Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA GORETE MORAIS | ||
Descritores: | ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA ATIVA APELAÇÃO AUTÓNOMA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- Para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 644º do Código Processo Civil considera-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa somente quando nele se julgue procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados ou quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se aprecia qualquer exceção perentória, independentemente do sentido dessa decisão. II- Por mor do disposto no artigo 588º do Código de Processo Civil, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. III- No entanto, para esse efeito, não é um qualquer facto, ainda que objetiva ou subjetivamente superveniente, que é suscetível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial, e não manifestamente impertinente, para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO AA intentou a presente ação especial de tutela de personalidade contra BB, pedindo a condenação deste a: i) Proceder à remoção da sua página de perfil de Facebook – BB (BB) –, disponível através de ... &locale=pt_PT dos vídeos e fotografias que versem direta e indiretamente sobre o Requerente, em particular as elencadas na petição inicial; ii) Proceder à remoção de quaisquer publicações que, direta ou indiretamente, sejam suscetíveis de colocar em causa o nome, a honra ou a imagem do Requerente em quaisquer outras páginas de internet de que se venha a tomar conhecimento na pendência da presente ação; iii) Abster-se de efetuar e/ou divulgar quaisquer vídeos, imagens ou mensagens que, direta ou indiretamente, sejam suscetíveis de colocar em causa o nome, a honra ou a imagem do Requerente independentemente do meio utilizado para o efeito; iv) Caso o Requerido não proceda à eliminação dos vídeos, dentro do prazo fixado pelo Tribunal, a notificação da EMP01... Limited, com sede em ..., ..., ...5, ..., para que proceda à eliminação dos vídeos identificados no presente articulado. Os autos prosseguiram os seus termos vindo a ser proferido despacho a dispensar a audição prévia do requerido, nos termos do disposto no art. 879º n.º 5, al. b) do CPC. Designou-se data para se proceder à produção da prova arrolada pelo requerente, a qual teve lugar no dia 23.11.2023, com observância das formalidades legais como da respetiva ata se constata. Seguidamente veio a ser proferida decisão provisória, na qual se decidiu: «julgar esta ação integralmente procedente, condenando o requerido a: a) proceder à remoção da sua página de perfil de Facebook – BB (BB)disponívelatravésde... vídeos e fotografias que versem direta e indiretamente sobre o Requerente, em particular os elencados no articulado; b) proceder à remoção de quaisquer publicações que, direta ou indiretamente, sejam suscetíveis de colocar em causa o nome, a honra ou a imagem do Requerente em quaisquer outras páginas de internet de que se venha a tomar conhecimento na pendência da presente ação; c) abster-se de efetuar e/ou divulgar quaisquer vídeos, imagens ou mensagens que, direta ou indiretamente, sejam suscetíveis de colocar em causa o nome, a honra ou a imagem do Requerente independentemente do meio utilizado para o efeito; d) na eventualidade de o requerido não proceder à eliminação dos vídeos, dentro do prazo fixado pelo Tribunal, a notificação da EMP01... Limited, com sede em ..., ..., ...5, ..., para que proceda à eliminação dos vídeos identificados; e) a pagar uma sanção pecuniária compulsória o valor de €100,00/dia de atraso na remoção dos vídeos, a contar do trânsito em julgado da presente sentença». Cumprido o disposto no art. 879º, nº 6 do CPC, o requerido apresentou contestação, onde se defende quer por exceção - invocando a exceção da ilegitimidade ativa substantiva do requerente; a exceção de existência de causas de exclusão de ilicitude (consentimento, exigências de polícia e de justiça, colisão de direitos e afetação da medida do aproveitamento do direito), a existência de causas que tornam ilícita a invocação do direito pelo requerente e ainda o abuso de direito - quer por impugnação, contrariando a versão fática alegada pelo requerente. Peticiona ainda a condenação do requerente como litigante de má-fé no pagamento de uma multa, bem como numa indemnização a pagar ao requerido correspondente ao reembolso das despesas com os honorários do mandatário, a apurar a final. Em 16.1.2024 o requerido veio apresentar nos autos o requerimento com refª ...29, peticionando que as publicações em causa voltem a ser públicas, para efeitos de apreciação de prova. Apresentou ainda, em 07.02.2024, requerimento com a refª ...01, peticionando que sejam dados como assentes os factos supervenientes que resultam dos artigos 53º a 65º dessa peça processual. Cumprido o contraditório quanto aos aludidos requerimentos, o requerente pronunciou-se no sentido do indeferimento das pretensões aí aduzidas. Foi proferido despacho saneador, no qual, entre o mais, se decidiu julgar: (i) improcedente a exceção de “ilegitimidade ativa substantiva do requerente” para a causa, (ii) improcedente o requerido no sentido de tornar públicas as publicações no Facebook do recorrente (ref.ª ...29 de 16.01.2024), para efeitos de produção de prova nos presentes autos e (iii) improcedente a consideração de factos supervenientes (ref.ª ...29 de 16.01.2024) apresentados pelo recorrente. Por não se conformar com tais segmentos decisórios, veio o requerido/recorrente interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo. Remetidos os autos a este Tribunal foi proferida decisão singular que rejeitou o recurso por falta de conclusões, por se ter considerado que as “conclusões” formuladas pelo apelante consubstanciam mera reprodução do corpo alegatório. Inconformado com essa decisão o recorrente apresentou reclamação para a conferência requerendo que fosse proferido acórdão sobre a matéria da decisão, a qual foi admitida, tendo sido proferido acórdão a atender a reclamação, em consequência do que se determinou a notificação do apelante para, em consonância com o que se estabelece na 2ª parte do nº 3 do art. 639º do CPC, apresentar, no prazo de cinco dias, conclusões que representassem uma efetiva síntese do arrazoado que plasmara no corpo das alegações. Com vista ao cumprimento do determinado no acórdão o apelante apresentou novas alegações, acompanhado de novas conclusões mais sintetizadas. Cumprido o contraditório o apelado requereu o desentranhamento das novas alegações de recurso alegando que o apelante aproveitou o convite que lhe foi endereçado pelo Tribunal para retificar as alegações inicialmente apresentadas, modificando-as, extravasando a determinação do Tribunal, situação esta que, segundo adianta, se encontra bem patente nos artºs. 29º e 60º da peça processual em causa. O apelante respondeu dizendo que a diferente redação que se verificou nos artigos 29º e 60º das novas alegações de recurso se deveu a manifesto lapso de escrita, solicitando que tal seja relevado, requerendo que os aludidos artigos deverão manter a redação e corpo que se observa na anterior peça processual. Importa, assim, e desde logo, apreciar esta questão prévia. Procedendo à exegese das alegações apresentadas na sequência do convite que lhe foi endereçado verifica-se, na verdade, que o recorrente extravasou o que lhe foi determinado no respetivo despacho de convite. A inobservância estrita da aludida determinação jurisdicional, por consubstanciar a prática de ato indevido, implica que se considerem não escritos todos os artigos da nova versão do corpo alegatório que extravasam o âmbito do convite, razão pela qual as alegações a considerar são, pois, as vertidas no requerimento dado entrada em 03.04.2024, sendo que as conclusões a atender são as que se mostram vazadas no requerimento datado de 14.10.2024. Tais conclusões (que balizam o objeto do presente recurso) têm o seguinte teor: I. Nos presentes autos de ação especial de tutela de personalidade, foi, em 10/03/2024, proferido despacho saneador, ora recorrido, que julgou (i) “improcedente a exceção de ilegitimidade activa substantiva do requerente” para a causa, (ii) improcedente o requerido pelo recorrente no sentido de tornar públicas as publicações no Facebook do recorrente (ref.ª ...29 de 16/01/2024), para efeitos de produção de prova nos presentes autos e (iii) improcedente a consideração de factos supervenientes (ref.ª ...29 de 16/01/2024) apresentados pelo recorrente. II. A recorribilidade e apelação sustenta-se no disposto nos arts. 630º, nº2, 644º, nº1 al. b), nº 2 als. d) e h), todos do CPC. I - DO CONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA ATIVA III. Em sede de contestação apresentada nestes autos, o recorrente defendeu-se por exceção peremptória, invocando a ilegitimidade activa substantiva do requerente para a causa. IV. Ao decidir pela improcedência da exceção de ilegitimidade substantiva do recorrido em sede de despacho saneador, o qual não pôs termo à causa, o Tribunal a quo conheceu do mérito da mesma sem o processo ter tramitado até final, desconsiderando integralmente a defesa apresentada pelo recorrente, os factos que aduziu e a prova que carreou. V. A ilegitimidade processual é de conhecimento oficioso e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea e), 578º e 278º, nº 1, alínea d), todos do CPC. VI. Diferentemente, a ilegitimidade substantiva, enquanto exceção peremptória, está relacionada com a efetividade da relação material controvertida, respeitando, portanto, ao próprio mérito da causa (vide Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/06/2015, proferido no âmbito do proc.º 505/07.2TVLSB.L1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt), sendo de proceder tal exceção quando alguém se arroga titular de uma relação jurídica material, que se vem a demonstrar não existir. VII. O Tribunal a quo, ao remeter para a decisão provisória que proferiu, no que ao conhecimento da legitimidade substantiva ou material do requerente para a causa diz respeito, viola grosseiramente o direito ao contraditório e defesa do requerido, pois dá a entender que, independentemente do que aquele aduziu em sede de contestação, da prova junta e ainda aquela que irá ser produzida em sede de audiência e julgamento sobre a exceção em questão, mantém a plena convicção de que o recorrido tem legitimidade material para a causa, conhecendo do mérito da mesma. VIII. Note-se que o Tribunal a quo conheceu do mérito da causa sem que pudesse sequer debruçar-se e apreciar a prova oferecida em sede da exceção alegada pelo requerido que se encontra, como se disse, indisponível para consulta desde que proferida decisão provisória nos presentes autos. IX. Assim, resulta claro que ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no nº 3 do art. 3º e incorreu em erro na aplicação do disposto no art. 278º, nº1, al. d), 576º nº2, e 577º, al. e), erro na interpretação do 590º, nº1 e 595º, todos do CPC, devendo o despacho aqui recorrido ser revogado e, consequentemente, substituído por um outro que se abstenha de conhecer de imediato da exceção de ilegitimidade substantiva do requerente, relegando tal decisão para sentença definitiva a proferir. SOBRE A PUBLICIDADE DOS “VÍDEOS” PARA EFEITOS DE PROVA (ref. ª ...29 (16/01/2024), ...01 (07/02/2024), ...71 (21/02/2024)) X. Todas as publicações colocadas em crise pelo requerente e em discussão nos presentes autos, no cumprimento da decisão provisória proferida pelo Tribunal a quo, encontram-se na condição de privadas e indisponíveis para visualização. XI. Essas mesmas publicações são prova documental tanto oferecida pelo requerente, ora recorrente, como pelo requerido, junto com as respectivas peças processuais, cuja reprodução em sede de audiência e julgamento se encontra obstaculizada. XII. Ao contrário do que afirmou o Tribunal a quo, as publicações não se limitam a “vídeos”, pois que estes encontram-se acompanhados por uma descrição em texto, cuja remoção irá perverter e desvirtuar o alcance probatória de tais “vídeos”, em benefício, naturalmente, do requerente, ora recorrido. XIII. O mesmo se diga das publicações colocadas em crise pelo requerido e que correspondem apenas a corpos de texto, estas foram juntas pelo requerente mediante disponibilização do respetivo link (entretanto indisponíveis para consulta) e também através de “capturas de ecrã”, cuja fidedignidade foi colocada em causa pelo requerido por se encontrarem truncadas. XIV. Na presente data essa prova documental, como acontece com as demais publicações colocadas em crise pelo requerente, encontra-se, desde que o recorrente foi notificado da decisão provisória proferida nos presentes autos, indisponível para consulta para qualquer um, onde se inclui o próprio Tribunal a quo e este Tribunal superior, em razão de se encontrarem na condição de privadas, XV. Quanto ao eventual caráter lesivo da conduta do requerido se prolongar através da libertação da prova junta pelo requerido (em parte coincidente com a do requerente), é nosso entendimento que essa preocupação jamais poderá contender com o princípio do contraditório, com especial relevância para a necessidade de defesa do requerido, ora recorrente, por ser demandado. XVI. A necessidade gritante da libertação do conteúdo prende-se ainda com o facto de tal prova serem elementos probatórios de enorme relevância em processos crime a correr os seus termos e que antecedem o presente, cujo normal andamento processual tem sido afetado e inquinado, em prejuízo do aqui recorrente e para a sua defesa. XVII. Quanto às razões de peso que justifiquem a publicidade da prova oferecida, que entendeu o Tribunal a quo inexistir, a compressão do direito a indicar os factos que fundamentam os pedidos e as excepções, de requerer e produzir os meios de prova para os dar como assentes, do direito de defesa e ao contraditório, do contraditório das partes na adequação formal do processo e na gestão processual, do direito à igualdade e equidade processual, são, entre outras tantas, razões de peso substantivo para aceder à pretensão do aqui recorrente. XVIII. Entende-se que a decisão de indeferimento da libertação desse conteúdo proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto no art. 3º, que prevê o mais elementar princípio do contraditório, os arts. 413º e 604º, todos do CPC, e deverá, nessa medida, ser substituído por um outro que possibilite ao requerido, de, sem constrangimentos, reproduzir a prova que ofereceu aos autos, nomeadamente com a libertação das publicações colocadas em crise pelo Requerente. XIX. Se assim não se entender, considerando-se que tal solução resultaria na eventual continuação da alegada conduta lesiva por parte do requerido, deve o Tribunal a quo determinar uma outra resposta ao obstáculo que aqui se expõe, nomeadamente, dando a possibilidade ao requerido de ceder permissão ao Tribunal a quo para visualizar e aceder às publicações que se encontram nestes autos a serem discutidas, sob pena de se violarem os normativos legais supra referidos. DOS FACTOS SUPERVENIENTES XX. Veio o recorrente, mediante articulado superveniente, peticionar a integração de matéria factual superveniente que se prendia, no essencial, com mais um processo crime onde se vê introduzido o requerente, de conhecimento do público em geral e altamente noticiado, conhecido como “Processo da Madeira”, proc.º nº 571/20...., onde assume a qualidade de arguido. XXI. O Tribunal a quo incorreu numa clara contradição ao indeferir o pedido de consideração de factos supervenientes, quando diz que o recorrente “não pode pretender fazer nestes autos uma prova que deve ser feita em sede processo criminal” e, simultaneamente, aceitar enquanto prova e objeto de litígio, os demais processos crime, tanto em curso como já findos, onde o requerente é arguido ou foi condenado (“os processos judiciais envolvendo o requerente” e “imagem pública do requerente”.) XXII. Pois que soube compreender que os processos crime que envolvem o requerente foram trazidos à colação pelo recorrente com particular relevância para o que se alegou enquanto existência de causas de exclusão de ilicitude do requerido, existência de causas que tornam ilícita a invocação do direito pelo requerente e para a exceção de abuso de direito, entre o demais alegado. XXIII. Mas não logrou aplicar o mesmo entendimento para um processo-crime que apenas não foi referido em sede de contestação, a par dos demais, pois a sua existência apenas foi lançada ao público em geral depois da apresentação daquele articulado, verificando-se uma superveniência objetiva. XXIV. Quanto ao argumento de que o recorrente não “juntou qualquer peça processual do processo em causa”, tal como resulta do despacho ora recorrido, jamais tal fundamento poderá ser acolhido, uma vez que à data do requerimento apresentado o referido processo-crime encontrava-se sob segredo de justiça. XXV. Sendo líquido que se tratam de factos objetivamente supervenientes, essenciais para o conhecimento do mérito da causa e gritante pertinência para a boa decisão da mesma, deveria o Tribunal a quo ter decidido pela sua integração. XXVI. Ao decidir pela improcedência da consideração dos factos supervenientes, não lhes reconhecendo a relevância que reconheceu a factos que pretendiam provar exatamente o mesmo e que, por isso, foram considerados e integram os temas de prova, o Tribunal a quo violou grosseiramente o disposto no nºs 1 e 2 do art. 588º e 611º, ambos do CPC, tendo-os aplicado e interpretado de forma errada, assim como aplicou de forma errada os arts. 6º CEDH, 48º CDFUE e 32º nº2 da CRP. XXVII. Pelo que deverá o despacho ora recorrido ser substituído por um outro que decida pela procedência do pedido de consideração de factos supervenientes oferecidos pelo requerido, ora recorrente, no requerimento com data de 07/02/2024, ref.ª citius 15710601, artigos 52º a 63º, sendo os mesmos integrados na matéria factual a ser discutida nos presentes autos. Termos em que, e nos melhores de Direito que V/Ex.as doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-o por acórdão que ordene o Tribunal a quo a (i) se abster de conhecer de imediato da exceção de ilegitimidade substantiva do requerente, relegando tal decisão para sentença definitiva a proferir; (ii) a possibilitar ao recorrente, sem constrangimentos, reprodução da prova que ofereceu aos autos e o acesso às mesmas pelo julgador, nomeadamente com a libertação das publicações colocadas em crise pelo recorrido ou que dê a possibilidade ao recorrente de ceder permissão ao Tribunal a quo para visualizar e aceder às publicações que se encontram nestes autos a serem discutidas, e que, por fim, (iii) decida pela procedência do pedido de consideração de factos supervenientes oferecidos pelo requerido, devendo os mesmos ser admitidos e integrados, nos termos e com os fundamentos do supra exposto, seguindo os autos os trâmites ulteriores, com o que se fará justiça. * O requerente apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. * Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas: . dilucidar se o Tribunal a quo devia ter relegado o conhecimento da “exceção de ilegitimidade substantiva” do requerente para a sentença definitiva a proferir; . determinar se o tribunal a quo deveria permitir a publicidade dos “vídeos” para efeitos de prova; . averiguar se o Tribunal a quo deveria ter decidido pela procedência do pedido de consideração de factos supervenientes oferecidos pelo requerido, devendo os mesmos ser admitidos e integrados na matéria factual a ser discutida nos presentes autos. *** III. FUNDAMENTOS DE FACTOA materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório. *** IV. FUNDAMENTOS DE DIREITOComo se deu nota, o apelante/requerido veio interpor recurso do despacho saneador proferido nestes autos nos segmentos em que se julgou improcedente: (i) a exceção de “ilegitimidade ativa substantiva” do requerente/recorrido; (ii) o pedido para tornar públicas as publicações da sua página de perfil de Facebook e (iii) o pedido referente ao conhecimento dos factos supervenientes alegados no requerimento com a referência nº ...94, datado de 07.02.2024. O aludido ato decisório, na parte que importa para o presente recurso, tem o seguinte teor: “(…) II. Saneamento Sobre a publicidade dos vídeos para efeitos de prova (ref.ª ...29 (16/01/2024, ...01 (07/02/2024), ...71 (21/02/2024)); O requerido veio informar que as publicações em discussão nos presentes autos, constantes da página do requerido na rede social Facebook, estão actualmente na condição de privadas, sendo acessíveis somente ao requerido; vem peticionar que sejam tornadas de novo públicas, para efeitos de reprodução de prova em sede de audiência de julgamento. Em sede de contraditório, o requerente peticionou o indeferimento do requerido. In casu, o Tribunal entende ser de indeferir o peticionado, com fundamento nas seguintes razões: Em primeiro lugar, importa começar por referir que os vídeos em discussão nos presentes autos se encontram juntos aos mesmos, não havendo necessidade de torná-los públicos para efeitos de apreciação da prova. Em segundo lugar, a torná-los públicos antes de ser proferida uma decisão transitada em julgada, existe o risco de continuar a conduta lesiva e que a acção perca totalmente o seu efeito útil, na eventualidade de continuar a ser reconhecida razão ao requerente; sendo reconhecida razão ao requerido, não incorrerá em nenhum prejuízo. Em terceiro lugar, o requerido não alegou nenhuma razão substantiva de peso que justifique a sua publicidade antes do julgamento da causa além da necessidade de fazer prova, a qual não tem fundamento, pelos motivos vertidos supra. Termos em que improcede o requerido. * Sobre a consideração de factos supervenientes: (ref.ª ...29 (16/01/2024, ...01 (07/02/2024), ...71 (21/02/2024));O requerido veio peticionar que fossem integrados na matéria de facto, na qualidade de factos supervenientes, os pontos 53º a 65º do articulado com refª ...01 (07/02/2024), referentes a um processo judicial mediático que envolve o requerente, na qualidade de articulado superveniente e para melhor apreciar a situação em discussão nos autos. Em sede de contraditório, disse, em suma, o requerente que os factos cuja junção aos autos pretende realizar não têm qualquer relevância para a decisão da causa, nos termos e para os efeitos referidos no art 588º do Cód de Proc Civil e que o requerente foi libertado pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, por entender inexistirem quaisquer indícios da prática dos ilícitos criminais. Isto posto: Nos termos previstos no art 588º, n.º 1 a n.º 4 do Cód. de Proc. Civil, até ao encerramento da discussão, o requerente pode peticionar a admissão de actos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes à data da instauração da causa ou de que somente tenha conhecimento deles posteriormente; o juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando i.a: for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa. In casu, está em causa nos presentes autos um conjunto de vídeos nos quais o requerido imputa um conjunto de factos e tece considerações de valor sobre a idoneidade do requerente e da sua eventual responsabilidade criminal; considera i.a: que os factos são relevantes para apreciação (a) da existência de causas de exclusão da ilicitude, (b) a existência de causas que tornam ilícita a invocação do direito pelo requerente e (c) da excepção de abuso de direito. Isto posto: Em primeiro lugar, importa referir que não resulta dos factos alegados que o requerente tenha sido condenado pela prática de qualquer crime; somente que foi detido para interrogatório, tendo sido libertado no final; note-se que nem juntou qualquer peça processual do processo em causa, limitando-se a fazer referência a notícias da imprensa; ora, a este respeito, entendemos que o requerido não pode pretender fazer nestes autos uma prova que deve ser feita em sede própria em sede de processo criminal a de que o requerente deve ser responsabilizado criminalmente ainda para mais com fundamento em meras notícias de jornal sob pena de compressão intolerável do princípio da presunção de inocência (arts 6º CEDH, 48º CDFUE e 32º, nº 2 da CRP). Em segundo lugar, o requerente não alegou nem demonstrou de que os factos cuja junção pretende realizar tenham qualquer ligação com os factos imputados nos vídeos publicados, pelo que não vislumbramos qualquer interesse na sua junção. Do exposto resulta que não vislumbramos qualquer razão para a sua admissão, para efeitos de apreciação das excepções sumariadas supra (art 588º, n.º 1 a n.º 4 do Cód de Proc Civil). Termos em que improcede o pedido de consideração de factos supervenientes. * Sobre a ilegitimidade substantiva do requerente (ponto 10-132 da contestação);O requerido começa por se defender por via de excepção dilatória, invocando a ilegitimidade activa substantiva do requerente para a causa, alegando que o mesmo confunde, ao longo da sua p.i, a identidade entre o requerente AA, a sociedade comercial «EMP02..., SA» e muitas outras entidades do grupo empresarial designado «EMP03...»; na medida em que a acção foi interposta pelo requerente AA, na qualidade de pessoa singular, considera que as frases proferidas pelo requerido foram dirigidas à sociedade comercial ou ao grupo empresarial e não ao requerente na qualidade de pessoa singular; considera não ser possível ao requerente invocar a lesão dos seus direitos de personalidade quando nos vídeos em questão, as frases supostamente difamatórias terem sido dirigidas às pessoas colectivas e nunca ao mesmo; considera ainda não ser possível coligar a expressão «Sr. AA Drogadito», constante numa das imagens, ao requerente, termina peticionando a absolvição da instância. Em sede de contraditório, o requerente considera ter legitimidade activa para a causa, na medida em que os seus direitos de personalidade é que estão a ser afectados, pelo que peticiona a improcedência da excepção. Isto posto: Em primeiro lugar, a legitimidade das partes constituiu um pressuposto processual cujo preenchimento se afigura imprescindível para que o Tribunal possa conhecer do mérito da causa (art. 577º, al.e) do Cód de Proc Civil). A lei constrói o conceito de «legitimidade» em torno do «interesse em demandar»; o autor é considerado parte legítima quando tiver interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como a mesma se encontra configurada pelo autor (art. 30º do Cód de Proc Civil). Por outro lado, recorde-se que a lei distinguiu entre legitimidade substantiva e legitimidade processual; a primeira traduz o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor de um acto jurídico, dela dependendo a procedência ou improcedência da acção; a segunda traduz a possibilidade de conhecimento da causa, independentemente da decisão de mérito sobre a mesma. Ora, muito embora habitualmente a titularidade da relação substantiva e da relação processual coincidam, existem diversos casos em que a própria lei atribui legitimidade a terceiros que não são parte da relação substantiva para a causa. O caso mais exemplar consta do art 286º Cód Civil, onde se atribui legitimidade a «qualquer interessado» para invocar a nulidade do negócio jurídico, mesmo que não seja parte do mesmo. Daí que os dois termos não sejam necessariamente coincidentes. O art. 30º, n.º 3 do Cód de Proc Civil completa estes critérios ao explicar que, na falta de indicação da lei em contrário, se consideram titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como a mesma se encontra configurada pelo autor. Em segundo lugar, atento o exposto, torna-se por demais evidente que o autor tem perfeita legitimidade para demandar. Com efeito, a causa de pedir em que o autor assenta a sua acção consiste em ter-se sentido visado por um conjunto de vídeos publicado numa rede social. Evidentemente que o autor tem pleno interesse em demandar, sendo que o fundamento da sua pretensão haverá de ser apreciado em sede de mérito da acção, pelo que tem inteira legitimidade processual para a causa. A isto acresce que esta questão a da legitimidade substantiva do requerente já foi conhecida na sentença provisória proferida, onde se lê o seguinte: »Em complemento do ponto anterior, note-se que o facto de o requerido se dirigir indistintamente ao requerente e à »EMP02...« é irrelevante para o caso visto que a empresa é conhecida pela face do seu requerente sobretudo em países de média dimensão como Portugal: uma crítica dirigida à rede social Facebook, à ... ou à ... são frequentemente tidas como críticas visando as opções negociais dos Processo: empresários CC, DD e EE, pelo que a imagem do empresário frequentemente é indissociável da empresa. Em abono desta tese temos ainda a circunstância de haver uma relação familiar entre o requerido e o requerente (este é tio daquele e irmão de um dos administradores da »EMP04...«, a sociedade insolvente onde o requerido exercia funções) e de haver um historial de conflito familiar pelo que não é crível que se estivesse a dirigir à »EMP02...« de uma forma abstrata, sem se estar a referir directamente ao requerente.« Pelo que improcede a excepção de ilegitimidade activa (arts 278º, n. º 1, al.d), 576º, n.º 2, e 577º, al.e) do Cód de Proc Civil).(…).” * Por razões de sistemática e lógica processual começaremos por analisar primeiramente a questão de saber se o Tribunal a quo, ao invés do que decidiu, deveria ter relegado o conhecimento da “exceção de ilegitimidade substantiva do requerente” para final. Problema que, neste conspecto, desde logo se coloca é o de saber se esse segmento decisório será passível de apelação autónoma. Como emerge dos arts. 652º, nº 1 als. a) e b), 653º, 654º e 655º, nº 1, o despacho proferido em 1ª instância quanto à tempestividade, admissibilidade, espécie, modo de subida e efeitos do recurso não vincula o tribunal superior, sempre estando ao alcance deste último julgar intempestivo ou inadmissível o recurso em apreço, assim como alterar a sua espécie, modo de subida e efeito. Cabe, assim, nesta oportunidade indagar se se mostram verificados os requisitos formais de admissibilidade do recurso interposto pelo apelante, maxime saber se este concreto despacho pode ser objeto de apelação autónoma ou se, ao invés, terá a sua impugnação de ser relegada para momento ulterior. Como é consabido, após a reforma que foi introduzida ao regime de recursos pelo DL nº 303/07, de 24.08 (que, na essência, se manteve na versão do atual Código de Processo Civil) passou a constituir regra que as decisões interlocutórias apenas são impugnáveis com o recurso da decisão final (ou, se este não existir – por não ser admissível ou por não ter sido deduzido – e se a impugnação tiver interesse autónomo para a parte, em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado), constituindo exceções a essa regra as situações tipificadas nos nºs 1 al. b) e 2 do art. 644º. No caso, o Tribunal admitiu o recurso ancorando-se no regime acolhido na alínea b) do nº 1 do art. 644º[2], no qual se dispõe que “[C]abe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”. Como deflui da exegese do transcrito inciso normativo nele se preveem duas situações em que é admissível apelação autónoma do despacho saneador que haja sido proferido, concretamente: i) que nele, sem pôr termo ao processo, se decida do mérito da causa; ii) ou se tenha absolvido da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. Na espécie interessa-nos a primeira das enunciadas situações, posto que no despacho em crise não teve lugar a absolvição da instância do réu (requerido) em relação a qualquer dos pedidos aduzidos pelo autor (requerente). Consequentemente a questão a apreciar prende-se em dilucidar se o ato decisório sob censura (que não pôs termo ao processo) decidiu do mérito da causa. Ao invés do que sucedia no regime pretérito inexiste agora um preceito delimitador do conceito de decisão que incida sobre o “mérito da causa”. Apesar disso, considerando a evolução histórica a partir da primitiva redação do art. 691º da pregressa lei adjetiva, é possível concluir que tal conceito se encontra definitivamente estabilizado, sem necessidade de expressa consagração legal. Assim, conforme vem sendo sublinhado pela doutrina pátria[3], o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se julgue procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados; outrossim quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se aprecia qualquer exceção perentória (independentemente do sentido da decisão), sendo que, em qualquer dos casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões de facto ou de direito, está sujeita a recurso imediato. Ora, in casu, a decisão em crise não decidiu do mérito no sentido supra definido, já que nela não se julgou parcialmente procedente ou improcedente qualquer dos pedidos formulados pelo requerente, limitando-se a considerar insubsistente um dos argumentos[4] que o requerido aduziu em sustentação da defesa que apresentou perante as concretas pretensões de tutela jurisdicional formuladas pelo requerente - concretamente a alegada existência de “ilegitimidade substantiva do requerente”, aí se referindo, neste particular, que “(…) Ora, muito embora habitualmente a titularidade da relação substantiva e da relação processual coincidam, existem diversos casos em que a própria lei atribui legitimidade a terceiros que não são parte da relação substantiva para a causa. O caso mais exemplar consta do art 286º Cód Civil, onde se atribui legitimidade a «qualquer interessado» para invocar a nulidade do negócio jurídico, mesmo que não seja parte do mesmo. Daí que os dois termos não sejam necessariamente coincidentes. O art. 30º, nº 3 do Cód de Proc Civil completa estes critérios ao explicar que, na falta de indicação da lei em contrário, se consideram titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como a mesma se encontra configurada pelo autor. Em segundo lugar, atento o exposto, torna-se por demais evidente que o autor tem perfeita legitimidade para demandar. Com efeito, a causa de pedir em que o autor assenta a sua acção consiste em ter-se sentido visado por um conjunto de vídeos publicado numa rede social. Evidentemente que o autor tem pleno interesse em demandar, sendo que o fundamento da sua pretensão haverá de ser apreciado em sede de mérito da acção, pelo que tem inteira legitimidade processual para a causa.(…)”. Mais se decidiu no despacho saneador que: “(…) A isto acresce que esta questão a da legitimidade substantiva do requerente já foi conhecida na sentença provisória proferida, onde se lê o seguinte: »Em complemento do ponto anterior, note-se que o facto de o requerido se dirigir indistintamente ao requerente e à »EMP02...« é irrelevante para o caso visto que a empresa é conhecida pela face do seu requerente sobretudo em países de média dimensão como Portugal: uma crítica dirigida à rede social Facebook, à ... ou à ... são frequentemente tidas como críticas visando as opções negociais dos Processo: empresários CC, DD e EE, pelo que a imagem do empresário frequentemente é indissociável da empresa. Em abono desta tese temos ainda a circunstância de haver uma relação familiar entre o requerido e o requerente (este é tio daquele e irmão de um dos administradores da »EMP04...«, a sociedade insolvente onde o requerido exercia funções) e de haver um historial de conflito familiar pelo que não é crível que se estivesse a dirigir à »EMP02...« de uma forma abstrata, sem se estar a referir directamente ao requerente.« Pelo que improcede a excepção de ilegitimidade activa (arts 278º, n. º 1, al.d), 576º, n.º 2, e 577º, al.e) do Cód de Proc Civil).(…).” Significa isto, por conseguinte, que, na economia desse segmento decisório, o Tribunal a quo não tomou posição definitiva sobre qualquer dos pedidos formulados pelo requerente, seja no sentido da sua procedência, seja no sentido da sua improcedência. Verdadeiramente o que o decisor de 1ª instância decidiu e afirmou não foi propriamente a legitimidade substantiva do requerente quanto aos pedidos que aduziu no terminus da peça processual com que deu início à presente demanda, mas antes a sua legitimidade processual para a lide, não decidindo, pois, do mérito da causa. Destarte, considerando que o ato decisório sob censura não é subsumível à fattispecie da referida alínea b) do nº 1 do art. 644º, segue-se, por conseguinte, que, à luz da regra plasmada no seu nº 3, a respetiva impugnação por via recursiva só pode ter lugar a final e com a decisão que, na 1ª instância, venha a pôr termo ao processo. Pelos fundamentos acima expostos, decide-se não conhecer do objeto deste concreto segmento recursivo, porquanto o despacho recorrido não admite apelação autónoma. * Aqui chegados cumpre averiguar se assiste razão ao recorrente quando se rebela contra a decisão que indeferiu a peticionada publicitação dos vídeos em causa nos autos para efeitos de prova, com fundamento, entre outros, no facto de “os mesmos já se encontrarem juntos ao processo, não havendo necessidade de torná-los públicos para efeitos de apreciação da prova”.Argumenta o apelante que essas mesmas publicações são prova documental cuja reprodução em sede de audiência e julgamento se encontra obstaculizada, devendo o tribunal possibilitar ao recorrente, sem constrangimentos, a reprodução da prova que ofereceu aos autos e o acesso às mesmas pelo julgador, nomeadamente com a libertação das publicações colocadas em crise pelo recorrido ou que dê a possibilidade ao recorrente de ceder permissão ao Tribunal a quo para visualizar e aceder às publicações que se encontram nestes autos a serem discutidas. Apreciando. Afigura-se-nos que não tem razão o recorrente nesta sua pretensão. Com efeito, o mesmo pretende que seja dada publicidade aos mencionados “vídeos” para efeitos de prova, quando o próprio Tribunal no despacho recorrido considerou que tais elementos de prova já estão juntos ao processo para o aludido fim. Portanto, o que transparece é que, subjacente a esta pretensão recursória, não estará tanto em causa a utilização desses meios de prova para efeitos endoprocessuais - a qual não está inviabilizada pelo despacho proferido posto em crise, prova documental essa que como o próprio recorrente reconhece ( cfr. cls. nº XI) - foi oferecida quer por si, quer pelo requerente, ora recorrido, juntamente com as respetivas peças processuais, verificando-se, assim, por parte do julgador a observância do princípio da igualdade de armas -, mas sim proporcionar a publicidade dos ajuizados vídeos nas redes sociais, ou seja, torná-los públicos fora do processo, contrariando-se, deste modo, o determinado pela decisão provisória prolatada nos autos. Perante esta realidade, a pergunta que ocorre é igualmente a de saber se tal decisão, com essa configuração, admite apelação autónoma. Com vista à respetiva apreciação recuperamos aqui, por pertinentes, as considerações anteriormente tecidas a propósito da última reforma que incidiu sobre o regime de recursos, nomeadamente as que se prendem com a circunstância de passar a constituir regra que as decisões interlocutórias apenas são impugnáveis com o recurso da decisão final, constituindo exceção as situações tipificadas no nº 2 do citado art. 644º. Resulta dos autos que o tribunal a quo admitiu, neste segmento, o presente recurso como apelação autónoma, convocando o disposto na alínea d) do referido preceito, na qual se postula que “[c]abe ainda recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum (…) meio de prova”. Vejamos então se o despacho recorrido, tendo em conta o seu conteúdo e alcance, pode ser alvo de apelação autónoma. Ora, como se deixou evidenciado, ao invés do entendimento preconizado pelo apelante, no despacho sob censura não se rejeitou (no sentido em que a transcrita al. d) prevê a apelação autónoma) a produção de qualquer meio de prova que haja sido por si requerido, posto que a pretendida publicitação dos vídeos não se situa no âmbito da admissão do meio de prova propriamente dito (pois o que pretende é a publicidade dos vídeos), não podendo, portanto, esse ato decisório confundir-se com o despacho de admissão do meio de prova. Como assim, o despacho em crise não é passível de ser subsumido à fattispecie do transcrito inciso normativo (que dada a sua assinalada excecionalidade não admite aplicação analógica), pelo que, à luz da regra plasmada no n.º 3 do art. 644º, a respetiva impugnação por via recursiva só pode ter lugar a final e com a decisão que, na 1ª instância, venha a pôr termo ao processo. Pelos fundamentos acima expostos, decide-se também não conhecer do objeto deste segmento recursivo, por do mesmo não caber recurso de apelação autónoma. Como quer que seja, ainda que, por hipótese de raciocínio, se considerasse admissível a apelação autónoma, o recurso, nesta fase, sempre teria de improceder, na medida em que se estaria a colocar o Tribunal na situação de decidir contra a sua própria decisão provisória proferida em 26.11.2023, na qual se determinou que todas as publicações em discussão nos presentes autos se encontram na condição de privadas e indisponíveis para visualização, decisão essa que, nos termos da lei adjetiva é irrecorrível, sendo apenas sujeita a alteração nos termos previstos no nº 5 do art. 879º. * Resta, assim, apreciar a última questão recursiva que se prende com o pretendido aditamento/conhecimento dos factos supervenientes alegados pelo recorrente no requerimento dado entrada com a referência nº ...94, em 07.02.2024. Que dizer? Nessa peça processual veio o ora apelante dar notícia da pendência de um novo processo crime onde se vê envolvido o requerente, processo esse “do conhecimento do público em geral e altamente noticiado”, conhecido como “Processo da Madeira”, proc. nº 571/20...., onde aquele assume a qualidade de arguido (cfr. artigos 52º a 63º), pretendendo que essa realidade seja alvo de consideração no âmbito deste processo. Argumenta o recorrente que o Tribunal a quo incorreu numa clara contradição ao indeferir o pedido de consideração de factos supervenientes, quando diz que o recorrente “não pode pretender fazer nestes autos uma prova que deve ser feita em sede processo criminal” e, simultaneamente, aceitar enquanto prova e objeto de litígio, os demais processos crime, tanto em curso como já findos, onde o requerente é arguido ou foi condenado (“os processos judiciais envolvendo o requerente” e “imagem pública do requerente”.) Adianta ser líquido que se tratam de factos objetivamente supervenientes, essenciais para o conhecimento do mérito da causa em função da defesa que apresentou, razão pela qual deveria o Tribunal a quo ter decidido pela sua integração no objeto da instrução. Como anteriormente se deu nota, o julgador de 1ª instância decidiu “pela improcedência do pedido de consideração dos factos supervenientes não só porque não resulta dos factos alegados que o requerente tenha sido condenado pela prática de qualquer crime (resultando somente que foi detido para interrogatório, tendo sido libertado no final), como também nem sequer foi junta qualquer peça processual do processo em causa, fundando-se o alegado em meras notícias da imprensa, sendo que o requerido não alegou nem demonstrou que os factos cuja junção pretende realizar tenham qualquer ligação com os factos imputados nos vídeos publicados”. Sobre a matéria atinente à admissibilidade de articulados supervenientes rege o art. 588º, no qual se dispõe: «1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. 2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência. 3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido: a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento; b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores. 4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior. 5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta. 6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596º.” Da exegese do regime normativo plasmado no transcrito preceito legal, decorre que estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos do direito das partes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. Para esse efeito consideram-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para a apresentação dos articulados normais da ação, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, nesse caso, produzir-se prova da superveniência. O preceito também estabelece prazo para o seu oferecimento, ao estatuir que o novo articulado é oferecido na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento; nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; e na audiência final, se os factos ocorrerem, ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às anteriormente referidas. Do normativo citado também resulta que o articulado superveniente deve ser rejeitado caso se verifique um dos fundamentos taxativamente nele previstos, ou seja, a sua extemporaneidade ou a sua manifesta impertinência, por os factos alegados não interessarem à decisão da causa. Vem constituindo entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência[5] que relativamente ao primeiro dos referidos fundamentos, tal ocorre quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, tendo de se ter em conta que a superveniência de que fala o dispositivo tanto pode ser a objetiva - quando os factos têm lugar já depois de esgotados os prazos legais de apresentação pela parte dos articulados -, como subjetiva, ou seja, quando os factos ainda que tenham tido lugar em momento anterior ao da apresentação pela parte dos seus articulados, certo é que apenas chegaram ao seu conhecimento já depois de esgotados os prazos legais de apresentação dos aludidos articulados. Nesta situação da superveniência subjetiva, a parte está obrigada, além de alegar a data ou o momento em que tomou conhecimento do facto, também de provar a não “censurabilidade” da respetiva superveniência. Já no que ao segundo fundamento de rejeição concerne, os factos alegados em sede de articulado superveniente, e para justificar a apresentação deste último, hão de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão de poder integrar a previsão do nº 1, do art. 5º, quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as exceções aduzidas, considerando que os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz. Determinante é, pois, que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais, maxime porque integradores da previsão da norma aplicável à pretensão ou à exceção. Assim, não é um qualquer facto, ainda que objetiva ou subjetivamente superveniente, que é suscetível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial, e não manifestamente impertinente, para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Neste sentido vem decidindo a jurisprudência, de que constitui exemplo, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 26.01.2021[6], onde se sumaria que “I- Os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração. Só esses, como se refere no nº 2 do art. 611º, têm «segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida»; II - E hão-de ser factos supervenientes - objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento depois de findos os prazos normais para a sua alegação.” In casu, o recorrente defende que, contrariamente ao que foi decidido, se verificam os fundamentos suscetíveis de levar a admitir o articulado superveniente. Para fundamentar o seu pedido, o mesmo reforça que os factos recentes por si alegados, como a detenção do requerente/recorrido, são supervenientes e têm conexão com a matéria alegada na contestação, sendo fundamentais para sua defesa. Da exegese da petição inicial resulta que o demandante recorrido para fundamentar o pedido que formulou nos autos alegou a violação do direito ao bom nome, honra e reputação, resultante da publicação pelo demandado/recorrente dos vídeos identificados no aludido articulado. Após a prolação da decisão definitiva, o demandado recorrente apresentou a sua oposição onde arguiu, a este propósito (i) a existência de causas de exclusão da ilicitude, (ii) existência de causas que tornam ilícita a invocação do direito pelo Recorrido e (iii) o abuso de direito por parte do Recorrente. Com vista a justificar a existência das alegadas causas de exclusão da ilicitude, o recorrente alegou, por um lado, a existência de consentimento do recorrido para a gravação do vídeo publicado na sua página de Facebook a que se reportam os arts. 11º a 17º da petição inicial e, por outro, que a gravação do aludido vídeo teve por finalidade efetuar o registo da alegada conduta ilícita do recorrido. Relativamente às alegadas “causas de que tornam ilícita a invocação do direito” o recorrente alegou que a reputação, bom nome e a honra do recorrido não foram prejudicados pela atuação do primeiro, mas antes pela conduta perpetrada pelo próprio recorrido (cfr. arts. 299º a 352º da contestação). Já no que tange à alegada situação de abuso de direito, tal exceção funda-se (i) na alegada utilização da ação de tutela de personalidade por parte do recorrido para salvaguarda dos direitos e interesses da denominada EMP02..., S.A., (ii) na alegada descontextualização das considerações tecidas pelo recorrente relativamente à EMP02..., S.A., por forma a levar o Tribunal a crer que essas considerações se reportam à pessoa do recorrido, (iii) à alegada existência de consentimento do recorrido para gravação do vídeo publicado pelo recorrente em 2023.10.27, e (iv) na condenação anterior do recorrido no âmbito do Procº nº 68/15.... (cfr. arts. 398º a 446º. da contestação). Perante o exposto, é forçosa a conclusão de que se está perante factualidade superveniente que não assume, em resultado do balizamento emergente dos apontados elementos objetivos da instância, a essencialidade ou centralidade que é legalmente suposta para a admissibilidade de articulado superveniente, não sendo despiciendo sublinhar que, na essência, os factos alegados, mormente a alegada detenção do recorrido para interrogatório - e razões da mesma - têm como fonte as notícias da imprensa, não tendo o recorrente sequer juntado aos autos qualquer peça processual do processo ali mencionado. Como tal, tem de se concluir - como fez o juiz de 1ª instância - inexistir razão para a admissão do articulado superveniente, por o mesmo não conter factos essenciais com interesse para a boa decisão da causa de acordo com a apontada delimitação do objeto do processo resultante dos indicados elementos objetivos da instância, na justa medida em que a materialidade aí articulada não tem qualquer direta e imediata conexão com os factos imputados nos vídeos publicados e que consubstanciam um dos elementos integradores da causa petendi. Nestes termos, tem, pois, o recurso de improceder, mantendo-se as decisões proferidas. *** V. DISPOSITIVO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente, mantendo as decisões proferidas. Custas pelo recorrente. Guimarães, 24.4.2025 Relatora: Des.ª Maria Gorete Morais 1º Adjunto Des. José Alberto Martins Moreira Dias 2º Adjunto Des. Gonçalo Oliveira Magalhães [1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] A norma não é inovadora, pois já figurava na última versão do anterior Código de Processo Civil, mais exatamente na alínea h) do nº 2 do art. 691º, na redação dada pelo DL nº 303/2007, de 24 de agosto: “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: h) Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa”. [3] Cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Almedina, págs. 158-159, RIBEIRO MENDES, in Recursos em Processo Civil, pág. 126 e LEBRE DE FREITAS, in A Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, pág. 172. [4] Sobre a destrinça entre os conceitos de questão e argumento para efeitos de delimitação dos poderes de cognição do tribunal, cfr., por todos, ANSELMO DE CASTRO in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 142, LEBRE DE FREITAS et alii, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 704, ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143 e ANTUNES VARELA et alii, in Manual de Processo Civil, pág. 688. [5] Cfr, por todos, ANTUNES VARELA et al., obra citada, pág. 351 e acórdão da Relação de Guimarães de 11.07.2024, proferido no proc. nº 1818/22.9T8GMR-A.G1, acessível em www.dgsi.pt. [6] Proferido no processo nº 5362/18.0T8CBR-B.C1, acessível em www.dgsi.pt. |