Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
411/14.4T8VCT.G2
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O alargamento do prazo do direito real previsto no art. 5º, nº 1, da Lei nº 7/2001, ditado pelo seu nº 2, não está dependente da residência na morada em questão durante todo período, para o efeito relevante, em que perdurou a união de facto;

Esse direito só é impedido, de acordo com o nº 6, da mesma norma, quando o seu potencial beneficiário seja titular de casa própria, não sendo esse o caso da posse de uma habitação por via de contrato de locação;

A eventual ponderação, à luz da equidade, dos interesses dos herdeiros do unido falecido, será apenas relevante no caso de discussão do alargamento dos prazos dos nº 1 e 2, do mesmo art. 5º;

O instituto da união de facto e os direitos dele emergentes surgem na esfera jurídica dos unidos de facto e merecem protecção e conformidade do comportamento de terceiros, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos previstos no art. 1º, nº 2, da Lei nº 7/2001;

A sua prova pode ser feita com a flexibilidade permitida pelo art. 2º-A, da mesma Lei, e a acção que vise o seu reconhecimento é se simples apreciação ou declaração e não constitutiva;

Em face do exposto, independentemente da sua prévia declaração judicial, a violação dos direitos, daquele emergentes, fará incorrer o responsável em obrigação indemnizatória, caso se verifiquem os demais pressupostos previstos, v.g., no art. 483º, do Código Civil;

A privação desse direito à morada e habitação do cônjuge sobrevivo, pode constituir um dano não patrimonial ou moral, à luz do disposto no art. 496º, do Código Civil, enquanto violador de um direito subjectivo fundamental que radica nos direitos à habitação e à reserva da vida privada, constitucional e ordinariamente previstos.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

A aqui Recorrida intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum, contra os Recorrentes acima identificados, pedindo que:

a) Se declare que à data da morte de L. Gonçalves, em 7 de Novembro de 2013, a Autora vivia com ele em comunhão de cama, mesa e habitação há 30 anos consecutivos, em condições análogas às dos cônjuges, declarando-se, assim, a união de facto entre a Autora e o falecido L. Gonçalves;
b) Se declare que a Autora tem o direito real de habitação da casa de morada de família, sita na (…), Viana do Castelo, bem como, o direito ao uso do respectivo recheio, por um período de 30 anos;
c) Se condene os RR a reconhecerem a união de facto supra referida em a) e reconhecerem o direito à habitação e uso do respectivo recheio referido em b), por período não inferior a trinta anos, sobre a casa de morada de família, correspondente ao artigo urbano ...º - Darque, (…), Viana do Castelo;
d) Se condene o terceiro Réu a pagar à Autora uma indemnização no montante de €1.000,00 pelos danos morais sofridos.
Em síntese alegou que durante mais de 30 anos Autora viveu em união de fato, ou seja, em comunhão de cama, mesas e habitação com o falecido L. Gonçalves, como se marido e mulher fossem, o que perdurou até à sua morte; acontece que após a morte do referido L. Gonçalves, um dos filhos do mesmo – J. F., comunicou-lhe que teria de abandonar a casa e, no dia 21.11.2013, mudou as fechaduras da dita habitação em que os mesmos moravam.

Os réus contestaram, impugnando motivadamente os factos alegados pela autora, quanto à existência da união de facto entre o pai e a autora e negando o direito real de habitação que esta pretende fazer valer com a acção.
Concluem pela improcedência da acção, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

Instruída a causa, procedeu-se a realização de audiência final para prolação de sentença, com o seguinte dispositivo.
(…) julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, decido:

a) Declarar que à data da morte de L. Gonçalves, em 7 de Novembro de 2013, a Autora vivia com ele em comunhão de cama, mesa e habitação há 30 anos consecutivos, em condições análogas às dos cônjuges, declarando-se, assim, a união de facto entre a Autora e o falecido L. Gonçalves;
b) Declarar que a Autora tem o direito real de habitação da casa de morada de família, sita na (…), Viana do Castelo, bem como, o direito ao uso do respectivo recheio, por um período de 30 anos;
c) Condenar os RR a reconhecerem a união de facto supra referida em a) e reconhecerem o direito à habitação e uso do respectivo recheio referido em b), por período não inferior a trinta anos, sobre a casa de morada de família, correspondente ao artigo urbano ...º (,,,), Viana do Castelo;
d) Condenar o Réu J. F. Gonçalves a pagar à Autora C. Botelho, uma indemnização no montante de €1.000,00 ( mil euros ) a título de danos morais.
Custas a cargo dos Réus – artigo 527º, nº. 1, do Código de Processo Civil. Pelo exposto
*
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os Réus, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem:

I – O presente recurso versa a matéria de facto e a matéria de direito.
II – A douta sentença recorrida omitiu pronúncia quanto aos factos alegados nos itens 69º e 70º, 97º, 98º e 101º, 106º e 128º, 129º, 130º, 131º e 136º da contestação, não os dando nem como provados nem como não provados, e quanto aos documentos em que os recorrentes suportaram a alegação de tais factos, concretamente os documentos de fls. 269 - verso a 292 - verso dos autos (juntos com a contestação sob os documentos nºs 15, 16 a 19, 20 a 45 e 47 a 51), não os apreciando nem valorando em sede de fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto.
III - Os factos sob juízo revelavam-se essenciais para aquilatar da existência da união de facto invocada pela A. com o falecido L. Gonçalves, maxime quanto à existência da alegada comunhão conjugal (cama, mesa e habitação).
IV – A douta sentença recorrida enferma assim da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, vício este que expressamente se invoca, com as legais consequências.
V – Em sede de impugnação da douta decisão proferida quanto à matéria de facto, os recorrentes consideram incorrectamente julgados os itens 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 17º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º e 27º dos factos provados e as alíneas d), e), f) e h) dos factos não provados.
VI – No tocante à consecutividade da união de facto por mais de trinta anos, ficou evidenciado nos autos que o falecido L. Gonçalves, no ano de 1983/1984, foi leccionar para Ponte da Barca, onde se manteve até à sua reforma em 1998; após a reforma, o falecido manteve negócios de diversa índole na vila de Ponte da Barca e tinha a sua residência fixada nessa vila na denominada Casa C.; no mesmo período temporal, as deslocações do falecido a Viana do Castelo eram ocasionais e sempre aos fins-de-semana, sendo que os filhos, querendo visitar o pai, dirigiam-se à Casa C., em Ponte da Barca, e não a Viana do Castelo – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A., L. T. e J. F., da A. C. Botelho e depoimento da testemunha C. Gonçalves, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
VII – Ficou ainda evidenciado que, no mesmo período temporal, o falecido L. Gonçalves foi várias vezes a Joanesburgo (África do Sul) onde o filho João se encontrava a fazer uma especialização, sendo que numa dessas viagens permaneceu aí durante cerca de três meses – vd. declarações de parte do co-réu J. F., conforme excerto transcrito na motivação deste recurso, que aqui se dá por reproduzido.
VIII – Tudo ponderado, o tribunal recorrido não podia dar como provado o que consta dos itens 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 15º dos factos provados, na parte em que remete para a consecutividade ou ininterruptabilidade da alegada união de facto por mais de trinta anos, com início em 1983, pelo que tais factos devem, agora, ser dados como não provados.
IX – No que tange à existência de comunhão de cama, mesa e habitação, ficou demonstrado que a A. desconhecia a construção da suposta casa de morada de família do casal (Casa CB), construção essa que se manteve durante cerca de cinco anos – vd. declarações de parte da A. C. Botelho e depoimento das testemunhas M. Vaz e F. Gonçalves, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
X – A A. também confessou desconhecer que o falecido recebeu a visita na Casa CB de uns primos do Brasil nos meses de abril, maio e junho de 2009, quando, nessa data, já vivia em união de facto com o falecido nessa casa – vd. declarações de parte da co-ré Maria A. e da A. C. Botelho e depoimento das testemunhas C. Gonçalves, A. L. Gonçalves e J. Moreira, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
XI – Por outro lado, a Casa CB nunca revelou um “toque feminino” ou vestígios da presença de uma mulher, sendo essa casa reconhecida por quem privava mais de perto com o falecido (filhos e amigos mais próximos) como “a casa de um homem só” – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A., L. T. e J. F. e depoimento das testemunhas A. L. Gonçalves, J. Serafim e J. Vaz, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
XII – Os filhos e amigos mais próximos do falecido declararam-se plenamente convencidos de que o falecido L. Gonçalves vivia sozinho, não só porque este nunca assumiu qualquer união de facto com a A., mas também porque nunca o viram acompanhado pela A., que nem sequer conheciam, fosse na Casa CB, fosse em qualquer outro local – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A., L. T. e J. F. e depoimento das testemunhas M. Vaz, J. Vaz e J. Serafim, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
XIII – Para além disso, uma das duas testemunhas de que a A. se serviu para obter da J. F. D. um atestado da alegada união de facto – Eng. F. Martinez –, pessoa esta que era também muito próxima do falecido, se num primeiro momento atestou essa alegada união, logo depois, ao tomar verdadeiramente conhecimento do que tinha assinado, retratou-se em requerimento dirigido ao presidente da junta, onde concluiu que “(…) consequentemente o documento em causa, intitulado “Declaração” e por mim assinado em 13 de Novembro deve ser considerado sem qualquer efeito, pois o seu conteúdo não corresponde aos factos que conheço e que em consciência, não posso permitir que valham como declaração do que não declarei” – vd. fls. 264 verso e 265 dos autos.
XIV – A A. confessou, em sede de declarações de parte, que na Casa CB apenas tinha a “roupa mais prática”, o que evidencia que não fazia vida nem pernoitava nessa casa e que apenas dela se podia servir, no limite, para estadias ocasionais e limitadas no tempo – vd. declarações de parte da A. C. Botelho, conforme excerto transcrito na motivação deste recurso, que aqui se dá por reproduzido.
XV – Os consumos de energia na casa sita na rua das …, a partir do ano de 2009, não só se mantiveram, como aumentaram, conforme flui de fls. 749 e 750 dos autos, o que comprova que a A. nunca saiu ou abandonou a casa da rua das Alfazemas para se fixar na Casa CB, nem antes nem após 2009.
XVI – A A. manteve sempre o seu domicílio, para todos os efeitos, na casa sita na rua das Alfazemas, conforme ressalta de fls. 288 – verso, de fls. 289 - frente e de fls. 289 - verso dos autos, e apresentou sempre as suas declarações de rendimentos (IRS) separadamente do falecido L. Gonçalves e como solteira – vd. documentos de fls. 288 - verso e 290 a 292 - frente dos autos.
XVII – A fls. 269 - verso dos autos consta que o falecido L. Gonçalves deu entrada no Tribunal Eclesiástico de Viana do Castelo, no dia 3 de junho de 1986, de um pedido para anulação do casamento católico que tinha contraído com a mãe dos RR. (recorrentes) Maria Gonçalves.
XVIII – Ficou demonstrado nos autos que esse pedido justificou-se pelo facto de o falecido, no ano de 1986, se ter apaixonado por M. Castro, com quem queria casar – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A. e J. F. e depoimento da testemunha J. Serafim, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
XIX - Nenhuma das testemunhas ouvidas no julgamento relatou ter visto ou presenciado, em público ou não, uma troca de afeto, uma carícia, um simples beijo que fosse, entre o falecido L. Gonçalves e a A.
XX - Se é certo que várias testemunhas relataram que viam frequentemente o falecido L. Gonçalves e a A. juntos, não é menos certo que é unicamente a partir desse simples, e inócuo, facto – o facto de serem vistos frequentemente juntos – que tais testemunhas concluíram que um e outro faziam vida de marido e mulher.
XXI – Pelo exposto, ponderadas as declarações e depoimentos citados nas conclusões antecedentes e conjugando essas declarações e depoimentos com os documentos de fls. 264 - verso e 265, de fls. 269 – verso, de fls. 288 - verso e 290 a 292 – frente, de fls. 289 e de fls. 749 e 750 dos autos, o tribunal a quo devia ter dado como não provados os itens 5º, 6º, 7º, 8º (“Como companheiros de vida (…) durante mais de trinta anos (…)”), 15º, 21º, 22º, 23º, 24º e 27 dos factos provados e, pelo contrário, como provados os factos constantes das alíneas d) e h) dos factos não provados.
XXII – No tocante à assistência prestada pela A. na doença do falecido, ficou demonstrado que, no ano de 2011, com o degradar do estado de saúde do falecido L. Gonçalves, o filho L. Gonçalves, a mulher e os filhos deste fixaram residência na Casa CB, sem que a A. tivesse dado sinais da sua existência – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A. e L. T. e depoimento das testemunhas A. L. Gonçalves e M. Vaz e documentos de fls. 270 a 273 - frente dos autos.
XXIII – Isto evidencia que não existia qualquer comunhão conjugal entre a A. e o falecido L. Gonçalves, pois que, se essa união existisse, pelas regras da experiência e do normal acontecer, o falecido nunca teria aceitado receber o filho e a família deste numa casa que já compartilhava com outra pessoa, pretensamente como marido e mulher e, por outro lado, porque a necessidade de assistência do filho ao pai não existiria seguramente se essa assistência já lhe era, ou podia vir a ser, prestada por essa pretensa companheira.
XXIV – O tribunal “a quo” ignorou os cuidados e assistência que a co-ré Maria A. dispensou ao pai na doença deste e, bem assim, que, nesses períodos, o falecido optou frequentemente por permanecer na Póvoa de Varzim para se submeter aos tratamentos a que estava a ser sujeito no IPO – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A. e J. F., depoimento das testemunhas A. L. Gonçalves, J. Moreira e J. Serafim, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos, e documentos de fls. 272 a 278 verso dos autos.
XXV - As declarações de parte prestadas em julgamento pela A. revelam, pelo contrário, que esta nunca acompanhou o falecido L. Gonçalves ao IPO e, mais importante ainda, que só soube da doença do falecido “mais à frente”, quando o seu diagnóstico há muito era conhecido (o primeiro em 2007 e o segundo em 2009 – vd. item 10º dos factos provados) – vd. declarações de parte da A. C. Botelho, conforme excerto transcrito na motivação deste recurso, que aqui se dá por reproduzido.
XXVI – Também ficou evidenciado que o falecido L. Gonçalves, no ano de 1998, esteve internado em Santarém, para tratamento de uma depressão, na casa do filho L. Gonçalves, passou outros períodos em Alcanhões, na casa desse filho, e, inclusive, fizeram férias em conjunto no Algarve (Sagres) – vd. declarações de parte do coréu L. T. e depoimento da testemunha A. L. Gonçalves, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos, e documentos de fls. 272 a 278 verso dos autos.
XXVII – Pelo exposto, ponderadas as declarações e depoimentos citados nas conclusões antecedentes e conjugando essas declarações e depoimentos com os documentos de fls. 270 - frente a 271 – verso, de fls. 272 a 277 - frente e de fls. 277 - verso a 285 - verso dos autos, o tribunal recorrido devia ter dado como não provados os itens 9º, 11º, 12º e 13º dos factos provados e, paralelamente, como provada a alínea f) dos factos não provados.
XXVIII – Quanto à comparticipação da A. nas despesas do casal, não há qualquer documento nos autos que comprove que a A. e o falecido L. Gonçalves compartilhassem despesas, fossem de que natureza fossem, quer na casa da rua das Alfazemas, quer na Casa CB e, muito menos, o alegado financiamento bancário a que a A. diz ter recorrido para suportar essas despesas.
XXIX – As despesas com a renda, água e luz da casa sita na rua das Alfazemas eram pagas pela A. – vd. documentos de fls. 224 – verso, de fls. 749 e 750 e de fls. 288 – verso dos autos.
XXX – Na Casa CB, não há qualquer evidência de que a A. tenha dado qualquer contributo para as despesas domésticas e pessoais do alegado casal, despesas essas que, aliás, a A. não soube quantificar.
XXXI – Para além disso, o empréstimo bancário a que a A. recorreu serviu para satisfazer encargos próprios seus e não encargos ou responsabilidades do casal – vd. declarações de parte do A. C. Botelho e depoimento da testemunha Rosalina, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.
XXXII – Assim, ponderadas as declarações e depoimentos citados nas conclusões antecedentes e conjugando essas declarações e depoimentos com os documentos de fls. 287 - verso e 288 – frente, de fls. 292 - verso e de fls. 749 e 750 dos autos, o tribunal recorrido devia ter dado como não provado o que consta do item 17º dos factos provados.
XXXIII – Pelo exposto, este Venerando Tribunal deve dar como não provada e, por via disso, como não declarada a existência da invocada união de facto entre a A. e o falecido L. Gonçalves.
XXXIV – Não havendo união de facto, a A. não tem direito à medida de protecção da casa de morada de família prevista no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 7/2001.
XXXV – De todo o modo, o alargamento do prazo do direito real de habitação e de uso do recheio conferido pelo número 2 do citado artigo 5º (de cinco anos para o prazo correspondente à duração da união) só tem cabimento nos casos em que a união de facto se tenha prolongado por mais de cinco anos na casa de morada de família objeto do direito real de habitação conferido por essa norma, o que não se verifica no caso dos autos – vd. item 21º dos factos provados.
XXXVI – Para além disso, a matéria de facto provada não evidencia qualquer situação de necessidade da A. da casa de morada de família, necessidade essa que a A. não justificou, tendo-se provado, pelo contrário, que a A. manteve o arrendamento da casa sita na rua das Alfazemas, casa essa que satisfaz todas as suas necessidades de habitação, até porque a mesma se encontra mais próxima do seu local de trabalho – ut item 25º dos factos provados.
XXXVII – Deve fazer-se a indispensável ponderação entre os interesses da A. e os interesses dos herdeiros legitimários do falecido (os aqui recorrentes), para quem a medida de proteção em causa representa um ónus especialmente gravoso e uma restrição inadmissível do seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa por um período de trinta anos, o que ofende claramente os mais elementares princípios da ética e da justiça social.
XXXIX – Quanto à responsabilidade por ato ilícito assacada ao co-réu J. F., estamos perante uma acção constitutiva, pelo que a união de facto só se terá como constituída com o trânsito em julgado da douta sentença proferida nos autos, confirmada que seja por este Venerando Tribunal.
XL - Quando o co-réu J. F. atuou conforme consta do item 29º dos factos provados, fê-lo licitamente, porquanto, nessa data, não só não havia união de facto judicialmente declarada, como também tal, pretensa, união não era nem conhecida, nem reconhecida, por esse co-réu.
XLI - Não há, assim, ato ilícito, pelo que não estão verificados os requisitos para se acionar o regime da responsabilidade aquiliana, previstos no artigo 483º do Cód. Civil e, consequentemente, a obrigação de indemnizar a A.
XLII – Ainda que ato ilícito houvesse, que não há, não se provou a produção de danos morais na esfera jurídica da A., decorrentes desse pretenso ato ilícito.
XLIII – Pese embora o item 31º dos factos provados refira que a A. sofreu “vergonha social”, nada nos é dito quanto à gravidade e consequências para a A. dessa alegada “vergonha social” (não há factos que o revelem), pelo que os danos daí eventualmente emergentes não são dignos da tutela do direito – cfr. artigo 496º, nº 1, do Cód. Civil.
XLIV - Pelo exposto, não deve ser conferida qualquer indemnização à A. a título de danos morais ou, para o caso de assim se não entender, no que não se concede, deve ser reduzido o montante que lhe foi arbitrado a esse título, na medida em que tal montante é absolutamente desproporcional aos alegados danos que constam evidenciados na matéria de facto provada.
XLV – A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação, o disposto nos artigos 1º, nº 2, e 5º, nºs 1 e 2, da Lei nº 7/2001, de 11.05, e nos artigos 483º, 1793º, nº 1, e 2020º do Cód. Civil.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, na sequência, deve:

a) Declarar-se a nulidade da douta sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, determinando-se, na sequência, a remessa dos autos à 1ª instância, tendo em vista a ampliação da matéria de facto quanto aos factos e documentos sobre os quais foi omitida pronúncia, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 3, alínea c), do CPC.

Em todo o caso:

b) Revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra decisão, que julgue a presente acção totalmente improcedente, por totalmente não provada.
Em contra-alegações a Recorrida defende que o recurso deve ser julgado improcedente e a decisão mantida.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. (1) Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)
As questões enunciadas pelos recorrentes podem sintetizar-se da seguinte forma:

a) A alegada nulidade da sentença, prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil;
b) A pedida alteração da matéria de facto julgada;
c) A pedida improcedência da acção.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Da alegada Nulidade da sentença

Nas conclusões (II.) do seu recurso, os Apelantes mencionam como um dos fundamentos do seu recurso a “nulidade da sentença” impugnada, por alegada falta de pronúncia sobre a matéria de facto dos itens 69º e 70º, 97º, 98º e 101º, 106º e 128º, 129º, 130º, 131º e 136º da contestação.
Nos termos do Artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Esta nulidade está directamente relacionada com o Artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. (4)
Ora, as nulidades da sentença são as taxativamente previstas no art. 615º, do Código de Processo Civil, e a alegada falta da decisão da matéria de facto não é subsumível a essa previsão.
Com efeito, os alegados vícios da decisão da matéria de facto poderiam, quando muito, reconduzir-se à previsão especial do citado art. 662º, do Código de Processo Civil, e não ferem de nulidade a sentença (5).

Pelo exposto, sem prejuízo do abaixo apreciado, carecendo de qualquer sustento a arguição dos Apelantes, improcede a alegada nulidade, prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.

3.2. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Antes de passarmos à discussão dos argumentos esgrimidos pelos alegantes e pela decisão recorrida e a fim de melhor se perceber o nosso julgamento, interessa frisar que a sua apreciação obedece aos contornos ditados por essa norma e pelo enquadramento que vem sendo feito da intervenção deste instância em sede de recurso, que tenha por objecto o alegado erro de julgamento.
Resulta desta norma, desde logo, que ao apelante se impõem diversos ónus em sede de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.5.2016, Maria Amélia Ribeiro, 1393/08, «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum» (sublinhado nosso).
Ana L. Gonçalvesa Geraldes (6) analisa a questão nestes termos: «(…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio.
Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada».
Cabe ao apelante actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.

Com acentua Pedro Damião e Cunha, (7) o âmbito da apreciação que pretendem os apelantes, não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (8).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (9).
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) O Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) Nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b)) (10).
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (11), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (12).
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (13).
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (14).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (15) (26).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (16), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
(…)

Visto isto, julgamos que estes dados probatórios não só não colocam em causa o decidido como, antes, o confirmam e secundam a presunção que, nesse sentido, se pode extrair dos restantes factos que atestam a duradoura convivência do casal (cf. art. 349º, do Código Civil), o que nos leva a julgar improcedente esta outra parte do recuso.

Terminando a sua argumentação, os Réus invocam o decidido noutro processo, de natureza cautelar que, no entanto, não pode, sem mais, ter qualquer relevo na apreciação do que foi julgado nesta distinta instância definitiva e constitui, por isso, argumento manifestamente despropositado.

Saliente-se que, no que respeita à matéria do item e), dos factos não provados, os Réus não fundamentaram especificamente a sua discordância, nomeadamente em sede de conclusões, pelo que o seu recurso, nessa parte, incumpre o disposto no art. 640º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, e, por isso, se rejeita.

No que respeita à matéria dos itens itens 69º e 70º, 97º, 98º e 101º, 106º e 128º, 129º, 130º, 131º e 136º da contestação (item II. das conclusões), como já acima expusemos sobre essa questão, estamos perante factualidade que constitui matéria de impugnação da versão da Autora, julgada pelo Tribunal e acima apreciada, nada havendo nesta que constitua matéria de excepção a atender isoladamente à luz do disposto no art. 342º, nº 2, do Código Civil, pelo que é impertinente o seu aditamento à luz do art. 662º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil, julgando-se, portanto, infundado o pedido de anulação da sentença para esse efeito.
*

3.2. FACTOS A CONSIDERAR
1. FACTOS PROVADOS

1 - L. Gonçalves faleceu em 07.11.2013, no estado de divorciado, residente que foi na Rua …, deste concelho.
2 - Os ora Réus são filhos do falecido L. Gonçalves e seus únicos e universais herdeiros.
3 - Há mais de 30 anos, o falecido L. Gonçalves conheceu a Autora com quem passou a encontrar-se diariamente para conversar, passear e depois namorar.
4 - Desde o ano de 1983 o relacionamento entre a Autora e o falecido evoluiu para uma relação amorosa que perdurou até à sua morte.
5 - Sendo que, durante mais de 30 anos viveram em união de facto, ou seja, em comunhão de cama, mesa e habitação como se fossem marido e mulher, mantendo relações afectivas e ajudando-se reciprocamente.
6 - Durante todos aqueles anos a Autora e o L. Gonçalves coabitaram a mesma casa, contribuindo com os seus rendimentos, partilhando-a em toda a sua plenitude na vigência da relação, nela, juntos, confeccionando e tomando refeições e pernoitando.
7 - Mantendo, portanto, uma relação afectiva com carácter de estabilidade, com amizade, companheirismo, amor e mantendo fidelidade mútua.
8 - Como companheiros de vida, a Autora e o L. Gonçalves, durante mais de 30 anos, passearam em público, saíram juntos às compras, frequentaram restaurantes, espectáculos e cafés, bem como, viajaram para diversos destinos.
9 - A Autora e o falecido L. Gonçalves sempre se acompanharam mutuamente na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.
10 - No ano de 2007 e posteriormente no ano de 2009, foram diagnosticadas, ao falecido L. Gonçalves, uma doença do foro oncológico, datas a partir das quais o seu estado de saúde se foi debilitando gradualmente até culminar com a sua morte.
11 - No seu período de doença, a Autora acompanhou-o, nomeadamente, às consultas médicas, tratamentos e internamentos.
12 - Sendo que, foi a Autora quem dele cuidou, confeccionou as suas refeições e tratou das suas roupas.
13 - Com a manifestação da doença e quando de tal passou a carecer, foi também a Autora quem o alimentou e ministrou a medicação prescrita, cuidou da sua higiene pessoal, carregou-o nos braços, acolhendo-o e apoiando-o sempre, como sua companheira de vida.
14 - Nunca ninguém conheceu, à Autora, qualquer outro homem que não o falecido L. Gonçalves e este outra mulher que não fosse a Autora.
15 - A ligação afectiva e marital por ambos vivida manteve-se ininterruptamente até à morte de L. Gonçalves, e era conhecida pelos seus familiares, amigos, vizinhos e público em geral.
16 - A Autora ausentava-se da sua casa de morada de família, nas visitas que o L. Gonçalves recebia dos filhos, ou estas ocorriam nas horas de trabalho da Autora.
17 - Para fazer face às despesas domésticas e pessoais, ambos contribuíam com o montante dos seus rendimentos pessoais e profissionais, de tal ordem que, à data da morte do L. Gonçalves, a Autora tinha, antes, contraído um empréstimo bancário, que se encontrava a pagar, face às dificuldades financeiras do falecido.
18 - A Autora formulou o pedido de pensão de sobrevivência à CGA, munida, previamente, do atestado de união de facto emitido pela J. F. D., em 13/11/2013.
19 - Com o falecimento de L. Gonçalves e sabendo do pedido formulado pela Autora à CGA, o 3.º Réu opôs-se formalmente a tal atribuição.
20 - No início dos anos 80, pelo menos desde o ano 1983, a Autora e o falecido L. Gonçalves, estabeleceram a sua residência em Darque, entre outras, numa casa de habitação, arrendada em nome da Autora, sita na Rua ….
21 - E, a partir do ano de 2009, fixaram a sua residência numa casa da propriedade do falecido L. Gonçalves, construída para o efeito, sita na Rua …, da mesma freguesia e concelho, tendo sido, até à sua morte (07.11.2013) a sua casa de morada de família juntamente com a Autora.
22 - Foi nas residências supra identificadas que a Autora e o falecido L. Gonçalves centraram a sua vida familiar e onde sempre receberam os amigos e familiares de ambos.
23 - Ora, desde o ano de 2009 que a Autora se encontra na posse e se serviu sempre da casa sita em …, de forma pacífica, contínua e publicamente, sem oposição de ninguém, procedendo à sua limpeza e conservação, colhendo os seus frutos e beneficiando de tudo o que aquela lhe proporciona.
24 - A Autora de forma, pacifica, contínua e pública, usou e usufruiu de todo o recheio da habitação, designadamente, mobília, electrodomésticos, roupa e todos os demais «haveres» daquela casa, sem oposição de ninguém.
25 - A Autora, manteve o contrato de arrendamento da casa de habitação mencionada em 20), onde habitava também a sua irmã, casa essa, que se encontra mais próxima do seu local de trabalho e que utilizava com frequência em conjunto com o falecido L. Gonçalves, para, entre outras coisas, confeccionar refeições.
26 – Após o falecimento de L. Gonçalves, o Réu J. F. Gonçalves, comunicou à Autora que teria de abandonar a sua casa.
27 - A Autora receosa, mudou de imediato as fechaduras que sempre usou de forma pacífica e sem qualquer oposição compatível com o reconhecimento de todos como a sua casa de morada de família.
28 – A Autora solicitou ao seu mandatário que interpelasse o referido Réu para esse efeito nos termos da correspondência constante de fls. 120 dos autos.
29 - O Réu J. F., em 21.11.2013, introduziu-se naquela habitação e mudou as fechaduras, sem qualquer autorização ou consentimento da Autora, recusando-se a entregar as chaves e a habitação à Autora.
30 - A Autora esteve impossibilitada de aceder à sua habitação, pertences, documentos e bens, impedida de ali dormir, comer, receber família e amigos.
31 - Durante o período em que esteve privada da sua habitação, teve de recorrer à ajuda de amigos e familiares para a apoiarem, acalmarem e dar-lhe guarida, o que tudo lhe causou vergonha social. 32 – A Autora possui um estabelecimento comercial de cabeleireira, na rua ….
(…)

3.3. DO DIREITO APLICÁVEL

Nos itens XXXII e XXXIII. das suas conclusões, os Apelantes, pressupondo a alteração da decisão da matéria de facto e falta de prova da discutida união de facto, pedem que se declare a inexistência desse estado do casal em apreço e do direito à casa de morada da família prevista no art. 5º, nº 1, da Lei nº 7/2001.
Todavia, em face da manutenção dessa matéria fica prejudicado o conhecimento dessa questão já apreciada pelo Tribunal da primeira instância, para cuja decisão se remete, o que se declara ao abrigo do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.

Não obstante, os Apelantes discutem no item XXXV., das suas conclusões, que exista razão para alargamento do prazo do direito real de habitação, previsto no art. 5º, nº 2, da Lei 7/2001.
De acordo com esse normativo (2) no caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os direitos previstos no número anterior são conferidos por tempo igual ao da duração da união.
Desta norma não resulta que (cf. art. 9º, do Código Civil), como defendem os Recorrentes, que a atribuição desse alargamento esteja de alguma forma dependente da residência na morada em questão durante todo o período da relação conjugal de facto, pelo que carece de sustento esta argumentação.

Assim como não se exclui, como pretendem os Apelantes (item XXXVI.), esse direito por alegada desnecessidade resultante da existência da casa arrendada, mencionada em 25. dos factos provados, dado que o legislador apenas excepciona a existência de casa própria (cf. art. 5º, nº 6º, a mesma Lei), como já ficou claro na decisão impugnada, sendo completamente infundada a invocação do dispositivo do art. 1793º, nº 1, do Código Civil, que prevê o arrendamento de bens em caso de divórcio, pelo que também aqui improcede o alegado.

Carece igualmente de sustento legal a invocação dos interesses dos herdeiros legitimários nesta contenda para aferição desse direito da Autora (item XXXVII.). A única ponderação admitida, em tese, pelo regime do citado art. 5º, será sempre para o alargamento dos prazos estabelecidos nos seus nºs 1 e 2, por motivos de equidade, nos termos previstos no seu nº 4, o que aqui não se verifica.
O direito em causa está claramente definido nos normativos acima citados e, sendo os factos provados subsumíveis a essa clara estipulação legal, só pode constituir um grande equívoco a invocação de algum abuso ou restrição dos direitos de propriedade dos Réus, querendo estes aqui transmutar a sua aversão ao direito legalmente estabelecido em inconsistente oposição à sua concreta e escorreita aplicação.

Os Réus discutem ainda a justeza da condenação do Recorrente J. F. no pagamento de indemnização pecuniária, contestando a natureza desta acção e em suma dando a entender que só depois destra transitar em julgado se constitui a união de facto. E assim, no seu entender, este actuou licitamente porque inexistia união de facto e essa não era reconhecida por si.
Se invertermos estes argumentos, vemos que o que os Apelantes verdadeiramente alegam é que a lei exige que exista uma decisão judicial para que se constitua esse direito e/ou ele exista na esfera jurídica da Autora e, ainda, que o destinatário dessa norma reconheça esse direito!
Ora, em primeiro lugar, convém deixar claro que, ao contrário de defendido pelos Recorrentes, esta não é uma acção de constituição da “união de facto”. O pedido formulado pela Autora no seu item a) visa apenas o reconhecimento desse estado, cuja prova não depende neste caso necessariamente desta lide judicial, tal resulta claro disposto no art. 2º-A (17), da citada Lei, que os Recorrentes fazem por ignorar. Essa prova não é constitutiva do direito, visa apenas demonstrá-lo e esta acção, que é de simples apreciação quanto a esta particular questão, destina-se apenas a declara a existência dessa união de facto (cf. art. 10º, nº 3, al. a), do Código de Processo Civil).
A união de facto é uma situação jurídica que emerge da pragmática constatação de que duas pessoas, independentemente do sexo, vivem em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, nada mais exigindo o disposto no art. 1º da Lei nº 7/2001 para que dessa surjam, na esfera jurídica dos unidos de facto, os direitos e/ou benefícios que a lei lhes confere nesse diploma legal e em outras normas avulsas.

Por outro lado, o regime legal em apreço não exige ou permite que algum terceiro se arvore juiz em causa própria (e a reconheça ou não) para que seja relevante, em violação, além de mais, do disposto no art. 1º, do Código de Processo Civil.
De resto, uma leitura atenta do art. 5º, nº 1, da Lei nº 7/2001, permite concluir que o legislador foi cuidadoso ao ponto de ditar que o unido de facto tem o direito de “permanecer” na casa em questão, retirando assim qualquer dúvida sobre a continuidade desse direito em caso de morte do membro da união de facto proprietário daquela.
Além disso, existem normas gerais, constitucionais e ordinárias, que protegem o domicílio de qualquer cidadão, unido de facto ou não, e a sua vida privada (arts. 26º (18) e 34º (19), da Constituição da República Portuguesa, 70º, do Código Civil, e 190º, do Código Penal), impedindo até aos Tribunais de o invadirem sem mais, como aqui sucedeu.

Como referia Vaz Serra, (20) uma acção é objectivamente antijurídica quando é, em atenção a um resultado ou às circunstâncias em que é praticada (contrariedade aos bons costumes), reprovada pela ordem jurídica. (21)

Na procura da fórmula que veio a verter na letra do actual art. 483º, do Código Civil, entendia esse mesmo doutrinador, referindo-se à violação do direito de outrem que se alguém violar culposamente uma disposição de direito, cuja finalidade é proteger os interesses de outrem, parece razoável que o titular deste interesse tenha um direito de indemnização contra o causador do dano. Tais disposições de protecção são: as disposições penais destinadas à protecção de certos interesses individuais; as disposições de direito privado destinadas à protecção contra as violações dos interesses, as disposições destinadas a proteger a colectividade, a pluralidade dos particulares, o público, mas tendo em vista também a protecção dos particulares pertencentes a este público. (22)
No caso, inexiste para nós dúvida de que a apurada acção do Réu, descrita na sentença em crise, constitui ilícito civil e criminal. Violou pelo menos o direito de habitação estabelecido no art. 5º, da citada Lei nº 7/2001, e o direito à reserva do seu domicílio e vida privada estabelecidos nas normas acima citadas, direitos subjectivos da Recorrida, aqui atendíveis, sendo despiciendo, repete-se, que em processo cautelar se tenha, em função factualidade apurada, chegado a outra conclusão quanto a parte dessa realidade jurídica.
Improcede, por isso, o alegado argumento da inexistência de ilicitude.

De seguida, os Apelantes questionam na mesma decisão, por um lado, a ocorrência de danos morais na esfera jurídica da Autora e, por outro, o montante dos danos fixados.
No que concerne a esse primeiro aspecto, também aqui os Recorrentes fazem por ignorar a sentença em apreço, onde se exarou que os danos apurados emergem essencialmente da inusitada privação do uso da sua habitação, direito consagrado, com já vimos, em normas constitucionais e ordinárias que foram aqui atingidas.
A simples privação dessa habitação, do acesso aos seus pertences, com os reflexos apurados em 29. a 31., numa era em que até se admitem danos psíquicos advenientes da privação do uso de viaturas automóveis, constitui para nós dano não patrimonial, para além da, ainda assim, relevante vergonha social apurada, como bem considerou a sentença impugnada. Trata-se de desvalor que merece claramente a tutela prevista no art. 496º, do Código Civil. Isso independentemente de a Autora não ter reclamado o eventual desvalor patrimonial emergente dessa privação, pelo que deve improceder esta outra argumentação dos Apelantes.

Por fim, no que toca ao valor da indemnização fixada…
A norma em causa, o art. 496º, do Código Civil, estipula que (4) O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; (…).
Em face deste ditame, o julgador tem de considerar nesse juízo de equidade, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, tal como prescreve este última norma.
Tendo em conta a factualidade apurada e atendida pela primeira instância e não esquecendo o efeito punitivo que esta obrigação pecuniária encerra, tal como vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência e está na génese deste instituto (23), o juízo equitativo do Tribunal a quo merecerá reparo por estar aquém do que é devido pela justa e proporcionada compensação dos danos morais em apreço, que contendem com direitos fundamentais, consubstanciam vindicta privada, violando em simultâneo as diversas normas constitucionais e ordinárias acima descritas.

Em face dessas razões de facto e de direito, deve improceder a apelação dos Réus.
Sintetizando:

- A reapreciação da matéria de facto julgada pressupõe o cumprimento dos ditamos previstos no art. 640º, do Código de Processo Civil, sob pena da sua rejeição nos casos aí previstos.
- Importa não esquecer que se mantêm em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
- O instituto da união de facto e os direitos dele emergentes surgem na esfera jurídica dos unidos de facto e merecem protecção e conformidade do comportamento de terceiros, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos previstos no art. 1º, nº 2, da Lei nº 7/2001;
- A sua prova pode ser feita com a flexibilidade permitida pelo art. 2º-A, da mesma Lei, e a acção que vise o seu reconhecimento é se simples apreciação ou declaração e não constitutiva.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes, em partes iguais (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
Guimarães, 15.02.2018


Des. José Flores
Des. Sandra Melo
Des. Heitor Gonçalves


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. Cf. também os Acórdãos do STJ de 7.7.94, Miranda Gusmão, BMJ nº 439, p. 526 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 161, da Relação de Lisboa de 10.2.2004, Ana Grácio, CJ 2004 – I, p. 105, de 4.10.2007, Fernanda Isabel Pereira, de 6.3.2012, Ana Resende, 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl.
5. Cf. nesse sentido o Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.3.3017, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2017:6225.13.1TBBRG.G1. I)As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no artº 615º, do CPC. Nenhuma destas se refere à decisão da matéria de facto naquela contida. II)A possibilidade de anulação da decisão da matéria de facto decorre da alínea c), do nº 2, e da alínea b), do nº 3, do artº 662º, CPC. III) Nenhuma delas respeita a erros de julgamento, sejam da matéria de facto, sejam da de direito. (…) IX) A contradição entre factos declarados provados e/ou declarados não provados e entre factos provados e a decisão de mérito não integra a oposição entre os fundamentos e a decisão estabelecida como causa de nulidade da sentença na alínea c), do nº 1, do artº 615º. Aquela poderia eventualmente suscitar a aplicação da alínea c), do nº 2, do artº 662º. Esta, constitui um caso exemplar de erro de julgamento.
6. Em Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto –In http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf
7. Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.6.2017, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/ac11179ce0357230802581990046e40b?OpenDocument
8. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
9. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
10. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
11. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
12. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273). 24.Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
13. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
14. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
15. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
16. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
17. 1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível. 2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles. (…) 4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido. 5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.
18. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
19. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. 2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.
20. …e aqui devemos considerar na interpretação da norma, em obediência ao disposto no art. 9º, nº 1, do Código Civil.
21. Obra citada, B.M.J. nº 92, p. 43.
22. Obra citada, B.M.J. nº 92, p. 72-73.
23. Cf. Vg. o estudo "A INDEMNIZAÇÃO PUNITIVA E OS CRITÉRIOS PARA A SUA DETERMINAÇÃO", de PAULA MEIRA LOURENÇO, p. 11 e ss., que se pode encontrar em http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/responsabilidadecivil_paulameiralourenco.pdf