Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
194/19.1T8EPS.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
ADMINISTRAÇÃO/CONSERVAÇÃO
DANOS CAUSADOS EM FRACÇÃO AUTÓNOMA
RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É sobre a administração do condomínio, enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, e sobre o conjunto dos condóminos através da respectiva assembleia, enquanto órgão deliberativo, que recai o dever de administrar e conservar as partes comuns, de modo a que destas não decorram danos para terceiros ou para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma.
II- Significa isto que o titular de uma das fracções do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respectiva responsabilidade do condomínio verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (acção ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjectivo ou de qualquer disposição legal dirigida à protecção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
III- Nesse sentido, por força da aplicação do regime do art. 493.º, n.º 1 do Código Civil, quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos causados pela coisa, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

P. L. e D. L., casados entre si, residentes na rua ..., Esposende, propuseram acção declarativa de condenação contra CONDOMÍNIO EDIFÍCIO X, sito na rua …, Esposende, representado pela administradora Y – Administração de Condomínios, Lda., pedindo que se condene o réu:

a) a proceder à limpeza e extração dos resíduos das partes comuns do prédio destinados ao escoamento de águas pluviais;
b) a indemnizar os autores, reconstituindo a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o facto gerador da responsabilidade, pelos prejuízos causados, a título de danos patrimoniais, na quantia de 7.688,00€ (sete mil seiscentos e oitenta e oito euros) acrescida de juros legais, desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegaram, para tanto e em resumo, que tiveram uma inundação na sua fracção autónoma em consequência do entupimento do tubo destinado ao escoamento de águas pluviais de todo o prédio, entupimento esse com resíduos diversos que ocorreu por falta de limpeza que o réu devia fazer.
Referem que, tal inundação, provocou danos nos móveis dos autores no valor peticionado.
*
Citado, o réu veio apresentar contestação, aceitando somente a ocorrência da inundação, impugnando o demais alegado pelos autores e alegando que o entupimento se deu por falta de limpeza da varanda dos autores.
*
Dispensou-se a realização da audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, tendo-se procedido à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente, e, em consequência, condenou o réu no pagamento aos autores da quantia € 7.688,00 (sete mil seiscentos e oitenta e oito euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal fixada para as obrigações civis, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
*
II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio o Réu interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1-A douta sentença sob recurso na exposição da respectiva fundamentação, materializada no raciocínio desenvolvido, colide com os fundamentos de direito.
2– Consta da matéria dada como provada que os Recorridos são donos e legítimos proprietários de uma fração autónoma designada pelas letras “BM”, 2º andar, porta E, de um prédio urbano sito na rua ..., freguesia e concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
3– Consta, ainda, provado que a referida fracção autónoma foi alvo de uma inundação que teve origem na acumulação de água da chuva na varanda da sala, água essa que, por força da sua acumulação, entrou pela referida sala, pela cozinha, hall de entrada e quarto;
4– A água da chuva acumulou-se na varanda porque o tubo de escoamento de águas pluviais estava entupido com resíduos, designadamente, uma meia;
5– O referido tubo era apenas acessível pelo interior ou pela varanda da fracção dos Recorridos.
6- Partindo destes factos, entendeu o Tribunal “a quo”, que tendo os Recorridos alegado e provado que a inundação se deu por causa do entupimento do tubo de escoamento das águas pluviais, estamos no âmbito da presunção de culpa consagrada no artigo 493º., nº. 1, do Código Civil, cabendo, como tal, ao aqui Recorrente provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte.
7- Como consta da factualidade dada como provada, a inundação teve como causa a água da chuva que acumulou na varanda da fracção autónoma dos Recorridos porque o tubo de escoamento de águas pluviais estava entupido com uma meia, tubo esse que era apenas acessível pelo interior ou pela varanda da fracção.
8- Ora, da factualidade dada como assente, e demais documentos existentes nos autos, não pode deixar se de considerar elidida a presunção na medida que os danos teriam ocorrido, mesmo sem culpa sua.
9- A causa do entupimento não foi a falta de manutenção do tubo de escoamento das águas pluviais por parte do Recorrido. Aliás, na sentença ora em recurso nada se diz a esse propósito. A causa, como já referido supra, foi uma meia que entupiu o referido tubo que, repita-se, apenas era acessível pelo interior ou pela varanda da fracção dos Recorridos.
10- Significa, pois, como resulta da normalidade, que ainda que o Recorrente tivesse limpo naquele próprio dia em que ocorreu a inundação o referido tubo, a meia poderia ter caído pelo ralo da varanda dos Recorridos escassos minutos ou horas depois e ainda assim provocaria os mesmos danos.
11- A infiltração ocorrida por força do entupimento do cano de escoamento de águas pluviais devido a uma meia não pode deixar de se considerar que, apesar da vigilância, era manifestamente impossível de prever ou detectar por parte do Recorrente, tanto mais tal tubo que não é de fácil acesso e apenas através da fracção dos Recorridos.
12- Cremos que não seria de afastar a presunção de culpa do referido artigo 493.º do Código Civil se o entupimento tivesse ocorrido, por exemplo, em virtude do acumular de calcário ou gordura na própria tubagem, o que indicia ter sido um processo lento e gradual, decorrente da utilização da mesma ao longo do tempo, sem a devida manutenção ou verificação adequada, o que não é o caso dos autos.
13- Tanto assim é que os próprios Recorridos, sabendo que o Recorrente não teve qualquer culpa no ocorrido, participaram à seguradora da sua fracção o sinistro ocorrido, acabando esta por indemnizar aqueles quanto à substituição do piso do apartamento, constituído em madeira.
14- Os Recorridos alegam nos artigos 12º. e 13º. da Petição Inicial que a sua seguradora só não os ressarciu dos prejuízos que resultaram da detioração dos móveis (que pedem através da presente acção) porque não estavam cobertos pela apólice.
15- Significa, pois, que caso os bens móveis (vulgo “recheio”) estivessem cobertos pela apólice os danos ocorridos noa mesmos teriam sido ressarcidos pela seguradora.
16- Facilmente se conclui, até pela leitura do auto de vistoria a que a fracção foi sujeita aquando da peritagem, que se a culpa na produção dos danos ocorridos fosse do Recorrente jamais a seguradora indemnizaria os Recorridos de qualquer prejuízo daí decorrente, o que não foi o caso.
17- Tais factos constam comprovados pelos documentos juntos aos autos em 13/02/2020 pela própria seguradora (em cumprimento do douto despacho de 07/02/2020), bem como pelos próprios Recorridos em 22/01/2020.
18- Significa, pois, como o devido respeito, que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação do artigo 493º. do Código Civil, atenta a matéria dada como provada bem como em face dos documentos juntos aos autos e, como tal, uma incorrecta aplicação do direito ao caso em apreço.
19- Não se mostra, pois, consentâneo com a matéria dada como provada e respectivos documentos juntos aos autos, em conjugação com a respetiva motivação, que o Tribunal “a quo”, com o devido respeito, tivesse ignorado a relevância negativa da causa virtual ao não considerar que o Recorrente nenhuma culpa teve da sua parte, sendo notório em face dos elementos do caso em apreço, e supra referidos, que os danos continuariam a verificar-se, mesmo que não houvesse culpa sua.
20- É demasiado forçoso na aplicação do direito aos factos concluir-se, como sucedeu na decisão ora em apreço.
21- A ser assim, os condomínios em geral nunca terão a hipótese de afastar a presunção de culpa que sobre eles recai quanto a esta matéria. Podemos, até, ficcionar a hipótese de algum condómino mais descontente com o condomínio ou pouco “sério” pretender obter uns móveis novos e, como tal, sabendo que o tubo de queda de águas pluviais não é acessível pelo exterior, mas apenas pela sua fracção, entupir propositadamente o mesmo, com algum objecto (como uma meia como sucedeu no caso em apreço ou qualquer outro como uma lata, garrafa, etc…) e assim ter, automaticamente, sucesso na sua pretensão, sem hipótese do condomínio poder afastar a sua responsabilidade por força da presunção de culpa.
22– No caso dos autos, não se tendo apurado a forma como a meia se introduziu no tubo, mas sendo certo que a mesma foi a causa do entupimento, e que apenas se tem acesso ao referido tubo através da fracção dos Recorridos, que se situa no segundo e último andar do prédio, impor-se-ia que a douta sentença em apreço tivesse decidido em sentido diverso daquele para que aponta.
23- Ao fazê-lo de modo diverso, resulta erro de fundamentação, erro na aplicação do direito (artigo 493º., nº. 1 do Código Civil), reapreciação essa que os aqui Apelantes, pretendem que o Tribunal “ad quem” efectue.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida, julgando em conformidade com as supra referidas conclusões, e concedendo provimento ao presente recurso, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA!
*
Os AA. vieram apresentar as suas contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

1-A douta sentença recorrida, apesar de os recorridos não concordarem minimamente com parte da matéria de facto dada por provada, no que ao direito aplicado diz respeito não merece reparo absolutamente algum.
2-Conforme decorre da lei, é ao condomínio que cabe o dever de vigilância, conservação, manutenção e reparação do prédio, in casu, dos tubos de escoamento de águas pluviais do prédio.
3-Conforme provado, a recorrente não tomou os deveres que estava obrigada, não servindo de desculpa o facto, conforme alegam, de não ter acesso às fracções para procederem à limpeza do tubo.
4-Conforme resulta do depoimento de parte do gerente da empresa de condomínios que administra o prédio, ao tubo de escoamento de águas pluviais, através da cobertura tem acesso ao mesmo, pelo que é falso que só possam proceder à sua limpeza através das fracções do prédio.
5-Em suma, não colhem as conclusões da recorrente, devendo manter-se o decidido em 1.ª instância, no que toca à matéria de direito.
6-O recurso deve ser, pois, improcedente.

Sem prescindir, e a título subsidiário

II. DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO - artº 636º, nº 2 do CPC:

7-Os recorridos pretendem ampliar o âmbito do recurso nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 636 do Código de Processo Civil.
8-O ponto n.º 3 dos factos provados deveria ter a seguinte redação: “Tal inundação teve origem no entupimento do tubo das águas pluviais, que originou um retorno nas mesmas, entrando na varanda da fracção referida em 1., água essa que, por força da sua acumulação, entrou pela referida sala, pela cozinha, hall de entrada e quarto.”
9-Conforme decorre do depoimento de várias testemunhas a água “vinha de baixo para cima”, parecia um vulcão.
10-No ponto n.º 4 dos factos provados deveria retirar-se a parte final “designadamente, uma meia”.
11-Decorre da experiência comum, dos conhecimentos do homem médio, que a “tese” da meia escura de algodão, nunca poderia ter entupido um tubo com nove centímetros de diâmetro.
12-Dita o princípio da disponibilidade objetiva que o tribunal não pode considerar o que não foi alegado pelas partes.
13-Esse poder de disposição quanto aos factos da causa, corresponde um limite do julgamento: o juiz não pode utilizar factos que as partes não tragam ao processo.
14-Em parte alguma da contestação é alegado que o entupimento se deveu a uma meia.
15-Na contestação os recorrentes alegam, que “a varanda da fracção autónoma dos Autores estava suja, apresentando sinais evidentes de falta de limpeza dada a presença de terra, lixo inorgânico (tal como plásticos, vidros...) e até vegetação com vários centímetros de altura”.
16-Depois de ouvida as testemunhas dos recorridos e depois de visionado o vídeo, que se constata que a varanda estava limpa, alteram o discurso, a estratégia para a existência de uma meia.
17-Assim, a resposta dada pelo tribunal sobre factos que não foram alegados pelas partes e que não integram a causa de pedir, é excessiva, pelo que tais factos (a meia) não podem ser considerados na decisão.
18-Atenta a produção de prova produzida em sede de audiência de julgamento, aos factos provados deveria o tribunal a quo ter acrescentado em factos provados:
1.º O tubo que se encontrava entupido era um tubo de escoamento de águas pluviais da cobertura do prédio.
2.º A água existente na varanda foi consequência do entupimento do tubo de escoamento das águas pluviais, entupido com resíduos.
3.º Que na cobertura do prédio, à volta do seu perímetro, existe uma calha em “u”, que recebe todas as águas pluviais e que são canalizadas para o tubo de escoamento de águas pluviais.
19-Em suma, não colhem as conclusões da recorrente, devendo manter-se o decidido em 1.ª instância, no que toca à matéria de direito.
20- O recurso deve ser, pois, improcedente.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o recurso da recorrente, ou caso assim não se entenda, deve ainda este Tribunal conhecer da ampliação do âmbito do recurso dos aqui recorridos, a matéria de facto provada dos números 3, 4 e 5 ser alterada nos termos supra expostos, acrescentado à matéria de facto os pontos constantes no ponto 18 das Conclusões e pelas razões ali invocadas, com as legais consequências e, a final, ser o recurso interposto pela Ré julgado improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!.
*
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a responsabilidade do Réu pelo ressarcimento dos danos reclamados pelos autores em consequência da inundação verificada na sua fracção destes, e a eventual apreciação da ampliação do recurso interposto a título subsidiário sobre a impugnação da matéria de facto.
*
Fundamentação de facto

Factos provados

1. Os autores são donos e legítimos proprietários de uma fração autónoma designada pelas letras “BM”, 2º andar, porta E, de um prédio urbano sito na rua ...,freguesia e concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
2. No dia 12/10/2016 ocorreu uma inundação na fração referida em 1;
3. Tal inundação teve origem na acumulação de água da chuva na varanda da sala da fração referida em 1., água essa que, por força da sua acumulação, entrou pela referida sala, pela cozinha, hall de entrada e quarto;
4. A água da chuva acumulou-se na varanda porque o tubo de escoamento de águas pluviais estava entupido com resíduos, designadamente, uma meia;
5. O tubo referido em 4. era apenas acessível pelo interior ou pela varanda da fração referida em 1.;
6. Em consequência da inundação referida, os móveis da sala dos autores, concretamente o aparador, as seis cadeiras de costa alta, a mesa de centro quadrado, a mesa de refeição e o móvel de televisão e vídeo ficaram com os folheados da madeira empolados e descascados;
7. Em consequência da inundação referida, os móveis do quarto dos autores, concretamente a cama de casal, a cómoda, as duas mesas de cabeceira e a sapateira ficaram com os folheados da madeira empolados e descascados;
8. Em consequência da inundação referida, a consola com gaveta do hall de entrada ficou empolada e descascada;
9. A substituição dos móveis referidos em 6. a 8. custa € 7.688,00;
10. Após a data referida em 1., foi mudada a localização dos tubos de escoamento de águas pluviais, sendo atualmente acessíveis sem necessidade de entrada nas frações autónomas.
*
Factos não provados

a) A inundação referida foi causada pela falta de limpeza da varanda dos autores, designadamente, pela acumulação na mesma de terra, lixo inorgânico (plásticos, vidros) e até vegetação com vários centímetros de altura.
*
Fundamentação jurídica

Defende o Réu/Recorrente que, face à factualidade dada como assente, e demais documentos existentes nos autos, a causa do entupimento não foi a falta de manutenção do tubo de escoamento das águas pluviais que apenas era acessível pelo interior ou pela varanda da fracção dos Recorridos, mas sim uma meia que entupiu esse tubo, pelo que ainda que o tivesse limpo naquele próprio dia em que ocorreu a inundação, a meia poderia ter caído pelo ralo da varanda dos Recorridos escassos minutos ou horas depois e ainda assim provocaria os mesmos danos.
Conclui, assim, ter sido afastada a presunção de culpa do artigo 493.º do Código Civil, tanto assim que os próprios Recorridos participaram à seguradora o sinistro ocorrido, acabando esta por indemnizar aqueles quanto à substituição do piso do apartamento cujo risco estava coberto por tal seguro.
Considera, consequentemente, que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação do citado artigo 493º. do Código Civil.
Vejamos, se assim é.
Como resulta da factualidade dada como provada, não impugnada pelo Réu/Recorrente, a inundação, ocorrida no dia 12/10/2016, teve origem na acumulação de água da chuva na varanda da sala da fracção dos AA/Recorridos porque o tubo de escoamento de águas pluviais estava entupido com resíduos, designadamente, uma meia (pontos 3 e 4, dos factos provados).
Mais se apurou que o referido tubo era apenas acessível pelo interior ou pela varanda da fracção pertencente aos AA./Recorridos.
Daqui resulta, desde logo, que o Réu/Recorrente parte de um pressuposto errado para concluir no sentido de se ter como ilidida a presunção de culpa que sobre si recaía, quando indica como causa da inundação o facto do tubo de escoamento das águas pluviais ter sido entupido por uma meia.
Pois, tal como decorre da factualidade vertida nos factos provados e posta em evidência, tal assim não é, na medida em que a inundação ocorreu devido ao facto do tubo de escoamento de águas pluviais se encontrar entupido com resíduos, entre os quais se encontrava uma meia.
Há, assim, uma adulteração dos factos, ao afirmar-se ter sido a meia a causa, única, do entupimento do tubo que provocou a inundação, quando, na verdade tal se ficou a dever ao facto do tubo se encontrar entupido com resíduos.
É esta a interpretação que se entende como sendo a correcta, face ao facto de, no ponto 4, dos factos provados, constar o advérbio “designadamente” que confere a ideia de exemplificação, indicação e inclusão entre outros.

Tem, assim, um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto.
Como tal, resultando dos factos que a inundação ocorreu porque o tubo de escoamento das águas pluviais estava entupido com resíduos, importa apurar se é de excluir a responsabilidade do condomínio pelos danos.

Para esse efeito, importa ter em conta que é sobre a administração do condomínio, enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, e sobre o conjunto dos condóminos através da respectiva assembleia, enquanto órgão deliberativo, que recai o dever de administrar e conservar as partes comuns, de modo a que destas não decorram danos para terceiros ou para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma – cf. art.ºs 1424.º e 1430.º do Código Civil.
In casu, está, pois, em causa, a invocada responsabilidade civil do réu condomínio do edifício onde se situa a fracção de que os AA. são titulares, pelos danos causados, por não se ter procedido à limpeza do tubo de escoamento das águas pluviais, de modo a impedir o seu entupimento e subsequentes inundações que daí pudessem advir para as fracções dos condóminos.
É que, de acordo com o disposto no art. 1305.º do Código Civil, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, sendo que esse direito, enquanto direito real absoluto, é oponível a qualquer terceiro.
Significa isto que o titular de uma das fracções do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respectiva responsabilidade do condomínio verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (acção ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjectivo ou de qualquer disposição legal dirigida à protecção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
Tendo em conta a situação concreta dos autos, a jurisprudência tem convocado a aplicação do regime do art. 493.º, n.º 1 do Código Civil, por força do qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” responde pelos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Ora, relativamente às partes comuns do edifício em propriedade horizontal, o dever de vigilância recai sobre o réu condomínio.
Tal como nos art.ºs 491.º, 492.º, e 493.º, n.º 2 do Código Civil, no n.º 1, deste último normativo legal, estão consagrados deveres de segurança no tráfego ou deveres de prevenção do perigo.
Nessas situações que emergem de relações jurídicas específicas, legais ou negociais, está em causa a protecção não das partes nessas relações, mas sim a protecção de terceiros – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações Tomo III, 2010, pp. 587-588.
A propósito do regime decorrente do art. 493.º do Código Civil, é possível extrair-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, relatora Maria da Graça Trigo, processo n.º 7895/05.0TBSTB.E1.S1, que, tanto a doutrina (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, I, 2000, págs. 594 e seg.; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, pág. 588) como a jurisprudência nacionais (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2012 (proc. nº 1451/07.5TBGRD.C1.S1), de 28/10/2014 (proc. nº 1593/07.7TBPVZ.P1.S1) e de 09/07/2015 (proc. nº 385/2002.E1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt) entendem que o regime do art. 493.º, n.º 2, do CC, consagra uma presunção de culpa, sendo que se vem também afirmando (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs Responsabilidade: A precaução como fundamento da interpretação delitual?, 2006, pág. 377; Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, Vol. VIII – Direito das Obrigações, 2014, pág. 589) que essa presunção é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude da conduta, tal como se pronunciou igualmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2007 (proc. nº 07A96).
Com efeito, o Prof. Menezes Cordeiro sustenta que “a “presunção de culpa” é uma presunção de ilicitude, isto é, perante os danos, postula-se ter havido inobservância do dever de vigiar – cf. op. cit., pág. 584.
Certo é que, nos termos da mencionada disposição legal são presuntivamente responsáveis pelos danos causados pela coisa aqueles que a tiverem o dever de a vigiar, assumindo a lei que não tomaram as medidas cautelares idóneas a evitar a lesão.
Na situação sub judice, atenta a factualidade apurada, o tubo de escoamento de águas pluviais estava entupido com resíduos, o que fez com que a água da chuva se acumulasse na varanda da sala da fracção dos AA/Recorridos, nela entrando, causando os danos nos móveis identificados nos pontos 6 a 8, dos factos provados, que obrigaram à sua substituição.
Ora, tendo em conta que o referido tubo integra a parte comum do edifício - 1421.º, n.º 1, al. d), do Cód. Civil -, sobre o condomínio, a quem cabe o dever de administrar e conservar as partes comuns, recaía o dever de cuidar e vigiar a tubagem do edifcício, de modo a que não decorressem danos para terceiros ou para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma, o que não se verificou, pelo que tem de se considerar ser de presumir a culpa a que se reporta o mencionado n.º 1, do art.º 493.º do Código Civil.
É que o condomínio estava vinculado ao dever de cuidar, vigiar, manter, conservar e reparar, se necessário, o aludido tubo de escoamento, devendo, para o efeito, e no caso concreto, verificar se se encontrava a escoar devidamente as águas provindas das chuvas, que é colectada pelos respectivos sistemas de saneamento.
Especificamente, incumbia-lhe proceder à sua limpeza regular, fiscalizando as possíveis zonas de acumulação de resíduos.
Incidindo sobre o “vigilante” das partes comuns a presunção de culpa decorrente dos danos provocados, nos termos do art.º 493.º do Cód. Civil, incumbia ao R., com vista a ilidir tal presunção, de que goza o lesado, fazer a prova de que tinha praticado todos os actos conducentes ao bom funcionamento do sistema de escoamento, designadamente, no que aos tubos diz respeito, a nível da necessária manutenção com vista a salvaguardar qualquer impedimento ao bom escoamento dos líquidos, resíduos, detritos e dejectos que através dele podem ser expelidos, ou que não obstante tal, os danos se produziriam, mesmo sem culpa sua.
Neste mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-06-2009, processo n.º 232/07.0TBSXL.L-7, do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2018 e de 27-09-2018, processo n.º 3181/16.8T8VFR.P1, do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2019, processo n.º 2446/15.0T8BRG.G2.S1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-30-2014, processo n.º 1566/11.5TBVIS.C1 e de 14-02-2012, processo n.º 1388/09.3T2AVR.C1 e do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2017, processo n.º 1680/16.0TBFAR.E1.
Ora, dos factos não resulta provado que o condomínio assim procedesse e assim tivesse procedido à data dos factos, afastando, por essa via, a omissão negligente de zelo, que lhe é imputável, segundo o critério do bom pai de família (cf. art. 487.º do Código Civil).
Assim sendo, cabendo ao Réu condomínio ilidir tal presunção de culpa, provando a falta de culpa ou que os danos se teriam produzido ainda que sem culpa sua, o que de todo não fez, está obrigado a indemnizar os condóminos, AA., dos danos que sofreram no seu património como consequência directa dessa omissão.
Aliás, nem sequer logrou alegar e demonstrar que a meia que se encontrava nos resíduos era dos AA. ou ao tubo de escoamento foi aí parar por qualquer acção ou acto dos AA. ou uma outra qualquer situação a eles imputável decorrente do facto de não procederem à limpeza da varanda da sua fracção, aí deixando acumular-se terra, lixo inorgânico e até vegetação, em conformidade com o que alegou mas não logrou demonstrar, atenta a factualidade dada como não provada.
Acresce que o facto do tubo de escoamento apenas ser acessível pelo interior ou pela varanda das fracções dos condóminos não afasta o dever de cuidado, zelo e vigilância que sobre o condomínio recaía.
Tanto é assim que depois do sucedido mudaram a sua localização, por forma a ficar directamente acessível, o que podiam e deviam ter feito antes.
Por outro lado, igualmente, em nada colide com o exposto, o facto de alegadamente o seguro que os condóminos contrataram não ter coberto os danos por não os considerar abrangidos pelo risco seguro, dado que também não afasta ou exclui a responsabilidade atribuída ao condomínio.
Acresce que, também, quanto a tal, nada se encontra vertido na factualidade provada a ter em conta.
Sendo este o enquadramento fáctico e jurídico impõe-se concluir, como a 1ª instância, que os autores têm direito a ver reconhecido o direito de indemnização pelos danos sofridos.
Assim sendo, prejudicada fica a ampliação do âmbito do recurso.
Nestes termos, tem o recurso de improceder e a decisão de ser mantida.
*
III-Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, mantendo, em consequência, a decisão proferida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 14.01.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida