Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1/08.0TJVNF-EK.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: NULIDADE DE DESPACHO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – É nulo um despacho que omite por completo a fundamentação em que se baseia, limitando-se a deferir o requerido.
2 – O princípio do contraditório deve ser entendido como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
Nos autos de Insolvência em que é insolvente “O…, SA”, veio A…, membro da Comissão de Credores interpor recurso do “despacho que deferiu o requerimento do Administrador de Insolvência que informou o pagamento do crédito à Segurança Social e que requereu a dispensa da junção aos autos de novo mapa de rateio, sem notificar os credores para se pronunciarem e sem tomar em consideração o requerimento do ora recorrente de 14/11/2014”, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho com referência 136389695 que deferiu o requerimento do Administrador de Insolvência que informou o pagamento do crédito à Segurança Social e que requereu a dispensa da junção aos autos de novo mapa de rateio, sem notificar os credores para se pronunciarem e sem tomar em consideração o requerimento do ora recorrente de 14/11/2014.
B) Por requerimento datado de 05 de Novembro de 2014, o Sr. Administrador de Insolvência juntou aos autos requerimento informar que havia procedido ao pagamento da dívida da Segurança Social no montante de € 146.080,52, por entender que se tratava de uma dívida da massa e por ser alvo de um processo crime pela falta de pagamento dessa quantia.
C) Não obstante os credores não terem sido notificados do referido requerimento, em consulta aos autos o recorrente teve conhecimento do mesmo em 14/11/2014 e pronunciou-se pela censurabilidade e ilegalidade da conduta do Sr. AJ e requereu que o tribunal exigisse ao Sr. Administrador de Insolvência a imediata restituição à massa do valor de € 146.080,52, uma vez que este é pessoalmente responsável pela sua restituição e que participasse aos serviços competentes do Ministério Públicos dos factos supra expostos, com vista a apurar a eventual responsabilidade criminal por parte do Sr. Administrador de Insolvência.
D) O tribunal proferiu despacho de que ora se recorre, não se pronunciando sobre o conteúdo dos requerimentos do AJ e do ora recorrente.
E) Salvo devido respeito por opinião diversa, na decisão recorrida, não foi feita a correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes, como se passa a demonstrar.
F) Conforme se retira do requerimento apresentado pelo Sr. AJ, este decidiu, unilateralmente, classificar a dívida da Segurança Social como dívida da massa sem este credor a ter reclamado nesses termos ao abrigo do art. 89° do CIRE.
G) Por outro lado, apenas os créditos do recorrente e dos demais constituintes do mandatário subscritor são reconhecidos, por sentença transitada em julgado, como dívidas da massa, pelas acções que correram no apenso L dos autos principais. Assim, ao proceder ao pagamento da dívida da Segurança Social o Sr. AJ de forma injustificada e ilegal dá à Segurança Social um tratamento privilegiado em relação aos demais credores da massa insolvente, o que é absolutamente inaceitável.
H) Mais ainda, este pagamento foi efectuado sem o conhecimento e consentimento da Comissão de Credores, que foi constituída em 12/03/2008 na Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório.
I) Uma vez que o pagamento a um credor em detrimento dos demais, sem que para tal houvesse autorização do tribunal consubstancia um acto de especial relevo, este está sempre condicionado à autorização prévia da Comissão de Credores - cfr. art. 1610 do ClRE. Neste sentido, o notável e douto acórdão da 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça de 16/04/2013, com n'' de processo 3410/10.1 T2SNT-E.Ll.Sl.
J) A inobservância de tal formalismo, implica, não só que tal acto é ineficaz, nos termos do art.º 163.º do ClRE, mas também que o Sr. AJ é pessoalmente responsável pelo pagamento das importâncias que abusivamente utilizou e que, no presente caso, tratou-se de apropriação indevida de € 146.080,52.
K) Acresce, por outro lado, que os credores não foram notificados para se pronunciarem sobre o conteúdo do requerimento do Sr. AJ, da sua actuação e pretensão, o que viola claramente o princípio do contraditório, pois que de acordo com o n° 3 do art. 3° do Código de Processo Civil, "O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem".
L) Importa, ainda, salientar que o recorrente quando teve conhecimento do requerimento do AJ, manifestou de imediato a sua discordância, o que não coibiu o tribunal a quo de proferir despacho de que ora se recorre, sem se pronunciar sobre a posição do recorrente, nem tão pouco fundamentar o mesmo.
M) Ora, impõe o n" 1 do art. 154° do Código de Processo Civil que "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas", o que no despacho recorrido não sucedeu, o que implica, naturalmente a nulidade do mesmo.
N) Assim, salvo melhor opinião, a decisão recorrida foi proferida em desconformidade com os preceitos legais aplicáveis, violando nomeadamente os art.vs 161 ° e 163° do CIRE e os art.ºs, 3°, nº3 e 154° n.º 1 do Código de Processo Civil.
Dado o exposto e o douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro que considere ilícito o pagamento efectuado pelo Sr. AJ à Segurança Social no valor de € 146.080,52, devendo este ser, naturalmente obrigado a restituir à massa o referido valor.
Assim se fará justiça!

Contra alegou o Administrador da Insolvência, pugnando pela não admissão do recurso por se tratar de despacho irrecorrível, nos termos do artigo 630.º, n.º 1 do CPC e, caso assim não se entenda, que seja julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em analisar a correção do despacho que deferiu o requerido pelo administrador de insolvência.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O requerimento do Administrador de Insolvência tem o seguinte teor:
“ 1 – Considerando que juntou aos autos a 18 de Julho de 2012, mapa de rateio relativo apenas a dívidas da massa apuradas até esse momento, requerendo autorização para efetuar os pagamentos, não tendo, contudo, até ao presente momento, sido notificado da requerida autorização judicial. Tal mapa de rateio foi, entretanto, objeto de reformulação, tendo sido junta aos autos nova versão a 31/07/2013;
Do referido mapa de rateio consta uma dívida ao Instituto de Segurança Social, IP (n.º 423) relativa a período posterior à declaração de insolvência, ou seja, de Janeiro a Abril de 2008, pelo que se consubstancia como uma dívida da massa.
2 – Considerando que em 08/04/2009 foi o a. i. notificado pelo referido Instituto para efetuar o pagamento das contribuições e quotizações devidas relativas ao referido período de Janeiro a Abril de 2008, num total de 146.080,52 € (doc. n.º 1), valor que não foi, então, pago porque à data a conta da massa estava a zero;
3 – Considerando que mais recentemente foi instaurado contra o a. i. um processo crime pelo não pagamento da dívida acima indicada – processo n.º 529/10.2TAVNF do 2.º juízo criminal, sendo que resultaram infrutíferas as diligências efetuadas junto do Instituto para sustar o processo crime com base no facto de que toda a dívida posterior à declaração de insolvência se encontra inscrita no mapa de rateio;
4 – Considerando, por último, a jurisprudência relativa às dívidas aos credores públicos (Administração Fiscal e Segurança Social) em confronto com os restantes credores – o dever de pagar à Segurança Social é um dever hierarquicamente superior ao dever de pagar salários ou fornecimentos imprescindíveis;
5 – Efetuou o a. i., no passado dia 31 de Outubro, o pagamento do montante em dívida ao Instituto da Segurança Social, IP, conforme constante do mapa da dívida – anexo doc. n.º 1 e guias em anexo – doc, n.º 2 e 3.
6 – Por tal facto, o valor disponível para rateio sofreu uma redução de igual montante.
Tendo em consideração que não foi ainda proferida a douta sentença de graduação dos créditos, requer a V. Ex.ª se digne dispensar, para já, a junção aos autos de novo mapa de rateio, atendendo, também, que está a decorrer ainda a liquidação do ativo para os bens imóveis de maior valor – verbas n.º 1, 2, 3 e 4, que aguardam a decisão judicial de condenação do Banco…, SA – processo n.º 290/12.6TJVNF (231.705,00 €) e a verba n.º 5 que aguarda decisão de compra por parte de investidores (425.000,00 €). Pede deferimento”

Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho:
“Defere-se o requerido.
Notifique”.

Vejamos, então, se o apelante tem razão.
Uma primeira palavra para dizer que, como bem se decidiu em 1.ª instância, o despacho é recorrível.
Não se trata, aqui de um despacho de mero expediente, no sentido de que se limita a prover ao andamento do processo, de acordo com a tramitação legalmente prescrita – artigo 630.º, n.º 1 do CPC. O despacho vai mais longe, autorizando um acto expressamente solicitado por um interveniente processual, à margem do normal andamento do processo. Daí que seja recorrível.

Outra questão que se deve colocar, de imediato, é que o despacho se limitou a autorizar a dispensa de junção de um novo mapa de rateio, não se tendo pronunciado, nem tal lhe foi requerido, sobre a legalidade do pagamento efetuado pelo administrador da insolvência à Segurança Social.
Não cabe, portanto, a este tribunal de recurso, pronunciar-se sobre a legalidade de tal pagamento.
Nos recursos ordinários o pressuposto é o de que a questão já foi objeto de decisão. “A demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior” – Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª edição revista e atualizada, pág 26.
Daí que, ao contrário do pretendido pelo apelante, não possa este tribunal conhecer da legalidade do pagamento efetuado pelo administrador da insolvência à Segurança Social, uma vez que o despacho recorrido não se pronuncia sobre essa questão, nem o referido administrador lha coloca (limita-se a informar que efetuou tal pagamento).
Não é este, assim, o meio próprio para discutir a legalidade do pagamento efetuado à Segurança Social
Fica, portanto, prejudicado o conhecimento das alíneas E) a J) das conclusões do recurso.

Contudo, o apelante tem razão, não só ao invocar a nulidade do despacho por falta de fundamentação, como devido à ausência de contraditório.
Vejamos.
Não há dúvida que o despacho é nulo por falta de fundamentação, uma vez que o mesmo não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC
Dispõe o artigo 154.º n.º 1 do CPC que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, acrescentando o seu n.º 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição…”.
Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. «Uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença» - Acórdão do STJ de 05/05/2005, in www.dgsi.pt/jstj.
Veja-se, também, o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/11/2004, in www.dgsi.pt/jtrg, onde se pode ler «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um carácter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232, e arestos aí citados). Mostra-se ainda útil esclarecer, a este propósito, que a exegese do disposto no art.º 668º nº1 al..b) C.P.Civ., de há muito vem entendendo que a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso – veja-se, por todos, Teixeira de Sousa, in «Estudos», página 222. Só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão. Ao aludir-se a “ausência de qualquer fundamentação” quer referir-se a falta absoluta de fundamentação, a qual porém pode reportar-se seja apenas aos fundamentos de facto, seja apenas aos fundamentos de direito.
Também a doutrina se pronuncia em sentido idêntico. Veja-se Teixeira de Sousa in «Estudos sobre o Processo Civil», pág. 221, «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».
Lebre de Freitas in «Código de Processo Civil Anotado», vol 2.º, pág. 669, refere que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
De igual modo Antunes Varela in «Manual de Processo Civil», 2.ª edição, pág. 687, entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.
Ao proferir o despacho “defere-se o requerido”, sem mais, não há dúvida que falta em absoluta a sua fundamentação, motivo pelo qual o mesmo é nulo.

Vem também colocada pelo apelante a questão de o requerimento do Sr. Administrador da Insolvência não ter sido notificado aos credores e de, apesar disso, tendo o apelante tido conhecimento do mesmo, se ter pronunciado sobre o mesmo, sem que tenha havido qualquer pronuncia a propósito, no despacho recorrido.
Quanto à falta de pronúncia, já vimos que o despacho em causa sofre de absoluta falta de fundamentação, não se tendo pronunciado sobre nenhuma das questões levantadas e limitando-se a deferir genericamente o requerido.

Quanto à questão da falta de contraditório, uma vez mais não podemos deixar de dar razão ao apelante.
Como já adiantámos quando nos referimos à admissibilidade do recurso, a questão colocada pelo administrador da insolvência prende-se com um pedido de dispensa de um acto no processo conexo com a realização de um pagamento avultado à Segurança Social.
Ora, não tendo tal pedido sido notificado à Comissão de Credores para que a mesma se pudesse pronunciar, não foi respeitado o contraditório – artigo 3.º do Código de Processo Civil – princípio basilar do nosso processo civil que manda que seja observada uma estrutura dialéctica, excepto nos casos de manifesta desnecessidade.
Veja-se que o n.º 3 deste artigo 3.º do CPC impõe ao juiz um especial cuidado, determinando que ele deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
“Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada á contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” - José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 1999, pág. 7.
Nem pode dizer-se que a nulidade cometida está sanada pelo facto de o apelante ter tomado posição nos autos, uma vez que o fez apenas porque teve conhecimento do requerimento subscrito pelo administrador da insolvência, desconhecendo que iria ser tomada uma decisão sem que fosse observado esse contraditório, designadamente, com referência aos demais elementos da Comissão de credores.
Ora, o artigo 199.º n.º 1 do CPC estabelece que o prazo para a arguição da nulidade (omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva e que pode influir no exame ou na decisão da causa – artigo 195.º, n.º 1 do CPC) conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo.
No caso, consta da certidão junta a fls. 271 deste apenso que o despacho recorrido foi notificado às partes em 19/11/2014, presumindo-se as notificações efetuadas em 25/11/2014 e o requerimento de interposição do recurso foi apresentado no dia 28/11/2014.
Ora, o facto de não ter o credor arguido a nulidade, nessa fase, não o pode impedir de vir invocar a nulidade da sentença que tenha posto em causa o princípio do contraditório nos termos já supra expostos.
Neste caso, a decisão veio sancionar aquela omissão geradora de nulidade e, por isso, o conhecimento desta pode fazer-se através de recurso, mesmo que o prazo de arguição da nulidade já se tenha esgotado – neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 04/06/2000, in BMJ, 496.º-314, onde se pode ler “É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir será precisamente o recurso”. No mesmo sentido, citados em Abílio Neto, CPC Anotado, 19.ª edição: M. Andrade, Noções, 1979, pág. 183, Alberto dos Reis, CPC Anotado, 5.º, 424 e Comentário, 2.º, 507 e Antunes Varela, Manual, 2.ª edição, pág. 393.
Face à importância do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC e à decisão que o Sr. Juiz ia tomar para o desenvolvimento ulterior da lide, não poderia proferir decisão sem “observar e fazer cumprir” (nas palavras do inciso legal) o princípio do contraditório, ordenando à secretaria que notificasse o requerimento do Sr. Administrador da Insolvência à Comissão de Credores e aguardasse o prazo de resposta, para só após, decidir.

Haverá, portanto, que concluir pela nulidade do despacho proferido, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC (aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613.º, n.º 3 do CPC), bem como ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do mesmo Código, anulando-se os actos posteriores e devendo providenciar-se pela notificação do requerimento em causa à Comissão de Credores para que se possa pronunciar sobre o mesmo, seguindo-se os posteriores termos legais.

Sumário:
1 – É nulo um despacho que omite por completo a fundamentação em que se baseia, limitando-se a deferir o requerido.
2 – O princípio do contraditório deve ser entendido como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, anulando-se o despacho recorrido, para que, previamente, sejam notificados os credores que compõem a Comissão de Credores para se pronunciarem sobre o requerimento do Administrador da Insolvência, seguindo-se os demais termos legais.
Sem custas.
Guimarães, 21 de maio de 2015
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho