Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1522/11.3TBFAF.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais com assento constitucional, assim como em várias declarações internacionais de direitos, e tem por fim último garantir a plenitude da democracia.

II - Não se trata, porém, de um direito absoluto, pois a lei ordinária restringe-a nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

III - Também o direito à identidade pessoal tem consagração constitucional, mas a lei rodeia-o de cautelas em respeito do direito à honra, à privacidade e à imagem de outrem.

IV - Para a eventualidade de conflito entre direitos fundamentais, as restrições legais a esses direitos devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, é o chamado princípio da “concordância prática” que se traduz numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, respeitando o princípio da proporcionalidade.

V - Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais precisamente, o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são o valor supremo da ordenação constitucional.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

A Autora M. F. instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário pedindo a condenação solidária dos Réus C. S. e TV – Televisão ..., S.A. no pagamento da quantia de € 50.000, a título de indemnização pelos danos causados, acrescida dos juros moratórios legais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Os Réus apresentaram contestação.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou os Réus C. S. e TV – Televisão ..., S.A., solidariamente, a pagar à Autora M. F. a quantia de € 25.000 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros, fixando em 60% a responsabilidade da Ré, para efeitos de eventual exercício do direito de regresso.
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Inconformados com a sentença vieram os Réus interpor recurso.
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O Réu C. S. termina as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

I - Por sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 1, a ação que correu termos sob o Processo n.º 1522/11.3TBFAF, foi julgada parcialmente provada e procedente, e, em consequência, condenou os Réus C. S. e TV – Televisão ..., S.A., solidariamente, a pagar à Autora M. F. a quantia de € 25.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento, fixando em 60 % a responsabilidade da Ré, para efeitos de eventual exercício do direito de regresso.
II - Com a presente decisão não pode o Recorrente conformar-se, por entender que os elementos de prova constantes dos autos impunham decisão diversa da proferida, nos termos que, de seguida, melhor se exporão.
III - O Recorrente impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos dos pontos 7, 11, 12, 13, 14, 17, 21, 34, 35, 53, 54, 55, 56, 57, 61, 64, 65, 66, 68, 71, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88 e 89 da matéria de facto dada como provada.
IV - Impugna ainda, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos alegados nos artigos 9º (segmento “o Réu foi” até “situação”), 18º e 19º da contestação do Réu, da matéria de facto considerada não provada.
V - Face aos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, não ficou provado e demonstrado que alguma delas tenha assistido aos programas da TV e muito menos, que em algum momento, o ora Recorrente, tenha dito pessoalmente ou na televisão que a Autora (M. F.) era sua mãe.
VI - Os depoimentos das diversas testemunhas revelaram-se confusos e sem qualquer objetividade, tendenciosos e providos de interesses pessoais e familiares, imprecisos e sem o nível de detalhe que se impunha, relativamente a factos de que deveriam ter obrigatoriamente conhecimento.
VII - Por outro lado, do visionamento dos Cd’s que se encontram juntos aos autos, conclui-se que nunca o nome da Autora (M. F.), foi difundido pela TV nas peças televisivas em questão, e como tal o seu nome não foi divulgado publicamente.
VIII - O tribunal “a quo”, errou na apreciação e valoração de toda a prova que foi carreada para os presentes autos.
IX - Aliás, o tribunal “a quo” deveria ter em consideração que o aqui Recorrente, andava em busca da sua personalidade e das suas origens que desconhecia e que por isso a busca não podia partir do resultado final.
X - Não se provou que o Recorrente tenha andado “atrás” dos órgãos de comunicação social, ou de se ter “feito convidar” para qualquer programa televisivo.
XI - Face ao exposto, deve o Recorrente ser absolvido do pedido, revogando-se nessa conformidade a sentença recorrida.
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Por sua vez, a Ré TV - Televisão ..., S.A. termina as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença de Fls., que julgou parcialmente procedente a ação declarativa sob a forma de processo ordinário que condenou a 2ª Ré a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de € 25.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento, fixando em 60% a responsabilidade da Ré, para efeitos de eventual exercício do direito de regresso.
II. Considerou o Tribunal a quo que “a invocação de uma relação de incesto, quer a palavra seja ou não empregue (falar avô/pai, mãe/irmã é também revelador do conceito) é invasiva da privacidade das pessoas potencialmente envolvidas e particularmente ofensiva quando a sua base não resulta confirmada.”
III. Considerou ainda que “o impacto da televisão na difusão de notícias e opiniões, assim como alimento para comentários e emissão de juízos, é algo notório, tanto mais que qualquer estabelecimento comercial, nos tempos que correm (café, restaurante, cabeleireiro, barbeiro, supermercado etc.), tem um televisor ligado com os programas de elevadas audiências, proporcionando conversas e comentários”.
IV. Porém, da prova documental que instrui os presentes autos, bem como da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não resulta qualquer facto que seja bastante para preencher os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual, instituto que legitima, ainda que parcialmente, a procedência do pedido da Autora.
V. Ora, andou mal o Tribunal a quo em dar como provado que “a Ré sabia que o conteúdo dos programas e notícias que difundiu continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora” e que “Os Réus sabiam que o meio utilizado, televisão, facilitava a divulgação dos factos, expressões e juízos de valor depreciativos veiculados nos programas e noticias identificados em 22), 37), 42) e 50). – Cfr. Factos provados da sentença em crise nos pontos 59 e 62.
VI. Ora, tal entendimento, resulta de evidente contradição com a prova produzida nos presentes autos, bem como resulta de contradição entre os pressupostos de facto e a conclusão decisória alcançada pelo Tribunal a quo, revelando-se o raciocínio dedutivo, ainda que por recurso às regras da experiência e critérios de normalidade, antinómico na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material, pelo que nessa medida se impugna a decisão recorrida.
VII. Andou mal o Tribunal a quo em dar como provado que “a Ré sabia que o conteúdo dos programas e notícias continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora”.
VIII. Andou mal o Tribunal a quo ao fundamentar a sua convicção nos termos supra expostos, atento o facto de que, através do visionamento dos Cd’s, se conclui que nunca o nome da Autora, o nome “M. F.” foi difundido pela Ré nas peças televisivas em questão, ora Apelante, e como tal não foi divulgado publicamente, nem nunca o nome da Autora foi referenciado ou exibido em qualquer nota de rodapé, aquando da exibição das peças televisivas em questão.
IX. Andou também mal o Tribunal a quo ao considerar que as afirmações do apresentador do programa da Ré, ora Apelante, contrariam o conteúdo dos artigos 69º e 78º da contestação desta, na qual a Ré, ora Apelante alega que por diversas vezes, o apresentador M. L. fez questão de frisar que as afirmações realizadas no programa correspondiam a uma história alegada pelo Réu (sublinhado nosso).
X. Sustentando-se também o Tribunal a quo, na formação da sua convicção, no depoimento da Testemunha C. P., que quando questionada se viu as peças televisivas exibidas pela Ré, ora Apelante, diz ter visto o nome da M. F., ora Autora, “na lama”. Dizendo inclusive, quando questionada pela Mandatária da Ré, ora Apelante, sobre se durante a exibição das reportagens ouviu a palavra “alegadamente”, responde que “alegadamente pode ser muita coisa”.
XI. Na verdade, a ora Apelante utilizou as expressões “Alegadamente”, “pode ser”, “possível”, para informar os espectadores, sem pretender fazer qualquer juízo de valor.
XII. Não serve o mesmo vocábulo, embora o Tribunal a quo tenha valorado o depoimento da testemunha C. P. que a dada altura do seu depoimento diz “…o alegadamente pode servir para muita coisa”, para se fazerem afirmações, imputações ou acusações, porém, nunca, em momento algum, nas peças televisivas em questão, a Ré, ora Apelante, se referiu aos factos como verdade absoluta.
XIII. Na verdade, a Ré, ora Apelante, limitou-se a salientar em todas as peças televisivas em causa, a ansiedade manifestada pelo Réu em relação ao seu passado e as incertezas que este pretendia acima de tudo dissipar, sendo evidente a preocupação da mesma em relatar a situação do Réu, em manifestar as dúvidas do mesmo relativamente ao seu passado e às suas origens.
XIV. A este propósito cumpre salientar que a Ré, ora Apelante, jamais transmitiu aos espetadores, como facto certo e indubitável, que o Réu era fruto de uma relação incestuosa.
XV. Fundamenta o Tribunal a quo na sentença ora recorrida, que transparece do depoimento da testemunha V. S., a jornalista que se “deslocou ao terreno” em reportagem que “a mesma se sentiu incomodada pelo trabalho em causa, sobretudo, por não haver provas”.
XVI. Contudo, resulta claro do depoimento da testemunha, que embora fosse um assunto delicado, também por o ser, foi tratado com diligência, rigor e acuidade e em estrito respeito pelas legis artis aplicáveis ao trabalho jornalístico em causa.
XVII. Se este era um caso delicado, todos os dias chegam à redação da Ré TV – Televisão ..., S.A, ora Apelante, casos delicados, e todos são tratados com cuidado, rigor e sempre com respeito pela legis artis aplicáveis ao trabalho jornalístico em causa.
XVIII. Por outro lado, da prova produzida nos presentes autos, não resulta que alguma das testemunhas arroladas pela Autora, tenham efetivamente visualizado as reportagens emitidas pela Ré, ora Apelante,
XIX. Chegando mesmo duas testemunhas a dizer, que quando o programa iniciou, mudavam de canal.
XX. Na verdade, nem do depoimento da testemunha J. T., nem do depoimento da testemunha L. R., se pode concluir que a Ré, ora Apelante, tenha referido o nome da Autora nas reportagens por si exibidas.
XXI. Ora, tal como alegado pela ora Apelante, esta agiu de acordo e em obediência À Lei da Televisão, em especial cumprindo o disposto nos artigos 26º, 27º e 34º da Lei 27/2007, de 30 de Julho.
XXII. Efetivamente, o nome da Autora nunca foi referido nas peças televisivas em questão exibidas pela Ré, ora Apelante, tão pouco lhe foram imputadas, direta ou indiretamente, quaisquer condutas, atos ou factos que pudessem consubstanciar qualquer dano à sua pessoa, nomeadamente, ataque à sua honra, dignidade ou bom nome.
XXIII. Ora, da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não resultam factos que permitam concluir que a Ré, ora Apelante, divulgou o nome da aqui Autora nas peças televisivas em questão, nem tão pouco indícios que sustentem a convicção do Tribunal a quo de que lhe foram imputados, direta ou indiretamente, quaisquer condutas, atos ou factos que pudessem consubstanciar qualquer dano à sua pessoa, nomeadamente ataque à sua honra, dignidade ou bom nome.
XXIV. Ora, concretamente, de tudo o que se vem alegando, não poderão considerar-se como provados os seguintes factos:
a) Mais uma vez, foi referida a relação incestuosa entre o pai da Autora e uma sua filha;
b) A Ré sabia, que o conteúdo dos programas e notícias que difundiu continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora;
c) Os Réus sabiam que o meio utilizado, televisão, facilitava a divulgação dos factos, expressões e juízos de valor depreciativos veiculados nos programas e notícias identificados em 22), 37), 42) e 50).
XXV. Pelo exposto, resulta que, da prova produzida nos presentes não resulta qualquer sustentação para a factualidade dada erradamente como provada e supra elencada, pelo que, sintomático, não se verificam preenchidos os requisitos legais que fundamentam a condenação da Ré.
XXVI. Nos termos do disposto no artigo 43º da Lei nº 27/2007 de 30 de Julho, “Todos os programadores de televisão devem garantir, na sua programação, designadamente através de práticas de auto-regulação, a observância de uma ética de antena, que assegure o respeito pela dignidade da pessoa humana, pelos direitos fundamentais e demais valores constitucionais, em especial o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes.”
XXVII. Ora, dispõe o artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, no seu nº 1 que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.
XXVIII. Diz-nos a sentença ora recorrida que “se é certo que a liberdade de expressão e informação, na tripla vertente assinalada, pode considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e das instituições, não deixa de ser verdade que o respeito pelos direitos, liberdades e garantias se impõe com igual acuidade, sob pena de pôr em causa a dignidade da pessoa humana e os próprios fundamentos do Estado de Direito”
XXIX. Salvo o devido respeito, não se concebe nem se concede que a emissão pela Ré, ora Apelante, das peças televisivas em questão, possa ter posto em causa a dignidade da Autora.
XXX. Tal como supra referido, nunca o nome da Autora foi enunciado nas peças televisivas emitidas pela Ré, tão pouco lhe foram imputadas, direta ou indiretamente, quaisquer condutas, atos ou factos que pudessem consubstanciar qualquer dano à sua pessoa, nomeadamente, ataque à sua honra, dignidade ou bom nome, limitando-se a aqui Apelante a informar os seus espetadores, e sempre no campo do alegadamente, das probabilidades, da dúvida, agindo de acordo e em obediência à Lei da Televisão, cumprindo, assim, o disposto nos artigos 26º, 27º e 34º dessa mesma Lei.
XXXI. Determina o artigo 483º nº1 do Código Civil que “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
XXXII. Ora, a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos pressupõe a existência do facto, a ilicitude do mesmo, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. – Cfr. Pires de Lime e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 444.
XXXIII. Destarte, a Ré tinha consciência dos conflitos de direitos que a emissão das reportagens ora em crise iriam fazer surgir, contudo, agiram tão só no exercício da sua liberdade de expressão e direito/dever de informação respeitando os respetivos limites e, como tal, de forma lícita, cumprindo todas as obrigações a que estava adstrita respeitando todas as obrigações legais que regulam a sua atividade.
XXXIV. Tudo visto, não resulta da prova produzida nos presentes autos quaisquer factos que, sendo imputados à Ré, ora Apelante, preencham os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual, pelo que deverá a mesma ser absolvida do pedido, revogando-se nessa conformidade a sentença recorrida.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões dos Recursos interpostos são as seguintes:

- Se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto;
- Se não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1. Em relatório de investigação de parentesco realizada no Centro de Genética Clínica, datado de 29 de Janeiro de 2008, concluiu-se “com base nos resultados obtidos e nas probabilidades a priori referidas foi possível calcular: 1. uma probabilidade de 88,7828% de C. S. e M. J. serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe” [alínea A) do despacho em referência e documento de fls. 21 a 23].
2. Em relatório de investigação de maternidade realizada no Centro de Genética Clínica, datado de 30 de Julho de 2008, concluiu-se “os diversos locigenéticos utilizados (…) permitiram calcular para este caso, e de acordo com as frequências alélicas da população portuguesa, um índice de maternidade de 103370,685. Estamos perante um caso de maternidade praticamente provada em que M. C. tem 99,999% de probabilidade de ser mãe de M. J.” [alínea B) do despacho em referência e documento de fls. 31 a 33].
3. Por sentença transitada em julgado em 20 de Novembro de 2017, proferida no processo nº 421/08.0TCGMR que correu termos da 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, correspondente a ação de impugnação de maternidade e paternidade, instaurada pelo aqui Réu C. S. contra J. S., M. L., E. P. e a Autora, foi declarado que “C. S. é filho do M. L., com o consequente averbamento da paternidade e avoenga paterna no assento de nascimento do mesmo” [alínea C) do despacho em referência e certidões de fls. 237 a 249, 271 a 292, 307 a 352].
4. Em data não apurada do ano de 2007 o Réu contactou M. J., irmã da Autora, transmitindo-lhe que era filho de M. L., pai da Autora, meio irmão de ambas [resposta aos artigos 2º, 3º, 4º da petição inicial].
5. Em Janeiro de 2008, M. J. aceitou fazer um teste de ADN em conjunto com o Réu, que se concretizou no resultado referido em 1) [resposta aos artigos 9º, 10º da petição inicial].
6. Desconhece-se se, aquando da realização do teste referido em 5), o Réu omitiu informação que eventualmente pudesse alterar o resultado identificado em 1), designadamente, que E. P., que consta no assento de nascimento como sua mãe, é sobrinha de M. C., mãe de M. J. [resposta aos artigos 12º, 13º da petição inicial].
7. Em momento não concretamente apurado, posterior ao resultado referido em 1) e o final de Julho de 2008, o Réu contou a diversas pessoas da freguesia de ..., onde a Autora reside, que ele e M. J. eram irmãos gémeos, filhos de M. L. e da Autora [resposta aos artigos 17º, 22º da petição inicial].
8. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao final de Julho de 2008, um irmão da demandante, de nome Xavier, disse ao filho desta, P. R., na presença de outro irmão e do Réu, que este era filho de M. L. e da Autora, sugerindo que a questionasse [resposta ao artigo 16º da petição inicial].
9. O filho da Autora não aceitou o que lhe foi dito [resposta ao artigo 20º da petição inicial].
10. Está provado cientificamente que o Réu não é filho da Autora [resposta ao artigo 21º da petição inicial].
11. As pessoas a quem o Réu contou divulgaram pelas freguesias de ... e pelas limítrofes, concretamente, ..., ... e ..., a informação referida em 7) [resposta ao artigo 22º da petição inicial].
12. O assunto foi comentado em vários estabelecimentos comerciais, designadamente, cafés, restaurantes, supermercados e minimercados [resposta aos artigos 23º, 24º da petição inicial].
13. A Autora e a sua família são bastante conhecidos nas freguesias identificadas em 11), designadamente, porque o filho P. R. é, desde 2005, Presidente da Junta de Freguesia de ... [resposta ao artigo 26º da petição inicial].
14. A Autora e M. L. têm vários familiares a residir em ..., ... e ... [resposta ao artigo 27º da petição inicial].
15. Com vista a dissipar eventuais dúvidas, M. C., mãe da Autora e de M. J., decidiu em conjunto com esta, em Julho de 2008, fazer um teste de ADN [resposta ao artigo 30º da petição inicial].
16. Após a recolha de amostras em 25 de Julho de 2008, o teste teve o resultado referido em 2) [resposta aos artigos 31º, 32º da petição inicial].
17. Em momento não apurado, anterior ao final de Julho de 2008, o Réu contou a pessoas conhecidas de ... que a sua história iria ser contada no programa de X na Televisão ... [resposta ao artigo 28º da petição inicial].
18. Apesar de ter realizado a investigação da versão do Réu, a Televisão ... nada transmitiu [resposta ao artigo 29º da petição inicial].
19. A Ré dedica-se, a título principal, à atividade de televisão [alínea D) do despacho em referência].
20. No final do mês de Julho de 2008 uma equipa de reportagem da Ré deslocou-se às freguesias de ... e de ..., no concelho de Guimarães [alínea E) do despacho em referência].
21. Em meados de Agosto de 2008 o Réu transmitiu a pessoas suas conhecidas, que difundiram, pelo menos, na freguesia de ..., que a história referida em 7) ia ser relatada pela Ré [resposta ao artigo 33º da petição inicial].
22. No dia 20 de Agosto de 2008, num programa matinal da Ré, apresentado por M. L., na rúbrica “...”, o jornalista C. H., referindo-se ao Réu, que ali se encontrava presente, afirmou “este senhor, aos quarenta anos, descobriu que, provavelmente, não é filho do pai, nem é filho da mãe. E provavelmente, também, não é irmão do irmão” [alínea F) do despacho em referência].
23. Em seguida, o jornalista anuncia uma reportagem da autoria da jornalista V. S. que é transmitida de imediato [alínea G) do despacho em referência].
24. Na referida reportagem é filmado e presta declarações J. F., irmão da Autora que, a determinada altura refere que o resultado do teste de ADN feito a J. F. e ao Réu foi “… gémeos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe” [alínea H) do despacho em referência].
25. No programa referido em 22), depois da explicação da Professora Doutora P. T. sobre o que verdadeiramente significa o resultado obtido no teste de ADN feito ao Réu e a M. J., o apresentador disse o seguinte “C. S. … você pode ser fruto de uma relação incestuosa, que é uma relação escabrosa… Ele pode ser fruto de uma relação, de tal forma que o seu pai pode ser seu avô também” [alínea J) do despacho em referência].
26. A jornalista V. S. deslocou-se à freguesia de ... ao serviço da Ré e no exercício da atividade de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias e opiniões, através de texto, imagem ou som [alínea I) do despacho em referência].
27. A deslocação referida em 26) destinou-se a realizar a reportagem emitida no programa identificado em 20) [resposta aos artigos 49º da petição inicial e da contestação].
28. A jornalista V. S. deslocou-se, pelo menos, a um supermercado situado em ... para obter informações destinadas a apurar a versão do Réu [resposta ao artigo 35º da petição inicial].
29. Na reportagem realizada por V. S., emitida pela Ré, o Réu verbalizou “eu quero é saber a verdade, quero saber quem sou” “o meu interesse neste momento é saber a verdade, eu quero saber quem sou, quem é a minha mãe, quem é a minha família, se não me quiserem ligar depois, não liguem, mas eu tenho direito de saber quem sou” [resposta aos artigos 64º, 65º da contestação da Ré].
30. A jornalista V. S. recebeu instruções para apurar os factos, nomeadamente, junto da família de M. L. [resposta ao artigo 74º da contestação da Ré].
31. Apenas o irmão da Autora, J. F., se prontificou a ser entrevistado e filmado, dando a versão que ficou a constar da reportagem, designadamente, a afirmação que consta em 24) [resposta ao artigo 75º da contestação da Ré].
32. Os demais elementos da família contactados pela jornalista V. S. não quiseram gravar qualquer entrevista [resposta ao artigo 75º da contestação da Ré].
33. A jornalista V. S. terminou a reportagem concluindo “na vida de C. S. existem neste momento duas famílias, uma é alegadamente a família adotiva e outra é alegadamente a família biológica, no entanto, nenhum dos dois núcleos familiares confirma ou desmente a paternidade de C. S., fica a questão: afinal de contas, de quem é filho C. S.?” [resposta ao artigo 111º da contestação da Ré].
34. A presença da equipa de reportagem da Ré em ... e ... e a razão da sua deslocação foi muito comentada nessas freguesias [resposta ao artigo 36º da petição inicial].
35. Além das freguesias referidas em 11), a família da Autora e esta são também muito conhecidos nas freguesias vizinhas de ... e ..., designadamente, porque M. L. exerceu aí a atividade de comerciante [resposta aos artigos 38º, 39º da petição inicial].
36. Devido ao anúncio referido em 21) e à presença da equipa de reportagem da Ré aludida em 34), muitas foram as pessoas que assistiram ao programa identificado em 22) [resposta ao artigo 40º da petição inicial].
37. No dia 28 de Agosto de 2008, nos telejornais das 13h00 e das 20h00, a Ré difundiu a notícia podendo ler-se em rodapé a frase “O homem que pode ser filho da irmã”, que surge enquanto o Réu está a ser filmado e a falar [alínea K) do despacho em referência].
38. A referida frase aparece acompanhada de fotografia em que estão retratados o Réu, M. J., irmã da Autora e o pai da Autora, M. L. [alínea L) do despacho em referência].
39. Na notícia é referenciado e filmado o relatório identificado em 1) [alínea M) do despacho em referência].
40. Nessa notícia nenhuma referência foi feita ao relatório identificado em 2) [alínea N) do despacho em referência].
41. Na notícia em causa é dito que aqueles que o Réu sempre viu como pais, “afinal não eram”, que “agora, C. S. tem razões para acreditar que a sua irmã mais velha é também a sua mãe” [alínea O) do despacho em referência].
42. No dia 3 de Agosto de 2010 nos telejornais das 13h00 e das 20h00, a Ré voltou a difundir a notícia, voltando a ser visualizada a fotografia referida em 38) [alínea P) do despacho em referência].
43. Foram difundidas imagens da capela de ... em que esteve a ser velado o corpo do pai da Autora, falecido a - de Julho de 2010 [alínea Q) do despacho em referência].
44. O Réu foi mais uma vez identificado como possível fruto de uma relação incestuosa entre a Autora e o seu pai [alínea R) do despacho em referência].
45. Nessa notícia não foi feita qualquer referência ao relatório identificado em 2) [alínea S) do despacho em referência].
46. Na peça noticiosa transmitida foi usada a expressão “incesto” [resposta ao segmento final do artigo 58º da petição inicial]. 47. Em 3 de Agosto de 2010, pelas 13h06, o filho da Autora enviou ao Diretor de Informação da Ré, via fax, comunicação com a epígrafe “muito urgente” com o seguinte conteúdo “tendo tomado conhecimento, através da “síntese notícia”, de que a estação de televisão de que V. Ex.ª é director de informação se prepara para difundir notícia sobre a interrupção do funeral de M. L., na sequência de despacho do Ministério Público, vimos chamar a atenção de V. Ex.ª para a circunstância de a tese defendida e tornada pública pelo cidadão C. S. ser rotundamente falsa e atentatória da honra e dignidade da memória de M. L., bem como de toda a sua família, como, aliás, está a ser demonstrado no processo judicial de investigação de paternidade em curso e será cabalmente demonstrado no final do processo.
Face ao exposto, solicitamos a V. Ex.ª que não amplie e agrave a ofensa que, por via da comunicação social, tem vindo a ser feita à memória de M. L. e a toda a sua família, respeitando, também, por essa via, o luto da família, que, face às circunstâncias, se está a revelar ainda mais doloroso do que seria suposto” [resposta aos artigos 63º e 64º da petição inicial].
48. Apesar do fax, a Ré difundiu a notícia identificada em 37) [resposta ao artigo 63º da petição inicial].
49. Apesar de ter recebido o fax identificado em 47), a Ré não fez qualquer contacto com a Autora ou com a sua família para que expusessem a sua posição, nem noticiou a existência ou conteúdo da comunicação do filho da Autora [resposta aos artigos 65º, 66º da petição inicial].
50. No dia 13 de Agosto de 2010, no programa “...”, a Ré difundiu reportagem na qual foi feito o resumo daquela que foi difundida no dia 20 de Agosto de 2008, fez referência ao falecimento de M. L. e à interrupção do velório [alínea T) do despacho em referência].
51. Mais uma vez, foi referida a relação incestuosa entre o pai da Autora e uma sua filha [resposta ao artigo 69º da petição inicial].
52. Embora na entrevista realizada em Agosto de 2010, aludisse que o desfecho da história noticiada dependia do resultado de testes de ADN ainda não realizados, o apresentador do programa M. L., por diversas vezes, identificou o progenitor biológico do Réu como pai e avô, falando abertamente da relação incestuosa do pai/avô, com a sua própria filha, relação essa que apelidou de “escabrosa” [resposta aos artigos 70º, 79º da contestação da Ré].
53. Nos dias que antecederam a emissão do programa, o Réu transmitiu a pessoas suas conhecidas residentes, pelo menos, em ..., que o assunto seria tratado pela Ré [resposta ao artigo 70º da petição inicial].
54. A informação referida em 53) foi posteriormente veiculada em estabelecimentos comerciais da zona [resposta ao artigo 71º da petição inicial].
55. Pelo menos dezenas de pessoas das freguesias identificadas em 11) e 30) viram os programas em causa, designadamente, familiares, amigos, vizinhos e conhecidos da Autora [resposta aos artigos 72º, 91º, 92º, 94º da petição inicial].
56. Parte das pessoas que assistiram aos programas da Ré consideraram como verdadeira a “história do incesto” [resposta ao artigo 73º da petição inicial].
57. Parte das pessoas referidas em 55) identificaram a Autora como a pessoa que era referida das reportagens da Ré como “a irmã mais velha” e simultaneamente “mãe” do Réu [resposta aos artigos 76º, 93º da petição inicial].
58. A referência ao resultado referido em 2) era suscetível de pôr em causa a veracidade da tese do Réu sobre a maternidade da Autora [resposta aos artigos 74º, 75º da petição inicial].
59. A Ré sabia que o conteúdo dos programas e notícias que difundiu continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora [resposta ao artigo 77º da petição inicial].
60. Depois de conhecer o resultado referido em 2), no Verão de 2008, o Réu ficou a saber que a possibilidade de a Autora ser sua mãe biológica e de M. J. não se confirmava [resposta ao artigo 77º da petição inicial].
61. A partir do momento referido em 60) o Réu agiu com o intuito, concretizado, de denegrir a imagem da Autora [resposta ao artigo 79º da petição inicial].
62. Os Réus sabiam que o meio utilizado, televisão, facilitava a divulgação dos factos, expressões e juízos de valor depreciativos veiculados nos programas e notícias identificados em 22), 37), 42) e 50) [resposta ao artigo 80º da petição inicial].
63. Em 3 de Agosto de 2010 o Correio ... publicou online artigo com o título “...” e subtítulo “…”, com o seguinte conteúdo:
“Decidido a descobrir finalmente a verdade, um homem de 40 anos, parou o funeral de um idoso por suspeitar que este, além de ser seu avô, era também seu pai. Por ordem do Ministério Público (MP) de Guimarães, o corpo de M. L., de 83 anos, que estava a ser velado na capela de ... foi levado anteontem de madrugada pela GNR para a morgue do hospital, onde foi recolhido ADN para serem realizados testes de paternidade.
As batalhas entre o homem e a família de M. L., cujo corpo foi ontem a enterrar, duram há cerca de dois anos, altura em que o primeiro desconfiou que era adoptado. Confrontados, os pais adoptivos acabaram por confirmar as suspeitas e revelaram ao filho que a verdadeira mãe tinha sido violada quando tinha apenas 15 anos.
O homem tratou de imediato de contactar a família biológica e de confirmar a veracidade da história. No entanto, quer a mãe, quer M. L. recusaram-se sempre a realizar os testes de paternidade.
‘Ele apareceu aqui há uns anos. Os pais adoptivos é que lhe deram a morada, mas a mãe negou tudo. Disse que nunca teve um filho do próprio pai, que era tudo mentira’, contou ao Correio... um amigo da família, que preferiu não se identificar.
Face à recusa da família, o homem entrou com um pedido de averiguação da paternidade no Tribunal de Guimarães, motivo que levou o procurador do MP a não permitir o funeral antes que se recolhessem os vestígios necessários para os exames.
‘A GNR e os bombeiros vieram durante a noite e levaram o corpo num saco. Até deixaram o caixão vazio dentro da capela. A família ficou em choque’, explicou o mesmo amigo. A Correio... tentou falar com a família de M. L., mas aquela recusou-se a adiantar explicações sobre o caso. “É verdade que levaram o corpo, mas já está tudo resolvido. Vamos fazer hoje [ontem] o funeral”, adiantou um genro do octogenário” [resposta aos artigos 33º da contestação do Réu, 85º, 89º da contestação da Ré].
64. Em 3 de Agosto de 2010 o Jornal ... publicou online artigo com o título “…” com o seguinte conteúdo:
“Especialistas em genética médica já retiraram vestígios biológicos ao cadáver de um homem de 83 anos cujo velório foi interrompido por ordem do Ministério Público, no âmbito de um processo de averiguação de paternidade.
O funeral realizou-se ontem, segunda feira, à tarde, em ..., depois de o corpo ter sido retirado e devolvido pela GNR, tal como ontem noticiado pelo JORNAL ....
Em causa estão dúvidas sobre a paternidade de um homem e uma mulher de 43 anos que souberam recentemente serem irmãos gémeos falsos, na sequência de testes de ADN.
Os irmãos vieram a descobrir que as pessoas que, durante mais de 40 anos, pensaram ser os seus pais – e com quem foram criados e registados em termos de identificação civil – não são na realidade.
Por parte de alguns dos envolvidos nas dúvidas sobre a paternidade, verificaram-se também recusas de cedência de material biológico para os testes de ADN. Também por esta razão foi requerida a intervenção do Ministério Público.
Uma das suspeitas que os filhos procuram averiguar é se, afinal terão como pai o homem que agora foi sepultado, fruto de uma relação com a própria filha, mantida sempre em segredo.
Efetuados que foram já testes de comparação do perfil biológico que asseguram serem o homem e a mulher de 43 anos, irmãos consanguíneos, segundo explicou ao Jornal ... o requerente do processo de averiguação da paternidade. No próximo dia 12, será a sua vez de ceder mais vestígios biológicos a fim de comparar com os do homem ontem sepultado.
A retirada do cadáver do velório foi dada por ordem do procurador do Ministério Público de Guimarães” [resposta aos artigos 85º, 89º da contestação da Ré].
65. Em 5 de Agosto de 2010 o Correio ... pulicou online artigo com o título “…” e o subtítulo “…”, com o seguinte conteúdo:
“C. S. descobriu que o seu pai é também seu avô. Homem foi rejeitado por praticamente toda a família. Exames de ADN dia 12.
Ao descobrir que o seu pai era também seu avô, C. S. de 44 anos, teve de lidar com um novo sentimento: a rejeição. Desde o primeiro dia, a família de M. L., o idoso que terá violado a filha, engravidando-a de gémeos, maltratou C. S., recusando-se a aceitá-lo no seio familiar.
‘Ninguém me fala. Para além da minha irmã gémea, apenas um dos meus outros irmãos me aceitou. Não tenho contacto com mais ninguém, fui sempre mal aceite. Continuam a dizer que estou a mentir e agem como se eu não existisse’, contou C. S. ao Correio....
O homem soube apenas que M. L. tinha morrido no sábado por amigos que residem em ..., Guimarães. ‘Não me avisaram de nada. Se não fossem alguns amigos não sabia sequer que ele tinha morrido’, explicou.
C. S. aguarda agora ansiosamente pelo resultado dos exames de ADN, que serão realizados dia 12, no Instituto de Medicina Legal do Porto. ‘Eu e a minha irmã gémea vamos voltar a fazer testes para ficarmos a saber quem são os nossos pais. Este período de espera deixa-me muito ansioso, mas acredito que vou finalmente repor a verdade. Só quero saber quem é o meu pai e quem é a minha mãe’, disse C. S..
Recorde-se que o velório de M. L. foi interrompido domingo. A GNR foi ao local e levou o corpo para a morgue onde foi retirado ADN que servirá para confirmar se o idoso é realmente pai de C. S.” [resposta aos artigos 33º da contestação do Réu, 85º, 89º da contestação da Ré].
66. Em 12 de Agosto de 2010 o Jornal ... publicou online artigo com o título “Teste de ADN vai esclarecer a paternidade” com o seguinte conteúdo:
“ Um homem de Fafe diz que é filho/neto de um octogenário de ..., em Guimarães. A família nega e diz que é tudo “uma calúnia”. Só o ADN vai esclarecer a relação de parentesco.
Poderão ficar esclarecidas, esta quinta-feira, todas as dúvidas sobre o parentesco entre um homem de Fafe e um octogenário recentemente falecido. O Tribunal de Guimarães notificou os intervenientes no processo para, esta manhã, comparecerem no Instituto de Medicina Legal, no Porto, para realização de testes de ADN.
Em causa está o pedido de averiguação da paternidade que C. S., comerciante em Fafe, entregou no tribunal vimaranense. Aos 44 anos de idade, depois de viver com um casal a quem tratava por “pai e mãe”, C. S. diz ter provas de que é filho e neto de um homem de 83 anos que morreu, no dia 31 de Julho, em ..., Guimarães.
C. S., segundo o próprio, será fruto de uma relação incestuosa entre o pai e uma filha. Após o nascimento, a mãe/irmã terá entregue o bebé a um casal que, a partir dessa altura, há 44 anos atrás, assumiu a sua paternidade.
‘Os testes vão confirmar o que eu digo. Assumo todas as responsabilidades da luta que iniciei e tenho o direito a saber a verdade’, referiu C. S., ao Jornal .... O processo de averiguação da paternidade levou a que um despacho do delegado de turno do Ministério Público (MP) do Tribunal Judicial de Guimarães suspendesse o funeral do octogenário. O corpo estava já a ser velado pela família e amigos na capela mortuária de ... quando a GNR e os bombeiros foram buscar o cadáver para o levar para a morgue do Centro Hospitalar do Alto Ave. A decisão do delegado do Ministério Público visava a recolha de fluidos dos corporais necessários para a realização do teste de paternidade.
Com a recolha de fluidos a C. S. e a outros familiares e após a comparação com o ADN do idoso já falecido, será possível confirmar se efetivamente o homem recentemente falecido é pai ou pai e avô do comerciante ....
‘Os testes não vão dar nada porque não existe relação nenhuma. É tudo uma grande mentira e uma grande calúnia’, disse um neto do octogenário que não quer ser identificado. ‘A honra de um homem de 83 anos foi devassada e o nome de uma família está na lama por causa de uma calúnia’, referiu a mesma fonte.
Após a colheita de fluidos corporais, o Instituto de Medicina Legal tem 60 dias para enviar para o tribunal o resultado dos testes de ADN. No máximo, em meados de Outubro, C. S. já saberá se é fruto ou não de uma relação incestuosa.
Numa localidade pequena, o adiamento do funeral de uma pessoa conhecida e respeitada na freguesia atiçou as desavenças familiares. A família próxima do octogenário afirma que C. S. é, ‘no máximo’, primo do homem de quem diz ser filho e neto” [resposta aos artigos 85º, 89º da contestação da Ré].
67. Em 13 de Agosto de 2010 o Jornal ... publicou online artigo com o título “….” com o seguinte conteúdo:
“Já estão no Instituto de Medicina Legal as amostras de sangue que poderão provar o parentesco entre um comerciante ... e uma família de ..., em Guimarães.
Apenas C. S. e uma filha do octogenário recentemente falecido em ..., realizaram, na manhã de ontem, os testes de ADN no Instituto de Medicina Legal do Porto. Os testes, ordenados pelo tribunal de Guimarães, pretendem esclarecer todas as dúvidas sobre o parentesco entre C. S., comerciante em Fafe, e o homem, de 83 anos, que o comerciante diz ser seu pai e avô. Na sequência de pedido de averiguação de paternidade que C. S. entregou no tribunal de Guimarães, foram notificadas várias pessoas do mesmo agregado familiar para a realização de testes de ADN.
Um dos notificados, era o homem que morreu no dia 31 de Julho, em .... Informado da morte do idoso, o delegado de turno do Ministério Público de Guimarães, emitiu um despacho suspendendo o funeral e obrigando a GNR e os bombeiros a ir buscar o cadáver à capela mortuária, onde já estava a ser velado, e a levar o corpo para a morgue do Centro Hospitalar do Alto Ave. Na morgue foram recolhidos os fluidos corporais necessários à identificação do ADN e enviados para o Instituto de Medicina Legal onde vão ser ‘comparados’ com os de C. S. e os da filha do octogenário.
Ontem, quinta-feira, bem cedo, o homem que diz ser filho e neto do octogenário realizou exames sanguíneos e técnicos do instituto recolheram amostras de fluidos. O mesmo aconteceu com uma das filhas do octogenário, a primeira a realizar a recolha de ADN. M. L. e M. C., o casal de ..., tem cinco filhos mas apenas uma foi notificada para comparecer no Instituto de Medicina Legal.
Aos 44 anos de idade, depois de viver com um casal que pensava serem os seus pais, C. S. diz ter provas de que é fruto de uma relação incestuosa entre o pai e uma filha. Após o seu nascimento, a mãe/irmã terá entregue o bebé a um casal.
Depois da colheita de fluidos corporais, o Instituto de Medicina Legal tem 60 dias para enviar para o tribunal o resultado dos testes de ADN. No máximo, em meados de Outubro, C. S. já saberá se é fruto ou não de uma relação incestuosa.
Se for confirmada a paternidade de C. S., o comerciante ..., promete revelar pormenores de uma ‘vida de enganos’. Se não, será a família de ... a agir para reposição do seu bom nome” [resposta aos artigos 85º, 89º da contestação da Ré].
68. Em 13 de Agosto de 2010 o Correio ... publicou online artigo com o título “….” e subtítulo “…”, com o seguinte conteúdo:
“C. S. deu ontem mais um passo para saber toda a verdade da sua vida, ao realizar testes de ADN no Instituto de Medicina Legal (IML) do Porto. A história, iniciada em 2007, quando desconfiou de que tinha uma irmã gémea (M. J.), filha do avô (M. L.), resultado de uma relação incestuosa com a filha mais velha (M. F.), já terá despertado o interesse de produtoras para a realização de um filme ou de uma telenovela.
‘Querem fazer um filme da minha vida, mas primeiro quero descobrir se as minhas suspeitas são ou não verdade’, contou ao Correio... o empresário de 44 anos, que ontem de manhã esteve no IML para realizar testes de ADN.
A recolha das amostras, ordenada pelo Tribunal de Guimarães, onde decorre o processo para averiguar a paternidade de C. S., tem como objetivo fazer a comparação entre o seu ADN e o da alegada mãe (M. F.) e o de M. L., suposto pai/avô. O empresário tem ‘a certeza de que é fruto de uma relação entre M. L. e a filha mais velha’.
Além de C. S., ontem, a suposta mãe também esteve no IML do Porto para efetuar testes de ADN. Anos antes, C. S. confirmou que tinha uma irmã gémea (M. J.), também através de teste de ADN. ‘Somos irmãos gémeos, mas eu fui registado com 10 dias de diferença. Ela foi criada como filha do M. L. e de sua mulher, logo, como irmã da mãe’, esclareceu.
Enquanto M. J. foi criada com M. L., C. S. diz ter sido entregue a uma família, cuja mãe que o criou será sobrinha da mulher de seu pai/avô.
Um dos episódios recentes deste processo de averiguação de paternidade aconteceu no início do mês, quando a GNR interrompeu o velório de M. L. para levar o corpo ao Centro Hospitalar do Ave, onde os delegados fizeram a recolha de amostras de ADN” [resposta aos artigos 33º da contestação do Réu, 85º, 89º da contestação da Ré].
69. Em 5 de Dezembro de 2010 o Correio ... publicou online artigo com o título “…” e subtítulo “…”, com o seguinte conteúdo:
“Está a ficar completo o quadro da família de C. S.. Os testes de ADN realizados ao empresário de 44 anos de Fafe, a que o Correio... teve acesso, confirmam, que tal como ele suspeitava, é filho de M. L., de 83 anos, falecido em Agosto. Já uma eventual relação de incesto, de que terá resultado o nascimento de C. S. não foi confirmada.
O teste exclui a filha mais velha de seu pai, M. F., como sua mãe biológica. ‘O teste só veio confirmar aquilo de que eu suspeitava e que me negaram este tempo todo’, confirmou ao Correio... C. S., o homem que depois de descobrir, aos 41 anos, que tinha uma irmã gémea, iniciou uma luta para saber quem eram, afinal, os seus verdadeiros pais.
Apesar de os testes de ADN excluírem M. F. como sua mãe biológica e concluírem que ambos são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, C. S. diz ter garantias de que não é filho da mulher de seu pai. ‘Um filho do meu pai garantiu-me que não podemos ser filhos da mesma mãe, porque ele, que é bem mais velho do que eu, nunca a viu grávida’, sublinhou.
A batalha de C. S. desde que conheceu M. J., de quem descobriu ser irmão gémeo, também através de teste de ADN, ainda não terminou. ‘Somos irmãos gémeos, mas fomos registados com 10 dias de diferença’, explicou. Enquanto M. J. foi criada com M. L., em Guimarães, C. S. foi entregue a um casal de Fafe, familiar da mulher do seu pai.
Um dos episódios que marcaram este processo de averiguação de paternidade aconteceu no início de Agosto, quando a GNR interrompeu o velório de M. L. para levar o corpo à morgue do Hospital de Guimarães, para recolha de amostras de ADN” [resposta aos artigos 33º da contestação do Réu, 85º, 89º da contestação da Ré].
70. Em 7 de Dezembro de 2010 a Radio ... publicou online artigo com o título “…”, com o seguinte conteúdo:
“C. S. não desiste e vai agora tentar descobrir o nome da mãe.
‘Para já, da forma como ando, não dá ainda para sentir nada. Vejo uma luz ao fundo do túnel’, foi a esta a reação de C. S. de 41 anos, que obteve o resultado do teste de ADN, que deu como provado o facto deste ser filho daquele que considerava seu avô. Tudo começou em Agosto, quando a GNR de ... interrompeu o velório de M. L., levantou o corpo e transportou-o para o Hospital de Guimarães para que lhe fosse efetuada recolha de ADN, por ordem do Ministério Público. Isto depois de C. S. ter conhecido uma irmã gémea que fora criada com os pais, em …, e sendo que o próprio terá sido entregue a uma família de …., em …, Guimarães.
Os testes provaram que C. S. não é neto, mas filho de M. L.. Falta agora apurar a identidade da mãe. ‘Penso que estou no bom caminho e irei lá chegar referiu C. S. à Radio .... O objetivo de C. S., além de saber a sua parentalidade, ‘é reclamar direitos, se os houver’, finalizou.
A Radio ... tentou obter uma reação da família de ... mas sem sucesso” [resposta aos artigos 85º, 89º da contestação da Ré].
71. No programa “...” da Televisão..., emitido em 20 de Dezembro de 2010, o Réu participou na encenação de uma árvore genealógica em que a Autora foi identificada como sua mãe [resposta ao artigo 32º da contestação do Réu].
72. No período compreendido entre Janeiro e Setembro de 2008, a Ré liderou as audiências acumuladas de televisão em Portugal, tanto no total do dia como no horário nobre, com shares médios de audiências em sinal aberto de 36% e de 41,2%, respetivamente [resposta aos artigos 95º, 96º da petição inicial].
73. Desde o início do ano de 2008 até ao final de Setembro de 2008, a Ré chegou a uma média diária de 6,3 milhões de espectadores [resposta ao artigo 97º da petição inicial].
74. No referido período, o “Jornal ...” da Ré foi visto diariamente por quase um milhão de espectadores [resposta ao artigo 98º da petição inicial].
75. Desde o início de 2008 até ao final de Setembro de 2008, a Ré teve um total de proveitos operacionais de € 123.967.000 [resposta ao artigo 99º da petição inicial].
76. No período compreendido entre Janeiro e Setembro de 2010, a Ré liderou as audiências acumuladas de televisão em Portugal, tanto no total do dia como no horário nobre, com shares médios de audiências em sinal aberto de 34% e de 39,4%, respetivamente [resposta aos artigos 100º, 101º da petição inicial].
77. No período compreendido entre Janeiro e Setembro de 2010, o “Jornal ...” da Ré foi visto diariamente por uma média de 840.000 espetadores, de segunda-feira a Domingo e o “Jornal ...” por 485.000 espectadores de segunda a sexta-feira [resposta ao artigo 102º da petição inicial].
78. Desde o início de 2010 até ao final de Setembro de 2010, a Ré teve um total de proveitos operacionais de € 110.690.000 [resposta ao artigo 103º da petição inicial].
79. Ao tomar conhecimento do conteúdo dos programas em causa e da versão dos factos que o Réu transmitiu às pessoas referidas em 7), posteriormente divulgados, a Autora sentiu-se humilhada, triste, ofendida, vilipendiada [resposta aos artigos 104º, 105º da petição inicial].
80. Os factos propalados pelo Réu e difundidos pela Ré nas referidas circunstâncias causaram à Autora desgosto, angústia e abatimento, a par de revolta e indignação [resposta aos artigos 106º, 107º da petição inicial].
81. A Autora viu afetada a sua habitual serenidade e tranquilidade [resposta ao artigo 108º da petição inicial].
82. O referido em 80) e 81) foi agravado pela difusão dos programas identificados em 42) e 50) em data próxima do falecimento do pai [resposta ao artigo 109º da petição inicial].
83. Com fundamento nas reportagens da Ré e os factos difundidos pelo Réu, surgiram suspeitas e comentários negativos relativamente ao comportamento imputado à Autora [resposta ao artigo 110º da petição inicial].
84. A Autora passou a sentir grande constrangimento em andar na rua, por se sentir vexada e interpretar como atitudes de dúvida e julgamento o comportamento das pessoas com quem se cruzava [resposta aos artigos 111º, 112º da petição inicial].
85. Anteriormente à difusão dos factos a Autora era uma pessoa extrovertida e sociável no seu círculo de familiares, amigos e vizinhos [resposta ao artigo 113º da petição inicial].
86. Após, tornou-se mais reservada e insegura [resposta ao artigo 114º da petição inicial].
87. As alterações de comportamento referidas em 84), 86) tornaram-se visíveis aos olhos de familiares, amigos e vizinhos [resposta ao artigo 116º da petição inicial].
88. Devido à difusão dos factos, a Autora careceu de apoio e tratamento psicológico [resposta ao artigo 116º da petição inicial].
89. Por lapso de tempo não concretamente apurado, a Autora esteve medicada com antidepressivos e soníferos [resposta ao artigo 117º da petição inicial].
*
3.1.2. Factos Não Provados

Inversamente, foi dada como não provada a factualidade alegada:

- nos artigos 5º a 8º, 14º, 15º, 19º, 37º, 47º, 62º (segmento desde “apesar” até “Ré”), da petição inicial;
- nos artigos 9º (segmento “o Réu foi” até “situação”), 10º (segmento “o Réu tinha” até “do Pai desta”), 18º, 19º, 74º, 79º da contestação do Réu;
- nos artigos 69º (segmento a partir de “nas mencionadas” até final), 73º, 81º da contestação da Ré.
*
3.2. O Direito
3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016 (disponível em www.dgsi.pt), “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Apesar disso, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Comecemos pela impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente C. S..

O Recorrente considera incorretamente julgados os seguintes factos:

- factos 7, 11, 12, 13, 14, 17, 21, 34, 35, 53, 54, 55, 56, 57, 61, 64, 65, 66, 68, 71, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88 e 89 da matéria de facto dada como provada;
- factos alegados nos artigos 9º (segmento “o Réu foi” até “situação”), 18º e 19º da contestação do Réu, da matéria de facto considerada não provada.

A Senhora Juiz a quo fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
"A convicção do Tribunal baseou-se:
«» no visionamento dos CD´s juntos como documentos 4, 5, 6 e 8, todos eles referentes a peças televisivas emitidas pela Ré, cujo conteúdo se reporta:
» primeiro CD reporta-se à gravação do programa “...” emitido em 20 de Agosto de 2008; na reportagem realizada pela jornalista V. S. nenhuma alusão é feita à identidade da presumível mãe (ou algum elemento que permitisse deduzir a sua identificação), fazendo o enquadramento do conhecimento pelo Réu, a alegada existência de duas famílias – biológica e de criação –, que nenhum dos núcleos confirmava ou desmentia a paternidade, referindo que o Réu iniciara a busca pela identidade do pai mas “admite não saber quem é a sua mãe e não desiste de descobrir quais são as suas raízes” questionando, em conclusão, “afinal de contas de quem é filho C. S.”; nas declarações prestadas na reportagem, o Réu falou sobre a inexistência de boas recordações dessa vivência familiar e afirmou “o que eu quero é saber a verdade”, “o problema é que ninguém conta nada, toda a gente me vira as costas” aludindo a ameaças; ouve-se a testemunha J. F. dizer que há muitos anos sabiam que havia de aparecer um irmão, acompanhara o Réu e a M. J. quando foram realizar os testes de ADN (“para a menina não ir sozinha”) e que o resultado fora “gémeos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe” e a reação da família sobre a questão de ser ou não filho de M. L. (antes dos testes, favorável e, posteriormente, de negação); no direto, em estúdio, o jornalista C. H., antes de entrevistar o Réu, teve o cuidado de introduzir “quando se investiga não se vai à procura de um resultado e, portanto, essa não foi a nossa investigação, Sr. C. S., ou seja, não fomos à procura de justificar que ele tem uma família nova ou não tem uma família nova, fomos à procura de perceber. E eu percebo que as pessoas quando estão emocionalmente envolvidas nas matérias se deixem influenciar ou até pretendam uma outra solução. Esta é uma questão, A outra questão é… também é verdade que, às vezes, as verdades vividas no interior, de há 40/50 anos, estão devidamente guardadas, fechadas à chave e resolvidas e também é verdade, que muitas pessoas não estão na disposição de reabrir gavetas e, outras até, que sabem que a vergonha é uma coisa complicada especialmente nos meios pequenos”, só então entrando na entrevista com o Réu introduzindo que este pegou numa suposta irmã e foi fazer testes genéticos; o Réu contou que no dia 3 telefonou à irmã a pedir que falasse lá em casa que queria fazer os testes com o pai, propôs-se ir ela, porque havia desconfiança de que poderia haver mais alguma coisa, fizeram-nos no dia 4 de Janeiro, receberam-nos em Fevereiro e dera o resultado que “eram filhos do mesmo pai e filhos da mesma mãe”, imediatamente corrigido pela apresentadora … que podiam ser irmãos, meios-irmãos ou até primos e pelo jornalista C. H. sobre a probabilidade de o Réu e de a senhora que foi fazer os testes “serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe na ordem dos cerca de 90%”, seguido do comentário do apresentador M. L. que considerou ser muito, afirmando C. H. ser “pouco para dizer definitivamente que sim”; a Prof.ª Dr.ª P. T., entrevistada pelo apresentador sobre o resultado não ser conclusivo, explicou o raciocínio inerente aos testes de identidade genética, suas diversas utilidades, a base buscar zonas de ADN com muita variabilidade e muito estudadas na mesma população e dos alelos mais raros, aludiu à tabela internacional de interpretação de valores e, reportando-se à paternidade, referiu que valores entre 99,73% e 99,99 % corresponde paternidade praticamente provada, entre 99,72 e 99,00 % correspondente a extremamente provável, mas que, entre irmãos, não existe uma tradução idêntica à da paternidade, existe uma aproximação de parentesco que é maior quanto maior for a probabilidade e “maior forte do que o valor entre dois irmãos será pedir a um dos pais ou à mãe para fazer os testes”; confrontado o Réu com a questão de C. H. porque não era possível pedir àqueles que são os prováveis pais que cedessem ADN para fazer análise e também àqueles que têm o nome na certidão de nascimento, o mesmo respondeu que já pedira, mas havia recusa, tendo sido interrompido pelo apresentador com a frase identificada no ponto) da fundamentação de facto; contrariamente ao que a testemunha M. L. deu a entender no seu depoimento sobre o pouco tempo de preparação (conhecimento 3 horas antes da emissão ou de véspera), o mesmo estava a par de informações que não constavam da peça de reportagem nem da abordagem do caso feita pelo jornalista C. H. em direto, pois, para mais perante as dúvidas colocadas pela Prof. P. T., nada lhe permitia concluir que estava em causa uma relação incestuosa e que o Réu podia ser filho de uma irmã; aliás, tal comentário surge completamente desconexo em relação aos cuidados tidos na reportagem (onde apenas se refere “cenários e enredos” que o Réu procurava entender) e às concretas questões em direto colocadas pelo jornalista;
» o segundo CD corresponde à gravação da última peça de reportagem do Jornal ... (21h00) de 28 de Agosto de 2008 da Ré: o Réu relata que no ano anterior em Setembro, em conversa com um tio, irmão da pessoa que o criou, houve uma desconfiança e aquele lhe dissera “não és filho, podes não ser filho daquele a quem chamas pai”, numa primeira fase fora bem recebido, no início do mês de Janeiro (desse ano de 2008) telefonara a uma irmã, pedira para dizer em casa que queria ir fazer o teste com o pai, mas ela dissera que iria e não seria preciso mais nada; referiu que em Fevereiro foram buscar os testes e “o nosso espanto, que para mim já não era muito espanto porque já desconfiava que havia mais alguma coisa”, dera “uma taxa muito alta, diz que podemos ser filhos do mesmo pai e da mesma mãe”, o jornalista retomou o relato dizendo “tem razões para acreditar que a sua irmã mais velha é também a sua mãe”; o Réu afirmou ter interesse em saber a verdade, “quem sou, quem é a minha mãe, quem é a minha família”; verbalizou indignação e revolta “o meu caso não vale nada, não sou ninguém para a Justiça”; o jornalista refere que o Réu pensa em escrever um livro;
» o terceiro CD corresponde a uma peça de reportagem emitida pela Ré uma semana após o falecimento de M. L. (ocorrido a 31 de Julho de 2010) em que passa a entrevista da reportagem de 28 de Agosto de 2008; a jornalista em voz off refere a notificação, em vida, de M. L. e a sua falta alegando estar doente, a recolha de vestígios por ordem do Ministério Público estando aquele a ser velado; afirma que os testes de Fevereiro de 2008 “lhe deram razão para acreditar que este era mesmo o seu pai e que a mãe é a sua irmã mais velha, ou seja, C. S. pode ser fruto de um possível caso de incesto”; alude ao agendamento de data para o Réu realizar o teste e “àquela que acredita ser sua mãe, filha do falecido e que poderá ser sua mãe e irmã também já chegou a notificação para realizar os testes; os resultados poderão pôr fim a tantas incertezas”;
» o quarto CD diz respeito à gravação do programa “...”, rubrica “...” de 13 de Agosto de 2010: passa um resumo da reportagem realizada por V. S., das declarações do Réu, bem como excertos do programa, emitidos em 20 de Agosto de 2008; C. H. comentou, a propósito da questão “afinal de quem C. S. é filho”, que uma das maneiras que tiveram (para responder) foi “pegar na ponta que estava mais à mão, que eram os testes genéticos (…), mas o comportamento das pessoas faz-nos ter dúvidas”, questionando o Réu “porque é que nunca foi recebido pelas pessoas que julga serem seus familiares”, este explicou que foi bem recebido durante 5 meses, que aceitaram, disseram que M. L. era o seu pai, chegando a oferecer-lhe um terreno, foi ao local, mediram, designando os terrenos que ficavam para si, o que achou que era “passar do 8 para o 80” e o levou a desconfiar e a fazer “certas perguntas e nada batia certo com aquilo que me diziam os pais com quem eu vivia; foi aí que começou a surgir a dúvida que poderia haver mais alguma coisa e é daí que eu parto para fazer os testes”; referiu que quando fez os testes e com os papéis enfrentou toda a gente; C. H. retoma a palavra dizendo “era bom que você fosse aceite como filho, descobrir-se que tinha uma irmã gémea e que essa irmã tinha sido criada como irmã da própria mãe e por aí fora, era um filme muito complicado” (note-se que a expressão verbal dos testes de 29 de Janeiro de 2008 afirmam “uma probabilidade de 88,7828% de C. S. e M. J. serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe”, pelo que a ideia de ambos serem irmãos gémeos constitui um salto lógico imenso – apenas se percebe depois do confronto entre as datas de nascimento 5 e 15 de Junho de 1966] e ainda maior, porque é afirmado sem qualquer transição, que essa irmã gémea tinha sido criada como irmã da própria mãe, isto é, que uma das outras filhas de M. L. dera à luz M. J., que era fruto de relações sexuais mantidas entre M. L. e a dita filha, ou seja, de uma relação incestuosa; esta afirmação leva-nos a questionar qual a fonte dessa informação, sendo certo que J. F., testemunha nestes autos e entrevistado na reportagem emitida em Agosto de 2008, também já aludira à circunstância de o Réu e M. J. serem irmãos gémeos, mas sem falar da mãe (podia acontecer que o Réu e M. J. fossem filhos de M. L. e M. C. – mãe da segunda, de acordo com assento de nascimento desta - ou do primeiro e E. P. – mãe do primeiro, segundo o respetivo assento de nascimento), o que o Réu confirmou dizendo que a partir daí tudo se complicou e começou a haver ameaças; M. L., intervém, perguntando ao Réu “disseram-lhe que que o seu pai foi este senhor que faleceu, mas a ser seu pai era também seu avô”, o que o Réu confirmou “por aquilo que eu descobri”, reiterando M. L. “porque a ser seu pai, poderá ser fruto de uma relação incestuosa deste seu pai/avô, com a sua própria filha” que, mais uma vez o Réu confirmou; nesse ponto, o Réu explicou (de forma confusa, diga-se, porque começar por falar de um irmão do seu pai e depois dá um salto para “todas as pedras que eu fui buscar”, “era um segredo muito bem guardado” e que enfrentou todas as pessoas, designadamente, uma que dizia que o teste não valia nada e que lhe “perguntou se era médica e se percebia alguma coisa disso”, que começara a fazer certas perguntas de acordo com o que sabia “e eles próprios acabaram por dizer que a minha mãe era a sobrinha” [note-se que E. P. é sobrinha de M. C. e, assim, por afinidade, também sobrinha de M. L.; sendo a Autora filha de M. L., não se percebe o raciocínio], mas M. L. conclui “portanto, a filha deste senhor”, ao que o Réu anuiu; M. L. pergunta ao Réu se M. L. lhe contara que era seu pai e, mais adiante, se lhe contara “a verdade do seu nascimento, falou-lhe da relação que teve com a filha”, dando o demandado uma resposta afirmativa, relatando [ainda que, forma algo misteriosa, por não revelar exatamente o que disse] que lhe perguntara se eram os dois os filhos “e no fundo ele confirmou, não disse que não e de seguida quis ir para casa e contou à mulher e a mulher veio ter comigo para eu não andar a dizer isso” [como não disse que não, M. L. confirmou, a aplicação da máxima “quem cala consente”], interagindo M. L. com “porque a história era escabrosa… se for verdade”; o Réu afirmou que deu a hipótese de resolverem “isso” consigo, deu-lhes “oportunidade de resolver de outra forma”; questionado como soubera do óbito, o Réu respondeu que várias pessoas que vivem em ... lhe ligaram a dizer que M. L. tinha falecido e levantou suspeitas sobre as circunstâncias do falecimento (“para mim ele não morreu, eu não o vi morto” e “gostava de saber a causa da morte”), M. L. pergunta se “suspeita se lhe foi provocada a morte”, responde “passa-se muitas coisas, quando as pessoas estão doentes chama-se o médico e não se chama o padre e 15 dias antes chamaram o padre”, “recebia assistência domiciliária deixou de receber”, M. L. perguntou como ficara a saber disso, afirmando o Réu que “tinha as suas fontes”; durante a conversa sobre a interrupção do velório (e eventual realização da autópsia para detetar se M. L. sofrera algum AVC dias antes do falecimento – importando neste ponto salientar, que a realização de autópsias dependem do preenchimento de vários requisitos plasmados no artigo 18º da Lei nº 45/2004 de 19 de Agosto, entre os quais, suspeita de morte violenta, ou seja, homicídio, suicídio ou acidente e não para indagar se o motivo invocado para justificar a falta de comparência na Delegação do Norte do Instituto de Medicina Legal à recolha de amostra de sangue para subsequente perícia de investigação de paternidade), M. L. corrigiu a expressão “filho” usada por C. H., por “filho e neto” e, mais adiante, perguntou ao Réu “a sua alegada mãe biológica, portanto, que à partida pode ser a filha deste senhor falecido, também não fez testes de paternidade” (o Réu afirmou que tinha feito no dia anterior); o Réu afirmou que ia ao funeral porque sabia que ia incomodar muito certas pessoas, queria ver a cara de certas pessoas e que ia pelos vivos e não pelos mortos, o que é elucidativo da sua personalidade e intenção para com os seus recentemente descobertos familiares; no segmento final C. H. pergunta ao Réu “tem a convicção que é irmão gémeo daquela …” “tenho” “mas vocês foram registados com quantos dias de diferença?” “dez dias”;
»» as afirmações do apresentador do programa da Ré contrariam o conteúdo dos artigos 69º, 78º da contestação desta, razão pela qual os mesmos foram dados por não provados (como referiu a testemunha C. P. não basta acrescentar um “alegadamente” para que qualquer juízo de valor deixe de o ser);
»» das peças emitidas do programa de 20 de Agosto de 2010 – seleção de partes da reportagem, comentários e entrevista de Agosto de 2008 - resulta que não foi realizada pesquisa para recolha de outras informações, sendo certo que a emissão em referência se debruçou, sobretudo, nos eventos mais recentes, da morte de M. L., interrupção do velório para recolha de amostra de ADN e juízos de valor relativamente às circunstâncias do falecimento (imputação de suspeitas) e do relacionamento sexual que estivera na origem do nascimento do Réu, com várias alusões diretas e indiretas a incesto; acresce que tendo o Réu admitido que foi informado e recebeu cópia dos testes realizados a M. J. e M. C. em momento posterior à primeira transmissão da Ré, em nenhum momento mencionou tais resultados nos diversos programas em que interveio [aliás, de acordo com os resultados dos exames genéticos e a conclusão que quer M. J., quer a Autora são, com o Réu, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, a conclusão lógica será que são filhos de M. L. e de sua esposa M. C., ficando por saber se a circunstância de E. P. ter avós maternos comuns provoca alguma interferência na conclusão sobre a maternidade]; não resultou provado, pois a tal apenas aludiu o Réu nas declarações de parte que este tivesse dado conhecimento do resultado dos testes de Julho de 2008 à equipa da crónica “...”; «» nos seguintes documentos:
» na cópia de 24 a 30 correspondente ao relatório da perícia de investigação biológica de filiação realizado no processo nº 421/08.0TCGMR, realizado a partir de amostras de sangue colhidas ao Réu, à Autora e do falecido M. L. que concluiu taxativamente que as condições de interpretação e valorização probabilística dos resultados permitiram excluir a Autora como mãe biológica do Réu (exclusões nos marcadores D3S1358, VWA, D8S1179, D18S51 D19S433, TH01, D7S820, TPOX, CSF1PO, Penta D, Penta E, D10S1248, D22S1045, D12S391, ou seja, 14 num total de 23, sendo que para a exclusão basta uma incompatibilidade de primeira ordem e duas incompatibilidades de segunda ordem) mas não permitiram excluí-la como irmã biológica germana do mesmo e que, atendendo aos resultados obtidos, conclui como sendo mais provável (99,984%) a hipótese “M. L. (falecido) é pai biológico de M. F. e de C. S., acrescendo que M. F. e C. S. partilham a mesma mãe biológica, resultando, portanto, que M. F. e C. S. sejam irmãos germanos (i.e., irmãos por parte de pai e de mãe)” – sendo que um fator de interpretação refere que não foi colocada em causa a relação de paternidade biológica de M. L. relativamente à Autora, nem foram indigitados quaisquer possíveis familiares masculinos ou femininos diretos da Autora ou de M. L. como progenitores alternativos do Réu [o que, na realidade, é algo que contraria as conclusões do exame, pois se a Autora e o Réu são irmãos germanos, têm mãe comum, existindo, assim, um familiar do direto da Autora que pode ser indigitado como mãe do Réu, sendo certo, também, que a presumível mãe, que decorre do assento de nascimento do Réu, é sobrinha da mãe da Autora, ou seja, têm outros antepassados diretos, os avós da Autora];
» no documento de fls. 31 a 33, corresponde ao relatório identificado no ponto 2) da fundamentação de facto; dele resulta que a amostra de sangue de M. C. foi colhida em 25 de Julho de 2008 e que o relatório foi elaborado em 30 do mesmo mês; coloca-se a questão de saber em que data este relatório chegou ao conhecimento da mãe e irmã da Autora e se o mesmo estaria disponível para ser exibido à jornalista V. S., uma vez que as partes estão de acordo que a deslocação da equipa da TV a ... e freguesias limítrofes ocorreu no final de Julho, mas sem precisão de datas; afigura-se que pelo momento em que presumivelmente se tornaria disponível (necessariamente em momento posterior a 30 de Julho) não é crível que tivesse ocorrido a sua entrega à jornalista V. S.; acresce que transpareceu do seu depoimento que a mesma se sentiu incomodada pelo trabalho em causa, sobretudo, por não haver provas e, embora admitisse não perceber testes genéticos, a percentagem associada à conclusão da relação de filiação materna entre M. J. e M. C. seria necessariamente encarada como prova (contrária à versão do Réu); queremos acreditar, também, que tendo havido o cuidado de chamar ao programa de 20 de Agosto de 2008 uma especialista em genética, a mesma também seria questionada relativamente ao seu conteúdo;
» no fax de fls. 34 e 35 com o conteúdo que consta do ponto 47) da fundamentação de facto, dirigido ao Diretor de Informação da TV, em 3 de Agosto de 2010, pelas 13h06 (em conjugação com o depoimento de P. R., resulta que foi este o seu autor e remetente) para o 2…., que corresponde ao número de fax da Ré (cfr. https://...); considerando o acerto do número em causa, temos de concluir que a comunicação em causa chegou à Ré e que a mesma não tomou qualquer medida relacionada com o seu pedido e conteúdo;
» nos relatórios de fls. 36 a 65, relativo aos resultados do grupo … de Janeiro a Setembro de 2008 e de Janeiro a Setembro de 2010, com destaque para as páginas 5, 6 do primeiro e 4 a 6 do segundo, dos quais foram extraídos os pontos 71) a 77) da fundamentação de facto; alude-se também a 32,4% de quota de audiência com o programa “...” em 2010;
» no recibo de fls. 67 que comprova a aquisição pela Autora, em 16 de Março de 2011, dos medicamentos Zolpidem (hipnótico indicado pelo tratamento da insónia a curto prazo), Pantoprazol Tetrafarma 40mg (para tratamento de esofagite de ref...o, terapia de erradicação da bactéria denominada Helicobacter pylori e para reduzir a probabilidade de úlceras recorrentes, situações que provoquem a produção de ácido no estômago), Cognicer (injetável utilizado no tratamento sintomático das alterações das funções cognitivas, demência degenerativa primária, demência do tipo Alzheimer, demência de origem vascular e formas mistas de demência e em funções cerebrais alteradas após acidente vascular cerebral), Ticlo-dix (medicamento para redução do risco de ocorrência e recorrência de um acidente vascular cerebral e de prevenção de acidentes isquémicos);
» nos prints de fls. 135 a 148 relativos às notícias identificadas nos pontos 63) a 70) da fundamentação de facto;
»» fazendo a pesquisa com “C. S. incesto” além dos artigos descritos nos pontos 68) e 69) da fundamentação de facto, encontramos outros dois:
» publicado em 4.08.2010 na revista “...” que alude à entrevista da TV;
» publicado em 4 de Agosto de 2010, por Correio ..., onde se escreve “durante a sua luta para saber a verdade, descobriu que afinal o casal que o criou eram seus primos afastados e que M. L., seu pai biológico, era também seu avô. Conheceu ainda a irmã gémea, M. J., que também tinha vivido uma vida de mentira: viveu com a mãe, M. F., de quem pensava que era irmã e não sabia que o pai era também seu avô. A mulher que a criara como mãe era afinal sua avó.” e mais adiante “durante a sua luta, C. S. teve mais uma surpresa: tinha uma irmã gémea. 'Fizemos testes de ADN em segredo que confirmaram tudo. Aí descobrimos também que o M. L. era o nosso pai, mas a mãe não podia ser nenhuma das mulheres que nos criou ', contou. O homem instaurou um processo de investigação de paternidade, no qual o Ministério Público concluiu que há fortes hipóteses de M. J. e C. S. serem o resultado de uma violação, filhos de M. F. e do próprio pai, M. L., quando aquela tinha 19 anos” e finaliza “Também M. F. terá de se submeter aos testes, de forma a se apurar se realmente teve dois filhos do pai, M. L.. A mulher, que viveu durante mais de 40 anos como irmã de M. J., nega toda a história”;
» na certidão de fls. 237 a 249 relativa petição inicial do processo nº 421/08.0TCGMR onde avulta o conteúdo dos artigos 3º a 8º, 16º, 17º em moldes semelhantes aos que foram propalados nos programas e notícias da Ré, não obstante o conhecimento do Réu (pelo mesmo admitido em sede de declarações de parte) após a reportagem para o programa de 20 de Agosto de 2008 (note-se que nesse programa também teve intervenção uma Advogada com o objetivo de esclarecer os trâmites de um processo do género e que o Réu mencionou que foi C. H. quem lhe indicou o Advogado que o patrocinou);
» do conjunto da cópia da sentença de fls. 271 a 292 e das certidões dos Acórdãos de fls. 307 a 352, todos proferidos no processo nº 421/08.0TCGMR, em particular do Acórdão da Relação de Guimarães de 2 de Maio de 2015, que sintetiza as diligências probatórias no âmbito da prova pericial, concretamente, de esclarecimentos dos peritos e outros testes/relatórios, datados de Fevereiro, Março e Abril de 2013 para remoção de dúvidas relativamente à paternidade (em face de argumentos da ali Ré E. P., que invocava terem os testes sido realizados com base em pressupostos falsos e que na primeira instância chamou à colação a possibilidade de M. L. ter sido alvo de transfusões), excluindo sempre a maternidade da aqui Autora;
» na cópia do Acórdão de fls. 465 a 484, proferido a 28 de Março de 2019, pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo nº 116/11.8TCGMR, intentado pela mãe e irmãs da aqui Autora, respetivamente, M. C., L. F. e M. J., contra o Réu, do qual resulta com interesse que o programa ..., da Televisão..., onde o Réu se dispôs a encenar, com figurantes, uma pretensa árvore genealógica na qual M. L. foi identificado como pai e a aqui Autora M. F. como mãe (não obstante o relatório pericial ter dado entrada no processo nº 421/08.0TCGMR em 29 de Novembro de 2010), foi emitido em 20 de Dezembro de 2010, ou seja, decorridos mais de 2 anos relativamente ao primeiro programa e noticiários da TV em causa nos presentes autos, que aludem ao incesto e 5 meses relativamente ao segundo programa; por outro lado, nos excertos reproduzidos, o Réu afirmou que a mãe biológica, pelos testes seria M. C., mas “pelas averiguações que eu fiz, a mãe só pode ser a M. F.”, o que denota bem a distorção do pensamento, pois se com base no resultado dos testes de Janeiro de 2008, perante uma probabilidade de 88,7828%, se permitiu concluir ser irmão gémeo de M. J. não se percebe a razão pela qual continuou e continua a insistir que a Autora é sua mãe quando os exames genéticos apresentam certeza da sua exclusão, já que é esse o significado das incompatibilidades, as quais, recorde-se, dizem respeito a 14 marcadores;
No que diz respeito aos depoimentos:
L. F., irmã da Autora, relatou que conheceu o Réu dois anos antes do falecimento do progenitor, que apareceu de uma forma “esquisita” com uma senhora que dizia ser a “secretária dele” [o Réu esclareceu que se deslocou nessa ocasião com a contabilista] tendo ido chamar a sua irmã mais nova, M. J., a quem se apresentou como irmão, filho do “tio” M. L. (E. P. é sobrinha da mãe da testemunha, M. C., sendo esta irmã da mãe daquela), tendo sido esta a contar-lhe que o Réu afirmara que um tio que estava emigrado lhe dissera que o pai era “um senhor muito rico”, indicando-lhe M. L. [a testemunha J. P., arrolado pelo Réu, emigrante entre 1964 e 1982, poderia ser a fonte dessa informação, o que o mesmo negou]; precisou que o Réu passou a frequentar a casa de M. J., indo ali jantar e à festa de aniversário de um filho desta (na qual a testemunha também esteve presente por ser madrinha do aniversariante); referiu que o Réu dizia que era filho da Autora com o pai e que M. C. andara com uma barriga falsa, passando anos a dizer essas coisas, foi à televisão e falou aos jornais; afirmou que o Réu fez amigos em ..., a quem contou que era filho da Autora, designadamente, fez amizade com um senhor que tem uma oficina de sapateiro, que era um centro de difusão, pois, quando alguém que lá chegava, o mesmo comentava, o assunto era tema da vila, os jornais de … e … andavam por lá distribuídos; esclareceu que a Autora era conhecida pelo folclore e o seu filho P. R. é Presidente da Junta de Freguesia de ..., têm uma tia e primos em ..., ... e ..., que também tomaram conhecimento e vinha dar apoio; recordava-se que a TV foi a casa dos pais (a testemunha reside no rés-do-chão), que foram previamente avisados pelos pais do Réu (J. S. estava já muito doente e faleceu duas semanas depois), os quais comunicaram que já tinham ido a sua casa e iriam a ..., veio uma jornalista, entrou no portão, andaram a filmar a casa, foram falar com a senhora do Supermercado que disse que o Réu era um mentiroso quando a questionaram sobre o assunto (precisou, mais adiante, que essa senhora se lembrava do casamento da Autora e de a “M. C.” andar grávida), tendo também falado com o seu irmão J. “que tem uma deficiência devido a duas quedas que teve em criança”; recordava, também, que no programa de G. J. fizeram a árvore genealógica e toda a gente comentou e viu [no entanto, como resulta supra, o programa “...” foi emitido em Dezembro de 2010]; recordava um programa de M. L., já depois do falecimento do pai, asseverando que depois das reportagens foi comentado e os senhores com quem o Réu fez amizade comunicavam que ia aparecer na televisão; referiu que em estabelecimentos comerciais, designadamente, em cafés, falavam no assunto, havia discussões entre as pessoas, e nem queriam sair à rua porque eram olhados de forma esquisita; referiu que a simples ida da televisão a ... é motivo de comentário; afirmou que chegou a ser abordada por residentes questionada sobre “apareceu mais um irmão”; contou que a Autora foi ao cemitério, à campa do pai, e pessoas que lá estavam comentaram “tem a lata de vir aqui ao cemitério”; explicou que a irmã M. J. nasceu a 15 de Junho de 1966 [o Réu nasceu a 5 de Junho de 1966 – facto provado na sentença proferida no processo nº 421/08.0TCGMR] e a Autora casou a - de Julho de 1966; questionada sobre a compleição física da Autora, à data, referiu que a irmã era muito magrinha [o que significa que uma eventual gravidez não passaria despercebida]; explicou que, por causa deste assunto, a Autora andava doente e as três irmãs (por ordem de nascimento, a Autora, a testemunha e M. J.) andaram em psicólogos e a tomar medicação devido a depressão, desconhecendo se a Autora atualmente está medicada; referiu que a Autora era alegre, andavam nos bailes, faziam parte do rancho (os amigos do marido convidaram-no e a Autora foi também) e houve um período, que durou vários anos, em que teve vergonha de sair de casa e o marido era muito nervoso e explodia; contou que o pai estava numa cadeira de rodas, pois tinha tido um AVC 10 anos antes e ficou paralisado, tendo tido outro que lhe provocou a morte; afirmou ter presenciado uma conversa entre o Réu e o pai, à porta de casa, em que o primeiro perguntou ao segundo se era seu pai e que este levantou a bengala e retorquiu “o teu pai já morreu, queres ter dois pais?”; referiu que o Réu dizia que M. J. era sua irmã gémea, ele fora registado a 10 e esta a 15, precisando que quando aquele fez essas afirmações, dizendo também que a Autora era a mãe, M. J. sugeriu que fossem fazer o exame [afigura-se, no entanto, que tais afirmações são posteriores aos resultados de Janeiro de 2008 e teriam motivado a iniciativa do teste de Julho do mesmo ano]; relatou que, numa feira, duas senhoras suas conhecidas, sogra e cunhada de um seu filho, lhe perguntaram diretamente se era a filha mais velha (a Autora é a filha mais velha, sendo bem conhecida como tal), ao que respondeu “não, sou a do meio, porquê?”.
P. R., filho da Autora, relatou que era Presidente da Junta de Freguesia (foi-o de 2005 a 2017) foi procurado na sede da Junta pelos tios Xavier e J., acompanhados do Réu, ao fim da tarde de um dia de Verão, a quem recebeu, pois queriam falar-lhe, tendo o primeiro dito que o terceiro era filho do avô e da sua mãe com a abordagem “e se a tua mãe for também a mãe dele? É esta a notícia que vimos trazer-te”; situou este episódio quando o assunto começou a ser notícia, no ano anterior ou no próprio ano das reportagens [a testemunha J. F. situou-a em momento anterior à entrevista da TV, antes da emissão do programa de Agosto de 2008]; explicou que ficou sem palavras, pedindo que fossem embora e foi falar com a mãe (mais adiante referiu que os dois tios em causa não vivem na freguesia; precisou que anteriormente já havia notícia que o Réu era filho do avô e a sua tia M. J. seria sua irmã gémea, ambos filhos da mãe do Réu); tinha conhecimento dos testes de ADN, feitos por iniciativa da tia M. J. em entendimento com o Réu, dos posteriores testes feitos pela avó e a tia M. J. e os realizados pela Autora no âmbito da ação movida pelo Réu, referindo que os segundos confirmaram que M. J. é filha de M. C., mas não sabia se deram conhecimento desse resultado ao Réu [este admitiu nas declarações de parte ter tomado conhecimento e recebido cópia em momento posterior à reportagem da TV]; referiu que ia sabendo, por lhe virem contar, que o Réu passava a vida em estabelecimentos próximos da casa do avô, fez amizade e tinha relações estreitas com pessoas da localidade e o assunto era tema na Freguesia; referiu que o dono do restaurante frequentado pela família chamou a atenção do Réu que não devia lá estar; afirmou que o assunto extravasou da freguesia, pois recebia pessoas solidárias de Conde, ..., ..., ... e ..., familiares, amigos e conhecidos, que comunicavam que o assunto era tema de conversa (primeiro, que o Réu era filho do seu avô, segundo, irmão gémeo de M. J. e, em terceiro lugar, filho da Autora) e afirmavam não acreditar (o avô era conhecido para além da freguesia por ser comerciante e fazer distribuição nas feiras, tendo a família bom nome); aludiu à televisão e a jornalistas a frequentar a freguesia, tendo ideia que a Televisão ... nunca fez notícia do assunto, mas sim o programa de entretenimento de G. J.; relatou que nas vésperas dos programas o Réu ia à freguesia, ao sapateiro (as pessoas avisavam-no se o Réu estivesse no sapateiro), que recebia muita gente (havia pessoas que só iam ao seu estabelecimento para se informarem) e divulgava, sendo a sua abordagem normal “conhecem a história da família do Presidente da Junta?” e falava sobre a sua mãe; afirmou que frequentava todos os locais e os não amigos evitavam falar no assunto por perceberem o impacto, mas os amigos abordavam e explicavam o que se passava, dizendo não acreditar (afirmou que era o seu segundo mandato, candidatou-se e não teve problemas com nova eleição); esclareceu que uma vez falou com uma jornalista (acabou por identificar V. S.), na rampa de acesso da casa do avô, a quem procurou sensibilizar que não era para ser difundido, tendo ideia de falar sobre o teste de ADN que provava que a tia era filha da avó [atento a data do relatório, pelas razões já apontadas anteriormente, não foi valorada esta alusão] e, por ocasião do falecimento do avô, escreveu para alguns órgãos de comunicação social, incluindo a TV (reconheceu como seus o texto e a assinatura de fls. 34), sendo que alguns tiveram sensibilidade e não fizeram notícia; explicou que a mãe se tornou uma pessoa diferente, retraiu-se mais, tinha medo de sair, nem sequer ia às compras, evitava atividades sociais, o contacto e o olhar das pessoas, na altura teve acompanhamento psicológico, era mais difícil quando havia notícias, pois algo que vem na televisão ou no jornal é tido como se fosse a verdade (só quem conhecia a família não acreditava), não tendo voltado a ser a mesma (o mesmo se passou com o pai, que esteve sempre do lado dela), embora já se tenha diluído um bocadinho, pois participa socialmente, fazendo parte da universidade sénior; referiu que não é hábito a mãe ler jornais e evitavam que as coisas chegassem ao seu conhecimento; recordava-se do programa de M. L., de uma reportagem após o noticiário, de notícias no Correio ... e de uma exibição na Televisão ....
J. T., reside em ..., sendo vizinho da Autora desde 1991 (á frente um do outro), afirmou que não viu o Réu, apesar de ouvir falar que andava por lá e que o assunto do incesto era conversa nos cafés, designadamente, aquele que frequentava – “Café da …” –, havendo divisão de opiniões pois uns achavam impossível, outros questionavam sobre se seria (recordava que quando houve um programa sobre a árvore genealógica perguntavam “porque não vai a senhora à televisão desmentir?”) e outros diziam “olha a filha do sr. fulano, o que ela foi capaz, o que o pai foi capaz”; asseverou que quando passavam reportagens na televisão sobre o assunto mudava de canal, mas ouviu comentários sobre o programa de M. L. e que se falava mais quando havia notícias na televisão (pelo facto de o aparelho estar ligado no café); explicou que a esposa foi um suporte para a Autora (aquela era muito depressiva e compreendeu-a bem, ambas tinham uma relação estreita, devido ao apoio que recebera quando estava de baixa), a qual estava centrada no assunto e falava horas seguidas; tinha tido a perceção que a Autora era uma pessoa ativa, muito alegre, que falava sobre vários assuntos e que, depois, só falava no assunto em causa; percebia que as pessoas avisavam “vai dar logo á noite o programa” e o senhor A. N. abordava “não viste o que deu ao meio-dia? Vê logo à noite”; situou estes assuntos há cerca de 10 anos, por referência ao momento em que ficou reformado.
L. R., esposa da anterior testemunha, vizinha da Autora a quem conhece desde 1991, deu-lhe apoio, ouvindo os seus desabafos; associou a sua tomada de conhecimento por referência ao programa da TV, embora já tivesse ouvido algo anteriormente, admitindo que pudesse ter sido a demandante a contar-lhe; referiu que no supermercado havia comentários que era “triste, a senhora (a Autora) estava a sofrer”; relatou que a Autora ficou uma pessoa triste, ia muitas vezes a sua casa e tentava anima-la, ficando de “coração na mão” porque ela “podia fazer uma asneira”, pois dizia que lhe apetecia fugir, pôr fim, e por vezes ia atrás dela por ficar preocupada; verificava que andava menos na rua, embora lhe dissessem para andar de cabeça erguida, a mesma não se sentia bem; precisou que com o tempo foi melhorando, mas ainda é uma pessoa triste; sabia que a Autora andava no médico de família e este sabia de tudo, mostrava-lhe medicamentos que tomava, mas desconhecia se teve apoio psicológico; recordava que a Autora tinha a família à sua volta e que os netos, quando chegam da escola, comentavam “isto não acaba”; ficou a saber de um programa sobre a árvore genealógica pela Autora.
A. L., farmacêutica em ... há 26 anos, conhece a Autora como cliente; relatou que a Autora se socorreu de si para desabafar, tendo contado a história (admitiu que, nessa ocasião, já tinha ouvido algo sobre o assunto, pois não constituiu uma surpresa); teve a perceção que a Autora sofreu muito, chorava muitas vezes, apresentava sintomatologia depressiva, tendo procurado dar-lhe conforto e esperança, asseverando que não foi um processo fácil; referiu ter sabido do assunto através da comunicação social (e do desenrolar do processo pela Autora), precisando que a TV deu mais polémica, por ter dado mais destaque, pois era conversa na farmácia, comentando-se “como se escondeu tanto tempo? Será verdade ou não?”; referiu que o estado depressivo da Autora ainda hoje se manifesta pois era alegre e comunicativa e embora tenha consciência da verdade e notar melhoras (o que associou ao momento em que o processo terminou) não voltou a ser como era; teve a perceção que a Autora vinha medicada com ansiolíticos e antidepressivos e que a dose mais forte se situou num período de 2/3 anos, correspondente ao período mais intenso, sendo que atualmente, a sua medicação é mais à base de vitaminas.
C. F., trabalha no restaurante “…” em ..., é vizinha da mãe da Autora desde que nasceu e frequenta a casa, havendo uma relação próxima com a família (a mãe da Autora deu-lhe banho durante um mês após o seu nascimento); relatou que conheceu o Réu em ... e que este chegou aos vizinhos a fazer “conversa estranha”, constando que era filho de M. L.; afirmou que a esposa deste comentou consigo e sua mãe que achava que o Réu era filho do marido e da sobrinha; referiu que quando constou que era gémeo da D. M. J. e filho da filha mais velha de M. L., sempre achou que era mentira, mas toda a gente falava, mesmo no restaurante, que é frequentado por pessoas de várias zonas do país, vendedores das empresas/indústrias vizinhas, que falavam sobre o incesto e diziam “em … é uma festa”, ao que respondia “as pessoas são meus vizinhos, não é bem assim”; precisou que era comentado que mãe era “a filha mais velha”, que as pessoas identificavam bem como a Autora, conhecida por “M. F.”; referiu que o sapateiro em frente à casa dos pais da Autora era o ponto onde mais se falava, pois é cliente do estabelecimento e quando lá entrava era o tema de conversa com comentários “pode ser verdade”, “nunca se sabe”, “dentro de quatro paredes nunca se sabe”; afirmou que foi comentado durante imenso tempo e ainda M. L. era vivo, coincidindo com a passagem nas televisões e, mais tarde, o velório e “autópsia” foram motivo de falatório; recordava o programa de G. J. na Televisão ..., uma abordagem na Televisão ... de passagem e na TV “o cúmulo do exagero”, tendo visto o programa de M. L. sobre o caso de incesto em ... só até ao intervalo (não viu as declarações do Réu) [considerando a existência de intervalo, a alusão reporta-se ao programa de 2010]; referiu, no entanto, que antes dos programas na TV já era muito falado, mas o programa em causa era mais acusativo; asseverou que passou a ver a Autora menos vezes na rua e quando a avistava sentia que era mais fechada, mais triste e evitava falar com as pessoas (anteriormente, era uma pessoa normal que fazia a sua vida), tinha vergonha de sair de casa, ir ao café, ao supermercado; esclareceu que esteve algumas vezes com a Autora na casa da mãe desta e procurava falar de outros assuntos, contando que a demandante não interagia, ficava no canto dela, calada, diferente do que era anteriormente; referiu que atualmente “parece melhor, mas tem um grande trabalho a fazer com ela própria”; ficou a saber por uma sobrinha da Autora (…) e pela irmã M. J. que tomava antidepressivos e teve tratamento psicológico; embora não tivesse visto o carro da equipa de reportagem da TV ficou a saber da sua presença pelos comentários das pessoas.
V. S., foi repórter do programa “...” e funcionária da Ré entre 2007 e 2014, afirmou ter uma vaga ideia do Réu, mas recordava ter feito a reportagem a pedido de C. H. (rubrica “...”); tinha ideia de não ter visto “a senhora” (Autora), mas o filho recebeu-a no quintal da casa dele ou da mãe, tendo conversado consigo; recordava de ter ido ter com o Réu a Fafe, de se deslocar com ele a outros locais (que não sabia especificar) onde passara a infância, ao supermercado que ficava em frente da casa onde tinha vivido [mais adiante, admitiu que pudesse ficar nas proximidades da família biológica], falara com filho/a da alegada família biológica, lembrando um casal que dizia ser verdade, um homem de 30-40 anos, filho da “filha mais velha”, que não quis gravar, estava muito preocupado com a mãe e indignado que o nome da mãe estivesse numa história assim, mas que foi cortês consigo; questionada, afirmou desconhecer como C. H. soubera da história e não recordava se tinha passado algo relacionado noutros canais; afirmou que, na altura, achou a história “muito complicada”, teve algum receio de ser mal interpretada, teve muito cuidado com o que dizia, designadamente, não afirmar algo que não podia dizer, esclarecendo que se sentiu desconfortável com a história, tinha poucos factos, que não estavam provados, muitos “acho que” e que mostrou o lado do Réu e que não teve nada que provasse; precisou que não viu o tratamento da história ao vivo – emissão em direto – admitindo estar a fazer outros trabalhos no terreno ou em produção, mas viu a reportagem uma vez que a editou; referiu que o Réu manifestava preocupação em saber quem era o pai e a mãe, sendo que quanto ao primeiro era mais ou menos pacífico no meio onde vivia que podia ser filho daquele senhor, mas a identidade da mãe não era clara; recordava que tinham sido feitos testes, que o Réu lhe falou sobre isso, tendo ideia de os ter visto (ou, então, foi ele que falou em resultados para cima de 90%), mas não percebe nada desse tipo de testes e não tinha ideia de quem tinha sido comparado (achava que era do pai) – um pouco mais adiante no seu depoimento, questionada, não recordava de o filho da Autora lhe ter falado sobre testes de ADN, “mas se calhar até foi ele” [o valor “mais de 90%” seria mais adequado aos resultados relativos aos exames genéticos de M. J. e M. C., mas nesse caso, haveria prova da inexistência de incesto; por outro lado, estes são testes de maternidade, sendo certo que a testemunha referiu que a paternidade era mais ou menos pacífica, o que estava fundado nos exames genéticos de Janeiro de 2008; importa também ter presente a data de elaboração do relatório e a possibilidade de terem chegado ao conhecimento das interessadas em momento posterior à sua deslocação], não se recordava de terem sido exibidos, mencionando que, apesar de não ter visto a emissão, estava preparado que um técnica de ADN entrasse em direto no programa; afirmou que não teve curiosidade em saber o desfecho, não gostou de ter feito a reportagem, porque não a deixou confortável como pessoa (era um assunto delicado, não havia provas, só o que o Réu dizia e não parecia ético); questionada referiu que os programas eram preparados com alguma antecedência; assegurou que o programa foi líder de audiências durante muito tempo, não sabendo se o era ao tempo da emissão, no entanto, seria um dos programas mais vistos no horário da manhã, tinha muitos espetadores; mencionou que foi a primeira ou uma das primeiras reportagens que fez para o programa [seria a primeira, porque o jornalista C. H., na introdução apresentou-a a M. L. como a jornalista que passaria a fazer as reportagens], teve pouco tempo de preparação, tendo indicação que se tratava de um indivíduo criado por família com quem não se identificava; recordava que tinha o contacto do Réu, foi ao seu encontro, o mesmo contou-lhe a sua versão, indicou pessoas que podiam confirmar a história e terá dito onde morava a alegada irmã mais velha, levou-a a essa casa ou indicou onde se situava; afirmou que preferiu não enveredar pela vertente mãe/incesto e ficar-se em “quem ele é”; recordava que era um meio pequenino, com um aglomerado de casas (lugar), almoçaram num restaurante mais próximo do local onde vivia a família visada e que o Réu disse ao dono restaurante que eram da TV; precisou que não andava com carros caracterizados – eram sempre alugados – mas admitiu que o microfone pudesse ter o logotipo da estação [sendo certo que a presença de câmaras não passaria despercebida].
L. C., jornalista da TV há mais de 20 anos, conheceu o Réu em entrevista e contacto telefónico; recordava de ter feito pesquisa nos arquivos, não se recordando de ter feito reportagem (por vezes, recolhem “brutos” para colega que vai tratar o caso posteriormente) e de se terem encontrado no jardim entre o Hospital de Santo António e o IML do Porto, tendo ideia que o assunto tinha a ver com um caso já tratado e de o pai ter falecido e sido interrompido o velório; afirmou que não estava a perceber a história com muita clareza; afirmou que quando recebeu a notificação para prestar depoimento consultou o arquivo tendo visto duas reportagens de noticiário, breves, sendo uma peça sobre a interrupção do velório com a GNR a explicar o porquê e outra com uma atualização (resultado do caso); questionada sobre o conteúdo do programa “...” referiu que não apareceria no arquivo do Porto por dizer respeito ao departamento de entretenimento e que para ter acesso teria de saber “o quê e quando” para o pedir à mediateca; questionada sobre a primeira vez que falou com o Réu explicou que quando alguém telefona para contar um caso, o procedimento é passar para um jornalista, recordando ter ficado confusa porque o Réu desconfiava que era filho de um senhor que era avô e afinal não era, vivia com tios/padrinhos, era filho do avô (ou seja, para fazer sentido, seria um caso de incesto); relativamente ao encontro no Porto, deslocou-se com um colega, tendo em vista falar e recolher algum elemento para reportagem, não conseguindo precisar se o Réu ia fazer teste no IML, se ia saber de algum resultado ou se tinha lá sido chamado, nem recordava se mostrou algum tipo de documentação; admitiu que o incesto é um assunto delicado (como são, também, os casos de violação, pedofilia, violência doméstica, crimes violentos) e, questionada sobre a intervenção de jornalistas estagiários (uma das peças de arquivo tinha sido tratada por S. V., que tinha essa categoria), afirmou que os editores marcavam o serviço, não havendo obstáculo a essa intervenção (o critério é “vai quem está mas próximo ou quem está na redação”) pois atuam com supervisão, havendo, em última instância, os editores dos jornais que vão para o ar (apesar de ser jornalista sénior, também tem supervisão - os editores dos jornais – concluindo que ninguém está sozinho a fazer a notícia, que além do editor, há o coordenador e o diretor de informação); esclareceu que em 2010 o Jornal ... era líder de audiência (foi-o durante 150 meses), havendo diferenças entre a média do jornal da manhã e da noite; esclareceu que os dois contactos telefónicos tiveram a iniciativa do Réu.
P. C., jornalista da TV entre 2004 e 2017, editora do programa “...”, coordenava conteúdos, régie e alinhamentos, tinha uma vaga ideia do caso e do nome do Réu, mas relacionava-o com um teste de paternidade; explicou que a crónica criminal era quase autónoma e quem tinha responsabilidade era C. H., que escolhia os temas, tinha jornalista a trabalhar na crónica e, quando os casos chegavam, aquele informava-a, assim como ao apresentador (relativamente aos assuntos dos jornais não sabia o que ele ia tratar); afirmou que se tratava de um trabalho de equipa jornalista/C. H. e que este, por vezes, pedia opinião sobre certos casos.
M. L., apresentador do programa “...”, afirmou que a rubrica “...” era da autoria e da responsabilidade de C. H.; afirmou não recordar o assunto em referência; relatou, genericamente, que umas vezes ficavam a par do assunto que iria ser objeto da crónica 3 horas antes, outras de véspera, tratados de acordo com os elementos de C. H., com artigos de imprensa ou reportagens no terreno realizadas pelos jornalistas L. M., V. S., com a equipa de conteúdos a fazer o alinhamento e o raciocínio desenvolvido a partir da história, processando-se desse modo durante 2/3 anos, sendo que C. H. já não é colaborador/prestador de serviços da TV desde há 8 anos – a rubrica manteve-se com a “crónica criminal”; questionado sobre a possibilidade de os conteúdos serem ofensivos respondeu que foi arguido em 2 ou 3 casos relacionados com a crónica criminal e que “é natural que haja pessoas que se sintam ofendidas”; explicou que na altura da emissão do programa de Agosto de 2008 estariam a começar a ser líderes de audiências (iniciadas há 10 anos) sendo a média de espetadores de 300.000 – 400.000 – 500.000.
C. P., prima da Autora, manteve com a mesma poucos contactos (não eram familiares próximos, visitavam-se de 10 em 10 anos), irmã de E. P., identificou o Réu como seu sobrinho; explicou que tinha 14-15 anos quando o Réu nasceu (tem 65 anos), não viu a irmã grávida, pois vivia em ... e a irmã em …, mas o cunhado foi dar conhecimento do nascimento do filho tendo sido mandada para casa deles dar ajuda nos primeiros dias, cerca de uma semana (o que aconteceu com outros nascimentos e em situações de problemas de saúde da irmã, “para qualquer coisa era chamada”); recordava que a irmã estava acamada e foi tomar conta do filho mais velho (a irmã casou grávida deste); identificou M. L. (pai da Autora) como seu tio, pois a esposa é irmã da sua mãe, sabendo que aquele frequentava a casa da irmã e do cunhado, que tinham uma tasca, sendo seu fornecedor de vinho; explicou que as pessoas não falavam abertamente de certos assuntos junto aos jovens, mas, por vezes, captava-se alguma coisa, por exemplo, quando era adolescente, diziam que o Réu “era muito parecido com aquela gente”, mas ninguém tinha dúvidas que o Réu era filho de E. P.; afirmou que quando o Réu resolveu “abrir o processo” não causou admiração profunda à sua família (dados os comentários sobre as parecenças) e que um dia aquele foi a sua casa e da rua, em brados, dirigiu-se-lhe “Oh, tia/prima, não sabe que eu sou filho do ‘…?” (alcunha de M. L.), modos que a chocaram, tendo-o repreendido; assistiu aos programas da TV (o Réu “deu-lhes a farinha e eles fizeram o bolo”), tinha ideia que na Televisão ... também passou mas atribuiu maior enfase ao que passou na TV, associando as notícias dos jornais ao “levantamento do morto por causa do ADN”), reteve a ideia de incesto (caso do pai com a filha), que a chocou imenso, pois pôs-se no lugar da Autora (mais adiante, explicou que a alusão a “filha mais velha” lhe permitia identifica-la, pois sabia que tinha uma irmã relativamente à qual tinha idade para ser mãe, ao passo que L. R. seria adolescente na altura do nascimento, por haver entre si diferença de meses), moram em aldeias e tem o nome na lama, “pode ter o nome limpo, mas arrasa qualquer um”, teve “pena e não queria estar no lugar dela”; referiu ter visto o programa por coincidência e que sempre que havia uma “bomba”, iam anunciando; negou que o Réu fosse tratado de forma diferente, mencionando que o irmão mais novo é deficiente profundo; tinha ideia que numa fase inicial, por Fafe, apenas se falava na questão do pai.
J. P., irmão de E. P., com quem não se dá devido a problemas de dinheiro, mais novo 13-14 anos, foi para França em 1964 regressando em 1982; referiu que os sobrinhos nasceram na sua ausência e que a irmã negou sempre que o Réu fosse filho de outras pessoas.
J. J., irmão de E. P., afirmou que chegou a dar-se bem com o Réu, estando de relações cortadas há vários anos; negou ter tido conversa com quem quer que fosse acerca do nascimento do Réu; explicou que conheceu o Réu como seu sobrinho não se lembrando do seu nascimento (que ocorreu em …, ao passo que o seu deu-se em 1954 em …), pois não convivia com a família da irmã; admitiu que trabalhou alguns dias para o Réu há 11/12 anos, mas negou terem falado acerca de quem seria o seu pai; explicou que, nessa altura, o Réu lhe perguntou se sabia quem era M. L., admitindo que foi mostrar-lhe onde morava em ..., sem que aquele explicasse o motivo da pergunta; recordava que, na ocasião, M. L. estava a sair da porta mas não lhe falaram; afirmou desconhecer ainda hoje quem é o pai do Réu; soube, por algumas pessoas, que se falou do assunto na televisão.
J. F., irmão da Autora, conheceu o Réu em 2007 quando este apareceu em casa de seus pais para saber quem era o pai e que todos o consideravam meio irmão; referiu que o Réu dizia que a Autora era mãe dele, afirmando que nunca acreditou e que lhe disse que não podia ser; admitiu ter falado para a TV na sua casa; admitiu que foi à Junta com o irmão Xavier e com o Réu, referindo que foi iniciativa deste e que o chamaram para ir lá ter, para falar com P. R. que a Autora era mãe do Réu; precisou que não falou, tinha ideia que o Réu também não falou e que o irmão Xavier disse ao sobrinho para ir a casa falar com a mãe para saber se esta era também mãe do Réu, e que o sobrinho ficou chocado; situou essa reunião em momento anterior à entrevista para a TV; esclareceu que depois da conversa na Junta, a Autora (identificou-a como “irmã mais velha”) disse-lhe que a partir daí não falava mais consigo se continuasse a falar com o Réu; explicou que tinha 14 anos quando nasceu a irmã M. J. e que não se lembra de a mãe andar grávida, mas questionado, afirmou que tão pouco se recorda de Autora andar grávida nessa ocasião (recordava, no entanto, de, já casada, ter andado grávida 4 vezes); afirmou que de vez em quando fala com o Réu (ultimamente, nem tanto) e que este continua a dizer que a Autora é mãe dele; afirmou recordar-se de o Réu ter ido à TV e à Televisão (?), assistiu ao programa da TV apresentado por M. L. e achava que o Réu disse o nome da Autora.
O. F., cunhada da Autora, esposa do anterior, afirmou que o Réu “apareceu meio irmão do marido à família toda”, explicando que uma senhora (podia ser a Autora ou a cunhada L. R.) telefonou para sua casa, a mandar o marido ir a casa dos pais, sem dizer o motivo; referiu que pensou que o pai ou a mãe estavam doentes (o sogro já tinha tido um AVC) e que o marido foi a casa deles, dizendo, quando regressou, “apareceu um meio irmão, conheci agora”; recordava-se de, mais tarde, alguém ter telefonado para o marido ir à Junta e de este, não dizendo o assunto, afirmar, ao chegar a casa, que estava arrependido e tinha ido ao engano [não deixa de ser estranho que, tendo tido a experiência do “engano”, em momento posterior tenha dado uma entrevista à TV a falar do assunto da “irmã gémea” do Réu, quando deveria ter percebido que os contornos da história]; afirmou que o Réu começou a ir à casa da testemunha e vice-versa; recordava que um canal de televisão foi falar com o marido e que viram um bocado desse programa (os amigos do marido diziam que deu mais de uma vez), afirmando que o caso foi muito falado (amigos e vizinhos iam a sua casa fazer perguntas) e que o marido dizia que não acreditava; mencionou que o marido ficou muito baralhado, teve de ir ao médico e tomar medicamentos, andando sempre a cismar, porque a Autora era a sua irmã favorita; afirmou que, ao dizer que M. J. e o Réu eram irmãos gémeos, o marido pensaria que ambos eram filhos de E. P. [depois da conversa na Junta de Freguesia, ouvindo o irmão Xavier imputar a maternidade do Réu à “irmã mais velha”, mãe do seu interlocutor, deveria ter presente que a tese do demandado era diferente].
Nas declarações de parte, a Autora M. F. aludiu ao aparecimento do Réu que dizia ser filho do seu pai, bem como uma visita dos seus irmãos Xavier e J. a sua casa, perguntando se recordava de a mãe andar grávida da irmã, ao que respondeu afirmativamente pois era quem arranjava as roupas da mãe e era para casar a 15 de Maio, tendo adiado para Julho para dar tempo de a progenitora recuperar e que o Réu lhe chamou mentirosa, motivo pelo qual mandou que não aparecesse mais; referiu que a mãe do Réu é sua prima direita (a mãe desta e a sua são irmãs); relatou que o Réu andou na freguesia (no sapateiro, nos supermercados) a dizer que era mãe dele e de M. J. com o pai e, quando falou que era gémeo da M. J., fizeram exames, tendo ido a sua casa dizendo que queria saber a verdade, ao que lhe respondeu “poderás ser filho do meu pai” (este era negociante de vinho e D. E. P. tinha uma taberna) e que o Réu ameaçou que ia para a televisão, num momento em que já sabia que falavam de si; referiu que é a filha mais velha de M. L., como tal sendo identificada; contou que se fechava em casa, não lhe apetecia fazer comida, os filhos andavam atrás de si, tendo ido para psicólogos e tomado medicamentos, ficando debilitada e ainda atualmente toma 5 comprimidos diários [do recibo de fls. 67 decorre que em 2011 estava a tomar um hipnótico e dois medicamentos preventivos de problemas cardíacos/neurológicos] sendo um para dormir, fazendo reforço de meio e meio ano, na Primavera e Outono; contou que abordavam os filhos, bem como os netos, na escola, sobre o assunto e estes diziam “avó, isto nunca mais acaba, estou cheio de ouvir os meus colegas”, pois faziam troça quando havia programas de televisão e, por sua vez, deixou de ver televisão; ficou a saber do programa da Televisão ... com a árvore genealógica e de reportagens nos jornais, pois, embora a família escondesse, as vizinhas, pensando que sabia, comentavam; caracterizou-se como uma pessoa divertida, que frequentava dancetarias, que deixou por achar que pensam “aqui está esta”, bem como de ir à missa por achar que a olhavam, tenta frequentar estabelecimentos comerciais afastados de casa, indo às compras com a filha; referiu que a morte do pai avivou e piorou muito, ao passo que sentiu alívio e satisfação com o desfecho da ação, embora soubesse qual seria o resultado; no que diz respeito à cronologia dos contactos com o Réu recordou que na primeira vez foi apresentado por M. J. “é nosso irmão”, propondo ir falar com o pai, na segunda quando foi questionada se recordava se ver a mãe grávida e na terceira vez, o Réu quando parou em frente à sua casa num momento que andava a lavar o terraço, dizendo que queria a verdade, só voltando a encontra-lo em Tribunal; referiu que as palavras de M. L. “incesto”, relação escabrosa” e “filha mais velha” a marcaram, pois achou que ele não tinha dúvida – referiu que no momento estava com o marido e a neta tendo apagado a televisão.
Nas declarações de parte, o Réu C. S. contou alguns episódios relacionados com chamadas de atenção de algumas pessoas que tentavam mostrar que “havia alguma coisa”, até que aos 41 anos, andando a trabalhar com J. J., irmão de sua mãe no registo, o mesmo lhe disse “o meu cunhado não é teu pai, é o meu tio M. L.” (que conhecia como fornecedor de vinho do tasco dos pais e de fazer lá refeições), mas depois mostrou-se arrependido de ter falado; referiu ter procurado saber onde morava M. L., em Setembro de 2007 encontrou-o sentado numa cadeira, reconhecendo-o como o indivíduo com quem tivera um encontro misterioso na “...” (durante o qual lhe dissera que olhasse para ele e que queria ajuda-lo) e procurou “saber a verdade” falando em privado com E. P., que estava avisada e o expulsou chamando-o “tolo e maluco”, o tio R. que lhe disse que era verdade e a tia C. P. que levou a mal dizendo que era um assunto muito complicado; foi-lhe dito que tinha uma irmã chamada M. J., que trabalhava na “...”, onde se deslocou com um contabilista e ficou a saber que tinha uma confeção em casa; falou com …, irmã de J. S. (pai no registo) e o marido T., que disseram que havia um mistério e se conhecia M. L.; aludiu ao encontro com M. J. que o chamou de irmão, afirmando saber da sua existência e que era maltratado, pedindo tempo para falar com toda a gente, bem como aos contactos diários telefónicos com a mesma, até que lhe disse que a mãe lhe queria falar, sendo recebido por M. C. e a testemunha L. R.; afirmou que lhe foi dito que sempre haviam sabido que tinham um irmão e que ia de ter fazer testes, tendo-o questionado sobre quem era sua mãe, notando que houve um suspiro de alívio quando disse que era E. P.; referiu que M. J. lhe telefonou para ir ver o pai, a quem encontrou na garagem acompanhado de M. J. e da esposa, dizia que não valia a pena negar; depois aludiu aos encontros com os irmãos, referindo ter ido a casa da Autora, que o marido lhe mostrou fotografias suas (Réu) em França com a esposa e que aquela se mostrava espantada, “uma pedra de gelo” e o marido que lhe disse que era filho de uma espanhola, pois o sogro andava muito por Espanha; contou que também o irmão Xavier (muito parecido consigo), que o convidou para jantar em casa dele, falou de M. J. como “…, filha de um cigano”, o que o levou a desconfiar; referiu que o pai não queria fazer os testes e que M. J. sugeriu irem os dois, fizeram os testes e depois tudo mudou, chamaram-no para lhe dar um terreno, porque a mãe ia fazer as partilhas, depois foi confrontado pela Autora e três filhos sobre andarem a dizer que M. J. era sua gémea e que isso era falso, afirmando a Autora que adiara o casamento devido à gravidez da mãe, alargara a roupa desta, aquecera água e vira nascer a irmã, sendo parteira a madrinha do irmão Xavier (neste ponto afirmou que ainda não tinha vindo o resultado dos testes) e que este desconfiou, questionou a madrinha que negou ter sido a parteira dizendo “tua mãe e a M. que resolvam o assunto”; afirmou que Xavier foi falar com a Autora e, por sua vez, foi a … falar com pessoas de idade, tendo a esposa de J. F., irmão de M. L., dito que era filho da Autora; aludiu aos resultados dos testes, que deram que eram filhos do mesmo pai e da mesma mãe [na verdade, uma probabilidade de 88,7828% de serem germanos, o que retomando as palavras da Prof. P. T. significa, apenas uma aproximação de parentesco, já que os exames genéticos verdadeiramente relevantes são os que comparam o filho com os presumíveis progenitores]; referiu que o irmão J., que começou a frequentar a sua casa, lhe disse que M. J. não podia ser filha de M. C. pois não a viu grávida [coloca-se a questão de saber se o questionou, como fizemos, em sede de inquirição da testemunha, se, em contrapartida vira a Autora grávida no período que antecedeu o nascimento]; referiu que tentou falar com P. R., filho da Autora, que marcou uma reunião na Junta, onde se deslocou com Xavier e J., falaram sobre os testes e Xavier disse que tinham a mesma mãe, ao que o mesmo reagiu com multa calma, pediu o seu número dizendo que ia falar com a Autora e depois lhe telefonava, o que nunca fez [o depoimento de J. F. indica que a reação do filho da Autora foi de choque, o que confirma a visão distorcida que o Réu tem do assunto]; relatou que fez requerimentos por duas vezes ao Ministério Público para averiguar a paternidade, mas foram arquivados e que o funcionário do Ministério Público o aconselhou “ponha isso público”; afirmou que houve conhecimento da ação por jornalistas de Guimarães, do Jornal ... e foi falar com P. R. que lhe disse que era tudo mentira; afirmou ter pedido ajuda à Televisão …, ao programa da X, investigaram, tentaram ajudar e esteve no programa, mas não apareceu em direto [valorado como confissão para efeitos de tomada de iniciativa de contactos com meios de comunicação social, em contrário da alegação contida no artigo 9º da sua contestação, bem como a fixação dos pontos 17) e 18) da fundamentação de facto]; relatou que P. R. lhe disse que iam fazer teste de ADN e mandaram-lhe o teste realizado por M. C. e M. J., do qual resultava que esta era filha daquela [valorado como confissão], afirmando, mais adiante, que quando foi a primeira reportagem ainda não o tinha; referiu que já conhecia C. H., que passou por Fafe, num momento em que estava na Televisão ..., voltando a estabelecer contacto estando já na TV; relatou que a jornalista V. S. lhe telefonou, acompanhou a equipa de reportagem, que procurou falar com E. P., M. C., M. F., uma irmã da M. C. e J., tendo sido convidado para ir ao programa “...”; afirmou que estava esclarecido sobre quem era o pai e que no final do programa ficou muito surpreendido quando o apresentador concluiu “pode ser fruto de uma relação incestuosa”; afirmou que a ida ao programa foi muito importante pois serviu para conhecer a família, passou a ser contactado pelos primos e tios e a conviver, ficando a saber de pormenores; soube que M. L. faltara aos testes e que vizinhos e um primo telefonaram-lhe a dar a notícia do seu falecimento; referiu que o seu Advogado estava de férias e foi ao Ministério Público para que fosse recolhido material antes do sepultamento, foi-lhe pedida a certidão de óbito que não arranjou, deslocou-se à PSP e à GNR de ..., a família foi notificada para ir ao Posto para dar a certidão, tendo o comandante mandado uma patrulha à capela; referiu que na segunda feira foi alertado por um senhor de ... que lhe perguntou se tinha visto o Jornal ... e reclamou sobre a notícia de capa; afirmou que foi à Televisão ... duas vezes, muito depois do funeral, ao programa ..., estando o Prof. Pc. num momento em que havia os testes do IML que ficaram no processo; referiu que o filho da Autora fala aos jornais, E. P., jornalista do Jornal ..., falava com ele e diziam que era uma mentira, invenção sua, que era um primo afastado do avô [notícia identificada no ponto da fundamentação de facto]; por altura da realização dos testes de ADN apareceu nos jornais que iam ser feitos a 12 de Agosto e havia equipas de filmagem da Televisão ... e da TV à saída [resulta do depoimento de L. C. que os contactos com a TV foram estabelecidos pelo Réu]; aludiu ao convite para ir novamente ao programa da TV, referindo que C. H. tinha cópia dos testes de ADN na sua segunda deslocação e contou-lhe todos os pormenores (foi este quem lhe indicou o Dr. SO., seu Advogado); negou ser frequentador dos cafés em ..., que o sapateiro é um vizinho em frente à casa dos pais e que da primeira vez que foi à TV o marido da testemunha L. R. queria bater nele; afirmou que quando ia à televisão tinha esperança que eles fossem também; referiu que não está convencido que a Autora não é a mãe (esta nunca quis conversar consigo).
Se as declarações de parte da Autora encontraram sustentação no depoimento das testemunhas, sendo de destacar que, além de familiares, como a irmã e o filho, foram inquiridos vizinhos e a farmacêutica, o mesmo já não pode dizer-se do Réu, pois nenhuma das testemunhas pelo mesmo arroladas deu suporte às suas afirmações acerca da filiação materna.
Por outro lado, o Réu apresenta duplicidade de critérios: um teste de ADN que afirmava uma probabilidade algo elevada de ser irmão germano de M. J. deu-lhe a oportunidade de extrair ilações sobre a existência de uma irmã gémea – já que nasceram em Junho de 1966 com dez dias de diferença –, mas o teste que afirma que a dita irmã gémea é filha de M. C., já que 99,999% significa certeza científica dessa relação de filiação, cujo resultado conhece desde 2008 – como admitiu –, não o leva a raciocinar noutro sentido; tão pouco os testes genéticos realizados na ação de impugnação/investigação da paternidade, que excluíram a possibilidade de a Autora ser sua mãe biológica, lograram convencê-lo, já que como afirmou em julgamento, não está convencido que não seja sua mãe. Podemos perguntar, perante toda a prova produzida, o que falta para ser convencido e porque prefere acreditar no que diz ter-lhe sido dito (e terá mesmo sido dito? Ou foi uma interpretação do que julgou ter ouvido?), permanecendo firme nas suas ideias.
Resultou não ter qualquer contrição pelo facto de ter dado azo a comentários maliciosos sobre a Autora, nem reconheceu qualquer tipo de dano, centrando-se em si próprio (“estão todos a viver bem, todos criados com filhos, netos”), assumindo-se como única vítima, de resto, na senda do conteúdo dos artigos 50º a 53º, 56º, 57º da sua contestação, titular de direitos sem deveres, nem consideração pelos direitos alheios.
No confronto entre o conteúdo das gravações contidas nos CDs, assim como o conteúdo das notícias juntas com a contestação da Ré e os depoimentos das testemunhas, excluímos do âmbito da valoração destas o que foi transmitido nos programas emitidos pela TV.
Podemos concluir que nas notícias e no programa de entretenimento que emitiu Ré nunca identificou a Autora pelo nome, mas tão só como “filha mais velha”, no entanto, a exibição das fotografias de M. L., M. J. e do Réu não deixam dúvidas relativamente à identificação da família em causa, pelo que não seria difícil pôr um nome na filha envolvida na história de incesto.
Se é certo que o Correio ... identifica a presumível mãe como “M. F.” tal sucede em 2010, devendo dizer-se que a notícia de violação que indica como estando na origem do nascimento do Réu, pelo menos, retira à Autora a conivência que um cenário de incesto deixa em aberto.
Num meio pequeno, a presença de uma equipa de filmagem não passa despercebida, aguça a curiosidade acerca do motivo e suscita necessariamente comentários sobre o que poderá ser o assunto, preparando as pessoas para assistir a programas televisivos da estação.
Se é certo que o tratamento jornalístico do assunto em 20 de Agosto de 2008 teve cuidados adequados a preservar o lado mais negro da história, o mesmo não pode dizer-se da intervenção final do apresentador M. L. que fala em incesto, relação escabrosa e imputa a paternidade do Réu ao avô.
As restantes notícias e programas emitidos pela Ré com o conteúdo anteriormente desenvolvido falam por si. A ligeireza com que a sensibilidade do tema e a possibilidade de constituir ofensa para as pessoas envolvidas são tratados resulta patente nos depoimentos de L. C. e M. L., não podendo deixar de ser ponderado que ambos se mostraram bem cientes da amplitude das audiências.
Como foi referido as testemunhas arroladas pelo Réu não sustentaram a versão articulada, contrariamente ao que sucedeu relativamente às testemunhas arroladas pela Autora – e em alguns pontos, também os depoimentos de J. F. e O. F. – que foram eloquentes acerca do impacto da história em .... Não obstante não tivessem identificado diretamente o período a que se reportaram, nem destrinçaram a possível influência de outros meios de comunicação social, precisamos de ter presente que todos os artigos do Correio ..., do Jornal ... e da Rádio … datam do ano de 2010, o coloca a Ré no papel de impulsionadora da história (depois da recusa da Televisão ... no tratamento do assunto após realização de investigação) e única a dar-lhe importância numa fase inicial; de igual forma, também o programa de entretenimento da Televisão ... data do final de 2010.
Não temos dúvidas que a invocação de uma relação de incesto, quer a palavra seja ou não empregue (falar em avô/pai, mãe/irmã é também revelador do conceito) é invasiva da privacidade das pessoas potencialmente envolvidas e particularmente ofensiva quando a sua base não resulta confirmada.
O impacto da televisão na difusão de notícias e opiniões, assim como alimento para comentários e emissão de juízos, é algo notório, tanto mais que qualquer estabelecimento comercial, nos tempos que correm (café, restaurante, cabeleireiro, barbeiro, supermercado, etc.), tem um televisor ligado com os programas de elevadas audiências, proporcionando conversas e comentários."
Pois bem.
Avaliada toda a prova produzida, formamos convicção inteiramente coincidente com a convicção do tribunal recorrido.
A factualidade que foi dada como provada e que o Recorrente C. S. pretende ver como não provada, refere-se à divulgação da sua "história de vida" a pessoas suas conhecidas e à imprensa, ao impacto que a presença de equipas de reportagem teve na localidade onde residia a Autora e à identificação da Autora como a pessoa referida nas diversas noticias transmitidas e publicadas, bem como o intuito de denegrir a imagem da Autora e os danos por esta sofridos.
Ancora a sua impugnação no depoimento das testemunhas L. F., P. R., L. R., J. T., A. L. e C. F., nos documentos e nos Cd’s que se encontram juntos aos autos.
Salvo o devido respeito, todos os elementos probatórios indicados na impugnação do apelante foram atendidos (diríamos até dissecados), conjugados com a demais prova, e afinal valorados criticamente, tendo-se feito constar na decisão, e por referência aos mesmos, a razão por que se dava por provada, no essencial, a versão dos factos relatada pela Autora.
O impugnante não aportou argumentos válidos nem provas bastantes que conduzam a diferente convicção.
As passagens destacadas dos depoimentos das testemunhas L. F., P. R., J. T., A. L. e C. F., não permitem a conclusão extraída pelo Recorrente de que tais pessoas não assistiram aos programas da TV e que das notícias difundidas não era identificada a Autora.
Além do teor dos CDs ter sido minuciosamente explicado na motivação da decisão recorrida em termos que o ora impugnante não logra contrariar, o conteúdo das notícias e programas emitidos falam por si. Embora na maioria das noticias a Autora não venha identificada pelo nome, mas como “filha mais velha”, a verdade é que a exibição das fotografias de M. L., M. J. e do Réu são de molde a identificar a família em causa e, consequentemente, a Autora como filha mais velha.
Relativamente aos factos 61, 64, 65, 66, 68 e 71 da matéria de facto dada como provada, mal se compreende a impugnação do Recorrente pois que o que foi dado como provado é que naquelas datas foram publicadas na edição on line do Jornal de Noticias e do Correio ... aquelas notícias e que no programa “...” da Televisão..., emitido em 20 de Dezembro de 2010, o Réu participou na encenação de uma árvore genealógica em que a Autora foi identificada como sua mãe. Não há qualquer razão para acreditar que não foi o Recorrente quem proferiu as expressões publicadas nos jornais, que o citam expressamente, sendo que em momento algum o mesmo suscita a falsidade das notícias, ou que participou no programa sem estar de acordo com a encenação.
Finalmente, quanto à matéria dos danos, depois de conhecer o resultado do exame no Verão de 2008, o Réu ficou a saber que a possibilidade de a Autora ser sua mãe biológica e de M. J. não se confirmava. Não obstante, continuou a insinuar essa possibilidade, bem sabendo que tais imputações e juízos eram suscetíveis de ofender a Autora.
Para além ter sido confirmado pelas testemunhas, com realce para L. F., P. R., L. R., A. L. e C. F., o sofrimento padecido pela Autora e o recurso a médico e medicação, é de meridiana clareza que a vivência de tal situação é causadora de danos morais.
Daí que, quanto à factualidade considerada provada, nenhuma censura mereça a decisão.
Considera ainda o impugnante que foram incorretamente apreciados os factos dados como não provados referentes aos artigos 9º (segmento “o Réu foi” até “situação”), 18º e 19º da contestação do Réu.
Quanto ao segmento do artigo 9º da contestação do Réu (o réu foi contactado por alguns meios de comunicação social que tomaram conhecimento da sua situação), que foi dado como não provado, a discordância do apelante funda-se na inexistência de prova. Não lhe assiste razão. Não só todo o conjunto probatório é no sentido de que a iniciativa partiu do Recorrente, como a jornalista L. C. referiu expressamente que os dois contactos telefónicos estabelecidos tiveram a iniciativa do Réu.
Quanto à factualidade inserta nos artigos 18º e 19º da Contestação do Réu, considerando a globalidade da factualidade apurada, jamais estes factos poderiam ser dados como provados por estarem em contradição com aquela.
Do exposto, resulta não assistir razão ao Recorrente C. S. na impugnação da matéria de facto.
Quanto à impugnação da Recorrente TV - Televisão ..., S.A.
Considera a Recorrente que não deveriam ter sido dados como provados os factos 59º e 62º, constantes da factualidade provada.

Os factos em causa têm a seguinte redação:

Facto 59º - "A Ré sabia que o conteúdo dos programas e notícias que difundiu continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora”;
Facto 62º - “Os Réus sabiam que o meio utilizado, televisão, facilitava a divulgação dos factos, expressões e juízos de valor depreciativos veiculados nos programas e noticias identificados em 22), 37), 42) e 50)".
Em apreço estão factos que quase se podem apelidar de factos notórios, no sentido de que falam por si, resultando do conhecimento e experiência comum que dada a sua natureza os mesmos são suscetíveis de ofender a imagem de qualquer pessoa, sendo incontestável o poder de divulgação da televisão.
Seja como for, como bem se refere na motivação recorrida, a ligeireza com que a sensibilidade do tema e a possibilidade de constituir ofensa para as pessoas envolvidas são tratados resulta patente nos depoimentos de L. C. e M. L., não podendo deixar de ser ponderado que ambos se mostraram bem cientes da amplitude das audiências.
Atente-se no teor do programa “...” emitido em 23 de Agosto de 2008, em que o jornalista introduziu o segmento aludindo ao Réu, que ali se encontrava, afirmando “este senhor, aos quarenta anos, descobriu que, provavelmente, não é filho do pai, nem é filho da mãe. E provavelmente, também, não é irmão do irmão”; no final, o apresentador M. L. dirigiu-se ao Réu afirmando que o mesmo podia ser fruto de uma relação incestuosa, que apelidou de “relação escabrosa”.
Nos telejornais das 13h00 e das 20h00, em 28 de Agosto de 2008, a TV difundiu uma notícia em que se lia em rodapé “o homem que pode ser filho da irmã”, enquanto o Réu estava a ser filmado e a falar; a frase foi também acompanhada de fotografia onde estavam retratados o Réu, M. J., irmã da Autora e o pai da Autora, M. L.; a peça terminou com “agora, C. S. tem razões para acreditar que a sua irmã mais velha é também a sua mãe”.
Nos telejornais das 13h00 e das 20h00 do dia 3 de Agosto de 2010, a Recorrente voltou ao assunto, desta feita, por via do falecimento de M. L.; a fotografia a retratar M. L., M. J. e o Réu voltou a ser exibida, associando o nascimento deste ao resultado de uma relação incestuosa a envolver a Autora.
No programa “...” de Agosto de 2010, a Recorrente difundiu um resumo da reportagem difundida em Agosto de 2008, fez referência ao falecimento de M. L., e mais uma vez houve alusão à relação incestuosa entre o pai da Autora e uma sua filha.
Salvo o devido respeito, a Recorrente limitou-se a aceitar como boa a versão do Réu C. S. e conduziu-se fazendo tábua rasa das explicações dos técnicos em genética, pois que o resultado dos exames de genética afastavam a possibilidade de o Réu ser fruto de uma relação incestuosa.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido.
Não assiste, assim, razão à Recorrente TV na impugnação da matéria de facto.
*
3.2.2 Da subsunção jurídica

A Autora demandou os ora Recorrentes (C. S. e TV) considerando que estes lhe imputaram factos e juízos de valor ofensivos da sua honra e consideração pessoal.
Contrapõem os Recorrentes a legitimidade da sua atuação, o primeiro com base no direito de personalidade e na procura das suas origens e a segunda com fundamento no direito à informação, defendendo ambos nunca ter posto em causa a dignidade da Autora.
O direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal. Ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoal e identitariamente é. A identidade pessoal inclui os vínculos de filiação.
É hoje incontestável a importância que a determinação jurídica da filiação assume, decorrente, além do mais, da forte acentuação na consciência coletiva, de valores da personalidade, entre os quais avultam os ancorados nos direitos à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade.
Este direito tem proteção constitucional ínsito no artigo 26º, da Constituição da Republica Portuguesa.
Também o direito à informação tem assento constitucional, dispondo o artigo 37º, nº1, da Constituição que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. Por sua vez, o artigo 38º do mesmo diploma garante a liberdade de impressa e define as diversas vertentes da sua realização, estabelecendo para o Estado a obrigação de assegurar a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, ainda que do sector público.
Coexistindo com estes direitos, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, consagra-se o direito ao bom nome e reputação, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
Os intervenientes reclamam a defesa de direitos com idêntico valor e potencialmente conflituantes.
Estabelece-se, no nº 2 do artigo 18°, da Constituição que, para a eventualidade de conflito entre direitos fundamentais, as restrições legais a esses direitos se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Para resolver o conflito entre bens ou interesses de igual valor constitucional ter-se-á de obter a “harmonização” ou “concordância prática” dos bens em colisão, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, respeitando o princípio jurídico constitucional da proporcionalidade (1).
Não há direitos absolutos ou ilimitadamente elásticos.
Vejamos se, no caso, estamos perante um verdadeiro conflito de direitos, pois que tal conflito só realmente ocorre quando os direitos são exercidos dentro dos seus limites.
Vimos já que o direito de informação e liberdade de imprensa tem conformação constitucional. Mas é a própria Lei Fundamental que, de igual modo, vem impor limites à liberdade de expressão e informação, ao estabelecer que a integridade moral das pessoas é inviolável (artigo 25º), consagrando na sua concretização os direitos à identidade pessoal, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26º).
É também neste seguimento que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra no seu artigo 10º, o direito à liberdade de expressão, compreendendo a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas (nº1), prevenindo, no entanto, que o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do Poder Judicial (nº2).
A Lei nº 2/99 de 13 de Janeiro (lei da imprensa), reconhece que a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
Por seu lado, a Lei nº 27/2007 de 20 de Julho lei da televisão), ao prever que a liberdade de expressão do pensamento através dos serviços de programas televisivos e dos serviços audiovisuais a pedido integra o direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial à democracia e ao desenvolvimento social e económico do País (artigo 26º), acrescenta que a programação respetiva deve respeitar a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias fundamentais. E vai mais longe, determinando que todos os operadores de televisão devem garantir, na sua programação, designadamente através de práticas de auto-regulação, a observância de uma ética de antena, que assegure o respeito pela dignidade da pessoa humana, pelos direitos fundamentais e demais valores constitucionais, em especial o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes, constituindo obrigações gerais dos operadores de televisão que explorem serviços de programas televisivos generalistas, de cobertura nacional, designadamente, assegurar, incluindo nos horários de maior audiência, a difusão de uma programação diversificada e plural e difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção (artigo 34º).
Sendo incontornável que a liberdade de expressão e informação é uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e das instituições, não deixa de ser verdade que o respeito pelos direitos, liberdades e garantias se impõe com igual acuidade, sob pena de pôr em causa a dignidade da pessoa humana e os próprios fundamentos do Estado de Direito.
A jurisprudência vem conformando os limites da liberdade de imprensa aferindo-os pelo relevo social do facto, pela verdade, pela ponderação e moderação e pela adequação na forma, tendo sempre como pano de fundo a salvaguarda, o rigor e a objetividade da informação.
Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2017 (2), quanto ao direito fundamental de informação e suas fronteiras, afirma que este “cumpre o exercício de uma função pública onde se insere toda a actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria política, social, económica e cultural numa sociedade aberta, pelo que se pode aferir em função da relevância social da notícia”, adiantando que “quando a imprensa actua no domínio do entretenimento, da notícia de pura sensação ou da vida privada dos cidadãos, extravasa o âmbito da garantia jurídico-constitucional do direito à informação, importando assinalar que, quando relata factos no exercício do direito de informação que eventualmente ponham em causa o bom nome e honra das pessoas, o jornalista deve expor os factos do modo mais comedido possível, com moderação e urbanidade”.
Na lei ordinária, a proteção do indivíduo contra ofensas à personalidade, tem expressão no artigo 70º, do Código Civil, que estabelece que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. Acolhe-se, nesta norma, um direito geral de personalidade, que protege a personalidade no seu todo, nas suas diversas manifestações, abrangendo nas palavras de Antunes Varela, "todos os atributos inerentes ao organismo psico-somático (personalidade física) e à componente ético-espiritual (personalidade moral) que individualizam cada ser humano" (3).
A natureza ilimitável da personalidade não impede que se distingam diferentes projeções da mesma, justificando a autonomização de direitos especiais de personalidade, merecedores de uma tutela autónoma (4).
Um dos direitos especiais de personalidade autonomizados do direito geral é o direito à inviolabilidade pessoal, onde se distingue uma projeção física consubstanciada no direito à imagem e direito à palavra, uma projeção vital, que é o direito ao carácter, à história pessoal, à intimidade da vida privada e uma projeção moral, que é o direito à honra.
Em suma, a liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais com assento constitucional, assim como em várias declarações internacionais de direitos, e tem por fim último garantir a plenitude da democracia.
Não se trata, porém, de um direito absoluto, pois a lei ordinária restringe-a nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais precisamente, o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, o valor supremo da ordenação constitucional (5).
Relativamente ao direito à identidade em defesa do qual o Recorrente C. S. fundamenta a sua atuação, vimos já que existe um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e da maternidade.
O exercício do direito à identidade pessoal, na vertente de reconhecimento da relação de filiação, apenas poderá ser alcançado através da propositura de uma ação de investigação da paternidade, de acordo com as regras e tempos próprios de uma ação judicial.
O exercício do direito à identidade, como se adverte na decisão recorrida, pode contender com os direitos ao bom nome, à reputação, à integridade moral, na medida em que a imputação de uma relação de filiação assente em suspeitas ou informações colhidas através de pessoas eventualmente conhecedoras das circunstâncias do relacionamento estabelecido entre os presumíveis progenitores, tem de ser exposta nos articulados de propositura da ação para subsequente produção de prova pericial e testemunhal destinada ao apuramento da verdade subjacente. Colocada a questão dentro desses limites, os direitos à privacidade, ao bom nome, à reputação e mesmo à integridade moral surgem subalternizados em relação ao direito à verdade biológica.
Tal não significa que, ressalva-se na decisão, resultando não provada a imputação, os visados fiquem impedidos de exercer o seu direito de ação para obter compensação pela violação desses direitos; pelo contrário, particularmente quando venha a concluir-se que aquela não tinha um fundamento sério para ser tida por verdadeira, a compressão desses direitos cessa, em virtude de a conclusão não ser coincidente com os factos invocados para fundar o vínculo que pretendia ser associado à identidade pessoal, retomando plenamente a sua amplitude.
O artigo 80º do Código Civil prevê que todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, sendo a extensão dessa reserva definida consoante a natureza do caso e a condição das pessoas.
Em conclusão, à semelhança da liberdade de informação e de imprensa, o direito à identidade pessoal tem consagração constitucional, mas a lei rodeia-o de cautelas várias em respeito do direito à honra, à privacidade e à imagem de outrem.
O direito à inviolabilidade pessoal é o reduto defendido pela Autora.
A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral e, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (artigo 70º, nº1 e 2, do Código Civil).
A este propósito, quanto à extensão do direito e formas da sua violação, muito bem se abordou na decisão recorrida, que passamos a transcrever que «a tutela dos direitos de personalidade que emerge desta norma, sempre que exista uma lesão consumada, chama à colação o artigo 483º do mesmo diploma, preceito que acolhe o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objetivamente controlável ou dominável pelo agente, ou seja, uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo traduzido numa ação, como num facto negativo alusivo a omissão ou abstenção, violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios.
Perante um comportamento ilícito, a obrigação de indemnizar exige que o agente possa ser censurado pelo direito, por não ter agido como podia e devia, de outro modo, ou seja, pressupõe que tenha agido com culpa.
Estes dois elementos encaram, respetivamente, a conduta do agente de um ponto de vista objetivo, enquanto negação de valores tutelados pelo direito e na vertente subjetiva do facto jurídico.
De resto, ao comportamento sucede um dano na personalidade, sendo que tem de existir um nexo de causalidade adequada entre um e outro.
O artigo 484º do mesmo diploma enfatiza a proteção geral decorrente do artigo 70º ao estatuir que responde pelos danos causados quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou bom nome de qualquer pessoa singular ou coletiva.
Esta norma mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo 483º, que se deve ter por subordinada ao princípio geral neste contido, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativamente à culpa. Dizendo de outra maneira: além da disposição básica da responsabilidade civil que resulta do princípio geral, o legislador recebeu uma série de previsões particulares que concretizam ou complementam aquelas (6), (7)
Assim, é indiferente que o artigo 484º se reporte apenas à ofensa por factos e não por juízos, pois a ofensa à honra, independentemente da forma que revista, é suscetível de consubstanciar um facto voluntário ilícito e culposo gerador de danos na personalidade do visado e constituir fonte da obrigação de indemnizar.
Em Acórdão de 28 de Janeiro de 2015 (8), o Supremo Tribunal de Justiça, pronunciando-se quanto a este preceito, entende que “para que o agente seja passível de responsabilidade civil não é por vezes necessário que o facto por ele divulgado seja falso, já que poderá bastar a idoneidade de prejudicar o crédito ou bom nome alheios, quer se trate de uma pessoa singular ou colectiva”, contudo, salvaguarda que tal não significa que a notícia verdadeira e a falsa devam ter tratamento idêntico em termos indemnizatórios, pois, colocando o acento tónico na circunstância de se tratar de duas situações distintas do ponto de vista da ilicitude e da culpa, conclui que se impõem sanções diversas num e noutro caso.
O bom nome e reputação, aludidos no texto constitucional, são conceitos que traduzem o direito a não ser ofendido na sua honra, dignidade ou consideração social mediante a imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e obter a competente reparação.
O conteúdo do conceito de honra é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém.
No plano constitucional, apresenta uma vertente individual, o bom nome, e uma vertente social, a reputação ou consideração, fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros.
Com idêntica orientação, Capelo de Sousa (9) defende que “a honra juscivilisticamente tutelada abrange a projecção do valor da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos. Em sentido lato, ela abrange o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político, engloba o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indi-íduo no que se prende ao trato social, e envolve o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem”.
Em suma, a honra significa tanto o moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade humana.
O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 13 de Julho de 2017 (10), salienta que “a tutela civil da honra não se limita às áreas específicas da honra cuja ofensa é mais gritante, como acontece no direito penal, antes abrange a globalidade desse bem, sublinhando-se, deste modo, a desnecessidade da presença de animus injuriandi na conduta do ofensor, sendo de assinalar que, no direito civil não há uma taxatividade de modos típicos de violação do bem da honra, relevando todas as ofensas à honra não só em público, mas também em privado, quer verbais, quer por escrito, gestos, imagens ou outro meio de expressão, tanto as que envolvam a formulação de difamações ou outros juízos ofensivos como as que levantem meras suspeitas ou interrogações de per si lesivas e mesmo quaisquer outras manifestações de desprezo sobre a honra alheia».
Delineado o contexto em que os direitos dos intervenientes se movem, é tempo de averiguar se o seu exercício pelos Recorrentes se ateve na legítima conformação dos seus limites.
Para compreender o entrave à salutar coexistência dos diferentes direitos, o enfoque recairá forçosamente na análise das expressões que veicularam juízos de valor que atingiram a Autora.

Valendo-nos, mais uma vez, da assertiva descrição constante da decisão recorrida, em causa estão vários momentos televisivos do canal da Recorrente TV:

1º- no programa “...” emitido em 23 de Agosto de 2008, o jornalista C. H., autor da rubrica “...” introduziu o segmento aludindo ao Réu, ali se encontrava, afirmando “este senhor, aos quarenta anos, descobriu que, provavelmente, não é filho do pai, nem é filho da mãe. E provavelmente, também, não é irmão do irmão”; durante a reportagem da autoria da jornalista V. S., em entrevista, o irmão da Autora, J. F., disse, a dado passo, que o resultado do teste de ADN feito a J. F. e ao Réu fora “gémeos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe”; no final, o apresentador M. L. dirigiu-se ao Réu afirmando que o mesmo podia pode ser fruto de uma relação incestuosa, que apelidou de “relação escabrosa”, concluindo “ele pode ser fruto de uma relação, de tal forma que o seu pai pode ser seu avô também”.
Embora não houvesse qualquer alusão à identidade da mãe, existia uma pista para quem, estando no terreno, tivesse curiosidade de investigar, já que a progenitora teria de ser uma irmã de J. F. e de …., sendo que o presumível incesto também a esta dizia respeito, pois fora afirmado que era gémea do Réu.
2º- nos telejornais das 13h00 e das 20h00, em 28 de Agosto de 2008, a Ré difundiu uma notícia em que se lia em rodapé “…”, enquanto o Réu estava a ser filmado e a falar; a frase foi também acompanhada de fotografia onde estavam retratados o Réu, M. J., irmã da Autora e o pai da Autora, M. L.; foi filmado o relatório de teste genético datado de 29 de Janeiro de 2008, que concluíra pelo cálculo de uma probabilidade de 88,7828% de C. S. e M. J. serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe; a peça terminou com “…”.
Neste caso, as pistas sobre a identidade da presumível mãe tornaram-se mais fortes, pois a exibição da fotografia de M. L. e de M. J. dava rosto àqueles que eram identificados como pai e irmã, envolvendo a Autora, pois esta é, sendo como tal conhecida, a filha mais velha de M. L..
3º- nos telejornais das 13h00 e das 20h00 do dia 3 de Agosto de 2010, a Ré voltou ao assunto, desta feita, por via do falecimento de M. L.; a fotografia a retratar M. L., M. J. e o Réu voltou a ser exibida, associando o nascimento deste ao resultado de uma relação incestuosa a envolver a Autora.
Não obstante o envio de fax na mesma data, pelas 13h06, dirigido pelo filho da Autora ao Diretor de Informação da Ré, chamando a atenção que a tese defendida e tornada pública pelo Réu era “rotundamente falsa e atentatória da honra e dignidade da memória de M. L., bem como de toda a sua família” e que estava pendente processo judicial de investigação de paternidade, pedindo respeito pela memória de M. L. e o luto da família, as notícias foram emitidas, a Ré não estabeleceu qualquer contacto com a Autora ou a sua família, nem aludiu ao conteúdo dessa comunicação.
Se é certo que, aparentemente, a comunicação se focava mais em M. L., a alusão à versão do Réu seria suficiente para salientar o membro da família mais afetado com a insinuação de incesto, a Autora.
4º - no programa “...” de 3 de Agosto de 2010, a Ré difundiu um resumo da reportagem difundida a 20 de Agosto de 2008, fez referência ao falecimento de M. L., bem como à interrupção do velório e mais uma vez houve alusão à relação incestuosa entre o pai da Autora e uma sua filha; na entrevista realizada pelo apresentador M. L. este referiu que o desfecho da história noticiada dependia do resultado de testes de ADN ainda não realizados, no entanto, por diversas vezes, identificou o progenitor biológico do Réu como pai e avô, foi explícito quanto à relação incestuosa do pai/avô, com a sua própria filha, relação essa que apelidou de “escabrosa”.

Quanto ao Recorrente C. S.:

- tomou parte ativa na difusão da versão em que identificou a Autora como mãe de um casal de gémeos, o próprio e M. J., resultado de uma relação de incesto com o pai, M. L., com a subsequente separação dos bebés e ocultação das circunstâncias do nascimento que teria permitido passar-se aos olhos de todos como irmã de uma e prima afastada de outro;
- contou a pessoas da freguesia de ... que se encarregaram de a transmitir a outras pessoas, de forma a ser comentada em estabelecimentos comerciais e nas freguesias limítrofes de ..., ... e ...;
- contactou a TV a quem transmitiu a sua versão (apesar de igualmente contactada, a Televisão ..., após investigação, decidiu não emitir a história);
- participou em entrevistas e programas ao vivo;
- antes da emissão, transmitiu a pessoas suas conhecidas residentes, pelo menos, em ..., que o assunto seria tratado pela Ré;
- e, mais importante, estando na posse do relatório do exame genético datado de 30 de Julho de 2008, desde esse Verão, apesar de dele constar a existência de uma 99,999% de probabilidade de M. C. ser mãe de M. J., omitiu essa informação, continuando a insistir na relação incestuosa.
A difusão de imputações como as que os Réus protagonizaram traduz um amesquinhamento da pessoa visada. Qualquer mulher colocada na situação da Autora teria sentido vergonha e humilhação.
A menção a uma relação de incesto, além de aguçar a curiosidade popular, apela a (pre)conceitos de promiscuidade, a laxismo de costumes e a inexistência de valores morais.
Voltamos a estar alinhados com a decisão sob sindicância, no entendimento de que se numa fase inicial o Recorrente C. S. poderia estar influenciado por uma versão contada por terceiros que o levasse a acreditar que a sua história de vida tinha os contornos que veio a tornar públicos, não se percebe que objetivo perseguia ao recorrer à exposição mediática, já que alguns pormenores, em concreto, ser fruto de uma relação de incesto, publicamente classificada como “escabrosa” pelo apresentador do programa da Ré emitido em 20 de Agosto de 2008, eram humilhantes para o próprio. A não ser que o objetivo fosse ser o centro das atenções, sem olhar a meios, nem a consequências.
Tão pouco se percebe o motivo para que um assunto de natureza tão sensível e privada seja tema de um programa de entretenimento, comentado e ajuizado, com tão pouco tato e, menos ainda, que seja objeto de um noticiário. Qual o interesse público de um eventual incesto ocorrido há mais de quatro décadas? O segredo guardado deve ser exposto para ser publicamente censurado? Que tipo de opinião pública visa formar? Há interesse em nomear juízes da praça pública, quais censores do comportamento humano?
Por outro lado, a partir do momento em que tomou conhecimento do resultado dos testes genéticos realizados em Julho de 2008, estivesse o Recorrente C. S. de boa fé e interessado na descoberta da verdade, teria parado para avaliar o seu significado – “um caso de maternidade praticamente provada em que M. C. tem 99,999% de probabilidade de ser mãe de M. J.” –, pedido ajuda a entendidos e procurado repor a verdade relativamente a Autora ou, pelo menos, veicular as dúvidas que essa informação cientifica lançava sobre as histórias que teria ouvido.
A partir desse momento, temos de concluir como concluiu a primeira instância, o propósito do Recorrente C. S. não foi outro senão humilhar a Autora, mantendo sobre ela a suspeita que lançara com a versão que tornara pública.
Quanto à Recorrente TV, não ficou demonstrado que tivesse tido acesso aos testes de Julho de 2008, porém, após dois anos, ao invés de levar a cabo uma investigação complementar, limitou-se a recorrer a excertos de reportagens anteriores destinados a servir de transição para a entrevista do Réu.
Em jeito de conclusão, dir-se-á que o caráter ofensivo dos factos propalados pelos programas da Recorrente TV e preparados no terreno com a divulgação do Recorrente C. S., a amplitude dos meios que permitiram veicular a versão a um leque alargado de pessoas, é algo evidente e não poderiam os Recorrentes deixar de estar cientes da gravidade das afirmações e da censura que lançariam sobre as pessoas envolvidas.
Do que deixa exposto, incorrem os Recorrentes na obrigação de indemnizar a Autora.
A indemnização fixada quanto aos seus termos e montante apresenta-se justa e adequada.
Termos em que improcede a apelação de ambos os Apelantes.
*
*
IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 23 de Janeiro de 2020

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º Adj. - Des. Alexandra Viana Lopes


1. Neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 03/05/2005, in http://www.dgsi.pt/ jtrp.
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. In Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116, n.º 3710, 1 de Setembro de 1983, p. 144.
4. Sobre a classificação dos direitos especiais de personalidade pode ver-se Paulo Mota Pinto “O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, in Boletim da Faculdade de Direito, volume LXIX, Coimbra, 1993, p. 499-500 (nota 59)
5. A liberdade de expressão e informação e os direitos de personalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, página do STJ, acessível em www.dgsi.pt
6. Cfr. Ac. STJ de 14.05.2002 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 02A267.
7. No mesmo sentido vide Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 5ª edição, pg. 453.
8. In http://www.dgsi.pt/ processo nº 24412/02.6TVLLSB.L1.S1.
9. In O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pg. 303 e 304.
10. In http://www.dgsi.pt/jstj processo nº 1405/07.1TCSNT.L1.S1.