Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2989/17.1T8VCT.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO DE PAISAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

- os direitos de personalidade, mormente o direito a uma ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, gozam de proteção legal, podendo a sua ofensa dar lugar a indemnização a favor do lesado, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual;

- Não existe um direito subjetivo à paisagem, mas sim um direito ao ambiente e, portanto, à proteção da paisagem, mas enquanto um direito que pertence a todos os cidadãos, independentemente de serem ou não proprietários de determinado terreno.

- Isto significa que não se coloca aqui uma autêntica situação de colisão de direitos.

- Não constitui facto ilícito a conduta da R que, com a instalação elétrica ( poste de alta tensão) em prédio contíguo ao pertence aos AA, lhes alterou a vista da paisagem que antes usufruíam, se se submeteu ao competente procedimento administrativo ( o qual não foi posto em causa pelos meios processuais adequados), que licenciou a mesma nos termos legais e regulamentares, passando a instalação elétrica a ser um direito da Ré.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:

(…) e esposa (…), intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra (…) S.A., melhor identificados nos autos, peticionando, a final, a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de € 44.881,00 (quarenta e quatro mil oitocentos e oitenta e um cêntimos), acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito na Rua …, União de freguesias de ..., concelho de Viana do Castelo, composto por casa de habitação de três pisos e quatro divisões implantada num terreno com a área de 1.932,00 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº .../20140521.
Sucede que a DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, nos anos de 2015/2016, no exercício da sua actividade, levou a efeito a construção de um posto de corte de alta tensão – subestação eléctrica, paredes meias com o prédio dos Autores, num terreno contíguo ao da casa dos Autores e dele apenas separado por um caminho público.
Com a referida construção, os Autores viram perigar o seu direito à qualidade de vida, direito ao descanso e ao sossego, bem com a sua saúde, em resultado da exposição aos campos electromagnéticos das linhas de alta tensão que alimentam a referida subestação e atravessam o logradouro do prédio dos Autores. Acresce que tais linhas geram ainda ruídos anormais que perturbam a tranquilidade, o sossego e o ambiente envolvente. Toda a situação criada causa-lhes angústia e desgosto, dano que deve ser compensado com o montante de € 15.000,00.
Acresce que a referida construção, levou a uma desvalorização patrimonial da casa de habitação dos Autores, em € 29.881,00.
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Citada, a Ré contestou, alegando, em suma, que o posto de corte de alta tensão em causa foi licenciado pela Câmara Municipal de …, obteve parecer favorável da Entidade Regional da Reserva Agrícola, e foi licenciado pela Direcção Geral de Energia e Geologia do Ministério da Economia, sendo que nos respectivos projectos de construção foram ponderadas questões de natureza ambiental, estética, técnica e económica. Mais, impugna que as linhas de alta tensão atravessem o logradouro do prédio dos Autores.
Alega, ainda, que os valores dos campos electromagnéticos no local apresentam valores medidos inferiores aos níveis de referência de exposição ocupacional e permanente, sendo inofensivos, assim como o ruído produzido pelas infra-estruturas eléctricas é também muito inferior ao que é consentido pelas regras actualmente em vigor.
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Findos os articulados, procedeu-se à realização da audiência prévia, no decurso da qual os Autores responderam à contestação. Após foi proferido despacho saneador, seguido do despacho de fixação do objecto da causa e enunciação dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento de acordo com o formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:

“decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a Ré a pagar aos Autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
Custas por Autores e Ré, na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).
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É desta decisão que vem interposto recurso pela R, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões:

I. Da discussão do julgamento da causa e da inspeção judicial realizada ao local, resultaram factos absolutamente relevantes para a boa decisão da causa e que não foram levados em consideração na sentença recorrida.
II. A residência em causa não é habitada pelos Recorrentes, sendo-o, sim, pela arrendatária do imóvel – D. C. – ouvida como testemunha em audiência de julgamento e que depôs precisamente naquele sentido.
III. É por isso falso que o habitat que observavam até à construção do posto de corte tivesse sido substituído por outro que lhes é desfavorável.
IV. Na verdade, os Recorridos não observavam a referida envolvente antes da construção da referida infraestrutura, como também a não observam agora, sendo certo que no imóvel não residem, nem sequer residindo em Portugal.
V. É falso que os Recorridos sejam no seu quotidiano confrontados com qualquer impacto ou alteração de cariz paisagístico, porque não residem naquela habitação.
VI. Nesta esteira, o direito de personalidade dos Recorridos, na vertente da perda da qualidade das vistas, do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, não poderia ser atingido por via da construção do posto de corte e respetivas elétricas.
VII. Por outro lado, as infraestruturas elétricas versadas nos autos estão licenciadas pela DGEG, obtiveram parecer favorável da Câmara Municipal de … para efeitos de cumprimento do PDM e ainda parecer favorável da Entidade Regional da Reserva Agrícola, cumprindo todas disposições regulamentares impostas, nomeadamente e desde logo, no que concerne aos níveis de ruído e dos campos eletromagnéticos, bem como quanto ao seu enquadramento paisagístico e ambiental.
VIII. Assim, nenhuma prova foi feita quanto ao alegado impacto visual que desafie o direito ao ambiente e à qualidade de vida dos Recorridos, nos termos consagrado no artigo 66.º da CRP na Lei de Bases do Ambiente.
IX. A abrangência de determinado direito fundamental depende, desde logo, da identificação do objeto de proteção atendendo ao valor e/ou bem jurídico que é efetivamente protegido pela norma de direito fundamental e também da verificação de contra qual o tipo de agressão ou restrição se outorga essa proteção.
X. E é forçoso concluir que nos presentes autos, o bem jurídico que as normas invocadas pela douta sentença do Tribunal a quo protegem (designadamente 70.º, n.º 1, Cod. Civil; artigo 2.º, n.º 1, da Lei de Bases do Ambiente – cuja versão invocada se encontra desatualizada) não foram violadas, inexistindo qualquer conflito entre os direitos que o Tribunal entendeu como presentes nos autos.
XI. Em suma, para os Recorridos, não houve perda da qualidade de vistas, afectação da sua qualidade ambiental.
XII. Motivo pelo qual é essencial para a justa composição do litígio que se insira na matéria de facto provado o seguinte facto: Os Recorridos não residem no imóvel em apreço nos presentes autos.
XIII. Por outro lado, parece-nos, salvo o devido respeito, que o Senhor Juiz do Tribunal a quo deveria ter considerado matéria instrumental que resultou da inspeção judicial realizada ao local.
XIV. Com efeito, no âmbito da referida diligência, foi possível apurar que na envolvência da habitação em causa existe uma oficina da “RENAULT” e do outro lado da Estrada Nacional a unidade industrial “...”.
XV. Pese embora a Meritíssima Juiz tenha considerado que a paisagem e a envolvente da habitação vertida nos presentes estivesse inserida num “habitat verdejante e rural, circundada por árvores, concedendo aos seus moradores o privilégio de ao acordarem sentirem-se em plena natureza e num ambiente rural, foi substituída por uma construção de betão e ferro, alterando totalmente a envolvente natural da referida habitação”, tal envolvente, na verdade, não existia.
XVI. Entendemos como essencial que deveria ser considerado como provado o facto com a seguinte redação: Na envolvente do imóvel em apreço nos autos, para além do poste de corte, existe uma oficina da “RENAULT” e a unidade industrial “...”.
XVII. Da inspeção realizada ao local foi possível apurar que o poste de corte versado nos presente autos está dotado de certificação ambiental, emitida a abrigo da NP ISO 14001:2015, por se tratar de uma infraestrutura paisagística e ambientalmente integrado.
XVIII. A Recorrente procede à arborização da envolvente do posto de corte, garantindo cobertura vegetal de porte arbóreo nas parcelas sobrantes (à da utilizada para construção do posto de corte), afetando-as, então, a sementeiras e extrato arbóreo, assim alcançando a melhor solução arquitetónica e enquadramento paisagístico, nomeadamente a harmonia com toda a envolvente.
Pelo que consideramos dever ser aditado aos factos como provados o seguinte: O parque do qual faz parte o posto de corte encontra-se ambientalmente certificado ao abrigo da NP ISO 14001:2015
XIX. Não há qualquer ação nociva ao ambiente envolvente do imóvel que coloque em causa o ambiente sadio do qual usufruíam e usufruem os seus moradores.
XX. Por outro lado, mesmo que se “numa ida à janela da habitação” o posto de corte se veja, porque existe (tal como se vê a unidade de produção da ... e a oficina da RENAULT), este é visto por quem ali mora, o que não é o caso dos Recorrentes!
XXI. Para que os direitos de personalidade possam gerar uma obrigação de respeito e abstenção de lesão, incorrendo em responsabilidade civil indemnizatória quem os violar., exige-se que se verifiquem os necessários pressupostos legais da responsabilidade civil.
XXII. No caso em apreço não existe qualquer violação dos direitos de personalidade dos Recorridos, sendo certo que os últimos não perderam qualidade de vistas ou foi afetado o seu direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, sendo errado concluir que os seus direitos fundamentais foram afetados.
XXIII. Que os Recorrentes têm direitos - é claro que têm. - mas estes não foram afetados pela Recorrente e pelo direito que esta tem em desenvolver a sua atividade económica.
XXIV. Aliás, a atividade desenvolvida pela Recorrente, apesar de económica, assume um caráter de serviço público, sendo esta concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão e ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho de Viana do Castelo.
XXV. Nessa qualidade, instala infraestruturas ─ como a que está em causa nos presente autos ─ que são consideradas de utilidade pública, conforme decorre do disposto na alínea g) do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 12.º, ambos do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro.
XXVI. Mesmo que se considere estarmos face a uma colisão de direitos – o que pelos motivos expostos não se concebe – não poderíamos olhar para a construção do posto de corte e linhas elétricas como se de meros e banais ativos de uma empresa se tratassem, sendo infraestruturas afetas ao serviço público, que fazem parte do objeto da concessão e de que todos beneficiam.
XXVII. Os direitos de personalidade ─ como manifestação de direitos fundamentais relativos à pessoa humana ─ não constituem prerrogativas absolutas, antes admitindo interferências ou restrições, posto que sejam justificadas pelos objetivos de interesse público a alcançar, sejam proporcionais a esses objetivos e não atinjam a substância do direito protegido.
Dentro do mesmo núcleo, permitimo-nos pensar e dizer que há danos não patrimoniais que, pelo seu diminuto significado, não são indemnizáveis, danos estes que todos devem suportar num contexto de adequação social, em face da cada vez mais intensa e interativa vida social hodierna, que admite e justifica a existência de infraestruturas que permitem usufruir das comodidades disponíveis.
XXVIII. Lendo convenientemente a petição inicial, verificar-se-á que através desta ação os Recorridos não vieram reclamar concretamente uma indemnização decorrente da violação dos seus direitos de personalidade nos moldes em que o dita a sentença.
XXIX. E que – por esse motivo – sempre estaríamos perante uma sentença que em rigor vai mais longe do que é alegado pelos Recorridos.
XXX. Ora, ao contrário do que conclui a sentença recorrido, o conceito de direito de personalidade não é tão extenso que implique a vinculação de terceiros a absterem-se de construir infraestruturas elétricas necessárias para distribuir energia elétrica (que em nada oneraram o prédio dos Recorridos) de explorar as mesmas de modo a não perturbar a vista de prédio vizinho.
XXXI. E dizer isto é o mesmo que dizer que, a nível de direitos de personalidade, ninguém goza de qualquer direito à completa abstenção por parte de terceiros de construção de infraestruturas devidamente licenciadas pelas entidades competentes.
XXXII. O que as pessoas têm direito, enquanto manifestação do direito a um ambiente humano e sadio, é a um nível de vida conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto, o que não foi sequer posto em causa.
XXXIII. Ninguém goza do direito a impedir outrem de edificar (bem como de florestar, de explorar o subsolo, etc.) só para que a paisagem de que vem desfrutando não fique (aos seus olhos, claro está!) diminuída ou degradada.
XXXIV. Paisagem essa que, antes da edificação do posto de corte e estabelecimento das respetivas linhas, nem sequer se mostrava tão verdejante, rural e idílica, como pretenderão fazer crer os Recorridos, atendendo ao tipo de construções já existentes, designadamente a oficina Renault e a unidade industrial ....
XXXV. Tudo o que a Lei de Bases do Ambiente visa é a defesa do ambiente enquanto realidade estética aos olhos da coletividade, e não a defesa das vistas panorâmicas de um qualquer e específico proprietário.
XXXVI. E o que é facto é que a tutela da personalidade pressupõe a existência de uma ofensa ilícita (v. n.º 1 do artigo 70.º do Cód. Civil), assim como o direito de indemnização pressupõe por regra a existência de uma ofensa ilícita e culposamente causada.
XXXVII. Nada disso foi perpetrado pela Recorrente ou se verificou.
XXXVIII. A construção e exploração do poste de cote de ... resolve-se num comportamento lícito, sendo certo que a sua construção constituiu um direito da ora Recorrente, na qualidade de operadora de rede.
XXXIX. Consequentemente, o alegado – mas juridicamente inexistente – atentado a direitos de personalidade dos Recorridos não leva, atentas as características do caso – nem como, nunca poderia levar, contra o que se diz na sentença recorrida, ao dever de indemnização por parte da Recorrente.
XL. Para haver lugar a indemnização tem de existir responsabilidade civil e esta pode ser fundada em factos ilícitos culposos, no risco (responsabilidade objetiva, independente da ilicitude e da culpa) e em factos ou intervenções lícitas.
XLI. Ora, desde logo da matéria de facto provada claramente se retira que a ora Recorrente não cometeu qualquer ato ilícito culposo.
XLII. Ver as coisas em sentido diferente do que fica exposto seria o mesmo que dizer que a Recorrente não gozava do direito de construir as infraestruturas elétricas em causa ou de as explorar e isto é um absurdo, pois que é a própria lei que lhe outorga tal direito.
XLIII. Nem se verifica aqui a violação culposa de um direito subjetivo dos Recorridos, nem uma violação culposa de preceito da lei tendente à proteção de interesses alheios.
XLIV. Ao que acresce que in casu não estamos perante qualquer efeito nocivo proibido por lei.
XLV. A Distribuição De Energia … não está juridicamente vinculada a indemnizar quaisquer eventuais danos, pois que não cometeu qualquer ato ilícito culposo, não é legalmente responsável a título de risco, nem é responsável em decorrência das intervenções lícitas que leva a cabo.
XLVI. O que se passa é que o dano alegadamente em causa é o dano que a toda e qualquer pessoa impõe o desenvolvimento e o progresso, no casso, na dimensão da distribuição de energia elétrica.
XLVII. No que concerne a indemnização por danos não patrimoniais, importa dizer que os que são considerados como indemnizáveis são selecionados com extremo rigor, atendendo-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
XLVIII. É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo e afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada.
XLIX. O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
L. E sem necessidade de mais delongas, este não seria o caso.
LI. Inexiste obrigação de a Recorrente indemnizar os Recorridos, tanto na perspetiva atento todo o enquadramento factual e jurídico do diferendo em discussão.
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Os A não apresentaram contra-alegações.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.

O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido.
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II-FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:


i. Da impugnação da matéria de facto (nomeadamente da utilidade do seu conhecimento).
ii. Da reapreciação da matéria de direito.
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Vejamos a fundamentação de facto que assenta a decisão:

. Factos provados

a) Encontra-se inscrito a favor dos Autores, através da Ap. 669 de 2014/05/21, da descrição nº .../20140521 da Conservatória do Registo Predial ..., o prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro, sito no Lugar ..., Rua …, União de freguesias de ..., concelho de Viana do Castelo, com a área coberta de 131 m2 e descoberta de 1801 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ... urbano (cfr. docs. nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial).
b) Tal prédio urbano foi construído pelos Autores para a sua habitação própria e permanente, tendo sido participado e inscrito na matriz no ano de 1990.
c) Desde há mais de 1, 10, 15, 20 e 25 e mais anos que os Autores, por si e seus antecessores, utilizam a casa de habitação, por si ou por terceiros, procedendo a obras de manutenção e conservação, cultivando o terreno, plantando árvores e leguminosas, limpando-o, colhendo todos os seus frutos e utilidades, pagando as respectivas contribuições e encargos e retirando do prédio todas as utilidades de que era e é susceptível de produzir, o que fazem à vista de toda a gente, sem embaraço de ninguém, de forma continuada e ininterrupta, no convencimento e certeza de que não lesam direitos alheios e com a convicção e ânimo de que são os verdadeiros donos e exercem o correspondente direito de propriedade.
d) O prédio urbano dos Autores ficou integrado numa zona habitacional de pequena densidade e enquadrada numa zona arbórea de ambiente natural, formada sobretudo por árvores resinosas.
e) Situa-se a cerca de 10 Km da cidade de Viana do Castelo.
f) A Ré … Distribuição Energia, S.A. é a empresa concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão em todo o território nacional, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de baixa tensão do concelho de Viana do Castelo. g) Entre os anos de 2015 e 2016, a Ré levou a efeito a construção de um posto de corte de alta tensão, no Lugar ..., União de freguesias de ....
h) Previamente, a Ré apresentou na Câmara Municipal de … um pedido de informação prévia relativo à instalação do posto de corte de alta tensão, em 19/05/2015, registado sob o nº 2934/15, o qual obteve parecer favorável (cfr. doc. nº 2 junto com a contestação).
i) Por deliberação de 08 de Maio de 2015, a Entidade Regional da Reserva Agrícola do Norte emitiu parecer favorável para utilização do solo agrícola integrado na RAN até 4.723 m2, para instalação do posto de corte de alta tensão – freguesia de ... (cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial).
j) A pedido da Ré, foi emitida Licença de Estabelecimento para a referida instalação eléctrica: Posto de Corte 60 KV, através do Despacho nº 5287/2015, publicado no DR, 2ª série, nº 98, de 21 de Maio, da Directora de Serviços de Energia Eléctrica do Ministério da Economia (cfr. doc. nº 4 junto com a contestação).
k) Antes da construção do posto de corte já se encontrava estabelecida uma linha (60 KV) denominada Viana do Castelo/Ponte de Lima, cuja licença de estabelecimento foi concedida por Despacho do Director de Serviços da Direcção Regional de Energia do Porto de 22 de Abril de 1986 (doc. nº 10 junto com a contestação).
l) Para alimentar o posto de corte foi construída uma outra linha de 60 KV, denominada de Linha 60 KV Vila Fria-Feitosa/PC ..., sendo constituída por apenas um vão com 75,16 metros de comprimento, distando, em condições de flecha máxima, 21 metros do solo, e cuja trajectória se encontra em paralelo com o prédio dos Autores.
m) A Direcção Geral de Energia e Geologia atribuiu licença de estabelecimento à instalação da LN Mista 60 KV Vila Fria-Feitosa/PC ..., através do Despacho da Directora de Serviços de Energia Eléctrica nº 5287/2015, publicado no D.R., 2ª Série, nº 98, de 21 de Maio (cfr. doc. nº 7 junto com a contestação).
n) Por deliberação de 14 de Outubro de 2016, a Entidade Regional da Reserva Agrícola do Norte emitiu parecer favorável para utilização do solo agrícola integrado na RAN até 27,16 m2, para instalação de dois apoios inseridos na construção da linha aérea KV Vila Fria-Feitosa/PC ... (cfr. doc. nº 8 junto com a contestação).
o) A instalação eléctrica da Ré é composta pelos postes de alta tensão e pelo parque exterior de equipamento eléctrico e um pequeno edifício de comando, e é vedada a toda a volta por um muro de betão encimado por uma rede metálica.
p) O muro que veda e circunda a instalação eléctrica confronta directamente com o prédio dos Autores pelo seu lado sul.
q) Entre a instalação eléctrica da Ré e o prédio dos Autores, existe um caminho público que lhes dá acesso desde a Estrada Nacional.
r) Quer os postes que sustentam as linhas áreas, quer o parque exterior de equipamento eléctrico encontram-se localizados em frente à habitação do prédio dos Autores.
s) O ruído proveniente da instalação eléctrica, mesmo em condições favoráveis à propagação do ruído, é inaudível do prédio dos Autores.
t) Por causa das alterações paisagísticas e do meio ambiente causadas pela instalação construída pela Ré, e receio que tal instalação prejudique a sua saúde, os Autores sentem-se desgostosos e angustiados, pretendendo vender o seu prédio.
u) Anteriormente a área ocupada pela instalação da ré era composta por um terreno de pinhal.
w) A construção do posto de corte na proximidade do prédio dos Autores causou a sua desvalorização em cerca de € 29.792,00.
v) Os Autores receiam, ainda, que devido à alteração do meio circundante da sua casa de habitação não tenham clientes que a queiram comprar.

2.2. Factos não provados

a) A instalação eléctrica edificada pela Ré é uma subestação eléctrica.
b) As linhas de alta tensão que saem da instalação eléctrica atravessam o logradouro do prédio dos Autores.
c) Os habitantes da casa dos Autores estão expostos aos campos electromagnéticos das linhas de alta tensão que alimentam o posto de corte de alta tensão da Ré.
d) Os campos magnéticos criados pelas linhas de alta tensão são cancerígenos podendo provocar leucemia e, em particular, a leucemia infantil.
e) As linhas que alimentam a instalação da Ré geram ruídos anormais que perturbam a tranquilidade, o sossego e o ambiente envolvente a que os Autores estavam habituados.
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i. Da impugnação da matéria de facto.

Tem vindo a ser entendido de forma maioritária pelos Tribunais Superiores que, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal da Relação não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).
Nessa medida, e seguindo esse entendimento, temos que, no caso em concreto, somos de entender que não se mostra necessária a reapreciação da matéria de facto impugnada, conforme é pretendido pela recorrente, pois que, o presente recurso, ainda que não apreciada tal questão, será sempre de proceder.
Além do mais, e no que respeita à matéria que a ré/recorrente pretende que seja aditada, a mesma consubstancia matéria que não releva para a decisão a proferir, como a seguir veremos.
Face a tal, por se tratar de ato inútil, não se reapreciará a matéria de facto impugnada ( o pretendido aditamento aos factos dados como provados).
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V. Reapreciação de direito.

Dissentindo na aplicação do direito ao caso concreto relativamente à decisão e sua fundamentação quando decidiu de meritis, a R/Recorrente não concorda com a douta decisão recorrida, pois entende que não está juridicamente vinculada a indemnizar quaisquer eventuais danos dos AA, pois que não cometeu qualquer ato ilícito culposo, não é legalmente responsável a título de risco, nem é responsável em decorrência das intervenções lícitas que leva a cabo.

Entendemos que tem razão.

A sentença recorrida analisou juridicamente o caso vertente à luz dos direitos de personalidade. Após ter analisado se qualquer um dos direitos de personalidade dos invocados pelos Autores (direito dos autores ao ambiente, ao repouso, ao descanso) foi ofendido com a construção da instalação elétrica pela Ré (tratando-se de um posto de corte de alta tensão) junto ao prédio daqueles e da casa de habitação que nele existe, concluiu que “o direito ao repouso e descanso, sossego e tranquilidade dos Autores ou de quem quer que habite o seu prédio, não foi ofendido ou atingido em função da emissão de ruídos gerados pelo posto de corte de alta tensão, os quais são inaudíveis na habitação do prédio dos Autores”.
Ainda concluiu que “ os Autores não lograram provar que os habitantes do seu prédio estão expostos a campos electromagnéticos propagados pela instalação da Ré prejudiciais à sua saúde.
Ainda concluiu que “ não se pode considerar qualquer desvalorização do imóvel em função do ruído, campos eléctricos e magnéticos gerados pela instalação eléctrica da Ré.
Já no que respeita à pretendida desvalorização da casa de habitação, na parte em que vem fundada na implantação contígua à instalação eléctrica (posto de alta tensão), inexiste norma expressa que a essa luz estabeleça a responsabilidade da Ré por acto lícito, pelo que não pode proceder (neste sentido Acórdão do STJ, de 03/05/2018, proc. 2115/04.7 TBOVR.P3.S1).
Igualmente, está afastada a responsabilidade por facto ilícito, pois a construção efectuada é legal e foi devidamente licenciada por todas as entidades e organismos públicos. Com efeito, provou-se que a construção e instalação do poste de corte de alta tensão foi licenciada pela Câmara Municipal de …, pela Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional e pela Direcção Geral de Energia e Geologia.”

Sem embargo, entendeu que “ os direitos de personalidade dos AA. foram ofendidos, na vertente de perda de qualidade de vistas, dano que se projeta na esfera dos seus direitos de personalidade, designadamente no direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e na sua qualidade de vida”. Que também a ora apelante tinha direitos, mas que, verificando-se uma situação de colisão de direitos, deveria prevalecer o direito dos AA.

Vejamos.

O objeto de recurso cinge-se, essencialmente, à questão de saber se a construção levada a cabo pela R, viola algum direito de personalidade dos AA (na vertente de direito subjetivo à paisagem).
Antes porém, diga-se, respondendo à conclusão-XXVII e XXIX- que a sentença ao analisar o caso vertente à luz daquela temática da violação de direitos de personalidade não vai mais longe daquilo que é alegado pelos AA e conforme é sustentado pela recorrente.
Com efeito, o enquadramento jurídico (feito na sentença) pode ser livremente alterado, tanto mais quanto é certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC). (1)
No entanto, dir-se-á que os AA invocaram, além do mais, o seu direito de personalidade, nomeadamente na vertente da qualidade de vida ( vide art. 20º e 21º da p.i.), a prevalecer sobre o direito de propriedade da R, e pretendiam a proteção legal ao abrigo do disposto no art. 335.º do CC. ( vide art. 22º da p.i.), pelo que a sentença manteve-se ainda dentro do enquadramento jurídico alegado pelo AA na p.i.
Neste particular, e fazendo um parentesis, dir-se-á que a questão em análise convoca, desde logo, o tema da produção ou emissão de “fumos, ruídos e factos semelhantes” ( situando-se o caso vertente porventura nos “factos semelhantes) lesivas de direitos individuais ou coletivos, sendo certo que a nossa jurisprudência, consistentemente e desde há vários anos, invoca normalmente uma tríplice tutela jurídica (entre outros, ASTJ de 17.1.2002 e de 2.12.2013, disponíveis em www.dgsi.pt): (i) a da tutela do direito de propriedade, designadamente no domínio das relações de vizinhança (art. 1346º do CC); (ii) a do direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.º, da CRP e Lei 19/2014, de 14 de Abril – anteriormente Lei 11/87, de 7 de Abril) e (iii) a dos direitos fundamentais de personalidade, o direito à integridade moral e física, ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25º, 26º, n.º 1 da CRP e art. 70º do CC).
Estando aqui unicamente em causa a referida “ perda de qualidade de vistas” – afastado o receio de perigo - o alegadamente causado pela existência do campo elétrico e magnético criado pelas linhas de média tensão e a produção de ruídos–, não há, no caso dos autos, que proceder à ponderação dos direitos conexos com a relação de vizinhança, a partir da violação do dever geral de precaução ou de prevenção do perigo, ou de um dever geral de diligência, por parte da Recorrida (ao cumprimento do dever de conservação e de devida exploração, este conforme o projeto licenciado).

E deverá a questão ser apreciada à luz do disposto no art. 335º do CC, no quadro de colisão, por um lado, dos invocados direitos dos AA., constitucionalmente garantidos (CRP, arts. 17º, 25º e 66º, cits.) e, por outro, do direito da Recorrida à organização e exercício da sua atividade económica (nas suas plúrimas concretizações), ainda que atividade de interesse público, na promoção do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas e igualmente com tutela constitucional [CRP, arts. 61º, nº 1 e 80º, alínea c)]?

Para a resposta a tal questão importa analisar se existe um direito subjetivo à paisagem.

Prima facie, começando a dilucidação das questões levantadas, diremos o seguinte.
Fora de dúvida que os direitos de personalidade gozam de proteção legal, conforme o art. 70º do CC, que logo no seu nº1 estabelece que “ a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
Além desta cláusula geral de tutela, o Código Civil prevê outras normas que tutelam alguns direitos de personalidade ( art. 71º a 81 e 484º).
A constituição vigente, também sem referir expressamente a categoria dos direitos de personalidade, ocupa-se dos direitos fundamentais, entre os quais se encontram diversos direitos de personalidade.
“ Trata-se de direitos subjetivos…, direitos absolutos…não patrimoniais ou pessoais…indisponíveis…intransmissíveis… e em certo sentido imprescritíveis" (2)
Assim sendo, a nossa Lei Fundamental, nos seus artigos 1.º, 2.º, 69.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, nº 2, e Declaração Universal dos Direitos do Homem, que constitui um instrumento vinculativo para o Estado Português, nos seus artigos 6.º e 29.º, n.º 1, garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano, assim como a nossa lei ordinária, conforme resulta, designadamente do artigo 70.º do Código Civil, instituindo a tutela geral de personalidade.

Não se discute que são direitos de personalidade, objeto da tutela conferida pelo art. 70º dom CC, além de outros, o direito ao ambiente de vida humana ( sadio e ecologicamente equilibrado), tutela essa contra qualquer ofensa ilícita ( independentemente da existência de culpa) e contra qualquer ameaça concreta de ofensa ilícita.

A lei estabelece no nº2 do art. 70º do CC duas modalidades de reação do titular do direito de propriedade que podem ser cumuladas ( além de poder ser ponderado o recurso à sanção compulsória do nº1 do art. 829º do CC):

a) o recurso à responsabilidade civil, desde que preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco ou por factos lícitos;
b) o requerimento de providências adequadas às circunstâncias dos caso.

No caso vertente, para além de não ter sido requerida qualquer providência, e afastada que está a responsabilidade objetiva e a responsabilidade por ato lícito por inexistir norma expressa que a essa luz estabeleça tal responsabilidade, igualmente não se provou, tal como concluiu a sentença, que com a implantação do poste de eletricidade no terreno contíguo à casa dos AA, a R tivesse incorrido em qualquer responsabilidade por factos ilícitos nos termos do art. 483º do CC, porquanto a construção efetuada é legal e foi devidamente licenciada por todas as entidades e organismos públicos. Acresce ter-se provado que a construção e instalação do poste de corte de alta tensão foi licenciada pela Câmara Municipal de …, pela Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional e pela Direcção Geral de Energia e Geologia.
A Ré, com tal instalação, exerceu um direito legítimo, pelo que não se provou qualquer ato ilícito da sua parte com a implantação do dito poste.
"De igual modo, estaremos no mero plano da licitude, nos casos de colisão de direitos, existentes e válidos, mesmo que desiguais e em que um deles deva considerar-se superior, com prevalecimento, nos termos do nº2 do art. 335º do CC. Com efeito, em tal prevalecimento não há propriamente um ato lesivo de direito anterior, mas condutas licitas axiológico-juridicamente preferidas e impostas pelo sistema jurídico" (3)
Sem embargo, seria assim, caso o direito de que se arrogam os AA tenha existência e seja válido.

Provou-se que por efeito da instalação elétrica (do poste de alta tensão) pela R, e por efeito da respetiva exploração, deixaram os AA. de usufruir da mesma paisagem que usufruíam antes ( anteriormente a área ocupada pela instalação da ré era composta por um terreno de pinhal- facto u) provado).
No que à perda de paisagem aprazível, que terá ocorrido, entendemos, desde logo, que o direito de propriedade não engloba, por si só, um direito à paisagem e também não cremos ter existência um “ direito subjetivo à paisagem”, nomeadamente um direito à paisagem que possa impor aos proprietários confinantes, designadamente impedindo-os de edificar de acordo com autorizações administrativas regularmente concedidas para o efeito.
É consabido que é fenómeno, diríamos quase universal, o aumento desregrado da população, nomeadamente urbana. Basta olhar para o crescimento das principais cidades do nosso País para chegar à conclusão de que onde existiam há bem pouco pequenas casas com jardins ou quintais, hoje pululam urbanizações que “sufocam” essas pequenas residências. E, nem por isso, os proprietários que já ali residiam têm, por esse facto, direito a qualquer indemnização porque “a paisagem mudou” (4).
O conceito de direito de personalidade não é tão extenso que implique a vinculação de terceiros a absterem-se de usar e fruir de um prédio…desfrutar de um cenário paisagístico natural interessante aos olhos de cada um (e ainda por cima à custa de bens e recursos naturais em grande parte necessariamente alheios...) não é um quid subsumível ao conceito de direitos de personalidade. Ninguém goza do direito a impedir outrem de edificar (bem como de florestar, de explorar o subsolo, etc.) só para que a paisagem de que vem desfrutando não fique (aos seus olhos, claro está!) diminuída ou degradada. Também neste domínio, tudo o que a lei – v. artigo 18.º, n.º 1 da Lei de Bases do Ambiente - visa é impor à Administração (Central, Local e Regional) uma atuação de modo a que na implantação de construções, infraestruturas e aglomerados urbanos não se provoque um impacto violento na paisagem preexistente. A defesa aqui é a do ambiente enquanto realidade estética aos olhos da coletividade, e não a defesa das vistas panorâmicas de um qualquer proprietário.» (5)

E ainda que se invocasse ( o que não é feito, nem pelas partes, nem na sentença), como aconteceu nos Acs. da RE de 22.09.2016 e Ac STJ de 06.09.2011, a Convenção Europeia da Paisagem, feita em Florença em 20 de Outubro de 2000 e recebida no direito interno pelo Decreto n.º 4/2005- que tem por objetivo promover a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem e organizar a cooperação europeia neste domínio- , tal convenção não cria, contudo, na esfera dos particulares um direito subjetivo à paisagem, não dispondo de normas destinadas diretamente a tutelar o interesse particular.

Lê-se naqueles arestos “ A sua finalidade é estabelecer um conjunto de critérios para as autoridades dos Estados signatários, para que adotem políticas locais, regionais e centrais adequadas e favoráveis ao correto ordenamento do território.
De facto, refere-se no preâmbulo da Convenção o seguinte: «considerando que a paisagem desempenha importantes funções de interesse público nos campos cultural, ecológico, ambiental e social e que constitui um recurso favorável à atividade económica, cuja proteção, gestão e ordenamento adequados podem contribuir para a criação de emprego».

O que está em causa é, segundo se crê, um interesse geral da coletividade na ordenação, requalificação ou preservação da paisagem e não o interesse particular e subjetivo de um qualquer proprietário, que apenas indiretamente poderá sair beneficiado pelas obrigações decorrentes da mencionada Convenção”.

Em resumo, e conforme ressuma do citado AC do STJ de 06.09.-2011 “ a nossa Constituição consagra o ambiente não apenas como um direito fundamental do cidadão, mas também como tarefa fundamental do Estado (cof. Art.º 9 d) e e) ) ou seja, encara o ambiente simultaneamente numa dimensão objectiva e subjectiva.
Podemos, pois, concluir, que existe um direito subjectivo ao ambiente, no âmbito do qual está contemplada a preservação da paisagem, mas sem nunca esquecer que, como diz José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias (Boletim da Faculdade de Direito nº 29-37) “O reconhecimento da existência de um direito subjectivo ao ambiente não deve, fazer com que se perca o seu carácter de bem jurídico unitário de toda a comunidade; por outras palavras, a titularidade individual de um direito subjectivo ao ambiente não traz consigo a subversão do ambiente como um bem jurídico colectivo”. Porém, seja como for, quer se considere o direito à paisagem com a densificação pretendida pelo A., quer como mero componente do direito ao ambiente (como nos parece ser o mais correcto), em qualquer caso, nenhum desses direitos faz parte do estatuto real do direito de propriedade (não se integra na liberdade de usar, fruir ou dispor, que caracteriza o direito de propriedade).
Basta pensar que o direito ao ambiente e, portanto, como se viu, à protecção da paisagem, é um direito que pertence a todos os cidadãos, independentemente de serem ou não proprietários de determinado terreno.
Estamos no âmbito de um direito de personalidade e não de um direito real”.

Sem embargo, no caso vertente, provou-se que por efeito da instalação elétrica (do poste de alta tensão) pela R, e por efeito da respetiva exploração, deixaram os AA. de usufruir da mesma paisagem que usufruíam antes ( anteriormente a área ocupada pela instalação da ré era composta por um terreno de pinhal- facto u) provado).
Ora, o que está em causa no presente recurso é a privação do desfrute de algumas vistas por causa do impacte visual da instalação elétrica que antes da sua construção não tinham, pois usufruíam de outras vistas, frustrando-se, assim, a sua idealização para o seu futuro.

Face ao que acaba de ser dito, não estamos aqui perante verdadeiros direitos de personalidade, mas, quanto muito, perante expetativas (6) criadas pelos autores de jamais se verem privados daquilo a que estavam acostumados ( admitidas conforme art. 20º da p.i.). Não é a mesma coisa. (7)

Isto significa que não se coloca aqui uma autêntica situação de colisão de direitos.

Mas mesmo que se visse no caso a presença de verdadeiros direitos de personalidade dos Autores, nunca estaríamos perante uma situação que pela sua gravidade ou anormalidade se devesse considerar excluída pelos riscos próprios da vida em comunidade, mas sim perante pequenos incómodos e aborrecimentos que sempre têm de ceder em face da ordenação que a R pretendeu dar ao seu direito. (8)


Tenha-se presente, por último, que não se trata de uma situação de privação total ou significativa de sol, luminosidade ou vistas, mas de uma relativa alteração das vistas (nada está provado que o signifique, muito pelo contrário infere-se que se trata de uma pequena alteração de vistas panôramicas).

Acresce que sempre se poderia questionar aqui, como fez o recorrente ( e daí a sua pretensão no aditamento de um dos factos: de que os AA não residem na habitação, sua propriedade) o seguinte: não residindo os AA no imóvel de que são proprietários, e nessa medida não estabelecendo relações de vizinhança com o prédio onde a R tem as suas instalações elétricas, não seriam titulares do direito de que se arrogam, suscetível de afetar os seus direitos de personalidade (9)

Ainda sempre se poderia questionar quem afinal seria o responsável por eventual indemnização: o construtor da instalação elétrica, a entidade que licenciou, o proprietário do terreno onde se construiu?

É que não se olvide que o dever de indemnizar implica o nexo de causalidade entre o facto e o dano. E o facto é a construção e a implementação da instalação elétrica. Estar-se-ia perante uma hipótese de concorrência de causas?

Seja como for, a verdade é que pelo que se disse, não existindo um direito à paisagem, na dimensão pretendida pelos AA, nem se podendo ele englobar no direito de propriedade, mostra-se fenecida a pretensão dos AA, não podendo os mesmos obter qualquer indemnização.
Haverá pois que revogar a decisão apelada.
*

III- Decisão:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente por provada e, em consequência, revoga-se a decisão apelada, substituindo-a por outra que julga a ação totalmente improcedente por não provada, o que se declara.

Custas pela recorrida.
Guimarães, 21.11.2019

relatora: Anizabel Sousa Pereira
adjuntos: Rosália Cunha (não assina por não estar presente, mas votou em conformidade)
Lígia Venade


1. Neste sentido, vide AC da RL de 26.03.2015.
2. in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, Portuguesa, p. 171, 172.
3. in “ O Direito Geral de Personalidade”, Capelo de Sousa, p. 436
4. vide Ac RE de 22.09.2016 trata de um caso em que a construção que a requerida estava a edificar, era uma moradia, sendo tal construção autorizada pela Câmara Municipal; a construção desenvolvida pela requerida estava, pelo menos, a seis metros de distância do lado Sul da fração da recorrente e à frente desta, lado a lado, o que se traduziu numa diminuição das vistas panorâmicas.
5. Ac da RG de 28.04.2004, Relator : Manso Rainho.
6. Lê-se no Ac da RP de 28.01.2002, a propósito: “Dissertando sobre aquela figura jurídica, escreveu, magistralmente, o Prof. Inocêncio Galvão Telles (in “Direito das Sucessões”, Ed. de 1971, pags. 98):...”A esperança tem mero conteúdo psicológico ou quando muito económico: é um simples esperar, um simples prever ou admitir certo acontecimento futuro como mais ou menos provável. Não possui conteúdo jurídico porque a lei não a rodeia de tutela especial não adoptando providências tendentes a assegurar a sua efectivação. A expectativa ao contrário é uma esperança fortalecida pela intervenção do legislador que procura abrir-lhe caminho criando condições para que se torne realidade... Existem direitos cuja constituição ou aquisição é de gestação demorada. Essa gestação começa com um facto e finda com outro, porventura muito mais tarde. Há um processo de formação sucessiva, gradual. Só terminado o processo, percorrido o ciclo, o direito nasce ou é adquirido. Ora pode acontecer que a lei proteja no intervalo o interesse da pessoa a quem o direito se destina. Durante o estado de pendência o interessado goza de uma expectativa no significado jurídico próprio da palavra”. E, remetendo para as reflexões constantes do seu trabalho “Expectativa Jurídica” ( in “O Direito”, Ano 90, pags 3-4): “A expectativa é mais do que a esperança e menos do que o direito. Mais do que a esperança porque beneficia de uma protecção legal traduzida em providências tendentes a defender o interesse do titular e a assegurar-lhe quanto possível a aquisição futura do direito. Menos do que o direito porque ainda não é este: é o seu germe, o seu prenúncio ou guarda avançada, como que o direito em estado embrionário”....Finalizando, nesta temática: “A expectativa representa uma situação jurídica imperfeita ou prodrómica, germe de futura situação jurídica perfeita. Enquanto o direito está a formar-se a posição do interessado é esta, vista no seu conjunto. Mas a expectativa é acompanhada ou seguida de direitos menores, instrumentais, que precisamente permitem ao interessado agir concretamente neste ou naquele sentido em defesa do seu interesse. Não há um direito global, há direitos parcelares orientados em várias direcções e que são as vias de realização prática da tutela legal que eleva a esperança a expectativa como realidade jurídica”.
7. vide neste sentido, em caso semelhante, Ac da RG de 28.04.2014; relator: Manso Rainho e ainda citando este Acordão, o AC. da RE de 22.09.2016
8. A este propósito, Capelo de Sousa, in ob. cit., p. 555, 556, fala em prejuízos que todos devem suportar num contexto de adequação social ( segundo o projeto do código alemão,” prejuízos que são de aceitar, segundo a conceção mais sensata, na vida em comum), cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e, que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interativa vida social hodierna. Assim tem decidido a jurisprudência, além dos arestos já citados, e quanto à temática da emissão de poluição do ar e ruído: no Ac da RP de 28 de Janeiro de 2003 (WWW.dgsi.pt) decidiu-se que a construção de uma auto-estrada pela concessionária Brisa não confere direito de indemnização aos donos dos prédios urbanos que se situam nas imediações, pelas desvantagens resultantes da passagem da mesma auto-estrada, como sejam a redução substancial da insolação ou criação de ruídos. No mesmo preciso sentido se veio a pronunciar o STJ no seu Ac. de 25 de Setembro de 2003 (WWW.dgsi.pt). Afinal, tudo se traduz, como já se disse no AC desta RG proferido na apelação nº 377/04, no uso de um pouco de sensatez. “É que (...), hodiernamente (vivemos num mundo complexo e industrializado, buliçoso) justifica-se que as pessoas tolerem até certo ponto a pequena poluição causada pelo seu semelhante, incomodidade esta a que, aliás, tendemos a criar alguma habituação. Também nas relações de vizinhança se terá que entender que só quando a poluição ultrapasse aquilo que é razoável aceitar-se é que se justifica a tomada de medidas (...)”.
9. O AC do STJ de 07-011-2017, Relator: Hélder Roque, assim o considerou: com o seguinte sumário: “Não residindo a autora, nem tendo casa de habitação no prédio contíguo aquele donde são emitidos ruídos incomodativos proveniente do funcionamento de aerogeradores, não estabelecendo relações de vizinhança com o mesmo prédio, não é titular do direito de oposição à produção desses ruídos, suscetível de poder vir a afetar os seus direitos de personalidade.”