR com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente autorizada, impondo-se, por isso, a sua absolvição do pedido.
Não deixará de se acrescentar o seguinte:
Documentos são meios probatórios e não formas de suprimento de falhas de alegação.
Não é o julgador quem tem de recolher dos documentos juntos aos autos os factos que relevam para que uma das partes faça valer a pretensão trazida a juízo – designadamente, e no que ao caso sub iudice respeita, a factualidade demonstrativa dos requisitos cumulativos de que depende a sujeição de um condutor ao regime probatório.
Ainda que assim se não entenda, o certo é que nem da documentação junta aos autos se conseguiria retirar todos os factos necessários a tal.
Se é certo que é indicado no auto de participação de acidente de viação que integra o doc. n.º ... junto com a p.i. que a carta de condução de que o R. é titular foi emitida em .../.../2017 (portanto, há cerca de 9 meses aquando do sinistro), é igualmente certo que se desconhece se à data dessa emissão o R. não estaria legalmente habilitado para conduzir, tendo o seu título de condução sido obtido por troca (o que o excluiria do regime probatório, ante a previsão do art. 122.º/3 CEst supra transcrita) .(...)”.
Alega a Autora/apelante que “contrariamente ao consignado pelo Tribunal a quo, a Recorrente não só alegou que o Recorrido deu causa ao acidente – por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, do CE –, como também que este se encontrava abrangido pelo regime probatório previsto no artigo 81.º, n.º 3, do CE, designadamente nos artigos 15.º a 17.º (inclusive) e 57.º a 64.º (inclusive) da petição inicial.
 Alegando que conduzia com uma TAS de 0,294 g/l – Artigo 15.º da petição inicial –, que se encontrava em regime probatório, fazendo expressa referência, por transcrição, e não mera remissão, ao consignado no auto de notícia – Artigo 16.º da petição inicial – e que lhe foi lavrado auto de contra ordenação por violação do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 81.º do CE – Artigo 17.º da petição inicial”.
O direito que a autora invoca nestes autos decorre da alegação de ter o réu conduzido o veículo seguro com uma taxa de álcool no sangue de 0,294 g/l, encontrando-se, à data do acidente, “em regime probatório”, sendo-lhe imputável a verificação do acidente.
Note-se que a taxa de álcool no sangue que foi alegada apenas se torna relevante se, como alegado, se poder concluir que o réu se encontrava “em regime probatório”, pois que, sem este regime, a taxa de álcool no sangue que releva é apenas a que for igual ou superior a 0,5 g/l – art.º 81.º, n.º2, do C. da Estrada.
Assim, o direito de regresso da autora depende da verificação da infração do art.º 81.º, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada.
As alegações de recurso evidenciam que a autora não compreendeu o que foi escrito na sentença proferida nesta matéria, assistindo razão à Mm.ª Juiz titular do processo quando afirma que a autora não alegou os factos que permitem concluir que o réu se encontrava, à data do acidente, em regime probatório.
A alegação de se encontrar em regime probatório não encerra em si mesmo qualquer conteúdo fáctico.
Mesmo a referência na nota de rodapé do art.º 16.º da petição inicial não integra “articulação de factos por remissão para documento” (na generalidade admitida pela jurisprudência), tratando-se de referência conclusiva aos “três primeiros anos da validade da carta de condução”, quando é certo que do documento referido pela autora consta apenas uma menção igualmente conclusiva de se encontrar o condutor réu “em regime probatório”.
Com refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2019, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 756/13.0TVPRT.P2.S1, citando vasta doutrina: “na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei» (Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 206-207).
Para Miguel Teixeira de Sousa, «A seleção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica» (Estudos sobre o Processo Civil, Lex, p. 312).
Na expressão de A. Varela, M Bezerra e Sampaio e Nora, factos são as ocorrências concretas da vida real, os acontecimentos concretos da realidade (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, p.406)”.
A autora não cumpriu assim o ónus de alegação que se lhe impunha, quanto ao facto essencial que permitiria concluir estar o réu, à data do acidente, “em regime probatório”, revelando-se manifestamente deficiente a petição inicial. O que existe é, apenas, uma alegação conclusiva que pressupõe matéria de facto essencial à procedência da ação.
Assiste, assim, razão, ao Tribunal da 1.ª instância quando referiu inexistir alegação de facto suficiente relativa ao “regime probatório”.
Atento o teor do pedido e causa de pedir, afigura-se, porém, estar em causa uma “causa de pedir complexa”, invocando a autora o direito de regresso contra o réu nos termos da alínea c), do n.º 1 do art.º 27.º do DL n.º 291/2007, de 21/08, com fundamento na infração dos arts.º 18.º, n.º 1 e 81.º, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada, descrevendo os respetivos factos integrativos desse direito, ou seja, o acidente, consequências danosas, o cumprimento pela ré, e a condução do réu sob efeito do álcool, invocando-se uma taxa de alcoolémia de 0,294 g/l. 
Dependendo a violação do regime legal aplicável, do facto de que permitiria concluir que condutor réu se encontrava em “regime probatório”, são factos essenciais as circunstâncias factuais que permitem tal conclusão (a data de nascimento do réu, a data de emissão da primeira licença que o habilitou a conduzir, estando ou não em causa a licença que possuía à data do acidente, não estando em causa qualquer troca de carta de condução).
Encontrava-se, assim, por completar a causa de pedir, no que se refere à conclusão alegada pela autora de estar o autor, à data do acidente, em “regime probatório”.
Verifica-se, assim, não um caso de absoluta falta de alegação e concretização dos factos essenciais, mas, apenas (no limite, salienta-se), a alegação conclusiva de parte dos factos essenciais da causa de pedir, pois que a alegação realizada permite ainda definir e identificar a pretensão (como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, 2022, pág.656), não se tratando de petição inepta.
Ora, nos termos do n.º 4 do art.º 581º, a causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico simples ou complexo, mas sempre concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer.
Relativamente ao ónus de alegação imposto às partes, referem autores referidos e in obra citada, pág.31: “a eventual incompletude no cumprimento desse ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos através de uma articulado de aperfeiçoamento (artº 590º,nº4) ou (...)”.
E, como referem, ainda, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, pág.634, com referência ao n.º4 do art.º 590.º: “constitui articulado deficiente aquele que encerra insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada ( nº4). O preceito reporta-se, fundamentalmente, aos factos principais da causa, isto é, aos que integram a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as exceções (artº 5-1), pois só esses são suscetíveis de comprometer o êxito da ação ou da defesa (...) Trata-se, portanto, de completar ou retificar a causa de pedir ou uma exceção, considerando o conjunto dos articulados apresentados pela parte”.
E, mais referindo:
O aperfeiçoamento é, pois, o remédio para os casos em que os factos alegados pelo autor ou réu (os que integram a causa de pedir e os que fundamentam as exceções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados”; “O poder do juiz não é, nestes casos, discricionário, mas vinculado”.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela aplicabilidade no caso sub judice da previsibilidade do art.º 590.º, n.º 2, alínea b), e n.º4 do C. P. Civil, consequentemente, impondo-se ao Tribunal a prolação de despacho a convidar a parte a sanar o vício existente.
Não pode deixar de referir-se que resulta da contestação do réu que este aceita estar em “regime probatório”, pois que é o próprio que refere que aceita que se encontrava a conduzir com taxa de álcool ligeiramente superior ao permitido (art.º 20.º da contestação), sendo que a taxa de 2,94 g/l só é ligeiramente superior ao permitido, como vimos, se o condutor estiver, precisamente, em “regime probatório”.
Note-se que, nos termos dos arts. 590.º e 6.º do C. P. Civil, ao juiz compete o “dever de gestão processual” do processo, devendo dirigi-lo ativamente e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, impondo-se providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, convidando as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018, da Juiz Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. 414/07.5TBALR.E1.S1, in www.dgsi.pt, e, com referência ao âmbito de aplicação do art. 590º do CPC, “trata-se, agora, sem dúvida, de um dever que ao juiz se impõe de, havendo para tanto fundamento, em sede de despacho pré-saneador, convidar as partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, de modo a impedir que estas irregularidades venham a ser a causa da improcedência da pretensão formulada pelo autor ou das exceções que o réu lhe tenha oposto”.
Impunha-se então, como agora, a prolação, pelo Tribunal de 1.ª Instância, de despacho a convidar a autora, nos termos e para os efeitos do art.º 590.º, nº2, alínea b), e n.º4 do C. P. Civil, com vista ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, a fim de articular os factos respeitantes à parte da causa de pedir relativa ao invocado “regime probatório” do réu na qualidade de condutor no acidente dos autos, em prazo a fixar, anulando-se a sentença recorrida.
Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2016, do Juiz Desembargador Ataíde das Neves proc. 4158/08.2TBMTS.P1, in www.dgsi.pt, “neste caso, a "omissão do ato" em que consiste a nulidade, é anterior à prolação do despacho saneador, mas não implicará a mesma a anulação do mesmo nem de todos os atos posteriores, mas apenas da decisão de direito (e não de facto) proferida, tal como estatui o nº 2 do art. 195º do CPC, segundo o qual “quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes”. Assim, como o julgamento feito quanto aos factos apurados não contende com a omissão cometida, implicando esta apenas com a parte da sentença que aplicou o direito aos factos, apenas esta será anulada”.
Tal significa, na situação dos autos, que a anulação da sentença não implica qualquer anulação dos factos provados, com as alterações introduzidas neste Acórdão.
Assim, mantendo-se os factos provados, nesta redação, virá a ser realizado novo julgamento com vista ao apuramento dos factos que permitam concluir que, à data do acidente, o réu estava em “regime probatório
Anulando-se a sentença recorrida apenas na parte jurídica (de aplicação de direito aos factos), mantém-se o julgamento de facto já realizado, devendo o tribunal proferir despacho de convite da autora para alegar os factos que, nos termos definidos na lei e nesta decisão, permitam concluir que o réu se encontrava, à data do acidente, em “regime probatório”, sendo que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não serão prejudicados pela decisão do recurso e anulação agora decididos – art.º 635.º, n.º 5, do C. P. Civil.

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

1 – A alegação conclusiva de facto essencial deve suscitar um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos do dever de gestão processual que se impõe ao Juiz, definido no art.º 590.º do C. P. Civil.
2 – Não tendo existido tal convite, não existe alegação de facto que o Tribunal possa considerar provada ou não provada.
3 – Tal não pode implicar, contudo, a improcedência da ação e, quando assim tenha sido decidido, impõe-se anular a decisão proferida para que seja efetuado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, circunscrevendo-se tal anulação à questão relativa à matéria de facto não alegada e à sua posterior subjunção jurídica.

V – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade:
a) alteram a redação da matéria de facto provada e não provada, nos seguintes termos:

1 – eliminam a alínea c) dos factos não provados;
2 – alteram a redação da alínea p) dos factos provados que passará a constar a com a seguinte redação:
Os danos sofridos na frente, traseira direita e lateral esquerda do AB, em consequência do acidente verificado, foram avaliados em 06/09/2028, tendo a sua reparação sido orçamentada em €16.449,01”.
3 – aditam à matéria de facto provada as alíneas s) e t) com a seguinte redação:
s) Como consequência do embate verificado entre os veículos AB e QR resultaram danos na infraestrutura da autoestrada A... concessionada à EMP02... em 16 guardas metálicas, 19 prumos, 19 amortecedores e 1 delineador.
t) Como consequência daquele embate a via ficou suja de óleo e teve de ser lavada”.
4 – a alínea s) da matéria de facto provada passará a constar como alínea u) da matéria de facto provada;
b) anulam a sentença recorrida na parte em que aplica o direito aos factos, sem prejuízo da decisão proferida quanto aos factos, com as alterações introduzidas nesta decisão, que assim se mantém, e tendo em vista apreciar se o réu se encontrava, à data do acidente, em “regime probatório”, deverá ser fixado prazo pelo Tribunal de 1.ª Instância a convidar a autora a alegar factos de onde possa resultar tal conclusão jurídica, nos termos desta decisão, com indicação de meios de prova, realizando-se, após, julgamento quanto a esta questão de facto e proferindo-se, de seguida, nova decisão, com a ressalva decorrente do n.º5 do art.º 635.º do C. P. Civil, pois que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não serão prejudicados pela decisão do recurso e anulação decretada.
As custas deste recurso serão suportadas, em partes iguais, por ambas as partes.
**
Guimarães, 15/02/2024
(elabora, revisto e assinado eletronicamente)