Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
194/21.1PABCL.G1
Relator: PAULO CUNHA
Descritores: CONTRADIÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
SANAÇÃO
CRIME DE ROUBO
CO-AUTORIA MATERIAL
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. Quando a contradição da fundamentação for sanável, não se verifica o vício a que alude a al. b) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal e não há lugar ao reenvio para novo julgamento.
2. A sanação desta contradição pode traduzir-se tão-só em julgar como não provado determinado facto anteriormente dado como provado.
3. A comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria exige a verificação de dois requisitos essenciais: uma decisão conjunta, tendo em vista uma obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta
4. Aquela decisão conjunta, ou seja o acordo com outro, ou com outros, tanto pode ser expresso como tácito; por outro lado, a aludida execução conjunta traduz-se numa participação directa na execução do facto, numa contribuição objectiva para a sua realização, não sendo indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final.
5. É co-autor material do crime de roubo simples o agente que planeou previamente com mais dois indivíduos assaltar o ofendido mediante o uso da força física, que o abordou efectivamente juntamente com aqueles indivíduos com a intenção de se apoderar de objectos que o mesmo pudesse ter consigo, que lhe retira do corpo várias peças de roupa e uma carteira com dinheiro enquanto o mesmo é agredido à bofetada pelos outros indivíduos e que integra parcialmente o produto deste assalto no seu património.
6. A moldura abstracta da pena de prisão cominada para a autoria do roubo simples, ainda que especialmente atenuada, apresenta uma amplitude que alberga várias formas de execução deste delito, sendo necessário assegurar a justiça relativa por referência à execução material do plano criminoso que não fica pela mera intimidação da vítima e que progride para a agressão física efectiva e cruel da vítima ao ponto de a deixar sem dinheiro, sem telemóvel e descalça na via pública.
7. O simples facto de o agente ter vivido num ambiente criminógeno durante a infância não determina uma inexorável diminuição da capacidade de culpa e muito menos uma desnecessidade de ressocialização por referência a qualquer comportamento criminoso que venha a adoptar a partir da idade adulta.
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
1. Decisão recorrida

No âmbito do processo n.º 194/21...., que corre os seus termos no Juízo Local Criminal ..., foi proferida sentença, datada de 14.12.2022, que, além do mais, condenou o arguido AA, nos seguintes termos (transcrição):
“(…) decide-se:

1. Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
2. Condenar o arguido BB, pela prática, em co- autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
3. Suspender as penas de prisão ora aplicadas pelo período de um ano e seis meses, sujeitando tal suspensão a um regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP.
(…)
5. Condenar solidariamente os arguidos AA e BB no pagamento ao ofendido CC da quantia de € 495,00, a título de compensação pelos danos patrimoniais ao mesmo ocasionados, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
(…)”.

2. Recurso

Inconformado com esta decisão, o referido arguido recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
IV. No que à matéria de facto importa, cumpre salientar a contradição latente entre o facto provado elencado na alínea n) e as declarações prestadas pela testemunha DD que confirmou que o telemóvel que, entretanto, lhe foi apreendido lhe foi emprestado pelo arguido BB, no Verão de 2021, o qual aliás lhe havia confessado ter sido o mesmo proveniente de um roubo por si realizado.
V. Pelo que é manifesta e latente a contradição, impugnando-se, ao abrigo do disposto no art.º 410.º n.º 2 alínea b) do CPP, a referida matéria dada como provada na alínea n).
VI. No que concerne à matéria de direito, considerou o Tribunal recorrido que o Arguido cometeu, como co-autor, um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, e decidiu condenar o arguido na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, e, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 50º do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período de um ano e seis meses, subordinando-se tal suspensão a um regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP e ainda e solidariamente no pagamento ao ofendido da quantia de € 495,00, a título de compensação pelos danos patrimoniais ao mesmo ocasionados, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.
VII. Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do Arguido na sociedade.
VIII. Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do Arguido e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção (artigo 71º. do CP) tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável.
IX.  O art.º 27.º do Código Penal dispõe que “é punido como cúmplice quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”,
X.  A cumplicidade pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.
XI. Diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto. O cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
XII. Daqui resulta que a cumplicidade se traduz num mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa na execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é uma concausa da prática do crime.
XIII. Assim, enquanto o co-autor tem um papel de primeiro plano, dominando a acção, já que esta é concebida e executada, com o seu acordo, inicial subsequente, expresso ou tácito, o cúmplice é um interveniente secundário ou acidental, isto é, só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua intervenção embora seja concausa do crime praticado não é causal da existência da acção.
XIV. Todos os factos dados como provados foram-no, exclusivamente, com base nas declarações do ofendido, pois, as restantes testemunhas, não viram ou presenciaram qualquer dos factos supra descritos.
XV. A intervenção do aqui arguido, cingiu-se, segundo o ofendido, á acção de “tirar o casaco e o colete”.
XVI. Não se sabe de que forma e em que circunstâncias,
XVII. Não se sabe se aproveitou tal vantagem dos factos praticados pelo arguido BB ou não.
XVIII. Questiona-se, então, se as circunstâncias em que actuaram os arguidos indiciam, sem qualquer margem para dúvidas, e ainda face às regras da lógica e da experiência comum, se existiu um acordo entre os arguidos no sentido de se apropriarem dos bens pertencentes ao ofendido?
XIX.  Porque não interveio o terceiro arguido? Porque não se locupletou com nenhum dos bens? Porque fugiram os três no final se só dois deles tinham tido intervenção?
XX.  A desproporção entre a actuação do arguido recorrente e o arguido BB é latente e manifesta.
XXI. O arguido BB, abordou o CC, exigiu-lhe a entrega do seu telemóvel, desferiu-lhe uma bofetada na face, arrancou-lhe o telemóvel das mãos, exigiu que lhe entregasse as sapatilhas, exigiu que lhe desse o código de acesso, desferiu-lhe outra bofetada na face, o que levou a que o CC lhe revelar o código.
XXII. O arguido AA apenas tirou o casaco e o colete que o CC trazia vestido, despindo-o e ficando-lhe com as ditas peças de roupa.
XXIII. Atentos os factos dados como provados, pugnamos pelo que nos parece óbvio, isto é, de que a participação do aqui arguido se integra apenas na figura da cumplicidade, uma vez que a sua actuação foi diminuta, não tendo intervindo em qualquer dos outros factos ou acções anteriores ou posteriores, não tendo uma participação idêntica à do outro arguido, não foi de relevância para a consumação do crime como a do outro arguido, não tinha o domínio do facto.
XXIV. Os factos provados relativamente ao arguido recorrente são somente suficientes para integrar o conceito de cumplicidade, já que revelam, de modo bastante, tão-só uma solidarização activa e ainda o influxo psíquico relativamente à prática do crime pelo co-arguido.
XXV.  Incorre, assim, a douta sentença, em erro na aplicação de direito, violando, mormente, o art.º 27.º, 203º nº 1 e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal.
XXVI.  Caso a posição assumida pelo recorrente não for acolhida, o que não se concede, sempre se dirá que a condenação sofrida pelo arguido é excessiva e desproporcional, atento o disposto nos art.ºs. 40.º e 70.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal e art.º 4.° do Decreto Lei n.º 401/82 , de 23/9.
XXVII. O arguido é pessoa jovem, contava à data dos factos, 18 anos de idade, vivendo uma “vulnerabilidade psíquica que à adolescência, em regra, corresponde, caracterizada, justamente, pela procura de uma nova identidade pessoal e social, normalmente alcançada através da experimentação, mais ou menos destemida, de um certo tipo de comportamentos (vide sentença)”
XXVIII.  Não tem antecedentes criminais,
XXIX.  Os crimes que lhe foram imputados foram episódios únicos na sua vida,
XXX.  Está inserido profissional e socialmente,
XXXI. Apesar do histórico familiar nada favorável (AA é o único filho de um casal, tendo crescido aos cuidados da avó materna, após a intervenção da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens) de ..., quando o arguido contava 5 anos de idade, decorrente de um contexto familiar de violência doméstica vivenciado entre os pais. O arguido manteve contacto com os pais, aos fins-de-semana, até o casal se separar, há cerca de cinco anos, passando então a mãe a integrar o agregado da avó materna do arguido. Vide relatório Social) concluiu o 12.º ano de escolaridade,
XXXII. Trabalha e aufere vencimento que lhe permite fazer face às despesas do seu quotidiano, da sua vida social e afectiva e ainda comparticipar para as despesas do agregado familiar,
XXXIII. Interiorizou a sua postura e a sua conduta (o arguido reconhece a ilicitude da problemática criminal em causa e a existência de potenciais vítimas e/ou danos para terceiros. O arguido evidenciou sentimentos de vergonha face ao estatuto de arguido, partilhando o assunto, apenas com a namorada e o primo, com quem habitualmente convive. Vide relatório social),
XXXIV. Face á matéria dada como provada a pena de 1 ano e três meses de prisão, suspensa na sua aplicação pelo período de 1 ano e seis meses é manifestamente excessiva.
XXXV. Salvo o devido respeito por posição divergente, não teve o Tribunal a quo, verdadeiramente em conta e em consideração, na determinação da medida da pena, as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção,
XXXVI. Nem a ausência de antecedentes criminais, o percurso de vida, social e escolar, a idade, e as circunstâncias actuais de vida do aqui Arguido e a sua posição perante a sua actuação e conduta,
XXXVII. É de notar que a pena aplicada ao arguido AA pouco difere no prazo da pena aplicada ao também arguido BB,
XXXVIII.  Não se podendo comparar, mas podendo-se aquilatar, com base nos factos dados como provados e nas declarações do ofendido, a medida da conduta, da intervenção, da motivação de cada um dos intervenientes.
XXXIX. Deve a pena ser reduzida para o seu limite mínimo, beneficiando, ainda, o aqui arguido/recorrente, do regime previsto no Decreto-Lei n.º401/82, de 23 de Setembro, atenta a sua idade á data dos factos.
XL. A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º nº 1 e 2 do C. Penal).
XLI.  Por sua vez, o art.º 71º do mesmo diploma estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação daquela atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, designadamente as referidas nas várias alíneas do seu nº 2.
XLII.  O tribunal a quo ao aplicar ao arguido/recorrente a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por período de 1 ano e 6 meses, sob determinadas condições, não teve, na nossa opinião, em conta quer o modo de execução dos factos, nem a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o conjunto de solicitações internas e externas que determinaram o comportamento, a postura social e moral do arguido, a sua condição pessoal e a sua situação profissional, social e económica.
XLIII.  O arguido não tem antecedentes criminais, nem por crimes da mesma natureza, nem de qualquer outro tipo, o que assume especial relevo, o que mitiga fortemente as necessidades de prevenção especial, bem como as de natureza geral.
XLIV.  Relativamente ao arguido recorrente, da forma como os factos ocorreram, demonstra a diminuída ilicitude dos mesmos, o escasso benefício económico retirado da actividade em causa, atenta ainda a devolução ao ofendido de alguns bens.
XLV.  Assim, ponderando os elementos tidos em conta pelo tribunal a quo para fixação da medida das penas concretas, considera-se injusta, desadequada e desproporcional a pena prisão aplicada, ainda que suspensa na sua execução, mas por período superior.
XLVI.  Tendo o tribunal a quo decidido em desconformidade com o disposto no art.º 32º, nº 2 da CRP, e artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º todos do Código Penal. e 4.°, do Decreto Lei n.º 401/82 , de 23/9.

TERMOS EM QUE, DEVE CONCEDER-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE NO QUE Á MATERIA DE FACTO RESPEITA A DOUTA DECISÃO SOB CENSURA, SUPRINDO O ERRO DE SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO, INTEGRANDO-SE A CONDUTA DO ARGUIDO NO CONCEITO DE CUMPLICIDADE NA PRÁTICA DO CRIME DE ROUBO, OU MANTENDO-SE A DECISÃO ORA EM CRISE, CONDENAR O ARGUIDO NA PENA INFERIOR, A FIXAR PELOS VALORES MÍNIMOS PREVISTOS NA LEI,COMO É DE JUSTIÇA!
(…)”

3. Resposta ao recurso

Após a admissão do referido recurso, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, concluindo (transcrição):
“(…)
1. A sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida não se vislumbrando erro na formação da convicção do tribunal que imponha a alteração da matéria de facto provada;
2. Não obstante, é incontornável que ocorre oposição entre um dos meios de prova indicados na fundamentação/motivação como base dos factos provados (a sentença funda a prova do facto n) no depoimento da testemunha DD que declarou em julgamento que o telemóvel lhe havia sido emprestado pelo arguido BB, no Verão de 2021) e a decisão de facto (na qual se dá como provado que havia sido o arguido AA que o tinha emprestado à testemunha DD);
3. Contradição que, todavia, não é realmente insanável, posto que ultrapassável no quadro de uma compreensão lata da decisão recorrida, mobilizadas que sejam as regras da experiência;
4. De todo o modo a contradição diz respeito a facto lateral e acessório, sendo que as razões e a justeza da condenação se manteriam mesmo que fosse eliminado;
5. E daí que seja admissível a correção de tal lapso, nos termos do artigo 380º, n.º 1. al. b), do CPP, o que se promove;
6. Por outro lado, os factos dados como provados inculcam que a atuação do recorrente se situou no domínio da coautoria e não, como pretende, da cumplicidade;
7. É aliás manifesto que co deteve o domínio funcional dos factos integradores do crime, no
sentido de ter detido e exercido o domínio positivo dos factos típicos, ou seja, “o domínio da
sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspetiva ex-
ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada”;
8. Isto posto, não se vê como sustentar, fundadamente, que a factualidade sub judice, tal como provada, integra uma situação cumplicidade e não, como bem foi decidido, de coautoria;
9. De resto, a cumplicidade é apenas uma forma de participação secundária e acessória na
comparticipação criminosa. E secundária num duplo sentido: de dependência de execução do crime ou começo de execução e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é
determinante da prática do crime (o crime seria sempre realizado, embora eventualmente, vem modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas. E não é claramente o caso;
10. De outra sorte, é seguro que a pena imposta ao recorrente não é excessiva, sendo difícil descortinar elementos que justificassem, como pretende, a sua redução para 30 dias de prisão;
11. Deve, pois, ser desatendida essa sua pretensão;
12. E deve igualmente improceder a pretensão de reduzir o período da suspensão, que aliás não poderia ser inferior a um (1) ano - cf. artigo 50º, n.º 5, do Código Penal;
13. É que optando o tribunal pela suspensão da execução da pena, como concretamente sucedeu, impunha-se naturalmente que o subjacente juízo de prognose compreendesse a avaliação da adequação à realização das finalidades da punição, tal como se prevê no artigo 50º, n.º 2, do Código Penal;
14. E, neste contexto, têm-se como adequada a fixação de um período de suspensão superior ao da pena, de modo a que pudesse observar-se, com suficiente temporalidade, se o arguido estava e se se mantinha verdadeiramente empenhado em concretizar “uma prestação socialmente conforme com maior sucesso do que o seria a execução da pena de prisão”.
(…)”.

4. Tramitação subsequente

Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu parecer pugnando a final pela improcedência total do recurso interposto pelo aludido arguido.

Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e não foi apresentada qualquer resposta pelo recorrente.    

Efectuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO

A) Objecto do recurso

Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim sendo, importa apreciar as seguintes questões:
· Contradição insanável da fundamentação de facto;
· Erro de direito (cumplicidade ou co-autoria?);
· Medida da pena.

B) Apreciação do recurso

1. Fundamentação de facto da decisão recorrida

Para efeitos condenatórios do recorrente, a decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição):
“(…)
1.1. Factos provados.

a) No dia 05 de Junho de 2021, após as 23h, o CC encontrava-se na zona ribeirinha de ..., junto ao anfiteatro, para aí confraternizar com os seus amigos.
b) Nessa altura, e quando o CC se encontrava ainda sozinho, os dois arguidos e um terceiro indivíduo (cuja identidade não foi possível apurar) abordaram o CC com o propósito de se apoderarem de objectos que o mesmo pudesse ter consigo.
c) Em execução desse plano, o arguido BB abordou o CC e exigiu-lhe a entrega do seu telemóvel, tendo este inicialmente se recusado a entregar.
d) Perante a recusa, o arguido BB desferiu uma bofetada na face do CC, arrancando-lhe o telemóvel das mãos, enquanto o arguido AA tirou o casaco e o colete que o CC trazia vestido, despindo-o e ficando-lhe com as ditas peças de roupa.
e) Num dos bolsos do casaco encontrava-se um comando do portão da residência do CC e uma carteira com € 300,00 em numerário, além do cartão do cidadão, que o arguido AA levou conjuntamente com o casaco.
f) Entretanto, o arguido BB exigiu ao CC que lhe entregasse as sapatilhas, acabando este por lhas entregar, ficando descalço.
g) Já munido do telemóvel, o arguido BB exigiu ainda ao CC que lhe desse o código de acesso ao mesmo, mas como este não lhe forneceu de imediato o dito código, o arguido BB desferiu-lhe outra bofetada na face, o que levou a que o CC lhe revelar o código.
h) O casaco e o colete acima referidos valiam, em conjunto, pelo menos € 120,00.
i) As sapatilhas acima referidas eram da marca ... e valiam, pelo menos, € 60,00.
j) O telemóvel acima referido era da marca ..., modelo ... com o IMEI ...46, que foi comprado pelo preço de € 929,99, sendo que o mesmo tinha colocada uma capa protectora no valor de cerca de € 15,00.
k) Todos os objectos acima referidos pertenciam ao CC.
l) De seguida, os dois arguidos e o outro indivíduo que os acompanhava, puseram-se em fuga, na posse dos aludidos bens, que integraram nos respectivos patrimónios.
m) Dias depois, o CC recuperou o seu cartão de cidadão e o comando do portão.
n) O telemóvel veio a ser apreendido pela Polícia de Segurança Pública de ..., no dia 14/03/2022, na posse de DD, a quem o arguido AA o havia emprestado, sendo tal telemóvel, restituído ao CC em 18/03/2022.
o) Os arguidos no seguimento de um plano previamente traçado e no qual previam o uso de força física e intimidação, como forma de concretizar a subtracção de objectos, agiram de comum acordo e com intenção de se apoderarem dos mesmos, bem sabendo que os aludidos bens não lhes pertenciam, mas sim ao CC e que actuavam contra a vontade deste e como consequência causaram-lhe o empobrecimento correspondente ao valor pecuniário acima apontado.
p) Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
q) As sapatilhas, o casaco, o colete, a carteira e o dinheiro referidos não chegaram a ser recuperados.
Mais se provou que:
r) AA é o único filho de um casal, tendo crescido aos cuidados da avó materna, após a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ..., quando o arguido tinha 5 anos de idade, decorrente de um contexto familiar de violência doméstica vivenciado entre os pais; este arguido manteve contacto com os pais, aos fins-de-semana, até o casal se separar, há cerca de cinco anos, passando então a mãe a integrar o agregado da avó materna do arguido; ambas integram o actual agregado do arguido e estão reformadas.
s) O arguido tem um percurso escolar pautado por registos de comportamentos de alguma rebeldia, na interacção com colegas e professores, que terão motivado algumas faltas disciplinares e o seu acompanhamento psicológico durante algum tempo; apesar de alguma instabilidade evidenciada e de uma retenção no 7º ano de escolaridade, o arguido concluiu o 12º ano em 2021.
t) Entre os 17 e os 18 anos, o arguido iniciou o consumo de canábis, em contexto de convívio com amigos, tendo deixado de forma voluntária o mesmo.
u) Com 18 anos, começou a trabalhar como estafeta, na área da restauração e em regime de part-time, actividade que manteve durante cerca de um ano; pouco tempo depois, ingressou na fábrica têxtil “... - Acabamentos Têxteis de ..., Ldª”, colocação laboral que mantém.
v) As reformas da mãe e da avó totalizam cerca de 700€ e o arguido aufere o salário-bruto de 715€; do seu rendimento o arguido contribui com um montante entre os 100€ e 150€ mensalmente para auxiliar nas despesas do agregado.
w) Nos tempos livres, o arguido convive com a namorada, relação que mantém desde há cerca de um ano, com um colega de trabalho e com um primo, tendo-se afastado de pares com quem antes convivia, nomeadamente o co-arguido BB.
x) O arguido AA não tem antecedentes criminais.
(…)

1.2. Factos não provados.

Com relevo para a decisão da causa nenhum outro facto se demonstrou.

1.3. Motivação.

A convicção do tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com base nos depoimentos prestados na audiência de julgamento pelas testemunhas CC, EE, FF e DD, tendo o primeiro narrado a actuação dos arguidos e os demais avançado informações corroboradoras do dito testemunho.
Já os arguidos, optaram por não prestar declarações.
Assim, toda a prova coligida aponta no sentido fixado nos factos provados.
Na verdade, relatou o CC que, quando se encontrava no anfiteatro da zona ribeirinha de ..., onde para conviver com os seus amigos, foi abordado pelos dois co-arguidos, acompanhados de um terceiro individuo, este que não foi capaz de identificar (mas que, em qualquer caso, se limitou a assistir ao desenrolar da actuação dos outros dois). Nessa altura, foram-lhe retirados os aludidos objectos, nos termos descritos, sem que a testemunha optasse por resistir, não só em razão da superioridade numérica das pessoas que o abordaram, mas ainda porque sofreu, consecutivamente, duas bofetadas que o deixaram intimidado. Confirmou o valor dos objectos que lhe foram subtraídos (sendo que o custo do telemóvel se mostra, ainda, documentado, através da factura junta aos autos a fls. 103). Explicou, finalmente, como recuperou os objectos, sendo que o telemóvel lhe foi devolvido pela PSP (cfr. auto de entrega de fls. 101. No que tange à identidade dos arguidos, apesar de os mesmos não serem das suas relações, não teve dúvidas acerca da identificação dos mesmos, o que aliás já resultava do teor dos autos de reconhecimento de fls. 104/vº e 113/vº.
As testemunhas EE e FF, por seu turno, não se encontrando junto do CC quando o mesmo foi abordado pelos co-arguidos, confirmaram que na noite em causa o encontraram descalço e sem os seus pertences (casaco, telemóvel, etc.), corroborando assim, neste ponto, a versão do amigo.
Finalmente, o DD também confirmou que o telemóvel que, entretanto, lhe foi apreendido (cfr. auto de apreensão de fls. 90/91) lhe foi emprestado pelo arguido BB, no Verão de 2021, o qual aliás lhe havia confessado ter sido o mesmo proveniente de um roubo por si realizado.
Em síntese, não ficou o Tribunal com qualquer dúvida de que os factos se passaram tal como narrado pelo CC, sendo que nenhuma prova, aliás, se produziu em sentido diverso daquele que se fixou nos factos provados.
No que concerne aos antecedentes criminais de cada um dos arguidos, relevaram os certificados juntos aos autos a fls. 181vº e 182/183, tendo sido ainda valorados os relatórios sociais de fls. 187 e ss. e 190 e ss, relativamente às condições pessoais, sociais, laborais e económicas de cada um dos acusados.
Quanto aos factos não provados, cumpre, finalmente, referir que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram.
(…)”.

2. Contradição insanável da fundamentação da sentença

2.1. O recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art 410.º, n.º 1, al. b), do CPP).

A contradição em apreço “tanto pode emergir de factos contraditoriamente  provados entre si, como entre este e os não provados (…), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e de direito) e a decisão” (Vide PEREIRA MADEIRA, in “Código de Processo Penal comentado”, Almedina, 2.ª Edição, 2016, pp. 1274-1275),
 
As referidas contradições só importam a efectiva verificação do vício quando sejam insanáveis, isto é, quando não sejam supríveis pelo tribunal ad quem. “Na verdade, tratando-se, por exemplo, de um erro no assentamento da matéria de facto (…) de um erro perceptível pela simples leitura do restante texto da decisão, não poderá falar-se em vício de contradição, o qual só existirá se, eliminado o erro pelo expediente previsto no art. 380.º do CPP, correcção a que o próprio tribunal de recurso pode e deve proceder (n.º 2 do mesmo artigo), a contradição persistir, Então, sim, insanável” (Idem). 

2.2. A respeito da matéria de facto dada como provada sob a alínea n), o recorrente suscita a existência de uma contradição insanável na fundamentação da decisão recorrida.

Mais concretamente, o recorrente alega que ficou ali provado que o mesmo emprestara o telemóvel roubado a DD antes de ocorrer a respectiva recuperação policial.

Contudo, sustenta o recorrente que a afirmação de tal facto mostra-se expressamente contrariada pela motivação igualmente ali avançada, segundo a qual a testemunha DD terá declarado no julgamento que o telemóvel em apreço lhe fora emprestado pelo co-arguido BB.

2.3. Importa constatar que esta contradição se verifica efectivamente e que a mesma resulta da simples leitura do texto da decisão.

Aliás, dir-se-á, ainda, que a redacção final da referida alínea n) dos factos provados corresponde à que já constava do art. 13.º da acusação pública.

Por outro lado, resulta da audição do depoimento da testemunha em apreço que a versão correcta dos factos corresponde àquela que ficou a constar da motivação, isto é, que o telemóvel roubado fora emprestado a DD pelo co-arguido BB.

Contudo, não obstante a existência de esta contradição da fundamentação, a mesma não é insanável conforme sugerido pelo recorrente e, consequentemente, não gera qualquer reenvio para novo julgamento.

A solução não passa pela mera correcção a que alude a al. b) do n.º 1 do art. 380.º do Código de Processo Penal, pois não se trata de um lapso manifesto de escrita susceptível de ser devidamente corrigido após a mera leitura da sentença.

Por outro lado, a total irrelevância da versão alternativa e correcta dos factos não justifica que se lance mão do instituto da alteração não substancial dos factos.

Ao invés, impõe-se tão-só julgar como não provado o segmento da referida alínea n) na parte em que ficara escrito que “(…) a quem o arguido AA o havia emprestado (…)”.

Não obstante a  eliminação deste segmento fáctico dos factos dados como provados, importa concluir, mercê da respectiva irrelevância e superação, que não se verifica o vício decisório da contradição insanável da fundamentação a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal.
   
2.4. Porquanto, importa concluir que o recurso improcede nesta parte.
 
3. Erro de direito (cumplicidade ou co-autoria?)
3.1. O recorrente foi condenado, como co-autor material de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal.

O recorrente sustenta que “a participação do arguido AA se integra apenas na figura da cumplicidade”, pelo que deverá ser condenado apenas como mero cúmplice do crime roubo dos autos, nos termos do disposto no artigo 27.° do Código Penal.

Vejamos a argumentação do recorrente, socorrendo-nos das conclusões que a este respeito apresentou (transcrição):
“(…)
XV. A intervenção do aqui arguido, cingiu-se, segundo o ofendido, á acção de “tirar o casaco e o colete”.
XVI. Não se sabe de que forma e em que circunstâncias,
XVII. Não se sabe se aproveitou tal vantagem dos factos praticados pelo arguido BB ou não.
XVIII. Questiona-se, então, se as circunstâncias em que actuaram os arguidos indiciam, sem qualquer margem para dúvidas, e ainda face às regras da lógica e da experiência comum, se existiu um acordo entre os arguidos no sentido de se apropriarem dos bens pertencentes ao ofendido?
XIX.  Porque não interveio o terceiro arguido? Porque não se locupletou com nenhum dos bens? Porque fugiram os três no final se só dois deles tinham tido intervenção?
XX.  A desproporção entre a actuação do arguido recorrente e o arguido BB é latente e manifesta.
XXI. O arguido BB, abordou o CC, exigiu-lhe a entrega do seu telemóvel, desferiu-lhe uma bofetada na face, arrancou-lhe o telemóvel das mãos, exigiu que lhe entregasse as sapatilhas, exigiu que lhe desse o código de acesso, desferiu-lhe outra bofetada na face, o que levou a que o CC lhe revelar o código.
XXII. O arguido AA apenas tirou o casaco e o colete que o CC trazia vestido, despindo-o e ficando-lhe com as ditas peças de roupa.
XXIII. Atentos os factos dados como provados, pugnamos pelo que nos parece óbvio, isto é, de que a participação do aqui arguido se integra apenas na figura da cumplicidade, uma vez que a sua actuação foi diminuta, não tendo intervindo em qualquer dos outros factos ou acções anteriores ou posteriores, não tendo uma participação idêntica à do outro arguido, não foi de relevância para a consumação do crime como a do outro arguido, não tinha o domínio do facto.
XXIV. Os factos provados relativamente ao arguido recorrente são somente suficientes para integrar o conceito de cumplicidade, já que revelam, de modo bastante, tão-só uma solidarização activa e ainda o influxo psíquico relativamente à prática do crime pelo co-arguido.
XXV.  Incorre, assim, a douta sentença, em erro na aplicação de direito, violando, mormente, o art.º 27.º, 203º nº 1 e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal.
(…)”.

3.2. Para conhecer desta pretensão recursória,  impõe-se uma observação prévia óbvia e fortemente limitadora dos objectivos do recorrente.

Na verdade, importa salientar que devido à falta de impugnação da matéria de facto fixada na sentença recorrida, com a consequente manutenção da factualidade provada e não provada, parte substancial da argumentação do recorrente fica naturalmente prejudicada.

3.3. Sobre o conceito de autoria dispõe o artigo 26.º do Código Penal, que “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

Como tem sido entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista uma obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.

Concretizando, dir-se-á ainda que aquela decisão conjunta, ou seja o acordo com outro, ou com outros, tanto pode ser expresso como tácito; por outro lado, a aludida execução conjunta traduz-se numa participação directa na execução do facto, numa contribuição objectiva para a sua realização, não sendo indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final (Vide neste sentido, o Ac. do STJ de 18/07/1984, no BMJ, n.º 339, pág. 276; Ac. do STJ de 14/06/1995, na CJ, Acs. do STJ, Ano III, Tomo 3, pág. 197, e Ac. do STJ de 27/09/1995, na CJ, Acs. do STJ, Ano III, Tomo III, pág.197).

Por seu turno, a respeito da cumplicidade, dispõe o artigo 27.º do Código Penal:

1. É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
2. É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.”

A cumplicidade material consiste na prestação de uma ajuda para a execução do crime.

A cumplicidade moral corresponde àquilo que na linguagem corrente se designa, “dar apoio moral”: isto é, ao contrário do instigador, o cúmplice não tem uma actuação decisiva para que o autor se decida a cometer o crime; o cúmplice moral apenas dá apoio moral a uma pessoa que já está decidida a cometer um crime, apenas fortalece essa decisão.

O co-autor, de acordo com a terceira proposição do artigo 26º do Código Penal, é aquele que toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.

Exige-se, portanto, uma decisão conjunta e uma participação na fase executiva, ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, que o co-autor «preste neste estádio uma contribuição objectiva para a realização do facto (Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra, 2007, p. 794).

Essencial é a ideia segundo a qual o princípio do domínio do facto se combina aqui com a exigência de uma repartição de tarefas, que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição (Idem).

Acrescenta, ainda, o mesmo autor que “de acordo com o critério central do domínio do facto, é indispensável que do contributo objectivo dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer ou pôr à disposição os meios de realização. Juízo este, sobre o relevo da contribuição para o facto, que deve ser alcançado numa consideração ex ante e não ex post» (op. cit. p. 795).

A outra forma de comparticipação – a cumplicidade – pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.

A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

Por isso, como bem explicita o Prof. Germano Marques da Silva ( in Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, ed. Verbo, pág. 179):
«A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la».

E tem sido em função destes parâmetros que a jurisprudência tem procurado estabelecer as diferenças entre co-autoria e cumplicidade (cfr., v.g., para além dos arestos supra citados os Acs. do STJ de 22-03-2001, proc.º n.º 473/01-5.ª, CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 260 e de 15-12-2011, proc.º n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, e a demais jurisprudência mencionada pelos Cons.º Simas Santos e Leal Henriques, in Código Penal Anotado, vol. I, 4ªed., Lisboa, 2014, págs. 413-429, em anotação ao artigo 27.º).

3.4. Tendo em consideração todo este enquadramento, é insofismável, à luz dos factos dados como provados, que a actuação do arguido AA ultrapassou em muito a mera prestação de auxílio moral ou material, devendo qualificar-se como co-autor.

O arguido AA e os dois comparticipantes planearam previamente entre si assaltar o ofendido CC mediante o uso da intimidação e da força física.

O arguido AA abordou efectivamente o ofendido com a intenção de se apoderar de objectos que o mesmo pudesse ter consigo.

Esta abordagem da vítima foi assegurada com a intervenção de mais dois comparticipantes para aumentar o efeito intimidatório.

Perante a resistência da vítima, o comparticipante BB esbofeteou-a conforme previamente planeado com o arguido AA.

Enquanto a vítima era assim agredida e forçada a sujeitar-se à investida dos três assaltantes, o arguido AA retirou-lhe do corpo várias peças de roupa e uma carteira com dinheiro.

Finalmente, o produto deste assalto foi integrado no património do arguido AA e dos dois comparticipantes.

Pode, pois, concluir-se que a actuação do arguido AA se revelou fundamental para a execução dos factos, nomeadamente na execução da acção típica da subtracção de bens à vítima depois da mesma ter sido intimidada e agredida à bofetada.

Na verdade, para que se entenda que tem o domínio (funcional) do facto, basta que o comparticipante actue segundo a divisão de tarefas previamente acordada ou conjuntamente executada (nos casos em que não há acordo prévio mas há consciência recíproca de colaboração), detendo o domínio da sua função tal como a mesma é definida no plano ou resulta da actuação conjunta.

Ora, a concreta actuação do arguido AA dada como provada coloca-o no papel de verdadeiro co-autor material de um crime de roubo consumado.

Por isso, não foi mero cúmplice na prática do crime de roubo pelo qual foi condenado.

3.5. Porquanto, importa concluir que o recurso improcede, também, nesta parte.

4. Medida da pena

4.1. Conforme referido, o recorrente foi condenado, como co-autor material de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1  ano e 3  meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 1 ano e 6 meses de prisão.

O recorrente insurge-se contra a medida concreta desta pena de prisão, pois considera que a mesma é excessiva e pugna pela respectiva redução para o limite mínimo, sem prejuízo da manutenção da pena de substituição e do respectivo período de duração.

Vejamos novamente a argumentação do recorrente, socorrendo-nos das conclusões que a este respeito apresentou (transcrição):
“(…)
XXXV. Salvo o devido respeito por posição divergente, não teve o Tribunal a quo, verdadeiramente em conta e em consideração, na determinação da medida da pena, as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção,
XXXVI. Nem a ausência de antecedentes criminais, o percurso de vida, social e escolar, a idade, e as circunstâncias actuais de vida do aqui Arguido e a sua posição perante a sua actuação e conduta,
XXXVII. É de notar que a pena aplicada ao arguido AA pouco difere no prazo da pena aplicada ao também arguido BB,
XXXVIII.  Não se podendo comparar, mas podendo-se aquilatar, com base nos factos dados como provados e nas declarações do ofendido, a medida da conduta, da intervenção, da motivação de cada um dos intervenientes.
XXXIX. Deve a pena ser reduzida para o seu limite mínimo, beneficiando, ainda, o aqui arguido/recorrente, do regime previsto no Decreto-Lei n.º401/82, de 23 de Setembro, atenta a sua idade á data dos factos.
XL. A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º nº 1 e 2 do C. Penal).
XLI.  Por sua vez, o art.º 71º do mesmo diploma estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação daquela atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, designadamente as referidas nas várias alíneas do seu nº 2.
XLII.  O tribunal a quo ao aplicar ao arguido/recorrente a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por período de 1 ano e 6 meses, sob determinadas condições, não teve, na nossa opinião, em conta quer o modo de execução dos factos, nem a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o conjunto de solicitações internas e externas que determinaram o comportamento, a postura social e moral do arguido, a sua condição pessoal e a sua situação profissional, social e económica.
XLIII.  O arguido não tem antecedentes criminais, nem por crimes da mesma natureza, nem de qualquer outro tipo, o que assume especial relevo, o que mitiga fortemente as necessidades de prevenção especial, bem como as de natureza geral.
XLIV.  Relativamente ao arguido recorrente, da forma como os factos ocorreram, demonstra a diminuída ilicitude dos mesmos, o escasso benefício económico retirado da actividade em causa, atenta ainda a devolução ao ofendido de alguns bens.
XLV.  Assim, ponderando os elementos tidos em conta pelo tribunal a quo para fixação da medida das penas concretas, considera-se injusta, desadequada e desproporcional a pena prisão aplicada, ainda que suspensa na sua execução, mas por período superior.
(…)”.

Por outro lado, sem perder de vista os factos dados como provados acima transcritos, vejamos igualmente o que se exarou na sentença recorrida a respeito da pena aplicada (transcrição):
«(…)

2.2. Determinação da medida da responsabilidade.
2.2.1. Moldura penal e escolha da pena.

A prática do crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, como se disse, é punida com pena de prisão de um a oito.
Não admitindo a norma punitiva alternativa, deve ser aplicada pena de prisão aos arguidos.
***
Resulta, porém, do preceituado no art. 4.º do DL n.º401/82, de 23 de Setembro – aplicável, por força do respectivo art. 1º, aos jovens que, à data da prática do crime, tenham completado 16 anos sem haver atingido ainda os 21 anos de idade – que, se for aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos do art. 73.º e 74.º do Cód. Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Não sendo, portanto, de funcionamento automático, a atenuação especial da pena prevista no art. 4.º do D.L. n.º 401/82 supõe a presença de razões sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Exige-se, nas palavras impressivas do Ac do STJ de 10.6.91 (BMJ 409, pág 387), um juízo optimista sobre a personalidade, a ponto de se poder afirmar com alto grau de probabilidade que o abrandamento da pena irá contribuir para a reinserção social do condenado.
Ora, considerando que, à data da prática dos factos, o arguido AA contava com apenas 18 anos de idade, entende-se ser de aplicar o regime de atenuação especial previsto no diploma acima indicado, já que a conduta empreendida tenderá a explicar-se pela vulnerabilidade psíquica que à adolescência, em regra, corresponde, caracterizada, justamente, pela procura de uma nova identidade pessoal e social, normalmente alcançada através da experimentação, mais ou menos destemida, de um certo tipo de comportamentos. À capacidade de compreensão que frequentemente existe nos jovens, contrapõe-se a falta da força de vontade necessária para resistir à pressão de motivos, tipicamente mais ponderosos, e que conduzem à prática de infracções (cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Vol. I., p. 599).
A atenuação seguirá a regra prevista no art. 73.º do Cód. Penal, fixando-se, por consequência, a moldura a considerar entre um mês (cfr. arts. 73º, n.º 1, al. b) e 41.º, n.º 1, ambos do Cód. Penal) e cinco anos e quatro meses (cfr. art. 73º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal).

2.2.2. Determinação da medida concreta das penas.

Para a determinação da medida da pena concreta da pena, o art. 71.º do Cód. Penal fornece um critério fundamental: dentro dos limites definidos na lei, far-se-á ela em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.
Através do princípio regulativo assim formulado, transpôs o legislador para o momento da determinação concreta da pena a posição que, em matéria das finalidades da punição, viria no texto revisto expressamente a consagrar. Com efeito, porque só razões directamente ligadas à necessidade de tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma violada e ao propósito de ao delinquente desinserido proporcionar a reintegração e o auxílio próprios de qualquer Estado de Direito Material, podem justificar a aplicação das reacções mais gravosas que o Direito Penal tem por função dispensar, serão precisamente as exigências da prevenção geral e especial aquelas que, em concreto, vão determinar o quantum de pena em a aplicar. A culpa do agente funcionará como uma incondicionável proibição de excesso que, comprimindo de forma inultrapassável quaisquer considerações preventivas, fornecerá o limite máximo que, em nome da preservação da dignidade da pessoa do arguido, pode a punição, concretamente, alcançar (neste sentido, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime pp. 224 e ss.).
Tendo em conta o procedimento de determinação da pena que acaba de ser exposto e a enumeração exemplificava contida no n.º 2 do art. 71º do Código Penal, deverão ser seleccionadas, no complexo integral dos factos, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, sejam expressivas das exigências concretas da culpa e da prevenção, geral e especial, sendo de relevar, neste conspecto, o grau de participação/intervenção de cada um dois arguidos na execução do plano criminoso.
Ao nível dos factores atinentes à execução do facto, considerar-se-á, desde logo, que o comportamento que se aprecia se quedou pelo emprego de violência física, sendo, porém diverso o grau de desenvolvimento da actuação de cada um dos arguidos (- o arguido BB foi quem esbofeteou o ofendido, tendo o arguido AA se limitado a arrancar-lhe o casaco). Também a quantidade e o valor dos bens subtraídos, a par da energia criminosa expressa nos actos de execução empreendidos e no planeamento ou adesão espontânea à actuação então desenvolvida, assim como a intensidade com que o dolo se patenteia, denunciado pela escolha do local e momento para a prática do crime, relevando ambas as circunstâncias pela via da culpa, serão consideradas.
Contra os arguidos constata-se, ainda, a incapacidade demonstrada pelos mesmos de qualquer exercício introspectivo, sendo débil a capacidade de autocensura manifestada.
A favor dos arguidos, o que determina que a pena se haja de situar ainda perto do limite mínimo da moldura, ponderou-se a ausência de antecedentes criminais (sendo que a condenação sofrida pelo arguido BB é por crime de natureza diversa daquele ora em apreço), o que nos leva a actualizar o juízo de que ambos os arguidos deverão ser influenciados sem dificuldade pelas penas que lhe venham a ser aplicadas.
Pelo exposto, e considerando, uma vez mais, a conduta em presença, decide-se condenar:
- o arguido AA, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
- o arguido BB na pena de 2 (dois) anos de prisão.
(…)».

4.3. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1). Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).

Na síntese do Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2007 (proc.º n.º 28/07-5): «A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor - a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)

Esta posição do STJ perfilha claramente a teoria penal defendida pelo Prof. Figueiredo Dias e por ele resumida pela forma seguinte: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inul­trapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de inte­gração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em fun­ção de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” (Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111).

Mais especificamente sobre a função da culpa, o Prof. Figueiredo Dias esclarece:   “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas (…) A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar” (op. cit., págs. 109-110)

Dando concretização aos vectores enunciados no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os
sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


Conforme decorre da lição da melhor doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e constitui jurisprudência uniforme do STJ (cfr., v.g. os Acs. do STJ de 9-11-2000, in Sumários STJ de 29-1-2004, proc.º n.º 03P1874, e de 27-5-2009, proc.º n.º09P0484, disponíveis in www.dgsi.pt), aplicável à segunda instância (cfr. v.g. Ac. da Rel. de Lisboa de 31-10-2019, proc.º n.º 989/17.0PZLSB.L1-9,  da Rel. do Porto de 2-10-2013, proc. n.º 180/11.0GAVLP.P1, e da Rel. de Guimarães de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada

Nesta linha de orientação refere o Ac. da Rel. do Porto de 6-1-2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1: «Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada».

Tendo em consideração estes parâmetros, analisemos a pretensão recursória.

4.4. Antecipa-se que o tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena e que a conduta do arguido foi  avaliada em função e com respeito dos parâmetros legais.

Salvo o devido respeito, a impetrada aplicação da singela pena de 1 mês de prisão por referência  aos factos dados como provados não faz qualquer sentido.

Desde logo, diversamente do alegado pelo recorrente, a invocada juventude do arguido AA foi especificamente considerada pelo tribunal a quo e saldou-se na concessão do benefício muito relevante da atenuação especial da pena decorrente da aplicação do regime penal para jovens delinquentes previsto no art. 4.º do DL 401/82, de 23 de Setembro.

Dito isto, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão concretamente aplicada ao recorrente – tendo por referência a moldura especialmente atenuada de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão – não viola as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada.

Muito pelo contrário, a medida da pena aplicada ao arguido, situada no quarto inferior da moldura da pena prevista para o ilícito cometido, contém-se dentro dos limites da culpa e das necessidades de prevenção e a decisão recorrida fez adequada e justa ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime militam a favor e contra o agente.

Diversamente do alegado pelo recorrente, a ilicitude  dos factos concretamente cometidos pelo arguido em co-autoria material assume um grau elevado na economia do tipo de crime de roubo simples, seja no plano do desvalor da acção, seja no plano do desvalor de resultado.

Na verdade, o recorrente cometeu o roubo em co-autoria material – com o concurso de mais dois indivíduos – e a respectiva execução traduziu-se na abordagem da vítima quando esta se encontrava sozinha na via pública durante a noite.

A intimidação da vítima e a superação da resistência desta não se ficaram pela mera ameaça de uso de violência física, pois o plano criminoso avançou para a agressão física efectiva, mais concretamente duas bofetadas na face.

Ainda que tivesse sido exclusivamente o co-arguido BB a esbofetear a vítima, a verdade é que este uso de violência contra o ofendido integrava o plano criminoso de todos os comparticipantes, incluindo o recorrente AA, não podendo, assim, este arguido colocar-se à margem desta execução violenta dos factos.

Acresce que o recorrente não se limitou a abordar e a intimidar a vítima com a respectiva presença, pois protagonizou a acção típica de subtracção de alguns bens que esta trazia consigo ao forçá-la a despir-se.

O ofendido foi despojado à força dos seguintes bens e valores: um casaco e um colete no valor global de € 120,00, um par de sapatilhas no valor global de 60€, uma carteira com 300€ em dinheiro, um telemóvel no valor de € 900, um cartão do cidadão e um comando de portão.  

A circunstância de o valor dos bens subtraídos ascender a € 1 380,00 não deve ser subestimada, pois tal valor patrimonial está longe de ser diminuto e os co-autores materiais do roubo dos autos – incluindo o recorrente – levaram consigo tudo o que com o mínimo de valor estava na posse da vítima, deixando-o, inclusivamente, descalço na via pública.

Por outro lado, diversamente do alegado, não resultou provado que o recorrente tivesse assumido qualquer “posição relevante perante a sua actuação”, pois o mesmo remeteu-se legitimamente ao silêncio no julgamento, não podendo ser prejudicado ou beneficiado por esta opção processual.

À face de este silêncio assumido no julgamento, qualquer eventual reconhecimento dos factos no seio da entrevista mantida aquando da elaboração do relatório social não podia ser valorado na decisão recorrida e também não poderá ser valorado neste recurso.

Acresce que o recorrente não reparou minimamente o mal praticado, nomeadamente não devolveu voluntariamente qualquer dos bens subtraídos à vítima.

O dolo do recorrente foi directo e intenso, como sucede neste tipo de criminalidade, que pressupõe uma selecção prévia e uma avaliação da vítima.

A moldura abstracta da pena de prisão cominada para a autoria do roubo simples, ainda que especialmente atenuada,  apresenta uma amplitude que alberga várias formas de execução deste delito, sendo necessário assegurar a justiça relativa por referência à execução material do plano criminoso que não fica pela mera intimidação da vítima e que progride para a agressão física efectiva e cruel da vítima ao ponto de a deixar sem dinheiro, sem telemóvel e descalça na via pública.

As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas relativamente ao crime de roubo na via pública, pois as cifras respeitantes a este crime são elevadas e muitas vezes escapam à punição em virtude das ameaças e da coacção a que as vítimas são sujeitas, reclamando, por isso mesmo, uma forte resposta de reposição da eficácia da norma jurídica e dos bens jurídicos afectados.
           
No passado ano de 2021, por referência às 11 614 participações criminais registadas a nível nacional em matéria de criminalidade violenta e grave, uma grandeza equivalente 4 308 participações – 12 participações por dia – respeitava tão-só a roubo na via pública, com exclusão do esticão, colocando este crime como o crime violento mais participado (Relatório Anual de Segurança Interna – 2021, M.A.I.).

A confiança dos cidadãos na salvaguarda dos plúrimos bens jurídicos afectados por este tipo de crime – integridade física, liberdade pessoal e património – exige, pois, uma pena suficientemente dissuasora de nova violação da norma infringida.

As necessidades de prevenção especial – necessidade de induzir o arguido a evitar a prática de futuros crimes e a adoptar um comportamento socialmente adequado –  são medianas considerando a ausência de antecedentes criminais, a manutenção da situação laboral activa e o afastamento entretanto verificado relativamente aos pares com quem antes convivia.

No plano da culpa, desde logo, importa não perder de vista que os constrangimentos ao poder individual de agir de outra maneira na situação que andam naturalmente associados à juventude já contribuíram em parte para a relevante atenuação especial da pena acima referida.

Por outro lado, não obstante as dificuldades vivenciadas pelo recorrente no meio familiar durante a infância e os comportamentos rebeldes reflexos por si adoptados no meio escolar no início da adolescência, a verdade é que o mesmo já tinha atingido a maioridade e já estava a entrar no mercado de trabalho quanto cometeu o assalto ora sob análise e, por conseguinte, a sua culpa não pode deixar de ser considerada mediana relativamente à violência concretamente exercida contra a vítima com a aprovação de todos os comparticipantes, incluindo o recorrente.

O simples facto de o recorrente ter vivido num ambiente criminógeno durante a infância não determina uma inexorável diminuição da capacidade de culpa e muito menos uma desnecessidade de ressocialização por referência a qualquer comportamento criminoso que venha a adoptar a partir da idade adulta.

Aqui chegados, impõe-se ainda referir – apenas porque foi suscitado pelo recorrente – que não se vislumbra a este respeito qualquer equivalência entre as penas aplicadas ao recorrente e ao co-arguido BB, pois este último foi concretamente punido de forma mais severa – nomeadamente com uma pena de 2 anos de prisão – pela comissão da mesma infracção, conforme prescrito pelo art. 26.º do Código Penal.

4.5. Assim sendo, não se justifica qualquer alteração ao decidido em matéria de medida concreta da pena de prisão aplicada ao recorrente, pelo que o recurso improcede também nesta parte.
                                                                      
III – DECISÃO

Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso totalmente improcedente e, em consequência:

a) Sem prejuízo de eliminarem a expressão “(…) a quem o arguido AA o havia emprestado (…)” da redacção da alínea n) dos factos provados;
b) E de fazerem constar esta mesma expressão dos factos não provados por referência ao telemóvel apreendido na posse de DD;
c) Mantêm, no restante, o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC (art. 513.º, do CPP, e art. 8.º do RCP e tabela III anexa).
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Guimarães, 15 de Maio de 2023
(Texto elaborado em computador pelo relator e integralmente revisto pelos subscritores)

(Paulo Almeida Cunha - Relator )
(Helena Lamas)
(Cruz Bucho)