Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6750/22.3T8GMR-A.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
DOCUMENTO
FORÇA EXECUTIVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I Os autos só devem prosseguir para produção de prova se estiverem alegados factos essenciais que estejam controvertidos.
II A sentença homologatória da partilha constitui título executivo para a imposição coerciva dos direitos que nela são reconhecidos -art.º 703º, n.º 1, al. a), do C.P.C., devendo ser junto ao requerimento executivo o mapa e a sua homologação.
III A doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas quanto ao modo de exercer a compensação por embargos de executado quanto à exigência de documento, e se este tem de estar dotado de força executiva ou não.
IV A partir do momento em que os créditos se consideram compensáveis, o crédito da executada/embargante extinguiu-se, não sendo devidos juros de mora; derivando da mesma sentença, eles são compensáveis desde a data da sua prolação, logo no caso não há juros, já que, uma vez emitida a declaração de compensação, os seus efeitos retroagem ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (cfr. art.º 854º do C.C.).
V A procedência da oposição à execução apenas pode ter como efeito a extinção (total ou parcial) da execução, pelo que, ainda que o contracrédito invocado através da compensação seja superior ao crédito exequendo, o Tribunal não pode condenar a exequente no seu pagamento.
VI Não incorre em litigância de má fé a exequente que, não obstante saber da pretensão da executada de efetuar acerto de conta com crédito que tem sobre si, e terem alegadamente ocorrido conversações nesse sentido, exerça por via judicial o seu direito, sem menção ao contracrédito.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO (com consulta dos autos executivos via eletrónica).

Na execução a que os presentes estão apensos, intentada por AA contra AA, baseada em decisão judicial condenatória, foi alegado que “De acordo com o mapa de partilhas (que se anexa) homologado por sentença já transitada em julgado a executada ficou obrigada a pagar à exequente, a título de tornas, a quantia de € 5.080,13 já efectuada a devida compensação de € 1.560,32 resultante da inoficiosidade do bem doado.
A exequente reclamou atempadamente nos autos o pagamento dessas tornas.
Contudo, até ao momento, a executada não pagou essas tornas a que estava obrigada.
Assim, deve à exequente o montante de € 5.080,13 acrescido de juros legais contados da data do trânsito em Julgado da decisão e da pertinente sanção pecuniária compulsória.”
Foram juntos a sentença referida, datada de 17/10/2017, e o mapa de partilhas elaborado a 19/9/2017.
*
A executada veio deduzir embargos de executado alegando que (-eliminamos a numeração por artigos, anotando-se apenas quais são os pontos 5 a 11):

“Por sentença de 27-07-2015, transitada em julgado, nos autos de processo de Inventário ...3..., que correu termos na Secção de Competência Genérica da Instância Local ..., a aqui exequente – AA, foi condenada por sonegação de bens.
Em consequência dessa sonegação foi determinada a perda a favor dos demais herdeiros, do direito que a cabeça de casal (aqui exequente) pudesse ter a qualquer parte desses bens e condenada a aqui exequente, cabeça de casal naqueles autos, a relacionar:
- todas as rendas que recebeu desde 10 de Março de 2011, no montante mensal de €125,00 (cento e vinte e cinco euros) mensais até á partilha, que transitou em julgado em 22-11-2017;
- A relacionar o saldo da conta bancária da conta Banco 1... ...00 no montante de €625,00 (seiscentos e vinte e cinco euros
- A relacionar o saldo da conta bancária da conta Banco 1... ...00 no montante de €3033,92 (três mil e trinta e três euros e noventa e dois cêntimos).
- E a sepultura referida no facto provado, da referida sentença.
As supra referidas contas bancárias ficaram adjudicadas á aqui embargante.
Para seu espanto dirigiu-se ás instituições bancárias e as contas tinham saldo €0,00.
A aqui exequente tinha levantado essas quantias (5).
A aqui executada/embargada tentou fazer o encontro de contas com a aqui exequente (6).
Tendo a exequente, concordado nesse encontro de contas e no pagamento das rendas sonegadas á herança logo após a venda do apartamento da exequente, que lhe tinha sido doado pelo seu pai autor da herança, doação esta, também reduzido por inoficiosidade nos referidos autos de processo de inventário (7).
Depois de vários e sucessivos adiamentos, promessas de resolução do assunto, com incidentes e peripécias com a venda do referido apartamento, e, uma constante “guerra das flores” colocadas na campa sonegada, a exequente fazendo de conta que nada devia á executada e restantes herdeiros, vem agora instaurar a presente execução (8).
A exequente bem sabe que ao seu crédito de tornas haverá que descontar as quantias a que foi condenada por sonegação, referentes ás contas bancárias adjudicadas á executada, bem como a quota parte da executada nas rendas que a exequente sonegou á herança desde 10 de Março de 2011 até ao transito em julgado da partilha que ocorreu em 22-11-2017 (9).
Assim, deve a exequente á executada os seguintes montantes:
- €1687,50 (mil seiscentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos) correspondente a 1/6 de todas as rendas que recebeu (sonegou) desde 10 de Março de 2011, no montante mensal de €125,00 (cento e vinte e cinco euros) mensais até á partilha, que transitou em julgado em 22-11-2017, ou seja 81 meses de rendas de €125,00 cada (€10125,00), sendo 1/6 deste montante (€1687,50) a parte da executada;
- €625,00 (seiscentos e vinte e cinco euros) correspondente ao saldo da conta bancária da conta Banco 1... ...00, que sonegou;
- €3033,92 (três mil e trinta e três euros e noventa e dois cêntimos) correspondente ao saldo da conta bancária da conta Banco 1... ...00, que sonegou (10).
A exequente deve á executada a quantia de €5346,42 (cinco mil trezentos e quarenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos) e tem a distinta coragem de recorrer á acção executiva, penhorando saldos bancários da executada por um crédito de € 5080,13 (cinco mil e oitenta euros e treze cêntimos) que sabe que não tem (11).
Assim, se requer a compensação de créditos ao abrigo do disposto no art.º 847º do Código Civil.
A exequente deve ser condenada a pagar á executada a quantia de €266,29 (Duzentos e sessenta e seis euros e vinte e nove cêntimos), acrescidos de juros legais desde o transito em julgado da sentença da partilha que ocorreu em 22-11-2017 até hoje o que perfaz a quantia de €126,21 (cento e vinte e seis euros e vinte e um cêntimos).
Não há qualquer obrigação de pagamento de juros pois o crédito, contemporâneo dos executados, que se pretende compensar é superior.
Caso contrário haveria um enriquecimento ilegítimo por parte da aqui exequente.”
Mais alude à litigância de má fé da exequente em virtude do alegado, e refere que, face ao exposto, não subsiste qualquer razão para se manter a penhora de saldos bancários da executada, pelo que deverá a penhora ser imediatamente levantada.
Conclui pedindo: “…deve a presente oposição à execução ser julgada procedente sendo a executada absolvida do pedido, e, declarar-se que a exequente é devedora á executada da quantia de €392,50, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento, ordenando-se desde já o levantamento de todas as penhoras efectuadas sobre os bens da executada, sendo a exequente condenada como litigante de má-fé por manifesto uso anormal do processo.”
Apresentou prova testemunhal, requereu o depoimento de parte da exequente, e juntou ainda a sentença a que se refere.
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Foi proferido despacho a admitir liminarmente os embargos de executado e a oposição à penhora, e a determinar a notificação da exequente para contestar os embargos.
A exequente/embargada veio dizer que os fundamentos dos embargos não se ajustam aos do art.º 729º do C.P.C.
Alega que cumpriu a sentença que a condenou por sonegação, tendo relacionado o prédio doado, o valor das rendas, os saldos bancários e a sepultura; sem mais incidentes o inventário correu os seus ulteriores termos com a conferência de interessados, o mapa de partilha e a sentença homologatória ora dada à execução; esse mapa de partilha refletiu as consequências da condenação por sonegação de que a exequente foi alvo, designadamente através da perda em benefício dos co-herdeiros do direito que tinha na parte dos bens sonegados. Desse mapa resultou um crédito de tornas da exequente para com a executada, que nunca dele reclamou (do mapa de partilhas) nem posteriormente recorreu (da sentença homologatória). A compensação carece de fundamento legal porquanto parte de alegações que impunha ter provado previamente (vide artigos 5 a 11 da oposição). Apenas a embargada é credora, ao passo que o crédito que a embargante reclama – a existir – não está reconhecido, nem é exigível.
Refere que carece de fundamento a oposição à penhora. E refere ainda que não litiga de má fé, limitando-se a reclamar o que lhe é devido por sentença transitada em julgado.
Pede a improcedência dos embargos.
Apresentou prova testemunhal.
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Foi proferido despacho determinativo da junção, pela embargada, de certidão da relação de bens que juntou após a decisão proferida no processo de inventário nº ...3..., datada de 27.07.2015 e atas das conferências de interessados, o que foi cumprido.
De seguida, o Tribunal informou as partes da intenção de conhecer de mérito no despacho saneador, concedendo às partes prazo para se pronunciarem.
A embargada pronunciou-se, mantendo a sua pretensão de ver os embargos e oposição à penhora julgados improcedentes.
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Foi fixado o valor da causa em € 7.367,44.
Foi proferida decisão a conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos do art.º 595º, n.º 1, al. b), do C.P.C., que, enunciando as questões a conhecer -dos fundamentos da oposição à execução mediante embargos de executado, da compensação, da oposição à penhora, da litigância de má fé – concluiu pela inexistência de má fé da embargada, e julgou os embargos de executado cumulados com oposição à penhora totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução apensa. Mais imputou as custas à embargante.
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Inconformada, a embargante/executada apresentou recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
- CONCLUSÕES –(que se reproduzem)

1- “O Tribunal a quo, em clara violação do princípio do inquisitório, sem qualquer justificação, não inquiriu a testemunha oferecida e arrolada pela executada/embargante à matéria controvertida.
2- Em clara violação do disposto no artigo 410.º do CPC, os embargos apresentados não mereceram qualquer ponderação por parte do Tribunal a quo.
3- Estamos perante a preterição de formalidades, que constituem nulidades processuais, com influência na decisão da causa, as quais desde já se invocam.
4- Assim, o douto Saneador-Sentença violou o preceituado na alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, por omissão de um acto ou formalismo que a lei prescreve, nos termos do artigo 195.º do CPC, porquanto a omissão do acto (inquirição da testemunha arrolada e outras provas que em tempo ainda podia oferecer) influi no exame e decisão da causa.
5- Por outro lado, no douto Saneador-Sentença foi considerado que a factualidade alegada pela embargante/executada era conclusiva, sem o fundamentar.
6- Como se pode ver do alegado nos artigos 2.º; 3.º; 4.º; 5.º; 6.º; 7.º e 8.º nos embargos de executada, consta matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, inclusive para a apreciação da litigância de má-fé da embargada, matéria que constitui alegação de factos extintivos e modificativos da obrigação (alínea g) artigo 729.º CPC), que não foram tidos em consideração.
7- Por outro lado, ao contrário do decidido no douto saneador-sentença, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 4 do artigo 729.º do CPC, a executada pode e deve deduzir a compensação do seu crédito em sede de Embargos à Execução.
8- Porquanto, se trata de um contra crédito sobre a exequente/embargada, decorrente das duas sentenças transitadas em julgado e proferidas no âmbito dos mesmos autos de inventário. 9- Se dúvida alguma subsistisse, como supra referido, aqueles contra créditos já eram certos, líquidos e exigíveis na exacta razão de virem fundados em sentenças.
10- A interpretação restritiva da dedução de embargos de executado, constante do saneador-sentença, é um convite à multiplicação de processos e à sobrecarga dos tribunais, que tanto se pretende evitar.
11- Acresce que o douto saneador-sentença, não fundamenta, nem aprecia e conhece todas as questões que foram suscitadas pela executada/embargante, limitando-se a aderir à posição da exequente/embargada, a qual se limita, também a sustentar, sem fundamentar, que o disposto no artigo 729.º CPC não contempla a compensação de créditos, quando expressamente o prevê.”

Pede a substituição da sentença por decisão que mande prosseguir os autos e a final julgue procedentes, por provados, os embargos à execução.
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Foram apresentadas contra-alegações, terminando com as seguintes
- CONCLUSÕES –(que se reproduzem)

1. A Meritíssima Juíza a quo formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova, mormente no teor das decisões proferidas no processo n.º 313/13.... do Juízo de competência genérica ....
2. A compensação de créditos foi a única questão esgrimida nos embargos de executado. 3. Tratando-se de matéria de direito, a inquirição de testemunhas seria considerada uma inutilidade cuja prática processual está vedada por lei (cfr. artigo 130º do Cód. de Proc. Civil).
4. Para que haja compensação de créditos é necessário que se verifiquem os requisitos contidos do artigo 847º, do Código Civil.
5. In casu, a exigência contida na alínea a) da norma citada – crédito exigível judicialmente – era absolutamente decisiva para a sorte da lide.
6. Sobre a temática que lhe era apresentada para apreciação, o Tribunal recorrido amparou-se na orientação jurisprudencial do STJ que, de forma cristalina, vem referindo que a compensação de créditos só se torna exigível quando o contracrédito está reconhecido judicialmente.  
7. À recorrente estava, pois, vedada a possibilidade de obter esse reconhecimento nos próprios autos de oposição à execução.
8. Ora, da documentação junta aos autos pela apelante não resulta qualquer contracrédito e, muito menos, titulado por documento revestido de força executiva e de valor certo, líquido e exigível.
9. Por essa razão, bem andou a Meritíssima Juíza a quo em julgar improcedentes os embargos de executado, daí não tendo resultado qualquer violação das normas jurídicas mencionadas pela apelante nas suas alegações de recurso.”
Pede que se negue provimento ao recurso e se confirme o saneador sentença.
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O recurso de apelação foi admitido com subida imediata, nos autos e foi-lhe dado efeito suspensivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Mais foi dito: “Veio a recorrente alegar que se verifica a nulidade da sentença por não ter sido inquirida a testemunha arrolada pela embargante.
Consideramos que a decisão recorrida não merece censura.
Os argumentos apresentados pela recorrente não merecem o nosso acolhimento e, em nosso entender, não abalam minimamente as razões expendidas na decisão proferida nos autos, tendo o tribunal apreciado o mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 595º, nº 1, al. b), do CPC, após ter notificado as partes para se pronunciarem.
Assim mantemos a decisão recorrida.”
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se o Tribunal omitiu formalidade que se impunha, incorrendo em nulidade, ao não prosseguir para produção de prova (nomeadamente testemunhal);
-se há matéria controvertida relevante que impusesse o prosseguimento dos autos;
-se a embargante pode suscitar a compensação –se é exigível que esteja munida de documento revestido de força executiva, se estão verificados os requisitos da compensação;
-consequentemente, se deve manter-se a decisão relativa à oposição à penhora, bem como à litigância de má fé, ou se esta questão depende ainda da produção de prova relativa a factos controvertidos relevantes.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria:
“Factos provados
Face aos documentos juntos aos autos e por acordo das partes, com interesse à boa decisão da causa, o tribunal considera provados os seguintes factos provados:
1. Por sentença transitada em julgado em 22.11.2017, no processo nº 313/13...., do Juízo de competência genérica ..., foi homologado a partilha constante do mapa das fls. 292 a 294, nos presentes autos de inventário instaurado para partilha da herança aberta por morte de BB e no qual foi cabeça-de-casal AA. 
2. Consta do mapa de partilhas que a executada AA ficou obrigada a pagar à exequente, a título de tornas, a quantia de € 5.080,13 já efectuada a devida compensação de € 1.560,32 resultante da inoficiosidade do bem doado.
3. Por sentença de 27-07-2015, transitada em julgado, nos autos de processo de Inventário mencionados em 1), a exequente – AA, foi condenada por sonegação de bens.
4. Em consequência dessa sonegação foi determinada a perda a favor dos demais herdeiros, do direito da cabeça de casal (aqui exequente) pudesse ter a qualquer parte desses bens e condenada a aqui exequente, cabeça de casal naqueles autos a relacionar:
5. todas as rendas que recebeu desde 10 de Março de 2011, no montante mensal de €125,00 (cento e vinte e cinco euros) mensais até á partilha, que transitou em julgado em 22-11-2017;
6. A relacionar o saldo da conta bancária da conta Banco 1... ...00 no montante de €625,00 (seiscentos e vinte e cinco euros).
7. A relacionar o saldo da conta bancária da conta Banco 1... ...00 no montante de €3033,92 (três mil e trinta e três euros e noventa e dois cêntimos).
8. E a sepultura.
9. Consta ainda do mapa de partilha que cabe à cabeça de casal AA a quantia de € 1560,32, que recebeu dos donatários AA e CC, atenta a inoficiosidade quanto ao bem doado, recebe de tornas de AA € 6.640,45, sendo que é seu quinhão com o desconto proveniente da sonegação - € 8200,677.
10.Resulta ainda que à interessada AA compete receber, entre o mais, a quantia de € 1560,32 dos donatários AA e CC, sendo que é seu quinhão com acréscimo proveniente da sonegação -€ 992,45.
11.Nos autos de execução em apenso, para pagamento da quantia exequenda, foi efectuada a penhora:
12.Depósito Bancário Conta de depósitos a prazo com a identificação ..., titulada pela executada AA, sediada junto da entidade bancária, Banco 2...., no montante de € 5028,30.
13. Depósito Bancário Conta de depósitos à ordem com a identificação ..., titulada pela executada AA, sediada junto da entidade bancária, Banco 2..., no montante de € 4296,57.
14.Os presentes autos deram entrada em Juízo em 03.03.2023 e a execução apensa em 13.12.2022.
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Factos não provados
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, mais nenhum dos factos alegados.
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Os restantes factos alegados que não se encontram elencados nos factos dados como provados ou não provados, foram considerados pelo tribunal como conclusivos, irrelevantes, que encerram conceitos de direito ou se encontram em contradição com os factos dados como provados.”
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E apresentou a seguinte motivação
“O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem. 
Assim, e para além dos factos que estão assentes por acordo das partes, nos termos do artigo 574º, nº 2, do CPC, a prova produzida relevante reconduziu-se à apreciação da prova documental realizada nos autos.
Desde logo, cumpre salientar que o Tribunal valorou o teor das decisões proferidas no processo identificado nos factos dados como provados –processo n.º 313/13...., do Juízo de competência genérica ....
Valorou-se também o teor do requerimento executivo, a certificação digital do sistema citius, no que concerne à data em que foi intentada a execução apensa e os presentes autos, bem como o processado na acção executiva apensa, no que concerne às penhoras efectuadas.
Finalmente, as respostas negativas relativas aos restantes factos, e para além do que já ficou dito, deveram-se à ausência de prova sobre os mesmos.”
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IV MÉRITO DO RECURSO.

NULIDADE DE DECISÃO.
Os embargos de executado são um enxerto (ação) declarativo, correndo por apenso ao processo de execução.
No que ao nosso caso interessa, terminada a fase dos articulados, aplicam-se aos termos subsequentes do processo as normas do processo comum de declaração –art.º 732º, n.º 2, C.P.C..
Nesta medida, após facultar às partes a discussão de facto e de direito, o juiz pode “Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.” –art.º 595º, n.º 1, b) do C.P.C..
Ultrapassada a fase de pré- saneamento –art.º 590º, n.º 2, do C.P.C.-, e se a matéria de facto relevante para apreciar os fundamentos da ação e da defesa já se encontrar provada por efeito legal de acordo das partes (art.º574º do C.P.C.), dada a força probatória plena de documentos (art.ºs 371º e 376º do C.C.) ou da confissão (art.º 358º do C.C.); ou caso toda matéria controvertida careça de prova documental e seja a parte notificada para proceder à junção da referida prova para conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do art.º 590º, n.º 2, c) do C.P.C., sem que a parte o faça; ou caso a matéria de facto controvertida não seja relevante para a decisão da causa de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito passíveis de apreciação; nesses casos pode ser proferido saneador sentença –cfr. Ac. de 5/5/2022 desta Relação (processo n.º 2322/20.5T8VCT.G1, em www.dgsi.pt, como todos os que se citarão sem outra indicação).
Havendo matéria controvertida relevante para apreciar os fundamentos da ação ou da defesa, deve identificar-se o objeto do litígio e enunciar-se os factos controvertidos relevantes que integram o objeto da prova em audiência (art.º 596º do C.P.C.), e, realizada audiência de julgamento, será proferida sentença final, com fundamentação de facto e de direito (art.ºs 607º a 609º do C.P.C.).
Também pode suceder que a matéria que se possa naquela fase dar por assente seja insuficiente para a apreciação e resolução de todos os pedidos, mas seja o bastante para o conhecimento parcial do mérito. Nesse caso, tendo por orientação o princípio da economia processual, deve ser conhecido parte do objeto, e remetida a restante parte para conhecimento em sede de sentença, percorridos os trâmites seguintes.
Esta matéria deve ser conjugada com outra, dados os termos do presente caso.
De acordo com o princípio do dispositivo que vigora no nosso Código de Processo Civil, incumbe ao autor/requerente alegar os factos que integram a causa de pedir e aos réus/requeridos aqueles em que se baseiam as exceções (forma de oposição), só podendo o julgador fundar a decisão nos factos alegados pelas partes. Em conformidade, dispõe o art.º 5º, n.º 1, do C.P.C. que “ás partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
A nossa lei opta, no art.º 581º do C.P.C., pela teoria da substanciação da causa de pedir, incumbindo ao A. articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, ou seja, a causa de pedir. Assim, esta consiste nos factos (concretos) essenciais que servem de fundamento à ação (art.º 552º, n.º 1, d), C.P.C.).
Esta teoria tem vindo a ser objeto de reflexão face à reforma do nosso Código de Processo Civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, e, numa leitura conforme aos art.ºs 552º, n.º 1, d), 572º, c), 584º, n.º 1, 587º, n.º 1 e 5, n.ºs 1 e 2 do CPC, defende-se agora a chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor –cfr. para maiores desenvolvimentos os Acs. desta Relação de 19/12/2023 relatado por Gonçalo Oliveira Magalhães (processo n.º 7057/18.6T8BRG-A.G1, onde se cita, além de outros o Ac. da Rel. do Porto de 8/3/2022), e de 9/11/2023 (processo n.º 872/20.2T8VNF-H.G1), concretamente a declaração de voto apresentada.
Conforme Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol I, pág 23), não basta a invocação de um direito subjetivo e a formulação da vontade de obter do tribunal determinada forma de tutela jurisdicional, sendo que tão importante como isso, “(…) é a alegação da relação material da qual o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação, a alegação dos factos constitutivos desse direito. Na verdade, a causa de pedir é entendida como o “facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (artº 581º, nº 4), cumprindo ao autor que invoca a titularidade de um direito alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência desse direito”. Assim a causa de pedir, “(…) supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito subjetivo cuja tutela jurisdicional se pretende. A causa de pedir, servindo de suporte ao pedido, é integrada pelos factos (por todos os factos) de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão deduzida (…)” –pág. 24.
Dizem Lopes do Rego (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., págs. 252 e253), Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (“Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 40) que factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam imprescindíveis para a procedência da ação, da reconvenção ou da exceção; factos instrumentais são os que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.
No Ac. desta Rel. de 5/5/2022 (processo n.º 37/11.4TBBGC-J.G1) diz-se que “(…) os factos a provar são os factos essenciais ou principais da causa, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas, que deverão ser alegados pelas partes (cfr. art. 5º/1 do C.P.Civil de 2013), os factos instrumentais e os factos «complementares e concretizadores», desde que resultem da instrução da causa e relativamente aos quais inexiste qualquer vinculação temática [cfr. art. 5º/2a) e b) do C.P.Civil de 2013], tudo sem prejuízo dos casos excepcionais em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principais na causa [cfr. art. 5º/2c) do C.P.Civil de 2013].”
Por último, há que conjugar ainda com a matéria da produção de prova, e em concreto prova testemunhal.
A prova visa o convencimento do juiz sobre a realidade dos factos –art.º 341º do C.C.. Portanto, a prova incide sobre factos, e sobre os factos alegados.
A prova testemunhal vem prevista nos art.ºs 392º e segs. do C.C. ,destacando-se o art.º 396º que diz que a sua força probatória é de livre apreciação.
Por sua vez o art.º 410º do C.P.C. diz que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.”
Também no âmbito da admissibilidade e produção das provas, vigora o princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130 do C.P.C., do qual decorre que não é lícito realizar no processo atos inúteis.
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A nulidade processual decorre da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa –art.º195º, n.º 1, C.P.C., importando a declaração de nulidade dos atos posteriormente praticados –designadamente a nulidade da sentença-e a prática do ato omitido pelo Tribunal recorrido –art.º199º, n.º 1, C.P.C.. Em causa está uma nulidade secundária, invocável pelo interessado nos termos e prazo legais.
Mantém atualidade e pertinência o brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Conforme explicava Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Vol., págs. 507 e 508, “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
Anselmo de Castro (“Direito Processual Civil Declaratório”, III Vol., 1982, pág. 134) afirma que “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.
Vem-se entendendo que a nulidade processual que só é evidenciada pela prolação do despacho, torna a reação da recorrente tempestiva, pois só agora a mesmo soube que o Tribunal não adotou determinada conduta prévia que se impunha. Isto é, estando em causa uma nulidade processual e não uma nulidade do despacho ou sentença (art.º 615º,nº1, al. d) aplicável aos despachos ex vi nº3 do art. 613º do C.P.C.), ocorrida antes de ter sido proferido o despacho (ou sentença), mas que só com a prolação desta é que aquela se evidenciou, tal torna tempestiva a sua arguição em sede de recurso (cfr. art.º199º, n.º1, do C.P.C.).
Vide por todos ao nível das decisões jurisprudenciais, o Ac. da Rel. de Lisboa de 14/7/2020 (processo n.º 574/19.2T8LRS.L1-7).
Admitimos que esta nulidade pode ser invocada como integrando o vício de omissão de pronúncia do art.º615º, n.º 1, d) -cfr. n.º 4 (Ac. do STJ de 13/10/2022, relator Nuno Ataíde das Neves).
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Aplicando ao caso, o que acabamos de expor, e visto conjugadamente, resulta que, em primeiro lugar, teremos de aferir da matéria alegada, depois da matéria desde logo assente, sem necessidade de outra prova, e, por último, se essa matéria assim considerada é suficiente para a prolação de uma decisão de mérito. Ou então, se, pelo contrário, se impunha o prosseguimento dos autos, com a produção de prova que ao caso coubesse, incluindo a testemunhal.
Esta aferição não pode deixar de ser feita perante o disposto no art.º 729º do C.P.C..
De facto, decorre do disposto no art.º 10º, n.º 5, do C.P.C., que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª Edição, na pág. 33), referem que “o título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (n.º 5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art.º 53º, n.º 1).
O objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título (…). É também pelo título que se determina a quantum da prestação.”
Passando então para o título executivo, a execução só pode ter como título um dos que se encontram taxativamente elencados no art.º 703º, n.º 1, do C.P.C..
No seu n.º 1 al. a) consigna-se que à execução (apenas) podem servir de base (a) “As sentenças condenatórias;”.
No caso dos autos, estamos perante um título executivo aí integrável –mapa de partilha homologado por sentença, tendo sido junto ao requerimento executivo o mapa e a sentença. Na verdade, “…o mapa da partilha constitui um documento-síntese que se desdobra em três elementos: enunciação do ativo e do passivo da herança; indicação da quota de cada interessado, tendo por base a forma à partilha anteriormente fixada nos termos do art. 1110º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a); preenchimento dos quinhões de cada interessado com bens ou lotes de bens. Concretiza o que tiver sido decidido ou acordado relativamente aos direitos de cada interessado, com integração não apenas dos ativos patrimoniais, mas também do passivo; corporiza, através de verbas ou de lotes, os bens que a cada um serão atribuídos, de acordo com as avaliações e licitações efetuadas, das dívidas, legados e encargos a considerar e da proporção das quotas de cada interessado” – “Código de Processo Civil Anotado” supra citado, pág. 604. “…a sentença homologatória da partilha transforma os direitos de cada um dos herdeiros sobre o património indiviso em direitos individualizados sobre bens determinados” (págs. 608 e 609). No mesmo sentido quanto à sua consideração como título executivo que deve ser abrangido na al. a), “Código de processo Civil Anotado” de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, agora a págs. 18 e 19 do II Vol..
Veja-se por isso a concretização no mapa do crédito da exequente sobre a executada de € 6.640,45, a que a exequente no requerimento inicial diz subtrair € 1.560,32 resultante da inoficiosidade do bem doado, e calculando juros sobre € 5.080,13 –cfr. pontos 1 e 2 dos pontos assentes.
Conforme Acs. STJ de 23/1/2020 (proc. n.º 798.18.0T8PNF.P1.S1), e de 14/10/2021 (proc. n.º 23723/19.6T8PRT-A.P1.S1), o facto de o processo de inventário prever um procedimento executivo, incidental e simplificado -n.º 2 do art.º 1122º do CPC, na redação da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro (e antes, n.º 3 do art.º 1378º, C.P.C. antigo), não altera a natureza substantiva do crédito de tornas e da correspondente dívida, e não preclude a possibilidade de lançar mão da execução comum nem dos meios de conservação da garantia patrimonial.
Naquele último concluiu-se que  “(…) não sendo o crédito de tornas dos exequentes (como não é) uma dívida da herança, mas, sim e apenas, uma dívida dos executados/embargantes, o recurso à execução comum é perfeitamente admissível para lograrem obter a satisfação do remanescente do seu crédito de tornas, sendo que o facto de já terem feito uso, no processo de inventário, do procedimento especial ínsito no nº 3 do art. 1378º do CPC (então vigente) não consubstancia qualquer alteração da natureza do crédito de tornas e da correspondente dívida”.
No mesmo sentido, podemos ver novamente Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pág. 609): “A partir do trânsito em julgado, os interessados com direito a tornas podem promover a venda de bens que tenham sido adjudicados ao devedor em situação de incumprimento (nº 2), procedimento que, por razões pragmáticas, pode ser enxertado no próprio processo de inventário se o credor assim o requerer, aplicando-se as normas atinentes à venda executiva (art. 549º, nº 2 do CPC), mas que não obstará a que se sigam as regras gerais.”
Também Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres (“O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, pág. 133, com destaque a negrito nosso), dizem que “A sentença homologatória da partilha constitui título executivo para a imposição coerciva dos direitos que nela são reconhecidos (art. 703º, nº 1, al. a)). É certo que, em relação a muito do que nela é decidido, não se verifica a condenação expressa de um interessado, mas isso não impede que se possa considerar que a sentença homologatória, ao reconhecer certos direitos contém uma condenação implícita na sua satisfação.” E mais à frente: “O regime incidental e simplificado, de cobrança de tornas estabelecido no n.º 2 não obsta a que possam seguir-se as regras gerais, podendo o credor de tornas dar à execução, em processo autónomo, a decisão que condenou na dívida de tornas, efectivando, por essa via a responsabilidade patrimonial do devedor, que, naturalmente, não se restringe aos bens adquiridos por via da licitação em excesso.”
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A decisão sob recurso adotou a posição segundo a qual “…a compensação operada em sede de execução de sentença apoia-se necessariamente num documento com força executiva. (...)”.
Nessa tese, bastava para sua análise os factos tidos como assentes, que têm suporte documental e não são controvertidos. Nem a recorrente os questiona.
Ora, na tese do Tribunal recorrido “No caso em apreço, não resulta da documentação junta que a embargada levantou as quantias devidas à embargante, resultando que a mesma relacionou as rendas, depósitos bancários e a sepultura na decorrência da reclamação à relação de bens e da decisão respeitante à sonegação.
Com efeito, na medida em que a embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido de força executiva, não tendo a mesma apresentado documento revestido de força executiva que comprove que a embargada levantou tais quantias.
Deste modo, não é admissível a invocação da compensação no âmbito da presente oposição à execução mediante embargos de executado.”
Ora, para chegar a essa conclusão o Tribunal baseou-se e bastou-se com os factos em que assentou, e que não necessitavam de prova, pelo que não cometeu qualquer nulidade (por omissão da prática de ato) ao não produzir prova, nomeadamente testemunhal, nem violou o princípio ínsito no art.º 410º do C.P.C..
Improcede por isso essa questão recursiva.
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Ponto de vista diverso, é se decidiu bem, ou se decidiu precipitadamente uma vez que, ainda que a sua interpretação dos factos estivesse correta (e veremos que, do nosso ponto de vista, não está), havendo tese diferente quanto àquele requisito para operar a compensação, devia ter prosseguido com os autos para se averiguar/provar da existência do contracrédito alegado. 
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Ora, a questão coloca-se na interpretação das sentenças juntas aos autos.
Antes disso, dá-se nota que efetivamente a doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas quanto à questão da compensação judicial em sede de embargos de executado.
Parece indubitável que pode ser invocada por esta via, face ao disposto no art.º 729º, h), do C.P.C. –clarificação necessária face ao disposto no art.º 266º, n.º 2, c), do mesmo, já que em sede de embargos de executada está vedada a possibilidade de reconvir, dada a sua finalidade meramente extintiva da obrigação exequenda.
Maioritariamente vem entendendo-se que essa possibilidade está condicionada ao facto de o embargante não poder ter tido a oportunidade de a deduzir aquando da dedução da contestação, momento em que, querendo invocar a compensação, teria de deduzir reconvenção, face a uma leitura conjugada com a alínea g) do mesmo artigo –cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3º Vol. da 3ª edição, págs. 463 e 464, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, Vol II, págs. 85 e 86, e Ac. desta Relação de 30/04/2015 (processo n.º 1213/14.3T8CHV-A.G1).
Miguel Teixeira de Sousa (“A problemática da dedução da compensação: breves notas!”, Blog do IPPC de 24/05/2017) diz que é “muito duvidoso que assim deva ser, porque aquela orientação equivale a atribuir uma eficácia preclusiva à omissão da alegação da compensação através da reconvenção, ou seja, equivale a negar qualquer diferença, quanto às consequências preclusivas, entre a reconvenção e a excepção. Convém recordar que o ónus de concentração da defesa na contestação (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC) vale para a defesa por impugnação e para a defesa por excepção, mas não para a reconvenção (que não é defesa, mas contra-ataque).”
Note-se, porém, que a compensação, procedendo, leva à extinção do direito do Autor –art.º 847º, n.º 1, do C.C.. E, em sede de embargos de executado, mesmo que se apure um valor compensatório superior ao crédito do exequente/embargado, a única consequência é a extinção do crédito do exequente (e da execução) e não a condenação do embargado (Ac. S.T.J. de 26/04/2012, processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).
Defensores daquela tese dirão que, visando extinguir o crédito exequendo (tal como o pagamento, por exemplo), não fará sentido que a compensação tenha um tratamento diferente do que tem qualquer outro facto extintivo, alargando-se a possibilidade de prova da compensação às situações em que, na ação declarativa já podia tê-la deduzida e, no entanto, não o fez.
Questão de maior controvérsia, como já adiantamos, é a forma de fazer valer a compensação em embargos: por documento, e, na afirmativa, por documento dotado de força executiva?
A exigência de documento parece ser mais pacífica –cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 21/4/2015 (556/08.0TBPMS-A.C1), mas defendendo que não necessita de estar dotado de força executiva, tal como na doutrina defende Rui Pinto (“A Acão Executiva”, AAFDL, 2018, pág. 423). No mesmo sentido, desta Rel., Ac. de 31/1/2019 (processo n.º 3003/17.2T8VNF-A.G1), este referindo a exigência de documento, e documento com força executiva.
Todavia, Lebre de Freitas (“A Acção Executiva”, págs. 204 e205), defende que a “consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847º CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo”.
No sentido da exigência de documento com força executiva, na doutrina, podemos ver Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro (“Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, vol. II, pág. 250, bem como Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, (“A Acção Executiva Anotada e Comentada”, 2ª ed., pág. 237, 239 e 240).
O STJ tem vindo a defender, maioritariamente, que é de exigir, para além dos requisitos gerais da compensação (matéria a que voltaremos), o documento com força executiva. Nesse sentido vão os Acs. citados pelo Tribunal recorrido; destacamos os Acs. do STJ de 02/06 /2015 (relator Fernandes do Vale), de 14/03/2013 (relator Granja da Fonseca), de 29/03/2007 (relator Oliveira Vasconcelos), de 28/06/2007 (relator Pires da Rosa) e de 14/12/2006 (relator João Moreira Camilo).
Miguel Teixeira de Sousa, no mesmo Blog, post de 22/03/2016, discorda da exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, “atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo”. Acrescenta o citado autor que “a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art 729.º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo”. E conclui aduzindo que, “se a exigência da prova documental que é feita pelo art. 729.º, al. g), CPC é discutível (…), mais discutível é ainda a exigência de que o contracrédito que o executado pretende alegar deva constar de um título executivo”.
Sobre este tema e nesta Relação de Guimarães, destacamos ainda os Acs. de 30/5/2019 (3584/18.3T8GMR-A.G1), de 21/1/2021 (144/09.3TBMCD-A.G1), 11/11/2021 (1615/20.6T8VNF-A.G1) –documento com força executiva (-na Rel. do Porto, podemos ver o Ac. de 10/2/2022, processo n.º 21922/19.0T8PRT-A.P1); de 2/6/2022 (3892/20.3T8VNF-A.G1) –documento, não necessariamente com força executiva; e o recente Ac. de 7/12/2023 (processo n.º 1689/23.8T8VNF-A.G1), que citamos em itálico, dada a extensão da mesma citação), no sentido da “...consideração da desnecessidade do contracrédito se encontrar suportado por título com força executiva. Por outro lado, a lei também não exige para efeitos de oposição à execução, que o facto do qual resulta o crédito a compensar seja “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração” como exige na alínea g) do citado art.º 729º do Código de Processo Civil, quando se alude a “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação”.” Este Ac. destaca haver “…jurisprudência mais recente, sobretudo do Supremo Tribunal, numa visão mais atualista” nesse sentido. E cita “…acórdão do STJ de 24/05/2022, que a exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente, do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante e preenche os demais requisitos legais, sendo exigível, não procedendo contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material”.
Pode ler-se no acórdão do STJ de 10/11/2022[ii] que esta nova norma, aditada já na parte terminal do processo legislativo que levou à aprovação de um novo Código, não só teve a virtude de esclarecer que a compensação não deixava de poder ser invocada nos embargos de executado como meio de defesa da pretensão executiva, como, ao fazê-lo, sem quaisquer restrições ou condicionantes, tomou posição na anterior problemática suscitada sobre a necessidade do contracrédito se encontrar suportado por título com força executiva.
E acrescenta-se que “não só a exigibilidade judicial do contracrédito, referida no artigo 847.º, n.º 1, a), do Código Civil, não se confunde com o seu reconhecimento judicial, como a sua invocação como meio de defesa apenas tem como finalidade fazer vingar um facto extintivo do crédito exequendo e não executar esse contracrédito, pelo que não valem aqui argumentos de igualdade de armas das partes. E razões de celeridade não se podem sobrepor à admissão de direitos de defesa”.
Para aí se concluir que “esta opção encontra-se agora bem expressa na lei, não tendo justificação, no domínio do direito constituído, prolongar a polémica que ocorria no âmbito do Código de Processo Civil de 1961”.

Por último destacamos o recente Ac. do STJ de 12/12/2023 (3255/18.0T8VNG-B.P1.S1, relatado por Ana Resende, que destacamos igualmente em itálico), em cujo sumário se resumiu: “I- A compensação efetiva-se através da declaração de uma das partes, à outra, operando a extinção da obrigação no momento em que os créditos se tornarem compensáveis.
II- Exige-se para que se possa concretizar, a verificação cumulativa de o crédito do declarante sera exigível judicialmente e que não proceda contra ele exceção de direito, perentória ou dilatória, de direito material, no entendimento que a verificação de tal requisito depende de no momento em que o declarante pretende operar a compensação, esteja em condições de opor ao devedor a realização coativa do seu crédito, bem como terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
III- A compensação não opera sem a declaração de uma das partes à outra, pelo que o exercício de tal direito, enquanto direito potestativo, deverá depender da situação de compensação, isto é, o momento em que se mostra verificada a situação ou condição de compensabilidade, na verificação dos respetivos pressupostos de direito.
IV- A exigibilidade judicial não significa a necessidade de um prévio reconhecimento judicial, mas apenas que esse crédito esteja em condições de ser judicialmente reconhecido por ação de cumprimento e execução.
V- Se o réu estiver em condições de invocar o crédito a que se arroga sobre o autor no momento da contestação, deve deduzir pedido reconvencional, desse modo assegurando a respetiva apreciação e reconhecimento, e assim o efeito compensatório, sob pena de apenas o fazer em ação declarativa autónoma.
VI- Não tendo o réu adotado tal conduta, na procedência da ação com a sua condenação, fica inviabilizado que em sede de embargos de executado o possa fazer.
VII- Caso o contracrédito apenas se constituir ou poder ser invocado após o oferecimento da contestação da ação que produz o título executivo, então, conforme resulta da alínea h) do art.º 729, do CPC. pode constituir fundamento de embargos, nos termos em que poderia ter sido invocado na ação declarativa, com o reconhecimento do crédito e os decorrentes efeitos, compensatórios, e apenas estes.
VIII- Neste âmbito, carece de sentido pretender que o crédito que possa ser invocado na petição de embargos deva constar de documento com força executiva, porquanto apenas se pretende por fim à execução e não obter qualquer outro desiderato.”
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Como se vê, a decisão recorrida optou pela tese da exigência de documento com força executiva, e argumenta que não resulta de documento que a embargada levantou as quantias devidas à embargante, pelo que não pode proceder a compensação.
Sucede que, como já anunciamos, trata-se de uma leitura não conforme com os documentos juntos e com os factos.
Da conjugação das duas sentenças juntas aos autos resulta que:
-a sonegação foi sancionada com a perda a favor dos demais herdeiros, do direito que a cabeça de casal (aqui exequente) pudesse ter a qualquer parte desses bens, a saber, rendas e sepultura (cfr. a leitura da sentença mencionada no ponto 4 dos factos), que conforme relação de bens junta por certidão aos autos constituíam as verbas 5 e 6; no mapa refere-se que o seu direito relativo a essas verbas acresceu aos quinhões dos outros herdeiros e diminui na proporção do valor ao quinhão da sonegada;
-foi determinado, além do mais, que o valor das rendas e os saldos da conta D.O. Caderneta ...00 da Banco 1... correspondente a € 625,44, bem como da conta D.O. Caderneta ...00 da Banco 1..., correspondente a € 3.033,92, fossem relacionados;
-1/6 das rendas e esses saldos foram adjudicados à embargante, como resulta do mapa de partilhas homologado por sentença, em conjugação com a relação de bens, face à leitura integral das peças mencionadas em 2 e 4.
Assim sendo, a embargante tem título executivo para exigir da embargada (exequente) a entrega dos valores relativos ao saldo das contas em causa e 1/6 das rendas. O título é precisamente o mesmo -mapa de partilha conjugado com a sentença que o homologa (tal como é título para a execução movida).
A exigibilidade do crédito, a possibilidade de ser executado, resulta desse título. Veja-se em situação parecida o decidido no Ac. da Rel. de Évora de 11/5/2023 (processo n.º 47/20.0T8NIS.E1).
Se as contas estavam a zero, ou se os valores foram já considerados no mapa, como alega a embargada, é matéria que respeita à prova do crédito (sem prejuízo dos ónus alegatórios e probatórios), não do seu reconhecimento e exigibilidade judicial. O crédito é certo, líquido e exigível.
Desde já excluímos aqui a hipótese da sua consideração constar do mapa. Da sua leitura o que resulta é que foi subtraído ao quinhão da exequente a sua participação naqueles bens sonegados; tal como foi tida em conta a inoficiosidade do legado. Mas isso não interfere com aqueles valores que ficaram adjudicados à embargante/recorrente.
Mais verifica-se que, quanto ao artigo 4 da p.i de embargos (a embargante dirigiu-se às instituições bancárias e as contas tinham saldo €0,00), o mesmo não foi impugnado especificamente pela embargada que diz “apenas” que vão impugnados os factos vertidos nos artigos 5, 6, 7, 10 e 13º da petição de embargos. Também não resulta a sua oposição com a sua defesa (cfr. art.º 574º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), tão pouco com o requerimento executivo (cfr. art.º 732º, n.º 3, do mesmo). A ambígua expressão que refere na sua peça quanto ao crédito (“a existir”) não pode ter esse significado, já que não é um facto relativamente ao qual possa alegar ignorância –cfr. art.º 574º, n.º 3, do C.P.C..
Assim este facto, que a recorrente pretende ver sujeito a prova, não necessita da mesma, dado que está assente por falta de impugnação, embora não coubesse à embargante a sua alegação, não sendo elementos estruturante da sua tese, como melhor veremos.
Aos factos assentes deve pois acrescentar-se “As contas tinham saldo €0,00”. –art.ºs 607º, n.º 4, ex vi 663º, n.º 2, C.P.C..
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Por isso, e a conclusão que desde já se impõe, quer se exija ou não, para exercer o direito à compensação em sede de embargos de executado, que a embargante esteja munida de documento com força executiva, o certo é que no caso existe tal documento.

Para que a compensação possa ser invocada exige o art.º 847º do C.C.:
“1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”
Segundo o Prof. Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, volume II, 5.ª edição, págs. 198 a 206, negrito nosso), são quatro os pressupostos que emergem do preceito: a) a reciprocidade de créditos; b) a validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito; c) a fungibilidade do objecto das obrigações; d) a existência e validade do crédito principal.
A embargante tem a seu favor todos estes requisitos, tendo na sua peça alegado os respetivos pressupostos, cumprindo os princípios supra expressos quanto aos ónus de alegação. Cabia à embargada a alegação de exceções perentórias ou dilatórias que pudessem colocar em causa aqueles pressupostos.
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Nessa medida, importam à decisão a proferir os factos alegados e assentes, sendo suficientes para a decisão relativa à compensação.
Os artigos 2 e 3 da petição de embargos estão assentes, resultando das peças processuais juntas aos autos. O 4 está assente.
Assentes esses factos, e não procedendo contra o contracrédito qualquer exceção perentória (pagamento, prescrição), ou dilatória, que não foi alegada pela embargada, nada impede a compensação. Abrindo-se com os embargos de executado uma fase declarativa, e embora não se tratando de uma ação declarativa pura, não se alteram as regras da distribuição dos ónus de alegação e prova.
Por isso, não cabe à embargante provar que foi a exequente que levantou os depósitos, ou que não entregou a parte das rendas devidas.
De facto, a exequente é cabeça de casal da herança e foi condenada a relacionar determinadas verbas. Cabe-lhe também a administração da herança –art.º 2079º do C.C.. Perante a herdeira/embargante é responsável pela entrega dos bens que lhe couberam em partilha.
Por isso, não importa saber se “-5-A aqui exequente tinha levantado essas quantias”.
Há já uma restrição a fazer ao pretendido pela embargante: apesar de resultar do doc./certidão junto em 15/12/2022 que a sentença homologatória da partilha transitou em 22/11/2017, o valor reconhecido à mesma a título de rendas vencidas é de € 1.458,33 (o mapa é de setembro), e em lado algum é referido o valor de rendas vincendas (nem a embargante alega qualquer facto a tal respeitante). A sentença que a embargante junta também nada diz a esse respeito, apenas condena a relacionar o valor de todas as rendas relativas ao mesmo por si recebidas desde 10/03/2011.
Em suma, os autos contêm já todos os elementos necessários à apreciação e à procedência, com aquela restrição, da pretensão da embargante relativa à execução propriamente dita.
A partir do momento em que os créditos se consideram compensáveis, o crédito da executada/embargante extinguiu-se, não sendo devidos juros de mora. Eles são compensáveis desde a data da prolação da sentença homologatória do mapa, logo no caso não há juros. De facto, uma vez emitida a declaração (aqui feita pelo menos no momento em que é apresentada a p.i. de embargos; a declaração judicial pode assumir esta forma), os seus efeitos retroagem ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (cfr. art.º 854º do C.C.; veja-se o Ac. desta Relação de 3/12/2020, processo n.º 2470/14.0T8VNF-A.G1.
Ficamos por isso com o valor creditório de € 5.117,25 (valor das rendas deduzido no valor de € 229,17, ou seja, 1.687,50 pedidos – 1.458,33 devidos).
Quanto à consequência a operar, deixamos aqui expressas as palavras do Ac. do STJ de 26/4/2012 (processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) novamente citado em itálico para melhor alcance da extensão da citação), que embora sobre outra temática (que originou um voto de vencido), no que ao caso interesse é claro e elucidativo. E diz: “É sabido que, embora enxertada numa acção executiva, a oposição à execução se traduz numa “acção” declaratória (cfr. artigo 817º, nº 2, do Código de Processo Civil) que tem por objectivo, no caso de o executado querer pôr em causa o direito de crédito invocado pelo exequente, a declaração da sua não existência, através da invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, com a amplitude de que disporia se estivesse a defender-se numa acção declarativa (se a execução se não basear em sentença, naturalmente, como aqui sucedeu).
Mas é igualmente sabido que, no contexto da execução, a oposição desempenha a função de contestação (atente-se, por exemplo, nos efeitos que a lei atribui à falta de oposição, no nº 3 do citado artigo 817º).
Independentemente de saber qual a melhor caracterização para a oposição de mérito, e da maior ou menor aproximação a uma acção de declaração negativa do direito cuja constituição o título executivo prova, certo é que esta função da oposição limita o âmbito de actuação do executado/oponente, não possibilitando o exercício de direitos que extravasem o objectivo de extinção, total ou parcial, da execução, e que pressuporiam que, em processo executivo, a oposição pudesse desempenhar a função de reconvenção.
Ora, está entre nós assente que a reconvenção não é admissível em processo executivo; caracterizando-se por conter um pedido autónomo dirigido contra o autor (nº 1 do artigo 274º do Código de Processo Civil), a sua admissibilidade não é compatível com a função da oposição à execução.
A procedência da oposição apenas pode ter como efeito a extinção (total ou parcial) da execução. Assim o declara expressamente, aliás, o nº 4 do artigo 817º do Código de Processo Civil, acrescentado pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 21 de Agosto.
7. Sabe-se também que não é consensual a resposta à questão de determinar qual a via processual adequada à oposição, pelo réu de uma acção declarativa, da compensação de créditos. E sabe-se igualmente que se pode questionar se, não cabendo reconvenção nas acções executivas, a oposição à execução permitida pela al. g) do nº 1 do artigo 814º do Código de Processo Civil (aplicável também às execuções baseadas em títulos que não sejam sentenças, nos termos do artigo 816º) inclui a eventualidade de o executado invocar a compensação de créditos (em sentido negativo, cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Julho de 2006, www.dgsi.pt: “A invocação da compensação pelo réu pressupõe a sua titularidade de uma relação jurídica diversa da invocada pelo autor, pelo que, em qualquer caso, só pode ser implementada por via de reconvenção. Como nos embargos de executado não era facultado aos embargantes formular pedido reconvencional, também neles não lhes era legalmente admissível a invocação da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório apenas susceptível de ser relevantemente afirmado em acção declarativa propriamente dita”).
Seja qual for o entendimento adoptado, a verdade é que, no caso, o tribunal da execução admitiu a compensação como fundamento de oposição e julgou o crédito exequendo extinto por compensação com o crédito reconhecido ao oponente, aliás superior àquele (como o tribunal expressamente declarou).
Ora, da função da oposição à execução resulta, sem qualquer dúvida, que, se o oponente opuser a compensação invocando um contra-crédito de valor superior ao crédito do exequente, não pode pedir ao tribunal da execução, nem que condene o exequente no pagamento da diferença que se verificar a seu favor, nem, tão pouco, que declare (como se de uma acção de simples apreciação se tratasse) a existência da dívida na totalidade, ou no excesso; recorde-se que, no caso, os agora recorrentes, então oponentes, não pediram, nem uma coisa, nem outra, limitando-se a pedir que se “julgue procedente a presente oposição determinando, em consequência, a extinção da oposição” (cfr. cópia da oposição à execução, a fls. 133).”
No caso temos: crédito exequendo de € 5.080,13; contracrédito de € 5.117,25. O efeito da compensação, no caso, é a extinção da execução.
Em suma, o efeito do reconhecimento do contracrédito é a extinção da execução; excede o âmbito da oposição à execução a pretendida declaração de que a exequente é devedora de determinada quantia à executada (excesso, no caso, contabilizado pela embargante em €392,50, acrescidos dos juros vincendos até integral pagamento). Apenas nessa medida procedem os embargos.
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A oposição à penhora deve, em conformidade, ser apreciada; ficou prejudicada na decisão sob recurso, mas, face à alteração do decidido, cumpre-nos apreciar conforme art.º 665º, n.º 2, C.P.C..
A penhora, destinando-se ao pagamento do crédito exequendo e julgando-se este extinto por compensação (e procedentes os embargos), perde fundamento a sua subsistência. Como tal, deve ser levantada.
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Vejamos estas conclusões, face às pretensões recursórias.
Pensamos que, não obstante a recorrente pedir o prosseguimento dos autos para apreciação da compensação e da litigância de má fé, nada impede que este Tribunal decida já as questões, não se suscitando a necessidade de analisar mais matéria para o efeito, como veremos agora também no que respeita à litigância de má fé.
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Quanto aos factos alegados nos artigos 6 e 7 (sendo o 8 conclusivo) poderiam, então, importar para apreciação da litigância de má fé. Ou seja, resta saber se releva para tal efeito que: “-6- A aqui executada/embargada tentou fazer o encontro de contas com a aqui exequente. -7- Tendo a exequente, concordado nesse encontro de contas e no pagamento das rendas sonegadas á herança logo após a venda do apartamento da exequente, que lhe tinha sido doado pelo seu pai autor da herança, doação esta, também reduzido por inoficiosidade nos referidos autos de processo de inventário.”
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A pergunta que fazemos é se há justificação para prosseguir com os autos, produzindo-se prova, para aferição do alegado em 6 e 7 dos embargos e para eventual condenação da exequente como litigante de má fé.
Adiantamos já que também não se nos afigura correta uma resposta positiva.
Entendemos que não haveria (nem há) fundamento para uma condenação em litigância de má fé, por não se destacar uma conduta processual por parte da exequente violadora da boa fé e lisura processuais, ainda que se demonstrasse o alegado. 
Do art.º 542º do C.P.C. retira-se que é sancionável a título de má-fé, não só a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro. Na verdade, a litigância de má-fé só é censurável se, na dedução da sua pretensão, as partes não ignoravam a falta de fundamento dos factos alegados.
Exige-se que “as partes ajam com probidade processual nas ações por si propostas ou contestadas, ou seja, não devem fazer “um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” – cfr. artº 542º nº2 al. d) do CPC. Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, de acordo com o artº 542º nº2 do CPC. Com efeito, o dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artºs 7º e 8º do CPC para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respetivas partes. Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé. Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo. E esta atuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do atuante (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259 e Ac. TRL de 09.01.97, Col. Jur., Ano XXII, Tomo I, pág. 88).” –cfr. Ac. desta Relação de 5/2/2019 (dgsi.pt).
Igualmente diz-se no Ac. da Rel. de Coimbra de 28/5/2019 (dgsi.pt) que “Vem hoje constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do art.º542º do nCPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daí que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé. Donde que, como constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (…)”.
A exequente não exerceu direito que não tinha. Nem tinha de abordar a questão do contracrédito.
Nesta situação estamos perante o exercício legítimo da opção de compensação, por parte da executada. O facto da exequente saber dessa pretensão, e terem alegadamente ocorrido conversações no sentido do acerto de contas, e ainda que aparentemente no bom sentido, não invalida que a exequente considerasse frustrada a via extrajudicial (ou simplesmente não lhe conviesse), e qualquer das partes pudesse exercer por via judicial os seus direitos. O acesso ao direito consagrado constitucionalmente não pode ser coartado por via desse argumento.
Daí que não se possa concluir pela verificação de qualquer das condutas elencadas.
Assim sendo, foi bem julgada e não necessita de maior indagação a apreciação da imputada litigância de má fé.
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Resulta da regra enunciada no art.º 527º, n.º 1, do C.P.C., que a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. De acordo com o n.º 2 dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso deste recurso, a recorrente/embargante acaba por ver extinta a execução, pelo que retira proveito total, sendo a exequente/embargada vencida, pelo que será a responsável pelas custas.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, concedem provimento parcial à apelação, considerando extinto o crédito exequendo, por efeito de compensação, procedendo nessa medida os embargos de executado e julgando-se extinta a execução. Consequentemente, levantam-se as penhoras realizadas. No mais (litigância de má fé), mantém-se o decidido.
Custas a cargo da recorrida (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
Guimarães, 29 de fevereiro de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Rosália Cunha
2º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas