Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5018/24.5T8GMR.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ANULAÇÃO DE SENTENÇA
VÍCIOS DA DECISÃO DE FACTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A decisão proferida pela 1.ª instância será: deficiente, quando o que tenha dado como provado e como não provado não corresponda a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado pelas partes; obscura, quando o seu significado não possa ser apreendido com clareza e segurança (isto é, os pontos de facto considerados na sentença são ambíguos ou poucos claros, permitindo várias interpretações); e contraditória quando pontos concretos que a integram tenham um conteúdo logicamente incompatível, não podendo subsistir ambos utilmente (isto é, diversos pontos de facto colidam entre si, de forma inconciliável).

II. Padecendo a decisão de facto de algum daqueles vícios, e não constando do processo todos os elementos que permitam supri-lo, deverá ser anulada a sentença, por forma a que o Tribunal a quo o possa colmatar (art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC).

III. Faltando na apreciação crítica da prova a fundamentação do juízo do tribunal a quo quanto a factos essenciais provados e não provados, ou sendo a mesma fundamentação insuficiente, deverá ser anulada a sentença em causa, por forma a que ele próprio supra a sua anterior omissão, já que só desse modo se permite a sindicância objectiva da sua decisão (art.º 662.º, n.º 2, al. d), do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., ..., e BB, residente na Rua ..., em ..., ..., requereram a insolvência de EMP01... - Unipessoal, Limitada, com sede na Rua ..., em ....
Alegaram para o efeito que, tendo sido trabalhadoras da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada), contratadas para exercerem as suas funções na sede da empresa, viram definitivamente transferido o seu local de trabalho em Março de 2024, o que seria idóneo a causar-lhes problemas pessoais e familiares irreparáveis (por não disporem de idóneos transportes públicos para o novo local, nem lhes ter sido facultado pela Requerida qualquer outro).
Mais alegaram que, tendo por esse motivo resolvido com justa causa os respectivos contratos de trabalho, não lhes foram, porém, pagas as quantias a que tinham direito (v.g. indemnização por cessação do contrato, férias, subsídio de férias e subsídio de natal vencidos em 01 de Janeiro de 2024, proporcionais do tempo de trabalho do ano de cessação, e horas de formação), devendo-lhes a Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) a quantia global de € 8.530,19 (à 1.ª Requerente) e de € 7.896,63 (à 2.ª Requerente).
Alegaram ainda que, no dia 08 de Março de 2024, a Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) cessou os seus pagamentos aos trabalhadores e demais credores, correspondendo o valor do seu activo (que discriminaram) a não mais de € 6.000,00.

1.1.2. Regularmente citada, a Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) deduziu oposição, pedindo que se reconhecesse a sua situação de solvência.
Alegou para o efeito, em síntese, terem as Requerentes (AA e BB) abandonado o seu posto de trabalho, não obstante lhes ter facultado transporte alternativo para o novo local onde deveriam prestá-lo, não lhes sendo, por isso, devida qualquer indemnização por cessação do contrato de trabalho (que terminou por denúncia delas próprias e não por resolução com justa causa).
Mais alegou não lhes serem igualmente devidas quaisquer outras quantias, nomeadamente: subsídios de férias vencidos em 01 de Janeiro de 2024, que lhes foram sendo pagos em duodécimos, tendo ainda as Requerentes (AA e BB) gozado antes e integralmente as férias a que tinham direito; proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídios de natal reportados ao ano de cessação dos contratos, que lhes foram pagos no termo dos mesmos; e formação contínua, que lhes foi sendo proporcionada ao longo dos anos em que estiveram ao seu serviço.
Alegou ainda que, pese embora neste momento não tenha trabalhadores próprios, continua a exercer a sua actividade por intermédio de subcontratações, uma vez que dispõe de encomendas; e estando-lhe a ser exigidos créditos de alguns milhares de euros, na sua maior parte são indevidos (por isso os contestando em sede próprio), estando ainda a regularizar, por acordo, as dívidas à Autoridade Tributária.

1.1.3. Foram solicitadas informações à Autoridade Tributária e ao Centro Distrital da Segurança Social ... sobre a situação devedora da Requerida (AA e BB), tendo a primeira junto «CERTIDÃO DAS DÍVIDAS EM COBRANÇA COERCIVA» (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e o segundo prestado informação conforme (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e não declarando a insolvência da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
No caso em apreço, apesar dos créditos existentes, os dados contabilísticos não permitem concluir por uma situação de insolvência.
 Ora, o valor da dívida, em prejuízo do ónus de prova da requerida, a verdade é que havendo bens passíveis de serem vendidos, e podendo apenas atender-se ao valor que se encontra inscrito na contabilidade, não se pode dizer que o seu passivo seja superior ao ativo, pelo menos sem uma mais detalhada explanação da situação da empresa requerida, nem que o montante da qual a requerente é credora seja de tal ordem que irreversivelmente não possa ser cumprido (vide nomeadamente Decisão do TRG de 31/10/2019, proferido no processo nº 6284/18.0 T8GMR que correu termos neste Juízo).  Assim o crédito existente em confronto com os dados contabilísticos da requerida, que independentemente de outras considerações são os que devem merecer neste momento o devido relevo, não permitem concluir pelo estado de insolvência da requerida, porquanto a mesma continua a declarar valores de faturação em montantes que permitem fazer face aos créditos «reclamados».  Pelo exposto, a presente acção deve improceder por não estarem verificados os pressupostos previstos no art. 3º, nº1 do CIRE.
*
Decisão.
Julga-se presente acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido (art. 44º, nº1 do CIRE).
Custas pela A.
Registe e Notifique e DN.
(…)» 
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformadas com a sentença proferida, as Requerentes (AA e BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, revogando-se a sentença recorrida e substituindo a mesma por acórdão a julgar a acção procedente e a declarar a insolvência da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada).

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida que julgou a acção improcedente e absolveu a Requerida do pedido de declaração de insolvência, já que as Recorrentes não se conformam com a mesma. Vejamos porquê:

B. A sentença recorrida fundamentou-se no facto de, no entender do Tribunal a quo - não obstante as Recorrentes terem demonstrado serem credoras da Requerida -, esta não se encontrar em estado de insolvência.

C. Entendem, no entanto, as Recorrentes que se impunha uma decisão diversa da recorrida e que declarasse a insolvência da Requerida, já que, salvo o devido respeito, a Requerida está insolvente.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

D. As Recorrentes pretendem, com o presente recurso, ampliar os factos provados, por um lado, e demonstrar o estado de insolvência da Requerida, por outro lado.

E. A discordância das Recorrentes prende-se, assim, com matéria de direito, mas também se prende com a matéria de facto dada como provada e como não provada, que as Recorrentes pretendem impugnar e alterar, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º e 662.º do C.P.C.. Passemos, então, a essa análise.

FACTOS PROVADOS

F. As Recorrentes entendem que não foi feita qualquer prova que pudesse levar à confirmação da alínea o) dos factos provados, nem foi junto qualquer documento que o comprove, o que seria muito simples e fácil. Aliás, a motivação da sentença nada nos diz sobre que provas alicerçaram este facto e formaram a convicção do tribunal.

G. Deste modo deve ser eliminado dos factos provados a alínea o: “A Requerida mantém atividade ainda que não tenha trabalhadores próprios recorrendo a subcontratação”.

FACTOS NÃO PROVADOS

H. As Recorrentes entendem, salvo o devido respeito, que o Tribunal - atenta toda a prova documental e testemunhal produzida -, deveriam ter dado como provados também os seguintes factos:
a) A Requerida deve a cada uma das Requerentes, pelo menos, a quantia de 2.659,85 €, referente a férias e subsídio de férias vencidas em 01/01/2024, proporcionais do tempo de trabalho de ano da cessação e formação. 
b) A Requerida deve à Segurança Social a quantia de 42.475,45 €.
c) A Requerida deve à Autoridade Tributária a quantia de 111.993,39 €.
d) A Requerida, no ano 2023, teve um resultado líquido negativo de 25.408,26 €.

DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DA RECORRIDA
 
I. Entende o Meritíssimo Juiz a quo que a Recorrida não está em estado de insolvência. As Recorrentes, contudo, discordam deste entendimento.

J. Desde logo, e atento o supra exposto, cremos que ficou provado que a Recorrida deve às Requerentes, à Segurança Social e à Autoridade Tributária uma quantia superior a 156.000,00 €.

K. Ora, tratam-se de créditos de natureza laboral, contributiva e fiscal, que se enquadram nos índices de insolvência previstos no artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b) e g), i), ii) e ii) do CIRE. Dívidas estas vencidas há mais de 6 meses.

L. Por outro lado, a Recorrida não conseguiu fazer prova - como lhe competia, já que era seu o ónus da prova - do seu estado de solvência. Pelo contrário, a Recorrida não juntou qualquer documentação contabilística que demonstrasse a sua solvência, por um lado, e não demonstrou ser possuidora de activo de valor superior às dívidas que tem.

M. Aliás, o último documento contabilístico que juntou é a IES de 2023, documento este que serviu para o Tribunal dar como provado que em 2023 (quando estamos a entrar em 2025!!!!) a Requerida teve um volume de negócios de 559.000,00 €. Ora, a este propósito pergunta-se: que relevância tem o valor de negócios na determinação do estado de insolvência? Até poderia ter um volume de negócios de muitos milhões de euros e ainda assim estar insolvente.

N. No entanto, este mesmo documento (repita-se, completamente desatualizado) demonstra que a Requerida, no ano 2023 teve um resultado negativo de 25.408.26 €, facto importantíssimo para a discussão da causa e que foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo.

O. Assim sendo, e salvo melhor opinião, resulta mais que provado nos autos que o activo da Recorrida é manifestamente inferior ao seu passivo, ao que acresce o facto de a Recorrida não ter qualquer liquidez e/ou capacidade para pagar as suas dívidas, uma vez que o crédito das Recorrentes, juntamente com o da Segurança Social e o da Autoridade Tributária ser de valor superior a 156.000,00 € e encontrar-se em dívida há mais de 6 meses.

P. Ao que acresce o facto, dado como provado, de a Requerida não ter gerência há cerca de um ano, uma vez que o gerente faleceu e nunca foi nomeado outro em sua substituição (cfr. alínea p) dos factos dados como provados)

Q. A sentença recorrida violou assim, entre outros, os artigos 394.º e 396.º do Código do Trabalho, o artigo 799.º do Código Civil e os artigos 3.º e 20.º do CIRE.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso das Requerentes (AA e BB) - como «de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões suscitadas pela sindicância das Recorrentes
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelas Requerentes (AA e BB), duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação, valoração e utilização da prova produzida, nomeadamente porque a mesma:

. não permitia que se desse como demonstrado o facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea o) («A Requerida mantém atividade ainda que não tenha trabalhadores próprios recorrendo a subcontratação»);

. e impunha que se dessem como demonstrados quatro novos factos a aditar ao elenco dos provados (Primeiro «A Requerida deve a cada uma das Requerentes, pelo menos, a quantia de € 2.659,85, referente a férias e subsídio de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2024, proporcionais do tempo de trabalho de ano da cessação e formação», Segundo «A Requerida deve à Segurança Social a quantia de € 42.475,45», Terceiro «A Requerida deve à Autoridade Tributária a quantia de € 111.993,39» e Quarto « A Requerida, no ano 2023, teve um resultado líquido negativo de € 25.408,26») ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, já que os factos provados são suficientes para preencherem as previsões do art.º  20.º, n.º 1, als. a), b) e g), i), ii) e iii), do CIRE (isto é, existir uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas da Requerida, ter a mesma incumprido uma ou mais obrigações cujo montante ou circunstâncias de incumprimento revelam a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, e ter incumprido de forma generalizada, nos últimos seis meses, dívidas tributárias, de contribuições para a segurança social e emergentes de contratos de trabalhos, ou da violação ou cessação dos mesmos), devendo desse modo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, declarando a  insolvência da Requerida) ?
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2.2.2. Questão adicional resultante da decisão recorrida
Contudo, verifica-se que, na decisão sob recurso (sentença que conclui pela solvência da Requerida), a respectiva fundamentação de facto padece de várias patologias, quer ao nível da suficiência da matéria de facto dada como provada, quer ao nível da fundamentação do juízo probatório do Tribunal a quo.
Face ao exposto, importará que se apreciem as ditas patologias da decisão recorrida, uma vez que poderão conduzir à anulação oficiosa da mesma.
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2.2.3. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º»; e lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Deverão, assim, ser primeiro conhecidas as questões relativas à eventual anulabilidade oficiosa da sentença sob recurso (já que, se eventualmente certificada, impedirá o conhecimento das remanescentes questões dele objecto).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal a quo, resultaram provados os seguintes factos (aqui transcritos ipsis verbis):

a) A requerida é uma sociedade por quotas, que tem por objeto o “Comércio e confeção de vestuário exterior em série”, com o NIPC: ...22 (cfr. doc. n.º 1).

b) Atualmente a requerida tem um capital social de € 5.000,00:

c) Sendo uma única quota de 5.000,00 euros pertencente ao titular/gerente CC, nif ...81, residente na Rua ... – ... ....

d) A 1.ª requerente foi admitida, em 01/06/2019, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para trabalhar como trabalhou, sob a autoridade, direção e fiscalização da mesma, e mediante retribuição, desempenhando as funções de costureira.

e) A 2.ª requerente foi admitida, em 03/12/2019, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para trabalhar como trabalhou, sob a autoridade, direção e fiscalização da mesma, e mediante retribuição, desempenhando as funções de costureira.

f) As requerentes trabalhavam de segunda a sexta-feira no seguinte horário de trabalho: das 08h30 às 12h30 e das 13h30 às 17h30.

g) As requerentes auferiam a retribuição mensal de € 956,66 (sendo € 820,00 de retribuição base e € 136,66 de duodécimos de subsídio de férias - (€ 68,33) e subsídio de natal – (€ 68,33), acrescida de € 2,50 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho (cfr. Portaria de extensão das alterações do contrato coletivo entre a Associação Nacional das Indústrias de Vestuário, Confeção e Moda – ANIVEC/APIV e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal – FESETE).

h) Sucede que as requerentes foram contratadas para exercerem as suas funções nas instalações da empresa, sitas na Rua ..., freguesia e concelho ..., a uma distância temporal de 8 a 10 minutos.

i) Através de carta datada de 18/02/2024 a requerida comunicou às requerentes a transferência definitiva do local de trabalho, das instalações da Rua ..., freguesia e concelho ... para as novas instalações situadas no Parque Industrial ..., lote ..., concelho ....

j) Acresce que a requerida nunca informou as requerentes se lhe pagaria ou não os custos acrescidos com a transferência.

k) Por todos os factos supra expostos as requerentes enviaram à requerida carta de resolução por justa causa ao abrigo do disposto nos artigos 394.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas b) e e) do código do trabalho, datadas de 07/03/2024 (cfr. doc. n.º 2 e 2 a) e 3 e 3 a)).

l) A Requerida entregou às requerentes a declaração de situação de desemprego, mas não pagou os respetivos direitos:

- Indemnização;
- Férias e subsídio de férias vencidas em 01/01/2024; 
- Proporcionais do tempo de trabalho de ano da cessação;
- e Formação.

m) O património da Requerida é composto por:
Várias máquinas de confeção (máquinas de costura, corte coze, ponto preso, bainhas, clorete, cortar clorete, casear e 2 prensas).
Diverso equipamento de escritório, (computador, secretárias e cadeiras).
Televisão, micro-ondas e 1 frigorifico.
Veículos automóveis: 1 Carrinha comercial e um carro elétrico.

n) As AA. intentaram no Tribunal de Trabalho competente ações relativas aos créditos laborais por si reclamados.

o) A requerida mantêm atividade ainda que não tenha trabalhadores próprios recorrendo a subcontratação.

p) O gerente de direito da requerida faleceu sendo gerente de facto da mesma DD.

q) As IES da requerida de 2023 indicam um volume de negócios de cerca de € 559.000,00.
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3.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou que não se provou que (de novo ipsis verbis):

- A requerida não disponibilizou qualquer meio de transporte, o que causa prejuízo sério incomportável, e recorrendo aos transportes públicos obrigava a que as requerentes perdessem diariamente horas no trânsito, causando-lhes problemas pessoais e familiares irreparáveis.
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3.3. Fundamentação do juízo probatório

O Tribunal a quo, sob a epígrafe «Motivação», justificou assim o seu juízo probatório:
«(…)
O Tribunal baseou a sua convicção nos documentos juntos por ambas as partes, e ainda na prova testemunhal produzida, que cumpre analisar.
 Sobre os créditos reclamados pelas AA. resulta da prova documental junta e ainda das declarações prestadas pelas requerentes conjugadas com o depoimento da testemunha DD que os mesmos existem apenas estando em causa determinar o seu quantitativo exato, tendo em atenção valores pagos e todos os que são devidos por rescisão do CT.
 Da prova testemunhas ainda se apurou o constante sob o) e p) sendo que a conclusão de que DD age como gerente de facto da requerida surge na sequência das provas por declarações da requerentes e que  a sociedade mantém atividade, sendo filho do gerente falecido de direito, mas que as trabalhadores nem sequer conheciam.
 No mais, a prova da atividade da requerida resulta da prova documental junta a esse respeito.
 O facto não provado advém da dúvida resultante dos depoimentos prestados, porquanto se as requeridas afirmam o constante da petição inicial, o requerido trouxe prova de que disponibilizou um motorista para fazer o transporte assim face à dúvida quanto à referida questão, e ao ónus de prova foi tal facto dado como não provado.
(…)»
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Dever de fundamentação de facto da decisão judicial
Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art.º 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC que a «sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4, do mesmo art.º 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados a presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5, do mesmo art.º 607.º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».

Reafirma-se, assim, em sede de sentença, a obrigação imposta pelo art.º 154.º, do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art.º 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [3].
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. «A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1).
*
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, comece por discriminar os factos tidos por si como provados e como não provados, por reporte aos factos essenciais oportunamente alegados pelas partes [4], ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares daqueles outros [5], que hajam resultado de um eventual despacho de aperfeiçoamento (art.º 509.º, n.º 4, do CPC) ou da instrução da causa, sendo que neste último caso desde que a sua aquisição tenha sido precedida de contraditório (art.º 5.º, n.º 2, al. b), do CPC). 

Tais factos deverão ser depois apresentados na sentença de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [6]; e deles não devem constar quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas próprias apenas dos articulados [7].
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De seguida, impõe-se ao juiz que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art.º 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.

Ora, este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
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4.2. Vícios próprios da matéria de facto julgada - Art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC
Lê-se no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, que a «Relação deve (…), mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de fato, repute deficiente, obscura ou contraditória   a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto».
Com efeito, a «decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento», podendo e devendo algumas delas «ser solucionadas de imediato pela Relação», enquanto outras «poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, págs. 237 e 238) [8].
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4.2.1.1. Matéria de facto
Precisando, é apodíctico que a fundamentação de facto se deve cingir à matéria de facto.
Com efeito, e apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), entende-se hoje, tal como então, que há que distinguir na decisão de facto entre facto e direito. Pretende-se, assim, que a decisão de facto contenha primordialmente o facto simples, assertivamente afirmado e demonstrado; e que dela sejam excluídos, quer puros e exclusivos conceitos/juízos de direito [9], quer meras realidades hipotéticas.
Permite-se, porém, a consideração dos conceitos de direito que transitaram para a linguagem corrente, por assimilação pelo cidadão comum, uma vez que correspondem a um facto concreto; e desde que não constituem eles próprios o thema decidendum [10] (por forma a que a prova ou não prova do enunciado facto que os integre decida, imediata e automaticamente, a acção ou questão nela implicada) [11] .

Logo, quando na fundamentação de facto de uma decisão judicial se contenham, como pretensos factos, puros e exclusivos conceitos de direito, que constituem eles próprios o thema decidendum, e/ou realidades hipotéticas, deverão os mesmos ter-se por não escritos (isto é, necessariamente como inexistentes, enquanto factos).
Neste sentido depõe hoje o art.º 607.º, n.º 4, do CPC, onde se lê que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados», tomando «ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência». Logo, o objecto da sua pronúncia aqui prevista limita-se, tão só e apenas, a factos (apreensíveis geral e comumente como tais), dela estando necessariamente excluída pura matéria de direito.
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Já relativamente a conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas, entendia-se tradicionalmente que, pese embora o art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, em sede de fundamentação de facto, só excluísse a pronúncia sobre questões de direito, do mesmo modo se deveria proceder, por analogia, quanto a juízos de valor ou conclusivos [12].
Contudo, este entendimento encontra-se hoje bastante mais mitigado [13]: quer por se defender que a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é totalmente artificial, uma vez que para o direito apenas são relevantes os factos que ele qualificar como factos jurídicos [14]; quer por ser indesmentível a alteração que o CPC de 2013 operou face ao anterior (de 1961), passando a produção da prova em audiência a ter por objecto temas e a condensar-se na estrutura una da sentença o julgamento de facto e de direito [15]; quer por se encontrar generalizadamente aceite que os limites entre o facto e o direito não são fixos nem lineares, antes flutuam, nomeadamente tendo em conta a natureza e os contornos do caso concreto [16]; quer por se reconhecer ser difícil convocar e reunir para a prolação de uma decisão judicial que se pretende justa apenas factos assepticamente neutros em termos jurídicos ou conclusivos [17].
Defende-se por isso, e também nesta sede, um entendimento mais maleável do que sejam conclusões ou juízos conclusivos, permitindo a sua consideração em sede de julgamento e fundamentação de facto (na sentença) quando se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, de significado vulgar e corrente; e que, estando ainda ancorados num substracto factual, sejam exigidos ou contribuam para a prolação de uma decisão justa.
Os «factos conclusivos» já, porém, «não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor» (Ac. da RG, de 31.03.2022, Pedro Maurício, Processo n.º 294/19.8T8MAC.G1) [18].
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4.2.1.2. Factos relevantes
Dir-se-á ainda que, para além da limitação a factos, importa que a prévia selecção (na fase instrutória) e a posterior decisão de facto (na sentença) se cinjam e incluam àqueles que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito.
Com efeito, e apesar de não existir no actual CPC uma disposição idêntica ao art. 511.º do anterior CPC, mais precisamente ao seu n.º 1 (onde se afirmava que a selecção de factos era feita tendo em conta o seu «interesse para a decisão da causa, segundo todas as decisões plausíveis da questão de direito»), e ao seu n.º 2 (onde se afirmava que as partes poderão «reclamar contra a selecção da matéria de facto, incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade», caindo precisamente no excesso a inclusão de factos irrelevantes), certo é que este entendimento se mantém no actual CPC.
Pretende-se, assim, uma determinação da matéria de facto «em termos de esta ser suficiente seja qual for a solução jurídica que a final vier a ser perfilhada», tentando desse modo obviar «a uma multiplicação dos casos de anulação do julgamento da matéria de facto em sede de recurso por insuficiência dos factos dados como provados» (Paula Costa e Silva, «Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar», Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 243-244).
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4.2.1.3. Deficiência - Obscuridade - Contraditoriedade
Prosseguindo, a decisão da matéria de facto poderá ainda padecer dos vícios expressamente referidos no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, isto é, deficiência, obscuridade e contraditoriedade.

A decisão será:

i) deficiente quando aquilo que se deu como provado e não provado não corresponde a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado (isto é, não foram considerados todos os pontos de facto controvertidos - o que se respondeu não responde a tudo quanto foi articulado, era relevante e se mostrava controvertido -, ou a totalidade de um facto controvertido).
Importa não esquecer que a demonstração da razão que assista à parte poderá ser feita, quer directamente, quer por meio de presunções, assentando, porém, estas em factos necessariamente alegados e provados (art.º 607.º, n.º 4 do CPC).

ii) obscura quando o seu significado não possa ser apreendido com clareza e segurança (isto é, os pontos de facto considerados na sentença são ambíguos ou poucos claros, permitindo várias interpretações);

iii) e contraditória quando pontos concretos que a integram tenham um conteúdo logicamente incompatível, não podendo subsistir ambos utilmente (isto é, diversos pontos de facto colidam entre si, de forma inconciliável) [19].           
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4.2.1.4. Anulação (oficiosa) da decisão judicial
Recorda-se que se lê no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC que a «Relação deve (…), mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que (…) permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)».
Logo, quando se verifique que a decisão sobre a matéria de facto omitiu a «pronúncia sobre factos essenciais ou complementares», possui uma «natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa», ou revela «incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso», deve o Tribunal da Relação, oficiosamente, anulá-la, quando não lhe seja possível» suprir tais vícios (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, págs. 239 e 240) [20].
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Contudo, importa ter presente que «os Recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram ainda submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal Recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, págs. 98 e 99).
Por outras palavras, «o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de (…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último» (Ac. da RC, de 27.05.2015, Isabel Silva, Processo n.º 416/13.2TBCBR.C1).

Defende-se, assim, que a consideração e aplicação do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC não pode ser feita de forma tão ampla que pretira a garantia, legal e constitucional, do duplo grau de jurisdição na apreciação, julgamento e decisão da matéria de facto; e, assim, será inaplicável quando tenha ocorrido omissão absoluta de fundamentação de facto [21], ou de conhecimento de qualquer das questões de mérito submetidas à apreciação do Tribunal a quo [22].
Enfatiza-se, em abono deste entendimento, que o preceito em causa expressamente refere a possibilidade de «alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto», quando do processo já constem todos os elementos necessários para o efeito, e não a simultânea possibilidade de colmatar a omissão da dita decisão (isto é, não refere a possibilidade de «elaboração de uma inédita decisão de facto»).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
4.2.2.1. Conceitos / juízos de direito
Concretizando, verifica-se que na sentença recorrida, nos factos provados sob as als. k) e l) se contêm, não só conceitos de direito (como «resolução por justa causa» e «os respetivos direitos»), mercê de redacção decalcada integralmente sobre os articulados das Requerentes (AA e BB), como inclusivamente se emitem juízos de direito que integram parte do thema decidendum.
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Com efeito, e relativamente à al. k), discute-se nos autos se as Requerentes (AA e BB) resolveram os respectivos contratos de trabalho com justa causa, sendo por isso credoras da respectiva indemnização (como alegam as próprias), ou, pelo contrário, abandonaram o seu posto de trabalho, não sendo, por isso, credoras daquela compensação (como alega a Requerida).
Afirmar-se, assim, na al. k), que «as requerentes enviaram à requerida carta de resolução por justa causa ao abrigo do disposto nos artigos 394.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas b) e e) do código do trabalho», estabelece desde logo assistir-lhes razão na respectiva alegação.
Deverá, por isso, o segmento aqui criticado considerar-se não escrito no facto em causa, e afirmar-se apenas o envio das ditas cartas, com reprodução do seu teor literal.
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Já relativamente à al. l), recorda-se que se discute nos autos a insolvência (requerida) ou a solvência (reclamada pela própria) da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada), assentando aquela na impossibilidade desta satisfazer os créditos que sejam devidos às Requerentes (AA e BB); e dos quais farão parte (na tese destas) a indemnização devida por resolução com justa causa dos respectivos contratos de trabalho, férias e subsídios de férias e de natal vencidos em 01 de Janeiro de 2024 (ano de cessação dos ditos contratos), proporcionais do tempo de trabalho prestado no ano de 2024 e horas de formação contínua.
Deverá, por isso, no facto em causa considerar-se não escrito «os respectivos direitos».
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4.2.2.2. Insuficiência da matéria de facto (relevante)
Concretizando novamente, e tal como já referido supra, a insolvência (ou a solvência) da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) dependerá da sua incapacidade (ou capacidade) para pagar as dívidas que possui, nomeadamente para com as Requerentes (AA e BB).
Assim sendo, e tendo a causa (cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa e rezões subjacentes à mesma), a natureza (indemnização por essa cessação, férias, subsídios de férias e de natal vencidos em 01 de Janeiro de 2024, proporcionais por trabalho prestado no ano de 2024, e horas de formação contínua) e o montante dos créditos destas sido alegados nos autos, terão os factos respectivos que integrar o elenco dos provados ou o elenco dos não provados.
Ora, não é isso que sucede na sentença recorrida, onde não se discrimina, num ou noutro elenco, os eventuais créditos a que as Recorrentes (AA e BB) têm direito, sabendo-se que, a existirem e estando incumpridos há mais de seis meses, constituem índice de insolvência da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada), nos termos do art.º 20.º, n.º 1, al. g), iii), do CIRE.

Dir-se-á ainda, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que não pode o Tribunal a quo limitar-se a afirmar que, sobre «os créditos reclamados pelas AA. resulta da prova documental junta e ainda das declarações prestadas pelas requerentes conjugadas com o depoimento da testemunha DD que os mesmos existem apenas estando em causa determinar o seu quantitativo exato, tendo em atenção valores pagos e todos os que são devidos por rescisão do CT».
Em vez disso cabe-lhe indicar, no elenco dos factos provados, que valores são esses que foram pagos às Requerentes (AA e BB) e calcular ele próprio os que lhes «são devidos por rescisão do CT», já que os mesmos resultam da lei que lhe cumpre aplicar.
Não pode igualmente o Tribunal a quo limitar-se a afirmar que, do «ponto de vista dos créditos que servem de base ao pedido de insolvência podemos concluir que as requerentes logrou provar sua  a existência sobre a requerida, o qual tanto se pode cifrar no montante por si calculado, ou sofrer alguma redução em função da prova sobre créditos de formação a título exemplificativo, sendo que mesmo que não se apure a justa causa, a verdade é que estão em falta proporcionais e direitos a férias que pelo menos esse sempre serão devidos a acrescer à eventual indemnização».
Em vez disso, cabe-lhe considerar a prova que foi efectivamente produzida para este efeito (sendo certo que as Requerentes alegaram inicialmente o montante das suas remunerações e a respectiva composição), ou - actuando o princípio do inquisitório consagrado no art.º 11.º do CIRE - determinar a produção de prova adicional; e decidir depois em conformidade, afirmando (ou negando) a existência dos créditos invocados e fixando o seu montante.
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Mais se dirá que se mostra igualmente omissa no elenco dos factos provados a factualidade resultante das diligências de prova realizadas junto da Autoridade Tributária e do Centro Distrital de ... da Segurança Social (nomeadamente, a concreta indicação dos créditos de uma e outra, a eventual situação de incumprimento da Requerida - perante a celebração de acordos de pagamento que fez com a primeira -, e a duração do mesmo, nomeadamente se igual ou superior a seis meses).
Ora, o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas tributárias e de contribuições e quotizações par a Segurança Social constitui índice de insolvência da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada), nos termos do art.º 20.º, n.º 1, al. g), i) e ii), do CIRE.
Logo, terão os factos resultantes daqueles documentos autênticos (nos termos referidos supra, atenta a respectiva relevância para a decisão a proferir) que integrar o elenco dos factos provados.
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Dir-se-á ainda, e agora relativamente à suficiência do activo da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) para solver o seu passivo, que as Requerentes (AA e BB) alegaram oportunamente que os bens que o compunham tinham um «valor não superior a 6.000,00 €».
Contudo, e pese embora se haja descriminado na al. m) dos factos provados a composição daquele activo, nem neste elenco, nem no elenco dos factos não provados, se fez constar qualquer valor que lhe correspondesse.

Dir-se-á ainda, e salvo novamente o devido respeito por opinião contrária, que não pode o Tribunal a quo limitar-se a afirmar que, no «caso em apreço, apesar dos créditos existentes, os dados contabilísticos não permitem concluir por uma situação de insolvência», uma vez que, «havendo bens passíveis de serem vendidos, e podendo apenas atender-se ao valor que se encontra inscrito na contabilidade, não se pode dizer que o seu passivo [da Requerida] seja superior ao ativo, pelo menos sem uma mais detalhada explanação da situação da empresa requerida, nem que o montante da qual a requerente é credora seja de tal ordem que irreversivelmente não possa ser cumprido (…).  Assim o crédito existente em confronto com os dados contabilísticos da requerida, que independentemente de outras considerações são os que devem merecer neste momento o devido relevo, não permitem concluir pelo estado de insolvência da requerida, porquanto a mesma continua a declarar valores de faturação em montantes que permitem fazer face aos créditos «reclamados».
Em vez disso, cabe-lhe considerar a prova que foi efectivamente produzida para este efeito (nomeadamente, a documental que refere mas não concretiza) ou - actuando o princípio do inquisitório consagrado no art.º 11.º do CIRE - determinar a produção de prova adicional (nomeadamente, por meio de junção de idóneos documentos de contabilidade oficial, ou de uma avaliação), para determinação do valor do activo da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada); e decidir depois em conformidade, afirmando (pela inclusão nos factos provados) ou negando (pela inclusão nos factos não provados) o valor do activo inicialmente indicado pelas Requerentes (AA e BB).

De outro modo, isto é, sem o concreto apuramento dos créditos das Requerentes (e de terceiros, nomeadamente da Autoridade Tributária e da Segurança Social) e o concreto apuramento do valor do activo da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada), com necessária inclusão de tais realidades no elenco dos factos provados ou não provados, não se vê como se possa concluir pela insolvência (requerida) ou solvência (reclamada).
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4.2.2.3. Contraditoriedade entre facto provado e facto não provado
Concretizando uma vez mais, e tal como já aludido supra, verifica-se que no facto provado enunciado sob al. l) se afirmou terem as Requerentes (AA e BB) direito a uma indemnização por cessação do contrato de trabalho, pressupondo que a mesma ocorreu, não só por sua iniciativa, como ainda com justa causa.
Contudo, na mesma sentença recorrida ficou por provar (isto é, consta do facto único não provado) a concreta causa alegada pelas Requerentes (AA e BB) como justa para o termo do contrato, isto é, que tendo a Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) alterado o local de prestação de trabalho, «não disponibilizou qualquer meio de transporte, o que causa prejuízo sério e incomportável, e recorrendo aos transportes públicos obrigava a que as requerentes perdessem diariamente horas no trânsito, causando-lhes problemas pessoais e familiares irreparáveis».
Ora, das duas uma: ou havia justa causa para a resolução dos contratos de trabalho respectivos pelas Requerentes (AA e BB), tendo assim as mesmas direito à correspondente indemnização, ou não havia, não podendo aquelas reclamar esta. O que não pode suceder é que se dê como não provada a factualidade integrante da justa causa e, simultaneamente, se afirme o direito à indemnização que a pressupunha.
Logo, terá a contradição apontada que ser erradicada da sentença recorrida, mormente pela reformulação do facto provado enunciado sob a alínea l).
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Verifica-se, assim, e quanto aos factos provados enunciados sob as als.: k) e l), a existência de conceitos/juízos de direito, que terão que ser dados como não escritos; l) e m), a insuficiência da factualidade apurada, a ser colmatada mercê da prova já produzida e, eventualmente, de outra adicional a produzir; e l) e facto único não provado, a existência de uma contradição, a suprir por meio da reformulação da factualidade inserta na dita al. l).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela anulação oficiosa da sentença recorrida e pela consequente devolução dos autos ao Tribunal a quo, por forma a que o mesmo possa colmatar estes vícios da matéria de facto; e, face à necessidade da dita devolução, justifica-se que seja igualmente ele a suprir a omissão no elenco dos factos provados da factualidade que resultou das informações prestadas pela Autoridade Tributária e pelo Centro Distrital da Segurança Social ..., relativas às dividas da Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) para com os mesmos.
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4.3. Indevida fundamentação da matéria de facto julgada - Art.º 662.º, n.º 2, al. d), do CPC
4.3.1. Fundamentação insuficiente (ou deficiente)
Lê-se no art.º 662.º, n.º 2, al. d), do CPC, que a «Relação deve (…), mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados».
Recorda-se a exigência constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP), e processual civil (art.º 154.º do CPC), de fundamentação das decisões judiciais.
Recorda-se ainda que o art.º 607.º, n.º 4 e n.º 5, do CPC, impõe que na «fundamentação da sentença, o juiz» - para  declarar «quais os factos que julga provados, e quais os que julga não provados» - analise «criticamente as provas», as quais são apreciadas livremente por si, «segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto».
Ora, consubstancia a «análise crítica da prova» a explicitação da formação da convicção do juiz: obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.

Compreende-se que assim seja, já que «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
 «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).

Acresce que este dever - constitucional e processual civil - que impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, leva a que se imponha igualmente ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria.
Com efeito, lê-se no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Logo, o recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Por outras palavras, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 595, com bold apócrifo).
Assim, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
As exigências do art.º 640.º, n.º 1, do CPC, vêm «na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciadas à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).

Compreende-se agora melhor o dever cometido ao Tribunal da Relação de, perante «decisão proferida sobre algum facto essencial» que não esteja «devidamente fundamentada», «determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, a fim de preencher essa falta com base nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção de prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto» (António Santos Abantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 244).
Mantém-se presente que «os Recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram ainda submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal Recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, págs. 98 e 99).
Logo, «o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de (…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último» (Ac. da RC, de 27.05.2015, Isabel Silva, Processo n.º 416/13.2TBCBR.C1).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que a sentença recorrida não se mostra devidamente fundamentada, quanto a factos essenciais.
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Com efeito, e relativamente aos «créditos reclamados pelas AA.» afirma-se que «resulta da prova documental junta e ainda das declarações prestadas pelas requerentes conjugadas com o depoimento da testemunha DD que os mesmos existem apenas estando em causa determinar o seu quantitativo exato, tendo em atenção valores pagos e todos os que são devidos por rescisão do CT».
Ora, e salvo sempre o devido respeito, dizer-se que os créditos reclamados resultam da «prova documental junta», sem sequer se identificar a mesma (e, muito menos, analisar o seu conteúdo para este efeito), «e ainda das declarações prestadas pelas requerentes conjugadas com o depoimento da testemunha DD», sem se explicitar o que é que umas e outro declararam a propósito (sabido que estão em causa distintos créditos) ou, pelo menos, qual a parte das respectivas declarações e depoimento que se mostrou coincidente, é manifestamente insuficiente para que se possa aferir da bondade, ou da falta dela, do juízo probatório do Tribunal a quo.
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Outro tanto se dirá relativamente ao facto provado enunciado sob a al. o): «A requerida mantém actividade ainda que não tenha trabalhadores próprios recorrendo a subcontratação».

Com efeito, afirma-se a propósito na sentença recorrida que da «prova testemunhas ainda se apurou o constante sob o)»; e que «a prova da atividade da requerida resulta da prova documental junta a esse respeito».
Ora, reitera-se: desta forma desconhece-se em absoluto que testemunhas depuseram sobre esta realidade, o que disseram (de forma conforme ou desconforme entre si), que razões permitiram atribuir-lhes credibilidade, que documentos foram consultados, de que forma foram apreciados, se se mostraram conformes ou desconformes com a prova pessoal produzida e, na afirmativa, a que meio de prova se deu prevalência e porquê. 
Logo, também aqui é a motivação da decisão de facto do Tribunal a quo manifestamente insuficiente para que se possa aferir da bondade, ou da falta dela, no seu juízo probatório.

Por fim, dir-se-á ser ainda irrelevante para este efeito o vertido na al. q) dos factos provados, onde se lê que a «IES da requerida de 2023 indiciam um volume de negócios de € 559.000,00», sabido que as Requerentes (no artigo 13.º do seu articulado inicial) afirmaram que foi «no dia 08/03/2024» que a Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) «cessou os seus pagamentos aos trabalhadores e mais credores».
Logo, é face a essa alegação que importa verificar se a Requerida (EMP01... - Unipessoal, Limitada) se mantém, ou não, em actividade, isto é, no ano de 2024 e não nos anos anteriores.
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Existe assim, e quanto aos factos provados enunciados sob as als. l) e o), se não uma quase ausência de fundamentação facto, uma manifesta insuficiência da mesma; e, desse modo, o juízo do Tribunal a quo não se mostra dotado da objectividade que permita a sua sindicância, antes se convertendo na mera enunciação de um juízo subjectivo e conclusivo, desprovido das razões que permitiriam primeiro às partes contrariá-lo eficazmente, e depois a este Tribunal de Recurso verificá-lo.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela anulação oficiosa da sentença recorrida também nesta parte, devendo o Tribunal a quo, uma vez devolvidos os autos, colmatar a apontada deficiência da fundamentação da sua decisão.

Fica, do mesmo passo, prejudicado o conhecimento do remanescente objecto do recurso interposto pelas Requerentes (uma vez que a matéria de facto de que depende a decisão a proferir, susceptível de afectar a consistência das suas pretensões, ainda não se encontra definitivamente definida pelo tribunal a quo), o que aqui se declara, nos termos do art.º 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelas Requerentes (AA e BB), e, em consequência, em

· Anular a sentença recorrida, por forma a que sejam colmatados os vícios que se verificam nas als. k), l) e m) dos factos provados (nomeadamente, com a eliminação de conceitos/juízos de direito, com a ampliação da matéria de facto relativa à determinação dos créditos das Requerente e dos créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social, bem como do valor do activo da Requerida, e com a eliminação da contradição verificada entre a afirmação da inexistência de justa causa para a resolução de contratos de trabalho e a afirmação da existência de um direito à indemnização radicada precisamente na existência daquela justa causa), quer a deficiência da fundamentação das als. l) e o) dos factos provados (nomeadamente, por forma a que se explicite a apreciação crítica da prova produzida sobre a existência e montante dos créditos das Requerentes, e da manutenção da Requerida em actividade desde 08 de Março de 2024, discriminando para cada facto os documentos e o teor dos depoimentos que permitiram o respectivo juízo probatório, incluindo a forma como foram valorados ou desconsiderados os que não se mostraram coerentes e conformes, mas antes contraditórios);

· Declarar prejudicado o conhecimento do remanescente objecto do recurso de apelação interposto pelas Requerentes (AA e BB).
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As custas da apelação seriam a cargo das Requerentes, que dela tiraram proveito sem oposição da Requerida (conforme art.º 527.º, n.º 1, do CPC), estando, porém, as mesmas legalmente isentas delas (art.º 4.º, n.º 1, al. h), do RCP).
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Guimarães, 06 de Março de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Ribeiro Quintas Maurício;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348.
[4] Recorda-se que se lê no art.º 5.º, n.º 1, do CPC, que às «partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas». Impõe-se-lhes, desse modo, que nos respectivos articulados procedam à substanciação das ditas causa de pedir e exceções peremptórias (em que basearam as suas pretensões ou oposições).
[5] Recorda-se que se lê no art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC, que, além «dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz» os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa» e os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar».
Justifica-se que assim seja, já que «o facto essencial não é consubstanciado num núcleo definido e cerrado, mas irradia-se numa multiplicidade de circunstâncias moleculares que, na sua aglutinação, preenchem o conceito indeterminado ou a cláusula genérica da facti species normativa. É sobretudo no âmbito deste tipo de factos complexos que podem ocorrer concretizações ou complementaridades dimanadas da produção da prova em audiência, suscetíveis de levar ao ajustamento do contexto narrativo dos articulados ao contexto histórico do litígio» (Manuel Tomé Soares Gomes «Da Sentença Cível», O Novo Processo Civil. Textos e Jurisprudência, Lisboa, CEJ, 2015, pág. 342).
[6] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[7] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, págs. 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[8] Precisa-se que «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1).
[9] Entende-se por juízos de direito «aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa» (Helena Cabrita, A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, 2015, págs. 106-107). 
[10] «Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão» (Ac. do STJ, de 28.01.2016, António Leones Dantas, Processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1).
[11] Neste sentido, na doutrina:             
. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312 - onde se lê que a matéria de facto «não pode conter qualquer apreciação de direito», ou seja, «qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica».
.  António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148 - onde se lê que terão de ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)».    
Na jurisprudência (entre muitos):
. Ac. do STJ, de 28.09.2017, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 -  onde se lê que muito «embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito».
. Ac. da RE, de 28.06.2018, Florbela Moreira Lança, Processo n.º 170/16.6T8MMN.E1 - onde se lê que, «sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado».
. Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1 - onde se lê que, não tendo o «Código do Processo Civil de 2013» reproduzido o art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, «no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta».
«Importa ainda salientar que apesar de só os factos concretos poderem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o conceito do próprio objeto do processo ou seja não constitua a sua verificação o conteúdo do objeto de disputa das partes.
Por outro lado, são também de afastar as expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio».               
. Ac. da RG, de 11.11.2021, Raquel Batista Tavares, Processo n.º 671/20.1T8BGC.G1 - onde se lê que, «não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir “factos provados” para esse efeito as afirmações que “numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido”».
«De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a “assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”».
. Ac. da RG, de 31.03.2022, Pedro Maurício, Processo n.º 294/19.8T8MAC.G1 (citando o Ac. da RP, de 07.12.2018, Filipe Caroço, Processo n.º 338/17.8YRPRT) - onde se lê que, acaso «”o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais”».
[12] Neste sentido, Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1, onde se lê que apesar «da citada disposição legal não referisse direta e expressamente sobre» preposições de «matéria de facto que fossem vagas, genéricas ou conclusivas o certo é que na jurisprudência consolidou-se o entendimento de que tal disposição legal era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendu, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objeto de alegação e prova».
[13] Pronunciando-se sobre o tema, com o rigor e a profundidade que lhe são próprios, Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 4427/22.9T8OAZ-A.G1. 
[14] Neste sentido, na doutrina, Miguel Teixeira de Sousa, «Anotação ao Acórdão do STJ de 28.9.2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1», Blog IPPC, Jurisprudência 784,  https://blogippc.blogspot.com/ , consultado em Junho de 2024, onde se lê que «enquanto no CPC/1961 se selecionavam, no modo interrogativo (primeiro no questionário e depois da base instrutória), factos carecidos de prova, hoje enunciam-se, no modo afirmativo, temas da prova (cf. art. 596.º CPC). Tal como estes temas não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra».
«A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. Por exemplo: se o tribunal disser que a parte atuou com dolo, porque, de acordo com o depoimento de várias testemunhas, ficou provado que essa parte gizou um plano para enganar a parte contrária, não se percebe por que motivo isso há-de afetar a prova deste plano ardiloso (nem também por que razão a qualificação do plano como ardiloso há-de afetar a sua prova). O exemplo acabado de referir também permite contrariar uma ideia comum, mas incorreta: a de que factos juridicamente qualificados não podem constituir objeto de prova. A ideia é, efetivamente, incorreta, porque cabe perguntar como é que sem a prova do dolo (através dos respetivos factos probatórios) se pode aplicar, por exemplo, o disposto no art. 483.º, n.º 1, CC quanto à responsabilidade por facto ilícito. É claro que o preceito só pode ser aplicado se, no caso de o dolo ser um facto controvertido, houver prova desse facto. Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objeto da prova. A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto».
Ainda «Factos conclusivos: já não há motivos para confusões!», disponível em https://blogippc.blogspot.com/2023/06/factos-conclusivos-ja-nao-ha-motivos.html .
Na jurisprudência:
. Ac. do STJ, de 13.11.2007, Nuno Cameira, Processo n.º 07A3060 - onde se lê ser «patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos».
Assim, «não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas».
[15] Neste sentido, na doutrina:
. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, Coimbra 2022, págs. 354-355 - onde se lê que, que, face à modificação formal da produção de prova em audiência (que passou a ter por objeto temas de prova), e da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, «deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja matéria de direito ou matéria conclusiva que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso».
Assim, a «patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como matéria de facto provada pura e inequívoca matéria de direito».
Na jurisprudência:
. Ac. do STJ, de 22.03.2018, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1568/09.1TBGDM.P1.S1 - onde se lê que a inexistência no CPC de 2013 de uma norma como a do art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961 «não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui matéria de facto e matéria de direito».
Com efeito, e no «que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961». Logo, a «matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961».
[16] Neste sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, Coimbra 1982, pág. 270, onde se lê que as fronteiras entre facto e direito dependem «em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes».
[17] Neste sentido, Ac. do STJ, 14.07.2021, Júlio Gomes, Processo n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1 (citando o Ac. do STJ, de 13.11.2007, Nuno Cameira, Processo n.º 07A3060), onde se lê que se torna «”patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo [de juízos] como não escritos”».
Aliás, «”não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”».
[18] No mesmo sentido:
. Ac. da RP, de 17.02.2020, Rita Romeira, Processo n.º 2604/19.9T8OAZ.P1 - onde se lê que as «afirmações de natureza conclusiva e hipotética devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o “thema decidendum”, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão».
. Ac. da RG, de 03.11.2022, Pedro Maurício, Processo n.º 1812/21.7T8GMR.G1 - onde se lê que, apesar «de não conter norma legal igual à que constava do art. 646º/4 do anterior C.P.Civil, e ter sido uma opção legislativa maior liberdade na descrição da matéria de facto, por força do disposto no art. 607º/3 e 4 C.P.Civil de 2013, na fundamentação de facto da sentença apenas devem constar os factos julgados provados e não provados, dela devendo ser expurgados todos os que constituem matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos».
Assim, os «factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor».
Precisa-se, porém, que dependendo dos contornos do caso concreto, poderá não ser caso de pura e simples eliminação de tais conclusões ou juízos conclusivos, face aos poderes conferidos ao Tribunal da Relação pelo art.º 662.º do CPC, nomeadamente ao nível da ampliação da matéria de facto inicialmente submetia à sua apreciação.
Neste sentido, Ana Luísa Geraldes, em voto de vencida proferido no Ac. do STJ, de 28.01.2016, Processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1, onde se lê que, «ainda que relativamente a alguns deles se pudesse afirmar a sua natureza conclusiva, nem assim se justificava a eliminação pura e simples, de tais pontos de facto, devendo a Relação fazer uso dos poderes conferidos enquanto Tribunal de instância que conhece da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do CPC».
[19] Em sentido conforme: Alberto dos Réus, Código de Processo Civil Anotado, IV Volume, Coimbra Editora, Limitada, pág. 553; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 656; ou José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664.
Ainda Manuel Tomé Soares Gomes «Da Sentença Cível», O Novo Processo Civil. Textos e Jurisprudência, Lisboa, CEJ, 2015, pág. 374, onde se afirma que os enunciados de facto são: deficientes, quando expressam um sentido incompleto do juízo probatório, nos seus próprios termos, não abrangem toda a factualidade relevante ou quando não cobrem, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado; obscuros, quando se apresentam «vagos, ininteligíveis, equívocos ou imprecisos»; e contraditórios, quando exprimem sentidos reciprocamente excludentes.
[20] Dir-se-á ainda que idêntica faculdade (de anulação oficiosa da decisão) lhe assiste quando seja totalmente omissa a respectiva fundamentação de facto (consubstanciando então vício pertinente à sua elaboração e estruturação); e ainda que não tenha sido oportunamente arguida a nulidade respectiva, ao abrigo do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC (vício este que não é de conhecimento oficioso).
Com efeito, a dita omissão absoluta de fundamentação de facto não deixa de consubstanciar igualmente um vício próprio do conteúdo da própria decisão de facto, podendo - nesta segunda vertente - ser apreciado oficiosamente por este Tribunal da Relação, ao abrigo do distinto regime previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC: se o mesmo permite a anulação oficiosa da decisão proferida na 1.ª Instância quando a decisão de facto respectiva seja deficiente, por maioria de razão tê-lo-á que permitir quando a mesma seja absolutamente omissa, por esta omissão total ser o grau máximo daquela deficiência. Assim, na expressão «deficiência» caberá necessariamente, não só a falta de decisão sobre um facto essencial, como a falta absoluta de decisão sobre todos os factos essenciais.
Compreende-se que assim seja, já que «se houver uma total ausência de decisão sobre a matéria de facto, não pode este Tribunal exercer o poder censório, não só quanto à matéria de facto provada, como também sobre o direito aplicado e aplicável».
Dir-se-á mesmo que não será só o Tribunal de Recurso que ficará impedido de exercer a sua função de sindicância, outro tanto sucedendo relativamente a pretendido recorrente, já que «tal procedimento também impede as partes» de cumprirem o ónus de impugnação que lhes está cometido pelo art. 640.º, n.º 1, als. a) e b) do CPC, incluindo «de cabalmente argumentarem na defesa das suas posições (…) porquanto desconhecem a convicção do Mmº Juiz a quo, restando-lhes supor que factos terá considerado como provados para concluir como o fez» (Ac. da RL, de 27.10.2009, Maria José Simões, Processo n.º 3084/08.0YXLSB-A.L1-1, com bold apócrifo).
[21] Neste sentido:
. Ac. da RG, de 18.12.2017, Helena Melo, Processo n.º 1099/17.6T8VNF.G1- onde se lê que a «regra da substituição do Tribunal de recurso ao tribunal recorrido não pode ser entendida como tendo aplicação nos casos em que o tribunal recorrido simplesmente não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer. Pretendeu-se que o tribunal de recurso supra alguma nulidade pontual que possa ter ocorrido, mas não que seja ele a proferir totalmente a decisão, deste modo suprimindo totalmente um grau de jurisdição. A intenção subjacente à regra da substituição que tem como fundamento a celeridade não se aplica aos casos de total ausência de pronúncia, devendo, nesses casos, a decisão ser anulada».
. Ac. da RC, de 03.03.2020, Jorge Arcanjo, Processo n.º 713/10.9TBFIG.C2 - onde se lê que, conhecendo «oficiosamente a Relação da existência do vício da deficiência de facto (art.662º, nº 2, c) CPC), tal implica a anulação do julgamento e reenvio do processo ao tribunal da 1ª instância, ainda que a prova produzida em audiência tenha sido integralmente gravada»; mas quando «o nº 2, c) do art.662º remete para o nº 1, refere-se a todos os elementos que “permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”, pressupondo logicamente a respectiva individualização ou discriminação, ou seja, para o poder de substituição ou de reexame pela Relação não basta a mera gravação da prova testemunhal, sem qualquer indicação ou individualização, pois de outro modo tal exigiria uma audição integral e indiscriminada».
Acresce que, por «outro lado, implicando o vício da deficiência a ampliação dos temas da prova, o reexame na Relação importaria a privação do contraditório, do direito à prova quanto aos factos omitidos e a proibição do duplo grau de jurisdição».
. Ac. da RL, de  07.12.2021, Ana Rodrigues da Silva, Processo n.º 8513/09.2YYLSB-B.L2-7 - onde se lê que, quando «exista uma ausência da fundamentação de facto, por falta de especificação de factos provados e não provados, bem como por omissão de qualquer apreciação crítica da prova produzida, e sua subsunção ao direito aplicado, impedindo, assim, a sua sindicância, estamos perante uma situação de falta de fundamentação, o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC».
Contudo, esta «nulidade apenas pode ser colmatada pelo tribunal que proferiu a sentença, porquanto a apreciação da prova produzida pelo tribunal de recurso significaria a diminuição de um grau de jurisdição na apreciação e julgamento da matéria de facto».
[22] Neste sentido, Ac. da RL, de 19.05.2016, Maria Teresa Pardal, Processo n.º 478-14.5TBCSC.L1-6, onde se lê que, tendo «a decisão recorrida conhecido de um pressuposto processual e não do fundo da causa, não deverá operar a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no artigo 665º nº2, que só deverá aplicar-se nas situações em que o tribunal recorrido já apreciou o fundo da causa, não se pronunciando sobre questões que ficaram prejudicadas (artigo 608º nº2 do CPC), como parece indicar a expressão “por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio”. Já não será assim quando, como é o caso, a decisão recorrida se limitou a conhecer de um pressuposto processual e a absolver da instância, sob pena de a Relação poder eventualmente decidir a causa em 1ª instância, com a consequente supressão de um grau de jurisdição».