Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1299/17.9T8CHV-A.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PARA ENTREGA DE COISA CERTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (1):

- A falta de audição da parte contrária, em violação do princípio do contraditório, constitui um vício de procedimento que pode ou não reflectir-se na decisão que culmina o processo e não uma eventual violação do objecto do processo ou o incidente, definida ab initio pela pretensão da parte, esta sim passível de, por excesso ou omissão, viciar a decisão nos termos do citado art. 615º, nº 1, al. d);
- A nulidade do processo, por violação do princípio do contraditório, prevista no art. 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, pode ser arguida em sede de recurso da decisão que pressupunha a audição em falta;
- Na fase inicial de execução de sentença para entrega de coisa certa, prevista no art. 626º, nº 3, do Código de Processo Civil, antes da notificação aí prevista, está suspenso o dever de ouvir a parte contrária, já que o procedimento prescinde da sua intervenção;
- Deste modo, não ocorre a referida nulidade procedimental, por violação do princípio do contraditório, em incidente tramitado nessa fase do processo em que a parte contrária não é admitida a intervir, ainda que tenha sido erroneamente citada para os autos.
Decisão Texto Integral:
Recorrente(s): Destinos X, S.A.

Recorrido(s): Banco ..., S.A.,
*
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

A aqui Recorrida desencadeou contra a Recorrente a presente execução para entrega de coisa certa (imóveis), visando o cumprimento coercivo da sentença proferida no processo 472/15.9T8VRL, pedindo a citação da executada para o efeito.
Em 11.9.2017, foi a executada oficiosamente citada por via postal, sic, nos termos do artigo 859º do Código Processo Civil (CPC), para, no prazo de 20 (vinte) dias, fazer a entrega dos imóveis indicados no requerimento executivo ou opor-se à execução mediante embargos.
Em 6.10.2017 a Exequente, sem notificar a parte contrária, veio aos autos arguir nulidade processual por ter sido preterida uma formalidade essencial, na medida em que a Executada foi citada para deduzir oposição quanto tal só deveria suceder depois de feita a entrega da coisa, dado que o título executivo é aqui uma sentença.
Em 23.09.2017 a Executada deduziu oposição à execução.

Em 13.10.2017, sem mais o Tribunal proferiu o seguinte despacho
“Em face do exposto, julga-se procedente a nulidade invocada pela Exequente e, em consequência, declara-se a nulidade de todo o processado desde o momento da citação que foi remetida à Executada, incluindo os embargos de executado por esta apresentados nos autos.
Notifique.
Comunique à AE, a qual deverá agir em conformidade com o ora decidido.”

Este despacho foi notificado às partes com registo de 13.10.2017.

Inconformada com essa decisão, a Executada acima identificada apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes
conclusões.

1. Vem o presente recurso do, aliás do Douto Despacho, proferido nos autos, em 13 de Outubro do corrente ano, pela Meritíssima Juiz "a quo"
2. A Meritíssima Juiz, no referido Despacho, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, conclui julgando "procedente a nulidade invocada pela Exequente e, em consequência, declara-se a nulidade de todo o processo desde o momento da citação que foi remetida à Executada, incluindo os embargos de executado por esta apresentada nos autos."
3. A Meritíssima Juiz, considerando o exposto no Despacho, decide com base no requerimento, apresentado pelo autor, aqui exequente, Banco ..., com a referência 26968510 de 6-10-2017, onde " toma posição sobre a "errada" tramitação que se encontra a ser seguida nos autos, suscitando a respetiva nulidade (…)"
4. Acontece que, até à presente data a ré, aqui executada, Destinos X, não foi notificada, não teve conhecimento, do referido requerimento, apresentado pelo autor/exequente com a referência 26968510 de 6-10-2017;
5. A ré/executada, não teve oportunidade para se pronunciar, não lhe foi facultado, o direito de se pronunciar sobre o referido requerimento apresentado pelo autor/exequente com a referência 26968510 de 6-10-2017
6. Não foi dado à executada, oportunidade para se pronunciar, sobre o mesmo, com violação do Princípio e direito ao contraditório.
7. Assim, quanto à matéria que, dá origem ao Douto Despacho, sem que a ré, aqui executada tenha sido ouvida sobre tal matéria, verificou-se uma decisão surpresa ou seja uma decisão prejudicial à executada sem prévio contraditório desta violando o Princípio do Contraditório disposto no art. 3º nº 3 do CPC.
8. O Despacho de que se recorre é claramente inconstitucional por atentar nomeadamente contra os Princípios, da equidade, do contraditório.
9. A violação do princípio do contraditório constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º nº 1, nulidade esta que, no caso origina a nulidade do Despacho, por excesso de pronuncia nos termos do art. 615º nº 1 al. d) do CPC, uma vez que, sem a prévia audição das partes, o Tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
10. Assim, como o devido respeito, somos de opinião que o Despacho proferido pela Meritíssima Juiz "a quo" é nulo.
11. Sem prejuízo de, considerando-se verificada a Nulidade processual por violação do princípio do Contraditório na dimensão de proibição de decisão surpresa a sua arguição ser admissível em tempo, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 197º nº 1 e 199º nº 1 do CPC (neste sentido vai o Acórdão TRE de 10-04-2014).

TERMOS E SOBRETUDO NOS QUE SERÃO OBJECTO DO DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELENCIAS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E DEVE SER DECLARADO NULO, O DESPACHO RECORRIDO, COM AS DEVIDAS CONSEQUENCIAS LEGAIS…

A Recorrida apresentou alegações onde conclui pela improcedência do recurso.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4)

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Nulidade da decisão por excesso de pronúncia da decisão;
- Nulidade dessa mesma por incumprimento de contraditório devido.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. FACTOS A CONSIDERAR

a) Factos provados.

Os acima relatados, com base no que documentam os autos.

3.2. DO DIREITO APLICÁVEL

Sem qualquer limite, o Tribunal recorrido decidiu declarar nulo todo o processado dos autos desde a “citação” da Executada.
Esta decisão, tal como resulta da análise do processado, foi proferida sem que tivesse sido dada oportunidade à Executada de se pronunciar sobre a correspondente arguição feita pela Exequente nos termos acima expostos.
Perante isto, a Recorrente defende, além de mais, que a decisão em crise padece do vício de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Conclui que ocorreu uma violação do princípio do contraditório, por não ter sido ouvida sobre esse arguição da Exequente, o que constitui, além da nulidade processual do art. 195º, do mesmo Código, nulidade da decisão prevista nessa al. d), uma vez que, por isso, foi indevidamente utilizado o fundamento invocado.
Embora esta seja uma posição defendida por alguma jurisprudência e doutrina, julgamos que não colhe aqui sustento.
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Esta nulidade está directamente relacionada com o Artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do Artigo 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, João Bernardo, 469/11, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade (5).
Ora neste caso, como em todos aqueles em que o julgador aprecia o pedido de uma das partes sem ter ouvido a outra parte não está, em bom rigor, a violar o princípio do dispositivo que está subjacente ao vício em causa, assim como não está em qualquer situação em que deva ou possa fazê-lo sem essa contribuição da contraparte (cf. v.g., arts. 3º, 5º, nº 2, al. a), 201º, 366º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O que está em causa na falta notada pelo Recorrente em todos os casos similares é um vício de procedimento que pode ou não reflectir-se na decisão que culmina o processo e não uma eventual violação do objecto do processo, definida pela pretensão da parte, neste caso, a arguente/recorrida da nulidade processual suscitada, essa sim passível de, por excesso ou omissão viciar a decisão nos termos do citado art. 615º, nº 1, al. d).
Por isso, entendemos, como a Recorrida, que inexiste no caso nulidade por excesso de pronúncia.

Coisa diversa é a violação do princípio do contraditório expressa na regra geral do art. 3º, do Código de Processo Civil, e, em particular, no art, 201º do mesmo Código.
Dita esse art. 3º, além de mais, que (1) o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2 - Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Por sua vez, o art. 201º estipula que a arguição de qualquer nulidade pode ser indeferida, mas não pode ser deferida sem prévia audiência da parte contrária, salvo caso de manifesta desnecessidade.
Todos sabem que não se concebe a actividade jurisdicional sem o respeito ao direito de ser oportunamente ouvido. (…). Nas Ordenações Filipinas, no Livro III, início do Título XX, que trata “Da ordem do Juízo nos feitos cíveis”, fixava-se a bilateralidade do processo, com a seguinte regra, que positiva a definição medieval de processo, celebrizada por Bulgaro (“iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris et rei”): Trez pessoas são por direito necessárias em qualquer Juizo, Juiz que julgue, autor que demande, e réo que se defenda. No mesmo Livro III, agora no Título LXXV, registava-se a seguinte outra regra, que melhor desenvolve o postulado da bilateralidade do juízo: A sentença, que he per Direito nenhuma, nunca em tempo algum passa em cousa julgada, mas em todo o tempo se pode oppor contra ella, que he nenhuma e de nenhum effeito, e portanto não he necessário ser della appellado. E he per Direito a sentença nenhuma, quando he dada sem a parte ser primeiro citada (6).

No caso, é patente que a decisão em crise foi proferida sem a exigida audição da Recorrente.

Neste ponto, a questão prévia que se coloca e foi suscitada pela Recorrida, é saber se a mesma devia ter sido discutida em reclamação da decisão ou podia, como sucedeu, ser invocada em sede de recurso.
Este aspecto vem sendo amplamente discutido na jurisprudência e na doutrina e é nelas posição dominante a que defende que quando o acto viciado se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, essa nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada por este tribunal de apelação.
Como se escreveu no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.5.2015 (7): Neste caso, a decisão veio sancionar aquela omissão geradora de nulidade e, por isso, o conhecimento desta pode fazer-se através de recurso, mesmo que o prazo de arguição da nulidade já se tenha esgotado – neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 04/06/2000, in BMJ, 496.º-314, onde se pode ler “É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir será precisamente o recurso”.

No mesmo sentido, a doutrina aí citada e referida também pelo Ac. do Tribunal da Relação do Porto (8) de 27.1.2015:

Apesar destas duas regras básicas, o Prof. Alberto dos Reis [in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., pg. 424] ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
Também o Prof. Manuel de Andrade [in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 183] entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».
Igual entendimento perfilham os Profs. Antunes Varela [in Manual de Processo Civil, 1985, pg. 393] e Anselmo de Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pg. 134]. O primeiro, refere que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. O segundo, diz que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
Em face disto, o recurso da decisão em apreço com fundamento na arguida nulidade não só é válido como o meio adequado.

Posto isto, a questão é saber se, apesar da objectiva falta de consulta da outra parte, poderia aqui não ter ocorrido violação do direito ao contraditório por causa da especial tramitação do processo em apreço, como propugna a Recorrida.
Sem dúvida que, em regra, a violação desse princípio acarreta a nulidade do respectivo procedimento, como previsto no citado art. 195º, nº 1, na medida em que a mesma possa influir no exame ou na decisão da causa.
Com foi dito no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães em que participámos, de 19.4.2018 (9), dada a relevância e primordial importância do contraditório, como analisamos, é indiscutível que a inobservância desse princípio, com prolação de decisão-surpresa, é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que esta padece de tal nulidade (constituindo a referida inobservância uma omissão grave e representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa).
Contudo, no caso, como bem, salienta a Recorrida, apesar de o seu requerimento executivo inicial não traduzir essa sapiência, estamos perante a execução para entrega de uma coisa imóvel em que o título executivo é uma sentença e, de acordo com a previsão especial do art. 626º, nº 3, do Código de Processo Civil, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes.
Como refere J. Lebre de Freitas (10) em ressalva à regra geral do nº 1 desse art. 626º, “também o caso em que o título executivo seja uma sentença judicial: a execução nasce e pode processar-se nos autos da acção declarativa; tal como no processo sumário para pagamento de quantia certa, faz-se a apreensão prévia, a que se segue a entrega da coisa, e só depois se procede à citação do executado, seguindo-se os termos aplicáveis do processo sumário para pagamento de quantia certa; o despacho limiar só tem lugar quando agente de execução entenda, nos termos do art. 855º,-2-b, que deve suscitar a intervenção do juiz (…)”.
Em face disto, o procedimento executivo especial em curso, na altura em que foi suscitada e decidida a arguida nulidade na decisão apelada, não envolvia necessariamente o contraditório do executado/Recorrente, que só deveria intervir depois da entrega da coisa e após a notificação prevista no citado art. 626º, nº 3.
Estamos assim perante uma das excepções em que, à semelhança de outras acima citadas, o legislador permite que se tomem providências ou se decidam incidentes sem a audição da parte contrária.
Nesta medida, admitir a notificação e pronúncia da executada, apesar de indevidamente convocada para lide antes do momento oportuno, seria prolongar ou agravar o erro procedimental que o Tribunal a quo procurou corrigir na decisão em crise, em violação do regime que o legislador impôs para estes casos.
Neste como noutras situações semelhantes em que a parte não é admitida a intervir na fase inicial da instância, está suspensa a obrigação de ouvir a outra parte para apreciar não só o objecto a lide mas também qualquer incidente que se suscite, sob pena de se deixar entrar pelo postigo aquilo que não se quer que entre pela porta.
Em suma, carece de sustento o vício processual invocado pela Recorrente nas suas conclusões, pelo que improcede a apelação.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
*
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Guimarães, 23-06-2020

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
3. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
4. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
5. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011.
6. Estevão Mallet, in Notas sobre o problema da chamada “decisão-surpresa”, ps.1/2, in https://core.ac.uk/download/pdf/268356721.pdf
7. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/98ce9149fb316f8e80257e84004c2c5a?OpenDocument
8. I - A violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no art. 195º nº 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida. II - Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação. In http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/15B18E09107D0CB780257DF60059CB56
9. In http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9c9b68362e36005280258286003c9906?OpenDocument
10. In A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Ed., p. 435, nota 17