Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
371/17.0T9GMR-C.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: DESPESAS DE DESLOCAÇÃO DE MANDATÁRIOS
CUSTAS DE PARTE
ARTIGO 16º DO R.C.P.
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1) Apesar de genericamente previstas no C.P.C., as custas de parte só vêm concretamente previstas e definidas no R.C.P.
2) O art.º 16º R.C.P. estabelece uma tipicidade taxativa dos encargos, enquanto componentes das custas judiciais e das custas de parte.
3) Aí não vindo previstas as despesas de deslocação de mandatários ao Tribunal, sequer para audiências de julgamento, não podem tais despesas integrar-se no conceito de custas de parte e, por isso, ser ressarcidas pela parte vencida.
4) As custas de parte não visam assegurar a gratuitidade da justiça para a parte vencedora, mas apenas compensá-la de alguns gastos com a ação.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por despacho dado nos autos principais, foi proferida decisão relativamente ao arguido AA e quanto a nota de custas de parte por si reclamada e apresentada pelas assistentes/demandantes “C...” e BB, nos seguintes termos:

- foi dada procedência parcial à reclamação da nota de custas de parte, julgando-se por via disso:
- ser tempestiva a nota de custas de parte apresentada;
- serem devidas as taxas pagas pelos assistentes/demandantes da responsabilidade do arguido/demandado, levando-se em conta o vencimento quanto aos pedidos de indemnização civis;
- não serem devidas as quantias reclamadas a título de deslocações.

É apenas esta decisão que está sob recurso, uma vez que não foram admitidos os recursos, quanto à decisão que incidiu sobre as reclamações às custas de parte, apresentadas por CC e DD – fls. 167.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpuseram recurso os assistentes/demandantes “C...” e BB, peça que sintetizaram nas seguintes conclusões e pedidos:

1. Vêm as Assistentes/Demandantes, ora Recorrentes, apresentar recurso do despacho que decidiu quanto às reclamações das notas justificativas e discriminativas de custas  de parte apresentadas pelos Arguidos/Demandados, nos termos do artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP.
2. Tendo em consideração que o referido preceito legal do RCP estabelece que “da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC”, o presente recurso é admissível, na medida em que as quantias peticionadas aos Arguidos/Demandados totalizam em € 9.033,72 (nove mil e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos).
3. Caso se entenda que o despacho ora em crise é recorrível apenas na parte em que decide sobre a reclamação da nota apresentada pelo Arguido/Demandado AA, visto que o valor da referida nota é superior a 50 UC, e que o recurso deve ser rejeitado na parte atinente à decisão sobre a reclamação da nota apresentada pelos Arguidos/Demandados DD e CC– o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder – deverão V. Exas. apreciar o presente recurso por referência àquela primeira decisão.
4. Em sede de recurso, a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães condenou o Arguido/Demandado AA a pagar à Recorrente C..., S.A. o valor de € 3.112,58 a título de indemnização por danos patrimoniais, tendo sido ainda condenado a pagar à Recorrente BB o valor de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
5. Os Arguidos/Demandados DD e CC foram condenados a pagar à Recorrente BB, cada um, o valor de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
6. A Recorrente C..., S.A. não teve decaimento com o recurso.
7. Já assim não aconteceu com a Recorrente BB: pois, no que respeita aos Arguidos/Demandados DD e CC, o decaimento foi de 50%, e quanto ao Arguido/Demandado AA, o decaimento foi de 60%.
8. As Recorrentes apresentaram as notas discriminativas e justificativas de custas de parte em conformidade, reclamando, entre outras, as quantias despendidas pelos seus mandatários em deslocações à cidade ... para as sessões de audiência de discussão e julgamento, perfazendo o valor total de € 1.983,30 – cf. artigos 25.º, n.º 2, alínea c) e 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP.
9. Na sequência de reclamação dessas notas pelos Arguidos/Demandados, o Tribunal a quo deu-lhes razão, ao considerar que não são ressarcíveis os custos incorridos pelos mandatários das Recorrentes em deslocações por causa do processo, uma vez que tais custos não cabem no conceito de “encargos” constante do artigo 26.º, n.º 3, alínea b) do RCP.
10. Foi o seguinte o entendimento do Tribunal a quo: “Já as restantes quantias reclamadas (de deslocações) não são devidas, já que não encontram sustento legal, nomeadamente no que dispõe o art. 16.º do Regulamento das Custas Processuais que define o que se entende por “encargos” nos termos e para os efeitos das custas de parte. Com efeito, as deslocações previstas na norma não podem abranger as deslocações efectuadas pelos advogados, mas apenas aquelas que se fizerem a partir do tribunal pelos intervenientes (como sendo inspecções ao local). A não ser assim e usando o argumento dos assistentes, o que os impediria de mandatar advogado residente nos ...?” [Destaques e sublinhados nossos].
11. Consideram as Recorrentes que tal entendimento não pode proceder, porquanto as quantias despendidas com as deslocações de mandatários cabem, efetivamente, no conceito de “encargos” nos termos e para os efeitos do artigo 16.º do RCP, ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo.
12. Assim, vêm as Recorrentes impugnar a decisão proferida quanto à matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo violou as disposições previstas nos artigos 16.º, n.º 1, alínea i), 25.º, n.º 2, alínea c) e 26.º, n.º 3, alínea b), todos do RCP e artigos 529.º, n.º 4 e 533.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
13. O princípio da gratuitidade da justiça para a parte vencedora, consagrado constitucionalmente enquanto corolário da garantia de acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva – cf. artigo 20.º da CRP – impõe que não se cause prejuízo ao litigante que tem razão; por outro lado, impõe que os custos com o processo sejam suportados por quem deu causa à ação, portanto, numa lógica de causalidade – cf. neste sentido Acórdão do TC n.º 2/2015, de 13.1.2015, disponível em tribunalconstitucional.pt, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.01.2021, processo n.º 154/17.7T8VRL.G2, relatora Maria João Matos, disponível em dgsi.pt.
14. Nos termos do preceituado nos artigos 529.º, n.º 4 e 533.º, n.º 2, alínea b) do CPC, e bem assim nos artigos 25.º, n.º 2 alínea c) e 26.º, n.º 3, alínea b) do RCP, não se depreende, seja na letra seja no espírito da lei, que o conceito de “encargos” suportados pela parte (sublinhe-se) exclua aqueles que resultam de deslocações de mandatário.
15. Forçoso é concluir que o legislador tinha o intuito de não permitir que a parte vencedora saísse lesada na sequência de uma ação judicial a que não deu causa; outro entendimento não faz sentido, à luz da garantia de acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
16. Nos presentes autos estão em causa crimes de difamação e um crime de dano, dos quais resultaram, por um lado, danos morais para a Recorrente BB, e por outro, danos patrimoniais para a C..., S.A., devido a equipamento de filmagem que ficou danificado.
17. Deste modo, não restam dúvidas de que as Recorrentes apenas tiveram de despender todos os montantes devidamente discriminados nas notas de custas enviadas por causa dos presentes autos, que tiveram origem única e exclusivamente nas supra referidas condutas ilícitas dos Arguidos/Demandados.
18. As despesas de deslocação com mandatário são despesas que devem ser consideradas como encargos despendidos com o processo, isto é, despesas que os Recorrentes inevitavelmente tiveram que suportar, caso contrário não poderiam ter comparecido nas diligências agendadas.
19. Neste sentido, podemos definir encargos como as despesas resultantes da condução do processo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa, conforme o prevê o artigo 529.º, n.º 3, do CPC.
20. Tais despesas de deslocação têm assento na letra da lei, mais precisamente, na alínea i), do n.º 1, do artigo 16.º, do RCP, que define como encargo, as despesas de transporte e ajudas de custo para as diligências afetas ao processo em causa.
21. Tendo a mandatária das Recorrentes domicílio profissional em ..., as suas deslocações a ... a fim de estar presente nas diligências que foram agendadas deverá ser entendida como uma despesa indispensável resultante da condução do processo, essencial face à obrigatoriedade de as Recorrentes estarem representadas por mandatário e, por isso, um encargo que, estando devidamente documentado, deverá ser agora suportado pela parte vencida, os Recorridos.
22. Estão em causa despesas que as Recorrentes inevitavelmente tiveram que suportar, caso contrário não poderiam os seus mandatários ter comparecido nas diligências agendadas.
23. Diga-se ainda que não colhe o argumento dos Arguidos/Demandados, sufragado pelo Tribunal a quo, “o que impediria [as ora Recorrentes] de mandatar advogado residente nos ...?”, já que a livre escolha de advogado é também ela uma garantia constitucional e legal – cf. artigo 67.º, n.º 2 do EOA e artigo 6.º, n.º 3 alínea c) da CEDH.
24. De facto, está ínsita na lei a ideia fundamental de que esta escolha livre e pessoal de advogado é garantida em qualquer circunstância, em termos de só poder ser restringida quando interesses juridicamente atendíveis estejam em conflito com tal escolha, numa lógica de proporcionalidade.
25. Salvo o devido respeito, não parece às Recorrentes que os Arguidos/Demandados tenham um interesse juridicamente atendível quando opinam serem “excessivas” – porque no fundo é disso que se trata, convenha-se – as quantias pagas a título de deslocações de mandatários das Recorrentes.
26. Esta circunstância não importa a restrição da livre escolha de mandatários das Recorrentes, e isto pela razão muito simples de terem sido os Arguidos/Demandados a dar causa a todas as despesas em que as Recorrentes incorreram por causa dos presentes autos.
27. Pelo exposto, devem os Recorridos ser condenados no pagamento da quantia de € 1.983,30, na proporção do decaimento das Recorrentes, quantia esta que corresponde às despesas em que incorreram as Recorrentes por causa das deslocações de seus mandatários para as audiências de julgamento neste processo, e que foram devidamente peticionadas nas notas de custas de parte.
28. É de concluir que a decisão recorrida faz uma errada e não fundamentada aplicação do Direito, violando o disposto nos artigos 16.º, n.º 1, alínea i), 25.º, n.º 2, alínea c) e 26.º, n.º 3, alínea b), todos do RCP e artigos 529.º, n.º 4 e 533.º, n.º 2, alínea b), do CPC, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que procedendo a uma correta aplicação do Direito, condene os Recorridos ao pagamento do valor despendido pelas Recorrentes a título de despesas de deslocação de mandatário.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se a
revogação do despacho recorrido, com a Ref. CITIUS ...11 de 11.07.2022, e a sua substituição por outra que ordene aos Arguidos/Demandados o ressarcimento às Recorrentes das quantias peticionadas em sede de nota de custas parte e atinentes às deslocações de seus mandatários por causa dos presentes autos, no montante de € 1.983,30, na proporção do decaimento das Recorrentes.
Assim procedendo, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!

Nos termos do disposto no artigo 646.º do CPC requer-se a passagem de certidão das seguintes peças processuais:

a) Notas justificativas e discriminativas de custas de parte, Ref. CITIUS ...70 de 23.05.2022;
b) Documentos comprovativos dos encargos incorridos pelas Recorrentes por conta dos presentes autos com deslocações de mandatários, Ref. CITIUS ...09 de 02.06.2022;
c) Reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos Arguidos/Demandados DD e CC, Ref. CITIUS ...50 de 06.06.2022;
d) Reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelo Arguido/Demandado AA, Ref. CITIUS ...10, de 08.06.2022;
e) Decisão recorrida, Ref. CITIUS ...11, de 11.07.2022.”

Contra-alegou o arguido/demandado AA, ainda em 1ª instância. Considera que as despesas suportadas pelo sujeito processual com as despesas de deslocação não se enquadram no conceito de encargos, que podem ser pedidos como custas de parte – arts.º 26º/3, b) e 16º R.C.P. Que os encargos vêm taxativamente previstos no art.º 16º R.C.P. e que neste dispositivo não se prevêem como encargos, as despesas suportadas pelo sujeito processual, com as deslocações do seu Advogado. Entende pois, que o recurso deve ser considerado totalmente improcedente, devendo ser confirmada a decisão recorrida.

O Dignm.º Procurador Geral Adjunto entendeu não dever emitir parecer, por não estar em causa no recurso matéria criminal.
Por não haver parecer do M.P., não foram feitas as notificações previstas no art.º 417º/2 C.P.P.
Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentação

A fim de melhor se percecionarem as questões em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a decisão recorrida – despacho sobre reclamação apresentada por EE às custas de parte, apresentadas pela “C...” e BB:

“Da reclamação apresentada por AA:
As assistentes C..., S.A. e FF e GG, vieram, no seguimento de decisão que condenou o arguido, apresentar nota de custas de parte – cfr. requerimento com a Ref.ª ...70 de 23.05.2022 - na qual concluem pela obrigação de pagamento, a esse título, pelo arguido AA, do valor total de €: 5418,42, correspondente à soma das taxas de justiça paga, de compensação por honorários e outras despesas.
O arguido/demandado ofereceu, nos termos do requerimento com a Ref.ª ...10 de 08.06.2022, reclamação, pugnando pela inexigibilidade dos valores reclamados.
As assistentes responderam nos termos do requerimento sob a Ref.ª ...43 de 27.06.2022, para cujo teor se remete.

Apreciando.

Dispõe o art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais que “1 - Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas. 2 -
Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução; b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça; c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução; d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento. 3 - O patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico equivale à constituição de mandatário judicial, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte. 4 - Na acção executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior.”
Por seu turno, consigna o art. 26.º do mesmo diploma que “1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil. 2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável. 3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: a)
Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b)
Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c) 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução. 4 – No somatório das taxas de justiça referidas no número anterior contabilizam-se também as taxas dos procedimentos e outros incidentes, com exceção do valor de multas, de penalidades ou de taxa sancionatória e do valor do agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º 5 - O valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução. 6 - Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. 7 - Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.”
Reclamam as assistentes/demandantes os seguintes valores:
- €: 1020 a título de taxas de justiça pagas (por ambos os assistentes/demandantes);
- €: 867 a título de compensação por honorários a advogados, e
- €: 1983,30 por despesas com deslocações.
O arguido/demandado veio reclamar, ao abrigo do que dispõe o art. 26.º-A do RCP.
A primeira questão que se coloca é da tempestividade da nota, a qual se verifica, considerando a data de trânsito da decisão condenatória.
Atenta a condenação, devem as assistentes ser ressarcidas nos termos do art. 26.º do RCP.
No que respeita aos valores pagos pelas assistentes/demandantes e aos atinentes à compensação são os mesmos devidos e encontram sustento no que dispõe o art. 26.º, n.º 3, al. a), do RCP, devendo, contudo, atentar-se ao decaimento.
Como igualmente encontram sustento as que se referem ao pagamento da taxa de justiça pela contestação dos pedidos de indemnização civil, levando-se, no entanto, em conta o decaimento.
Já as restantes quantias reclamadas (de deslocações) não são devidas, já que não encontram sustento legal, nomeadamente no que dispõe o art. 16.º do Regulamento das Custas Processuais que define o que se entende por “encargos” nos termos e para os efeitos das custas de parte. Com efeito, as deslocações previstas na norma não podem abranger as deslocações efectuadas pelos advogados, mas apenas aquelas que se fizerem a partir do tribunal pelos intervenientes (como sendo inspecções ao local). A não ser assim e usando o argumento dos assistentes, o que os impediria de mandatar advogado residente nos ...?
Pelo exposto, decide-se, na procedência parcial da reclamação à nota de custas de parte, julgar:
- tempestiva a nota de custas de parte;
- serem devidas ao abrigo do disposto no art. 26.º, n.º 3, al. a), do RCP, as taxas pagas pelas assistentes/demandantes da responsabilidade do arguido/demandado, levando- se em conta o vencimento quanto aos PIC´s;
- não serem devidas as quantias reclamadas a título de deslocações (€: 1983,30). Custas do incidente a cargo de reclamante e reclamadas, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs – cfr. art. 7º, n.º 4, do RCP e Tabela II anexa ao mesmo diploma – e o decaimento de reclamante em 25% e das reclamadas em 75%.
Notifique.”

2 – Questão a Resolver

2.1. – As Despesas de com Deslocação de Mandatários Suportadas pelo Sujeito Processual Vencedor Podem Ser Pedidas aos Vencidos, a Título de Custas de Parte?

2.1. – As Despesas de com Deslocação de Mandatários Suportadas pelo Sujeito Processual Vencedor Podem Ser Pedidas aos Vencidos, a Título de Custas de Parte?

As demandantes “C...” e BB apresentaram tempestivamente as custas de parte a que julgam ter direito, por via do pedido cível contra AA, em que pediram a quantia de 1 983.30€ (mil, novecentos e oitenta e três euros e trinta cêntimos) por oito deslocações .../... dos seus mandatários – fls. 148V.º/149.
AA reclamou tempestivamente das custas de parte reclamadas, invocando não ser devido este pagamento.
Assim se decidiu na decisão recorrida – fls. 157V.º/159.
Mantendo a sua pretensão, desta decisão recorreram as demandantes.
A questão tem pois a ver com a possibilidade de pedir quantias a título de deslocação com mandatários, em sede de custas de parte.
Sabe-se que a condenação de um sujeito processual em custas se rege pelo princípio da causalidade, previsto no art.º527º C.P.C. Deve pagar as custas a parte vencida, porque se entende que foi quem deu causa ao processo. Com efeito, deveria ter cumprido determinada obrigação de ânimo próprio e independentemente do recurso ao Tribunal.
As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito de ver compensado, nos termos do R.C.P. – art.º 533º/1 C.P.C. Nos termos do n.º 2), estão, designadamente compreendidos nas custas de parte, as taxas de justiça pagas, os encargos efetivamente suportados pela parte, as remunerações e despesas pagas ao Agente de Execução e os honorários do mandatário e despesas por este efetuadas. Trata-se porém de uma previsão meramente genérica que, como se diz no n.º 1), necessita de concretização no R.C.P.
Isso mesmo consta também do art.º 529º/4 C.P.C., normativo em que se prevê também que as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo, desde que a isso tenha direito nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Ou seja, estão em causa previsões genéricas, mas que por si só não conferem direitos, fazendo-os depender do que determina o Regulamento das Custas Processuais. As despesas ressarcíveis ao vencedor dependem de previsão normativa, no R.C.P.

Ora, são os arts.º 25º e 26º R.C.P. que definem o regime de apresentação e conteúdo das custas de parte. O art.º 26º/3 R.C.P. define exatamente, o que a parte vencida deve pagar à parte vencedora, a título de custas de parte, definindo que devam ser pagos:
- os valores da taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do decaimento (al. a);
- os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do Agente de Execução (al. b);
- 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora  face às despesas com honorários de mandatário judicial, sempre que os mesmos sejam de valor superior a estas;
- os valores pagos a título de honorários de Agente de Execução.
As referidas despesas de transporte com mandatários só poderiam, incluir-se na noção de encargos, que conjuntamente com a taxa de justiça e as próprias custas de parte constituem as custas processuais (art.º 3º/1 R.C.P.).

Os encargos, enquanto componentes das custas e das custas de parte não são contudo um conceito aberto, decorrendo sim de uma tipicidade taxativa, a constante do art.º 16º R.C.P. – alíneas a) a i).
Com essa tipicidade taxativa quis o legislador estabelecer o que pode ser entendido como encargos, tornando previsível o seu montante, em termos de grandeza, dessa tipicidade não se podendo extravasar – cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 22/6/2 021, Cristina Coelho, em www.dgsi.pt.
Como se disse porém no Acórdão da Relação do Porto de 20/2/2 020, Carlos Portela, com as custas de parte nunca a parte vencedora logrará alcançar a compensação global por todas as despesas judiciais e extrajudiciais suportadas. Basta, por exemplo, ver que o pagamento dos honorários ao Advogado da parte vencedora nunca será total, mas meramente parcial e as mais das vezes, numa pequena poroporção, como decorre do art.º 26º/3, c), R.C.P.
Não se pode pois dizer, como o fazem os recorrentes, que o acesso ao direito Constitucionalmente protegido pelo art.º 20º C.R.P., pressupõe uma justiça gratuita. Pelo contrário, o que se tem de assegurar é que, quem a não possa pagar, disso possa ficar dispensada, aliás como acontece no instituto do apoio judiciário, em que a dispensa pode ser a de pagamento de honorários e nomeação de Defensor, até às dispensas, totais ou parciais, do pagamento de custas.
Não é através das custas de parte, que a justiça se pode tornar gratuita para o sujeito processual vencedor, como invocam os recorrentes.
Assim e na sequência do exposto, o que se tem de analisar é se as despesas com transportes de mandatário vêm incluídas nalguma das als. do art.º 16º R.C.P.
Lidas todas as als. do referido art.º 16º verifica-se que a questão pode parecer apenas duvidosa, em face do preceituado na respetiva al. i), de que decorre que são encargos as “despesas de transporte e ajudas de custo para diligências afetas ao processo”.
Desde já deve referir-se que se trata de nomenclatura estranha, para uma audiência de discussão e julgamento. Esta é inerente ao próprio processo, pois o mesmo é tramitado com vista ao julgamento, não se tratando pois de uma “diligência afeta ao processo”, mas de uma fase normal do processo.
A anterior al. h), do referido art.º 16º R.C.P., estabelece que são também encargos, as “retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo”.
   
Como diz Salvador da Costa, “As Custas Processuais – Análise e Comentário”, 2 018, Liv. Almedina, 7ª Ed., pág. 203,
“Prevê o proémio e a al. h) as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo e estatui integrarem o conceito de encargos, e, consequentemente, o de custas.
Intervêm acidentalmente no processo, alám das testemunhas a que se reporta a al. e), os peritos, tradutores, intérpretes, depositários, encarregados de vendas, técnicos e outros.
Prevê o proémio e a al. i) as despesas de transporte e de ajudas de custo relativas a diligências a diligências nos processos em causa, e estatui do modo acima referido.
Os encargos previstos neste preceito têm essencialmente a ver com as deslocações dos intervenientes acidentais , a que acima se fez referência, em função de determinado processo cuja tramitação processual as implicou. O regime das ajudas de custo consta, no essencial, do D.L. n.º 106/98”.
E, de facto, se neste preceito se quisessem ter abrangido as despesas com as deslocações de advogados, o lugar próprio para isso seria o art.º 26º/3, c), R.C.P., que trata do ressarcimento à parte vencedora, as mais das vezes, de uma ínfima parte dos honorários cobrados por mandatário.
E, como justificar que os honorários fossem retribuídos numa ínfima parte e as despesas, via art.º 16º/1, i), R.C.P., na íntegra?
Esta interpretação não tem lógica, tendo-a a de Salvador da Costa, que retira do art.º 16º/1 R.C.P. e nomeadamente da citada al. i), o pagamento de despesas de transportes de Advogados a diligências judiciais.
Não sendo tais despesas referidas ou consagradas nos arts.º 25º, 26º ou 16º R.C.P., só pode entender-se que do pagamento das mesmas não deve a parte vencedora ser ressarcida, não cabendo as mesmas no conceito de custas de parte e, nomeadamente não podendo ser tidas como encargos processuais – neste sentido aliás, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 22/2/2 022, Luís Sousa, bem como o também recente Acórdão do S.T.J. de 15/1/2 019, Rosário Morgado.
Sendo esta a pretensão dos recorrentes “C...” e BB – o pagamento da quantia de 1 983.30€ (mil, novecentos e oitenta e três euros e trinta cêntimos), por seis deslocações dos seus mandatários entre ...-...-... e uma outra entre ..., aliás montante que também não se fundamenta – só pode pois entender-se que o recurso interposto por eles, com esta pretensão, deve improceder.
Razões por que, o mesmo será declarado totalmente improcedente, assim se mantendo a decisão recorrida.
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Termos em que,

3 - Decisão

a) se julgam totalmente improcedentes os recursos apresentados pelos demandantes “C...” e BB, por via disso se mantendo na íntegra a decisão recorrida.
b) Custas por cada um dos recorrentes, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º/1 C.P.P., 8º/9 e tabela anexa 3), ao R.C.P.
c) Notifique.
Guimarães, 26 de Junho de 2 023

(Pedro Cunha Lopes)

(Fátima Furtado)

(Armando Azevedo)