Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4289/18.0T8VCT-C.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
SEGURADORA DO RESPONSÁVEL CIVIL
DEMANDA DIRECTA DA SEGURADORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Nos termos do disposto no art.º 316.º do C.P.C., o litisconsórcio voluntário ativo pode constituir-se por iniciativa livre do réu (n.º 3, alínea b)), mas deixou de poder constituir-se por iniciativa do autor (n.º 2); o litisconsórcio voluntário passivo pode constituir-se por iniciativa de qualquer das partes, sendo livre a iniciativa do autor e condicionada a do réu, que terá de demonstrar ter nela um interesse atendível (n.os 2 e 3, alínea a)); e o litisconsórcio necessário pode resultar da iniciativa livre de qualquer das partes.

II- Nos termos do disposto no art.º 321.º do C.P.C., a admissibilidade da intervenção acessória de terceiro depende da articulação de factos que revelem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da acção, que envolve o réu e um terceiro, sendo três os pressupostos da intervenção:
i) a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro;
ii) a existência de conexão entre o objecto da demanda e o da configurada acção de regresso ou de indemnização;
iii) a falta de legitimidade do chamado para intervir como parte principal.

III- Nos contratos de seguro de responsabilidade civil o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros, garantindo esta obrigação até ao montante do capital seguro por sinistro.

IV- O n.º 1 do art.º 140.º da L.C.S. legitimando a intervenção processual passiva do segurador em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, impõe-lhe o ónus de suportar os custos daí decorrentes, sendo a ratio desta legitimação prevenir, para evitar, conluios entre o segurado e o lesado, ou que aquele, sabendo que goza da cobertura do seguro, descure a sua defesa.

V- No que se refere ao lesado, ele terá acção directa contra o segurador, podendo demanda-lo isoladamente ou em conjunto com o segurado, em três situações:
- quando o contrato de seguro o preveja – n.º 2 do art.º 140.º;
- quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro e se tenham iniciado as negociações directas entre ele, lesado, e o segurador – n.º 2 do art.º 140.º;
- nos seguros obrigatórios – art.º 146.º, sendo que, quanto a estes, haverá de ter-se em linha de conta também as regras previstas nas leis especiais que os regulam.

VI- Estar-se-á, pois, perante um contrato a favor de terceiro quando as partes num contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo atribuem ao terceiro lesado o direito a exigir directamente ao segurador o pagamento de uma indemnização pelos danos imputáveis ao segurado, caso em que o instrumento processual adequado a chamar a juízo o segurador para intervir na causa é o incidente de intervenção principal provocada – art.os 316.º e sgs. do C.P.C..

VII- Se o contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo apenas se limita a conferir ao segurado um direito de exoneração da sua dívida para com o terceiro lesado, vinculando-se o segurador apenas com ele, segurado, o instrumento processual adequado a chamar a juízo o segurador para intervir na causa é o incidente de intervenção acessória – art.os 321.º e sgs. do C.P.C..
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A “Bank … – Sucursal em Portugal”, contestou a acção declarativa de condenação que lhe move o A. J. S., e requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros “X – Sucursal em Portugal” alegando que por via de dois contratos de seguro que celebrou com esta, a mesma responde solidariamente consigo pelos danos que o Autor invoca, constituindo-se, pois, na obrigação de o ressarcir na mesma medida em que ele, Réu, tenha de o fazer.
Tendo sido convidado a esclarecer a natureza dos contratos que invoca, veio o mencionado Réu informar que se trata de seguros facultativos.
Apreciando o requerimento formulado, foi proferido douto despacho no qual se decidiu deferir parcialmente o incidente admitindo-se a intervir nos autos a supramencionada Seguradora, mas como parte acessória do Réu, nos termos do art.º 321.º do Código de Processo Civil (C.P.C.).

Inconformado, traz o Banco Réu o presente recurso pedindo a revogação do despacho acima transcrito e se determine a sua substituição por outro que admita e intervenção principal provocada da referida Seguradora.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- O Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões (omissis as três primeiras por desnecessárias ao enquadramento da questão):

4. Com o devido respeito que o Tribunal a quo merece, salvo melhor opinião, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 316.º e 317.º do CPC, designadamente no que respeita à não admissão da intervenção principal provocada da seguradora, devendo, consequentemente, ser substituído por outro que admita o incidente de intervenção principal provocada da seguradora.
5. Nos artigos 211.º e seguintes da sua contestação o Recorrente alegou ter celebrado contratos de seguro, nos termos dos quais transferiu para a seguradora a responsabilidade civil em que possa incorrer em consequência de actos, omissões e erros imputados aos promotores por si designados, sendo que, por efeito dos aludidos contratos de seguro, a seguradora responde pelos valores que o Autor reclama na presente acção, por estes se incluírem no âmbito da respectiva cobertura dos seguros.
6. A seguradora com a qual o Réu celebrou contratos de seguro de responsabilidade civil facultativos deverá ser considerada titular da mesma relação jurídica invocada pelo Autor, devendo ser aceite que a seguradora seja admitida a intervir como parte principal, defendendo um interesse igual ao do Réu e parte na relação material controvertida.
7. Resulta da vasta maioria da doutrina e jurisprudência (no qual se inclui a Veneranda Relação de Guimarães) tratar-se o contrato de seguro de responsabilidade civil (incluindo o facultativo) dum contrato a favor de terceiro, nos termos dos artigos 443.º e 444.º do CC, podendo, por essa razão, o lesado demandar directamente a seguradora ou o segurado, ou ambos em litisconsórcio voluntário, nos termos do artigo 32.º do CPC.
8. Atenta a faculdade de que goza o lesado de demandar directamente a Seguradora, a intervenção desta deverá ser admitida a título principal, seja em virtude da natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo como contrato a favor de terceiro (artigo 444.º do CC), seja devido ao facto de, perante o lesado, segurado e seguradora, serem solidariamente responsáveis (artigo 497.º do CC).
9. A intervenção principal provocada (artigo 316º do CPC), em litisconsórcio passivo, da seguradora e do segurado, assegurará uma defesa conjunta contra o credor, bem como, acautelará um eventual direito de regresso (n.º 1, do artigo 317º do CPC), já que, o contrato de seguro de responsabilidade civil transforma a seguradora, enquanto obrigada ao pagamento do quantum indemnizatório, em titular da relação material controvertida, com um interesse principal.
10. Em face do exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao decidir do modo como decidiu, violou as normas legais previstas nos artigos 32.º, 316º e 317º do Código de Processo Civil.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas, pois, as conclusões acima transcritas, a única questão a decidir é a de saber se a intervenção da Seguradora é a título principal ou acessória.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- A situação sub judicio tem a configuração traçada em I, que se dá aqui por reproduzido.

O Tribunal a quo fundou a sua decisão nos seguintes termos:

Considerando tratar-se de seguros de carácter facultativo, e bem assim que nos mesmos não está previsto o direito de demandar directamente o segurador, e considerando que não se verifica a situação do segurado ter informado o lesado Autor com o consequente início de negociações directas entre este último e o segurador, é de admitir a intervenção da seguradora, mas não como parte principal ao lado do Réu, mas como parte acessória. Na verdade, nos contratos de seguro de carácter facultativo só se verifica direito de demandar directamente o segurador nas concretas situações, excepcionais, consagradas no nº 2 e 3, do art. 140º, do DL nº 72/2008, de 16/4 (LCS)”.
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V.- 1.- A possibilidade de fazer intervir um terceiro na instância consubstancia um desvio ao princípio da estabilidade consagrado no art.º 260.º do C.P.C..
Com efeito, estando pendente uma acção pode nela intervir um terceiro que tenha interesse em que a causa não seja decidida favoravelmente a uma das partes, e pode também intervir um terceiro que tenha interesse em ser abrangido pelo caso julgado da decisão.
Esta intervenção, como refere TEIXEIRA DE SOUSA, “torna o terceiro parte da causa e, consoante a posição que ele passa a ocupar nela, pode torna-lo uma parte acessória, se o terceiro apenas assume a posição de auxiliar de um autor ou de um réu, ou uma parte principal se o terceiro faz valer um direito próprio ou se lhe é exigido o cumprimento de uma prestação ou o reconhecimento de um direito” (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª. edição, págs. 174 sgs.).
No actual Código de Processo Civil deixou de haver a figura coligatória activa, já que o artº. 311º. refere apenas o litisconsórcio como fundamento da intervenção do terceiro.
Assim, na intervenção principal o terceiro associa-se a uma das partes primitivas – autor ou réu – e assume o estatuto de parte principal.
Na intervenção acessória a posição do interveniente é a de um mero auxiliar na defesa do réu tendo em vista o seu interesse indirecto na improcedência da pretensão do autor.

2.- Nos termos do disposto no art.º 316.º do C.P.C., o incidente de intervenção principal provocada pode ser suscitado por qualquer das partes no processo se se verificar ter havido preterição de litisconsório necessário (n.º 1).

Pode ser suscitado pelo autor quando:

i) pretenda provocar a intervenção principal de algum litisconsorte do réu, nos casos de litisconsórcio voluntário (art.º 32.º do C.P.C.); ou
ii) tiver uma dúvida fundada sobre a titularidade da relação material controvertida (n.º 2 do art.º 39.º do C.P.C.).

No que se refere ao réu, este apenas poderá chamar a intervir um terceiro no processo em duas situações:

a) Quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; ou
b) Quando pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

Em síntese, como referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, no actual Código, “o litisconsórcio voluntário ativo pode constituir-se por iniciativa livre do réu (n.º 3-b), mas deixou de poder constituir-se por iniciativa do autor (n.º 2); o litisconsórcio voluntário passivo pode constituir-se por iniciativa de qualquer das partes, sendo livre a do autor e condicionada a do réu a este mostrar ter nisso um interesse atendível (n.os 2 e 3-a); e o litisconsórcio necessário pode resultar da iniciativa livre de qualquer das partes, mas só o autor o pode constituir nos prazos e com os efeitos especiais do art. 261, embora, quando seja ativo, o seu interesse seja fazê-lo logo na petição inicial quando se trate de terceiro que não o quer acompanhar na propositura da acção” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 3.ª ed., pág. 616).

Salienta SALVADOR DA COSTA que a intervenção principal provocada passiva suscitada pelo réu “abrange os casos em que a obrigação comporte uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, quer com vista à defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou de subrogação que lhe assista contra eles” (in “Os Incidentes da Instância”, 2016 – 8.ª ed., pág. 87).

4.- Nos termos do disposto no art.º 321.º do C.P.C., o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.
A posição do interveniente é, pois, a de um mero auxiliar na defesa do réu tendo em vista o seu interesse indirecto na improcedência da pretensão do autor.
O art.º 321.º, referido, reproduz o art.º 330.º do Código anterior, na redacção que lhe deu a chamada reforma de 1995/1996.

Como anotam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, com o Dec.-Lei n.º 329-A/95, “das três situações processuais a que o chamamento à autoria podia conduzir (litisconsórcio impróprio, substituição processual, assistência), apenas a assistência, designada como intervenção acessória, passou a poder ter lugar” (ob. cit., pág. 629).
Refere SALVADOR DA COSTA, serem pressupostos da intervenção acessória “por um lado a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro, e, por outro, a conexão entre o objecto da demanda e da configurada acção de regresso ou de indemnização” (ob. cit., pág. 106), a que agora acresce o da falta de legitimidade do chamado para intervir como parte principal, nos termos referidos na parte final do n.º 1 daquele art.º 321.º do C.P.C..
Assim, a admissibilidade da intervenção acessória de terceiro depende da articulação de factos que revelem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da acção, que envolve o réu e um terceiro.
De acordo com o Acórdão do S.T.J. de 3/05/1995 “A própria existência do direito de regresso ou indemnização deverá ser afectada pela discussão da causa, sendo elemento essencial à responsabilidade do chamado perante o réu a própria responsabilidade deste com o autor. Por outras palavras, a conexão do direito de regresso ou indemnização há-de surgir da própria existência e concreta configuração jurídica da relação controvertida”. E, prossegue, “Faltando esta conexão, quando a relação controvertida e o direito de regresso forem relações jurídicas autónomas, baseadas em factos constitutivos essencialmente diversos (ou seja, sem qualquer nexo de dependência entre si), não será de admitir o chamamento” (in B.M.J. nº. 447, págs. 435/436).
A acção de regresso, refere SALVADOR DA COSTA, fundando-se no Acórdão do S.T.J. de 10/03/1980 (in B.M.J. 295º, pág. 300), “envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra o terceiro chamado a intervir pelo montante em que venha a ser condenado a pagar ao autor na hipótese de procedência da acção principal, a qual é susceptível de emergir da lei, de negócio jurídico, de facto gerador de responsabilidade civil ou de enriquecimento sem causa gerador da obrigação de restituir” (ob. cit., pág. 108).
É o requerente do pedido de intervenção que tem o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso, nos termos exigidos pela parte final do nº. 2 do artº. 322º. do C.P.C..
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VI.- Na situação sub judicio o Banco Apelante alega ter celebrado com a Chamada Companhia de Seguros dois contratos de seguro de responsabilidade civil que garantem a obrigação de indemnizar decorrente do exercício da sua actividade.

Estar-se-á, assim, perante contratos de seguro de responsabilidade civil aos quais se aplicam, designadamente, as normas e princípios estabelecidos nos art.os 137.º e sgs., da Lei do Contrato de Seguro (L.C.S.) – Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

De acordo com o disposto no art.º 137.º e no art.º 138.º, no seguro de responsabilidade civil o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros, garantindo esta obrigação até ao montante do capital seguro por sinistro.

Como escreve MARGARIDA LIMA REGO, num contrato de seguro de responsabilidade civil “pode dizer-se, genericamente, que o risco coberto é a eventualidade de ocorrência de danos que venham de algum modo a ser imputados ao segurado, por forma a que este tenha de responder por eles”, sendo, assim, “o bem protegido” nestes seguros “o património do segurado como um todo – porque o fim deste seguro é proteger o segurado contra o desembolso das indemnizações por si devidas”, e prossegue defendendo que “A circunstância de o seguro cobrir o risco de responsabilização civil do segurado não significa que o dever de indemnizar a que o segurador se vincula deva ser assimilado ao dever de indemnizar que se constituiu na esfera do segurado”. Aquele dever de indemnizar que vincula o segurador “é, na verdade, um dever primário de prestar, que não se funda na responsabilidade civil, mas antes no contrato” (in “Contrato de Seguro e Terceiros”, “Estudos de Direito Civil”, Coimbra Editora, págs. 646-647).
A solução da questão aprecianda impõe que se defina se um contrato de seguro de responsabilidade civil configura ou não um contrato a favor de terceiro – cfr., dentre outros, para ambas as posições, o Acórdão do S.T.J. de 30/03/1989 (in B.M.J. n.º 385º, págs. 563 e 566), e o Acórdão desta Relação de Guimarães de 1/10/2015 (ut Proc.º 345/13.0TBAMR-A.G1, in www.dgsi.pt ou em https://www.direitoemdia.pt/document/s/36a9f7).
Se a resposta for positiva, posto que o lesado pode demandar directamente o segurador, ou o segurado, ou ambos, configurando uma situação de litisconsórcio voluntário passivo, o instrumento processual adequado a chamar o segurador à acção movida apenas contra o segurado é, como propugna o ora Apelante, o incidente de intervenção principal provocada.
Se se admitirem situações em que o referido contrato não consubstancia um contrato a favor de terceiro, então, nestas situações o que pontifica é a relação interna entre o segurador e o segurado, que confere um direito de regresso ao segundo, a intervenção do segurador é meramente acessória, como auxiliar na defesa do segurado, e, consequentemente, o instrumento processual adequado é o da intervenção provocada, como decidiu o Tribunal a quo.
O n.º 1 do art.º 140.º da L.C.S. legitimando a intervenção processual passiva do segurador em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, impõe-lhe o ónus de suportar os custos daí decorrentes, sendo a ratio desta legitimação prevenir, para evitar, conluios entre o segurado e o lesado, ou que aquele, sabendo que goza da cobertura do seguro, descure a sua defesa – cfr., dentre outros, JOSÉ VASQUES, (in “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, Almedina, 2016 – 3.ª ed., págs. 450-451).

No que se refere ao lesado, ele terá acção directa contra o segurador, podendo demanda-lo isoladamente ou em conjunto com o segurado, em três situações:

- quando o contrato de seguro o preveja – n.º 2 do art.º 140.º;
- quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro e se tenham iniciado as negociações directas entre ele, lesado, e o segurador – n.º 2 do art.º 140.º;
- nos seguros obrigatórios – art.º 146.º, sendo que, quanto a estes, haverá de ter-se em linha de conta também as regras previstas nas leis especiais que os regulam.

Como esclarecidamente escreveu VAZ SERRA “O contrato de seguro pode ser feito de maneira a vincular-se o segurador apenas para com o segurado, caso em que o credor da indemnização pelo acidente só pode exigi-la do responsável, o qual, por sua vez, pode reclamar do segurador a reparação; e pode ser celebrado de modo a constituir-se o segurador em obrigação para com a vítima do acidente, havendo então um contrato a favor de terceiro (o lesado)” [ut “Fundamento da Responsabilidade Civil (em especial, responsabilidade por acidentes de viação e por intervenções lícitas), in BMJ n.º 5º, pág. 322].

Como sublinha MARGARIDA LIMA REGO, “as partes num contrato de seguro de responsabilidade civil podem atribuir ao terceiro lesado uma pretensão contra o segurador, um direito de exigir-lhe o pagamento de uma indemnização pelos danos imputáveis ao segurado que se encontrem cobertos pelo seguro. Tratar-se-á, pois, de um contrato a favor de terceiro. Esta pretensão, fundada no contrato, só existe quando as partes assim estipularem”. Deste modo, “se todos os seguros de responsabilidade civil podem ser gizados como contratos a favor de terceiro, no sentido, desta feita, de que em todos podem as partes estipular a atribuição, ao terceiro lesado, de um direito de exigir ao segurador o cumprimento da sua obrigação de prestar, também poderão não o ser, pelo que essa qualificação terá de resultar da interpretação que se faça de cada contrato”.

Conclui-se, pois, que nem todos os contratos de seguro de responsabilidade civil facultativo são contratos a favor de terceiro, o que permitirá entender melhor a justificação deixada pelo legislador (que se presume conhecedor da divergência doutrinária e jurisprudencial acima referido) no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 72/2008 (L.C.S.): no seguro de responsabilidade civil voluntário, “em determinadas situações, o lesado pode demandar directamente o segurador, sendo este direito reconhecido ao lesado nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil”. Nestes a regra é a de atribuir esse direito aos lesados “pois a obrigação do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado”. Já nos seguros facultativos “preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador”.
Na situação sub judicio o ora Apelante invoca dois contratos de seguro de responsabilidade civil facultativo, mas não afirma que neles existe a cláusula a atribuir ao lesado o direito de exigir directamente à Chamada Companhia de Seguros a prestação contratual, de acordo com o n.º 2 do art.º 140.º da L.C.S., ou seja, que a constitua como garante directa da sua responsabilidade perante o Autor, e nem a situação figurada no n.º 3 – a informação ao Autor sobre o seguro e o início das negociações entre este e a referida Chamada.
Impõe-se, assim, concluir que os invocados contratos apenas lhe conferem o direito de se exonerar da dívida para com o Autor.
A relação jurídica, tal como este a configura, desenvolveu-se entre ele, Autor, e a ora Apelante, lesante, pelo que a intervenção da Seguradora só pode ocorrer acessoriamente, na veste de titular de uma relação jurídica conexa com aquela, a qual lhe confere o direito de regresso, não configurando uma situação de litisconsórcio voluntário passivo.
Decidiu, assim, com acerto o Tribunal a quo ao admitir a intervenção da Seguradora como parte acessória do ora Apelante, impondo-se confirmar a decisão.
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C) DECISÃO

Considerado quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recuso de apelação, consequentemente, confirmando e mantendo a impugnada decisão.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 17/12/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho