Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1489/17.4T8VCT.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE IN ITINERE
QUEDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O acidente ocorrido quando a trabalhadora escorregou e caiu no logradouro da sua residência numa moradia unifamiliar ao se dirigir para a garagem existente num anexo e alcançar veículo automóvel com a finalidade de se deslocar para local de trabalho é de trabalho in itinere.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrada Maria, seguradoras X - Companhia de Seguros, Sa, Companhia de Seguros Y, Sa/Seguradoras W, Sa e Z Companhia de Seguros, Sa e entidade patronal B., Sa.

Foi realizado exame médico e realizada tentativa de conciliação que se frustrou.

A sinistrada pediu:

“serem as Rés condenadas a pagar à Autora, na medida das suas responsabilidades:
- A pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de €305,93, com início em 21/04/2017.
- A quantia de €668,34 de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta.
- A quantia de €24,00 a título de despesas de transporte para se deslocar ao tribunal e a actos médicos.
- Juros de mora vencidos e vincendos sobre tais quantias, calculados à taxa de 4%.”.

Alegou, em súmula: era empregada da 4ª R; em 02.04.2017, sofreu um acidente quando se prestava a dirigir para o seu local de trabalho (dirigia-se para a garagem da sua residência, a fim de entrar no veículo automóvel); e essa R tinha a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para as demais RR.
A 4ª R alegou no sentido de impugnar a matéria relativa ao descrito acidente, nomeadamente.

As demais RR contestaram alegando, sumariamente: no mesmo sentido; quanto à retribuição segura ser inferior à retribuição anual invocada; estão vinculadas a um contrato de co-seguro, por força do qual as suas responsabilidades são de 65% para a 1ª R, 22,5% para a a 2ª R e 12,5% para a 3ª R; e a A não apresentar à altura qualquer sequela incapacitante.
Foi proferido despacho saneador, altura em que se fixaram os factos assentes e a base instrutória bem como se determinou que em apenso se fixasse a incapacidade.

Neste, realizado exame por junta médica, foi decidido que “a A se encontra curada, com uma IPP de 2%, tendo tido ITA desde 3/4/2017 até 2/5/2017 e ITP de 10% de 2/5/2017 até 15/5/2017 (data da alta 16/5/2017)”.

Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença decidindo-se:

“Condenar as RR. seguradoras, na proporção da respectiva responsabilidade, a pagar à A.:

- o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €277,45, com início no dia 17/5/2017, bem como €1.210,01 de indemnização pelas incapacidades temporárias e €24,00 de despesas de deslocação; juros nos, termos supra expostos;
Condenar a R. “B.” a pagar à A.:
- o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €28,48, com início no dia 17/5/2017, bem como €124,17 de diferenças nas incapacidades temporárias; juros nos termos supra expostos.”

As seguradoras recorreram.

Conclusões:

1. A factualidade apurada não permite qualificar o acidente dos autos como um acidente de trabalho.
2. Efectivamente, apurou-se o seguinte: “4 - No dia 2/4/2017, pelas 6,00 horas, quando a A. se dirigia para a garagem da sua residência, a fim de entrar no veículo automóvel para se deslocar para o seu local de trabalho, escorregou e caiu, sofrendo entorse do tornozelo direito e fractura da tíbia. 5 - A residência da A. é constituída por uma moradia unifamiliar, totalmente rodeada por muro e portões eléctricos que a separam da via pública. 6 - A queda da A. ocorreu no interior do logradouro murado da sua habitação, no percurso entre a edificação habitacional e o anexo onde se encontrava estacionada a sua viatura.”
3. Ou seja, é bom de ver que a A. não estava já a dirigir-se para o seu local de trabalho mas apenas a dirigir-se para a sua garagem, no interior do logradouro vedado da sua habitação, para depois, quando acedesse à via ública, então sim, iniciar o trajecto para o seu local de trabalho.
4. O Art. Artigo 9.º da Lei 98/2009 ao operar a extensão do conceito de acidente de trabalho tal como previsto no Art. 8º do mesmo diploma, estatui expressamente que:

1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
b) …………;
c)…………..;
d)…………..;
e) ………….;
f) …………;
g) …………;
h) …………;.
2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:
a) ……………;
b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;
c) …………..;
d)…………..;
e)…………..;
f)…………;
3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
4 - No caso previsto na alínea a) do n.º 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige.
5. Assim, e desde logo, temos que a Apelada não havia sequer iniciado qualquer trajecto, encontrando-se ainda na sua residência, em espaço murado e vedado ao público.
6. Nem sequer do ponto de vista etimólogo ou gramatical o conceito estatuído na letra da lei se encontra verificado.
7. Ora, letra da lei ao operar a extensão do conceito de acidente de trabalho (artigo 9.º da Lei n.º 98/2009), pressupõe que no momento da ocorrência do acidente, o trabalhador se encontre já no trajecto casa/trabalho ou seja, fora do espaço privado da sua residência e/ou sob a alçada e subordinação da empregadora.
8. A Apelada apenas iria iniciar o trajecto residência/local de trabalho quando, depois de estar no seu automóvel, acedesse à via pública, iniciando então o trajecto, o percurso para o trabalho.
9. A actual redacção da Lei 99/2008 ao regular esta matéria diverge do previsto na Lei 100/97 de 13/09, regulamentada pelo DL 143/99 de 30/04 – em que se consignava que estava abrangido o trajecto desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública até às instalações que constituam o local de trabalho.
10. Na actual lei esta especificação desapareceu, reportando-se, agora à protecção ao trajecto entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituam o local de trabalho.
11. O que indicia claramente, ao contrário do que entendeu o Mmo Juiz a quo que o sentido da lei é o de que encontrando-se o trabalhador ainda dentro da área envolvente da residência, como seja o logradouro, ainda não estará entre a residência e o local e trabalho, mas sim na residência.
12. Como ensina Júlio Gomes, os acidentes ocorridos na residência do trabalhador não encontram tutela neste regime por “se situarem numa esfera de risco do próprio trabalhador, num espaço por este controlado e a cujos perigos sempre se exporia, mesmo sem trabalho” (idem, pg. 181).
13. No logradouro de sua casa, como no interior da mesma, a A. não está ainda sob risco empresarial ou de autoridade, mas apenas no âmbito da sua vida privada, totalmente dependente da sua esfera de actuação e sob o seu controle.
14. No mesmo sentido, diz Pedro Romano Martinez, que “a responsabilidade por acidentes de percurso não abrange situações em que o trabalhador se encontra num espaço por ele controlado, em particular na sua vida privada” (Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, pág. 829).
15. Este entendimento, para além de ser a única que respeita a letra da lei, como exige o Art. 9º CCiv. (trajecto, diz a lei) assim como o seu espírito (proteger o trabalhador quando se encontra já, por força da relação laboral, em área do risco empresarial e não sob o risco privado que todos corremos em nossas casas) leva a que o acidente dos autos não possa ser qualificado como acidente de trabalho.
16. Ao decidir diferentemente, o Mmo. Juiz a quo violou a letra da lei (ao ignorá-la, abstraindo da necessária correspondência com a mesma, que diz expressamente “A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: … b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;
17. Além de ilegal por vilar a letra da lei, tal solução opera uma extensão tal do conceito de acidente de trabalho que extravasa o seu sentido – ao ponto de acidentes domésticos passarem a ser qualificados como acidentes de trabalho.
18. Nem sequer tem qualquer lógica entender, aceitando-se o raciocínio da decisão em crise, que uma queda no logradouro de uma moradia é acidente de trabalho mas que uma queda quando o trabalhador se dirige para a cozinha, para ir tomar o pequeno-almoço, não o seja.
19. O logradouro da casa da Apelada é um espaço sob controlo e domínio exclusivos da mesma, sem qualquer conexão com a sua actividade profissional e em que não está sob risco empresarial ou de autoridade.
20. Neste sentido, que se crê ser o correcto, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2015, votado por unanimidade, de cujo sumário se retira o seguinte: I - A tónica delimitadora do que é acidente in itinere, ou não, passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afectam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reacção.
II – Nessa medida, não é acidente de trajecto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço.
21. Ou ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 2/5/2013, Processo n.º 590/08.0TTSTR.E1, relator: José Feteira, publicado em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/5/2011, Processo n.º 35/09.8TTSTB.E1, relator: João Luís Nunes, publicado em www.dgsi.pt - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5/7/2007, Processo n.º 502/03.7TTCBR.C1, relator: Serra Leitão, publicado em www.dgsi.pt (Sumário).
22. Ou ainda, o próprio Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 19-10-2015, o mais recente sobre esta temática, proferido no processo nº 643/13.2T4AVR.P1 e votado por unanimidade, decidiu no seguinte sentido: I - Não se caracteriza como acidente de trabalho in itinere o acidente verificado quando a sinistrada regressava a casa vinda do seu local de trabalho e, após sair do veículo em que se fazia transportar, deu uma queda na rampa de acessoà sua moradia, já dentro da sua propriedade privada. II - O espaço próprio dosinistrado, constituindo uma área sob o seu domínio e cujo risco o mesmo controla, deve considerar-se excluído do “trajecto protegido” pela lei reparadora dos acidentes de trabalho.
23. Ao decidir diferentemente, o Mmo. Juiz a quo interpretou erradamente, e com isso violou, os Arts. 9º CCiv. 8º e 9º da Lei 98/2009, violando a letra e o espírito da Lei.”.

Terminam, em síntese conclusiva: “deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva as RR. do pedido, por não considerar que a factualidade consubstancie um acidente de trabalho”.

A sinistrada contra-alegou no sentido da confirmação do julgado.

Efectuado o exame preliminar cumpre decidir.

Indagar-se-á se o acidente não é de considerar de trabalho in itinere e as respectivas consequências.

Na sentença considerou-se provado:

1 - A A. nasceu no dia …/../….
2 - Desempenhava a sua actividade profissional de operadora de portagem sob as ordens, direcção e fiscalização da R. “B.”, mediante a retribuição anual ilíquida de €21.851,93.
3 - A R. “B.” havia celebrado com as RR. seguradoras (X - quota parte da responsabilidade 65%; Y – quota parte de responsabilidade 22,5%; Z – quota parte de responsabilidade 12,5%) um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, o qual cobria a A. apenas pela remuneração anual ilíquida de €19.818,20.
4 - No dia 2/4/2017, pelas 6,00 horas, quando a A. se dirigia para a garagem da sua residência, a fim de entrar no veículo automóvel para se deslocar para o seu local de trabalho, escorregou e caiu, sofrendo entorse do tornozelo direito e fractura da tíbia.
5 - A residência da A. é constituída por uma moradia unifamiliar, totalmente rodeada por muro e portões eléctricos que a separam da via pública.
6 - A queda da A. ocorreu no interior do logradouro murado da sua habitação, no percurso entre a edificação habitacional e o anexo onde se encontrava estacionada a sua viatura.
7 – Existia ali um buraco na calçada em paralelo que constitui o passeio da sua residência
8 - A A. teve despesas com deslocações a este tribunal e a actos médicos.
9 - A. encontra-se curada, com uma IPP de 2%, tendo tido ITA desde 3/4/2017 até 2/5/2017 e ITP de 10% de 2/5/2017 até 15/5/2017 (data da alta 16/5/2017).”.
Desde já se dirá que outra não poderá ser a decisão deste tribunal senão a de julgar improcedente o recurso.

Este tribunal vem firmando jurisprudência a considerar situações análogas à do acidente destes autos (no logradouro da residência da sinistrada, ao se dirigir para a garagem e alcançar veículo automóvel com a finalidade de se deslocar para local de trabalho) como sendo in itinere, assim, subsumíveis ao disposto no artº 9º, nºs 1, alª a) e 2, alª b) da Lei 98/2009 de 04.09.

Considere-se o acórdão de 30.11.2016 (procº 41/14.0Y3BRG.G1; www.dgsi.pt), o qual corrobora o significado interpretativo de tal preceito em acórdãos do STJ e ainda no acórdão deste tribunal de 26.02.2015 (procº 437/11.0TUGMR.P1; www.dgsi.pt).

Naquele, a abordagem desta problemática segundo expressamente os cânones interpretativos previstos no artº 9º do CC, estando em questão acidente ocorrido ao se descer uma escada exterior de moradia de terceiro, foi esta:

“A Recorrente insurge-se contra a consideração deste sinistro como acidente de trabalho na medida em que o mesmo ocorreu no logradouro que integrava a residência da A., e, assim, no seu espaço privativo, devendo o risco correr por sua conta.

Vejamos.

Estabelece o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, no que respeita ao conceito de acidente de trabalho:

Artigo 8.º
Conceito
1 – (…)
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.

Artigo 9.º
Extensão do conceito
1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
(…)
2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:
(…)
b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;
(…)
e) Entre o local de trabalho e o local da refeição;
(…)
3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
4 - No caso previsto na alínea a) do n.º 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige.

Verifica-se, assim, que o art. 9.º enuncia situações que também se consideram como acidentes de trabalho, não obstante escaparem à definição nuclear dada pelo art. 8.º, designadamente os acidentes de trajecto ou de percurso, igualmente designados na doutrina e jurisprudência como acidentes in itinere, porquanto são os que ocorrem no caminho de ida ou de regresso do local de trabalho.

Sobre o conceito de acidente in itinere, diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do Processo n.º 154/06.2TTCTB.C1.S1 (Relator Gonçalves Rocha), disponível em www.dgsi.pt:
“(…) Para que se esteja em face dum acidente de trajecto indemnizável, já não exige o legislador o preenchimento daqueles exigentes requisitos da lei anterior, bastando para tanto que o acidente ocorra no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto para o percorrer.

Trata-se da consagração das modernas teorias que consideram que o risco de acidentes neste percurso é inerente ao cumprimento do dever que incumbe ao trabalhador de comparecer no lugar do trabalho, para nele executar a prestação resultante do contrato de trabalho, constituindo assim uma das suas obrigações instrumentais ou acessórias.

Por isso, sendo o trabalhador obrigado a fazer o percurso necessário ao cumprimento da sua obrigação de trabalhar no lugar determinado pela sua entidade patronal e usando, para tanto, as vias de acesso e os meios de transporte disponíveis, justifica-se que os acidentes ocorridos neste percurso e no tempo habitualmente gasto para o percorrer, já gozem da protecção própria dum acidente de trabalho, conforme prescrevia o artigo 6º, nº 2, do DL nº 143/99, de 30/4.”

Isto é, também de acordo com o que ensina Júlio Gomes (1), o elemento espacial e o elemento temporal inerentes à definição de acidente in itinere limitam-se a indiciar o elemento teleológico, que parece ser, ele sim, o essencial, e, assim, “(…) o trajeto tutelado é, em princípio, aquele que o trabalhador empreende ao sair da sua residência habitual ou ocasional com a intenção de se deslocar para o seu local de trabalho e aqueloutro, de regresso a essa mesma residência habitual ou ocasional, a partir do seu local de trabalho, uma vez terminada a sua prestação.” (2)

Não obstante, nesta matéria dos acidentes in itinere, e no que interessa para o caso dos autos, existe no actual regime jurídico, acima delineado, uma alteração significativa em relação ao anterior, que resultava da aplicação da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, que a regulamentou, na medida em que, actualmente, resulta do n.º 1, al. a) e do n.º 2, al. b) do art. 9.º da Lei n.º 98/2009 que se considera acidente de trabalho o que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho, enquanto, nos termos conjugados do art. 6.º da Lei n.º 100/97 e do art. 6.º, n.º 2, a) do DL n.º 143/99, se esclarecia quanto à residência do sinistrado que o trajecto relevava desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública.

Relativamente ao desaparecimento deste trecho, refere o autor já citado que (3) “(…) da revogação da norma não se pode inferir, sem mais, o abandono da solução preexistente. Além da hipótese de lapso, a revogação pode ficar a dever-se, ao invés, à convicção de que a solução resultaria das regras gerais e da ratio da tutela dos acidentes in itinere e da exclusão, em princípio, dos acidentes ocorridos na própria residência do trabalhador. Os acidentes ocorridos na própria residência do trabalhador não são tutelados, provavelmente, por se situarem numa esfera de risco do próprio trabalhador, num espaço por este controlado e a cujos perigos sempre se exporia, mesmo sem o trabalho. Parece-nos forçado dizer que as áreas comuns do edifício são áreas sobre as quais o trabalhador enquanto condómino detém ainda algum poder, sendo titular de um direito sobre as mesmas. Com efeito, não só nada garante que o trabalhador que reside numa fracção autónoma seja condómino (pode tratar-se, por exemplo, de um arrendatário, de um hóspede ou de um comodatário), como nos parece que, ainda que o seja, esse poder mais ou menos difuso sobre as áreas comuns pode ser insuficiente para que consiga fazer valer os seus pontos de vista sobre a segurança das mesmas.”

Todavia, questão mais pertinente, nomeadamente para a solução dos presentes autos, é se o desaparecimento da menção ao trajecto desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, para além de não acarretar uma restrição do conceito de acidente in itinere, permite mesmo alargá-lo, de modo a incluir o ocorrido em trajecto para o trabalho que percorra áreas exteriores da habitação, designadamente garagens ou logradouros, em situações que não sejam de propriedade horizontal, como por exemplo se estiver em causa uma moradia, tanto mais que o sinistrado pode ser mero comproprietário, arrendatário, comodatário ou hóspede, sem pleno controlo sobre os riscos inerentes ao local.

Na verdade, é esse o entendimento que melhor se coaduna com o elemento teleológico que actualmente se entende presidir à tutela do trajecto para e do local de trabalho, a saber, a necessidade de fazer o percurso inerente ao cumprimento do dever de comparecer no local de trabalho, em benefício do empregador, independentemente de riscos específicos ou agravados do percurso em si mesmo, sendo também o que nos parece contribuir melhor para aperfeiçoar esta “(…) “alquimia de iniciados” e de distinções quase bizantinas” (4) em que muitas vezes se cai em matéria de acidentes in itinere.

Isso mesmo se decidiu no Acórdão desta Relação de Guimarães de 26 de Fevereiro de 2015, no âmbito do Processo n.º 437/11.0TUGMR.P1.G1 (Relator Moisés Silva), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se exarou:

“A queda da sinistrada nas escadas que conduzem ao logradouro da moradia de 1.º andar, onde reside habitualmente, quando se dirigia para o local de trabalho, constitui um acidente de trabalho in itinere.”

Veja-se, ainda, a respectiva fundamentação, que se acolhe inteiramente, pela cabal adequação ao caso dos autos:

“Salvo o devido respeito, no caso dos autos não está em causa a subordinação jurídica do trabalhador no momento em que ocorre o acidente. O legislador quis estender a tutela da segurança na deslocação do trabalhador desde o seu lar até ao local de trabalho que for determinado pela empregadora, estabelecendo que o risco corre por conta desta, em obediência ao princípio do ubi commoda ibi incommoda.

Na verdade, é a empregadora quem retira mais benefício da atividade do trabalhador, o qual apenas tem a sua força laboral para oferecer, pelo que é justo que seja também esta que suporte os ónus decorrentes da deslocação do trabalhador desde a residência até ao local da prestação da obrigação.

A questão está em saber onde começa fisicamente esse risco. Se a partir da transposição da habitação em sentido estrito, local onde pernoita e toma as refeições, ou se só começa quando o trabalhador está na via pública.

O trajeto para o local de trabalho é constituído por um corpus e por um animus, no sentido de que o trabalhador para ficar a coberto dos riscos em caso de acidente deve seguir o caminho habitual e ao iniciar esse percurso tem que fazê-lo com a intenção de se dirigir para o local da prestação da atividade em obediência à empregadora e não para outro local qualquer.

(…) Ninguém se alimenta, dorme ou se abriga no logradouro ou nas escadas. Estas partes da propriedade são acessórias do núcleo essencial constituído pela residência habitual.

A partir do momento em que o trabalhador transpõe a porta da residência, ou habitação, onde normalmente vive e permanece, inicia o trajeto para o local de trabalho. Os factos assentes não deixam dúvidas de que a sinistrada caiu nas escadas depois de sair da habitação e quando se dirigia para o local de trabalho.

A lei não fala em via pública. Refere apenas entre a residência habitual ou ocasional. A residência a considerar para este efeito é apenas o lugar da habitação onde se alimenta, abriga e repousa.

Daí que o início do trajeto seja desde o lado de fora da porta da residência até ao local onde por ordem expressa ou tácita da empregadora tenha de cumprir a sua obrigação de trabalho.”

Entendimento semelhante foi o acolhido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2016, proferido no âmbito do Processo n.º 375/12.9TTLRA.C1.S1 (Relatora Maria Luísa Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, onde se refere:

“Estipula o art. 9.º, n.º 3, do Código Civil, que o intérprete deve presumir, na fixação e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Princípio que deve nortear o intérprete quando confrontado com a tarefa de descortinar o sentido e alcance da norma.

Ora, resulta expressamente da conjugação da actual redacção do art. 9º, nº 1, alínea a), e n.º 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que basta que o evento danoso ocorra entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o local de trabalho do sinistrado, para que, por si só, seja considerado como acidente in itinere e, como tal, tutelado pelo respectivo regime jurídico.

A norma actualmente em vigor mostra-se redigida em termos que permite desde logo excluir do conceito os acidentes ocorridos na própria residência do trabalhador.

Mas já não permite que se conclua, de imediato, no sentido de que não abarca os que se verifiquem entre a residência, após transposição da porta desta, e o local de trabalho.

O que bem se compreende, na medida em que se assiste, frequentemente no dia-a-dia, atenta a normalidade da vida, que os únicos meios de ligação da habitação à própria via pública, e destas para o local de trabalho, são feitos através de percursos que incluem acessos diversos, v.g., a escadas, pátios, logradouros, garagens, etc., sejam estes espaços comuns ou próprios do trabalhador sinistrado.

(…)
É certo que ao estabelecer este conceito de acidente de trabalho, no Regime Jurídico de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei nº 98/2009), o legislador acabou por eliminar a referência discriminatória que resultava da anterior redacção do art. 6º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril. E que assentava no seguinte segmento: “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações do local de trabalho”.

Eliminação que ao ser materializada pelo legislador permite que se integre no conceito não apenas essas partes comuns, anteriormente já incluídas, mas outras que se situem, de acordo com os normativos em vigor, entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador sinistrado e as instalações que constituem o seu local de trabalho, sejam partes comuns de prédios em condomínio, sejam logradouros de uma habitação/vivenda unifamiliar.

Defender o contrário seria enveredar por uma interpretação restritiva do conceito de acidente in itinere, com tendência para abarcar os acidentes ocorridos na via pública ou em áreas comuns e já não os que tivessem lugar em logradouro pertencente apenas ao trabalhador.

Ora, se fosse essa a intenção do legislador, por certo teria mantido a redacção anterior.

E se a suprimiu, só pode ter sido com um duplo objectivo: o de, por um lado, pôr fim à referida distinção e, por outro, dar oportunidade à Jurisprudência de, in concreto, definir e delimitar a sua aplicação.
(…)
Destarte, o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, deve bastar-se com a saída (“ultrapassagem”/transposição) da porta da residência por parte do trabalhador sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício condominial, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer ainda antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respectivo trajecto que utiliza nessa ida.”

As considerações acabadas de transcrever têm inteira pertinência no que concerne ao caso em apreço nos presentes autos.

A A. tinha a sua residência habitual em moradia que nem sequer lhe pertencia, mas sim a sua filha, com quem vivia, e no dia 17 de Outubro de 2014, ao sair da mesma para se deslocar para as instalações da empresa onde ia exercer as funções de empregada de limpeza, quando estava a descer as escadas exteriores, escorregou e caiu no último degrau, imobilizando-se junto ao portão que dava acesso para a via pública. Não obstante estas escadas estarem situadas no espaço privado da moradia, eram a única comunicação para a via pública, fazendo parte do trajecto que a sinistrada tinha de percorrer com o fim de prestar o seu trabalho no local determinado pela empregadora, em benefício desta.”.

Este entendimento tem sido defendido por este Tribunal (cfr acórdão de 21.09.2017; procº 460/14.2TTBRG; www.dgsi.pt), nomeadamente ainda no procº 797/15.3Y2GMR.G1, em acórdão de 14.06.2017.

Neste último referiu-se:

“No âmbito da anterior lei, entendia alguma jurisprudência menos exigente, mas na altura minoritária, que o percurso coberto se iniciava após a porta de saída da habitação, quer para os lugares comuns (áreas comuns) do edifício, quer para logradouro de habitação unifamiliar. A jurisprudência maioritária, interpretando de forma mais literal a norma, neste último caso entendia que apenas estava abrangido o acidente ocorrido após a porta de acesso à via pública. Referindo a existência de uma lacuna na lei, devendo considerar-se como acidente in itinere, por analogia, o ocorrido na área adjacente à habitação, vd. STJ de 25/3/2010, www.dgsi.pt, processo nº 43/09.9T2AND.C1.S1. Na nova lei vd. Ac. RP de 22/4/2013, www.dgsi.pt, processo nº 253/11.0TTVNG.P1.

Com a actual lei têm sido defendidas duas teses para casos como o dos autos. Uns, como ac. RL, de 07.10.2015, processo nº 408/13.1TBV.L1-4, apontam no sentido de que “a tónica delimitadora do que é acidente in itinere ou não, passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afetam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reacção. Nessa medida, não é acidente de trajecto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço”.

Entendem estes que estes acidentes não têm tutela, por ocorrerem em espaço situado na esfera do risco próprio do trabalhador. O trabalhador sempre se exporia a estes riscos ainda que sem o trabalho. Parece-nos excessivamente formal a argumentação.
E tal conclusão não é totalmente certa. Naquelas circunstâncias o trabalhador sujeitou-se a descer as escadas porque precisava ir para o emprego, caso não fosse poderia ter ficado dentro da habitação. Claro que tem que haver um limite, e esse deve procurar-se na lei. Até onde o legislador quis proteger é a questão.

A questão como foi referido no acórdão desta relação de 26.02.2015, processo nº 437/11.0TUGMR.P1.G1, não tem a ver com a “subordinação” do trabalhador no momento em que ocorre o acidente. “O legislador quis estender a tutela da segurança na deslocação do trabalhador desde o seu lar até ao local de trabalho que for determinado pela empregadora, estabelecendo que o risco corre por conta desta, em obediência ao princípio do ubi commoda ibi incommoda.”

A questão, continua-se naquele, “está em saber onde começa fisicamente esse risco. Se a partir da transposição da habitação em sentido estrito, local onde pernoita e toma as refeições, ou se só começa quando o trabalhador está na via pública.”

A nova lei deixou de referir “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública”, o que não pode deixar de relevar na interpretação a fazer quanto ao intuito do legislador.

A lei refere residência habitual ou ocasional do sinistrado. Citando ainda o ref. Acórdão diz-se; “Este é o local onde a pessoa tem centrada a sua vida (Ac. RE, de 23.06.1988, BMJ, 378.º, p. 309 e Ac. do Tribunal Central do Sul, processo n.º 05810/12, www.dgsi.pt/jtca), consubstanciada em aí se acolher para se proteger dos elementos, dormir e alimentar-se. Ninguém se alimenta, dorme ou se abriga no logradouro ou nas escadas. Estas partes da propriedade são acessórias do núcleo essencial constituído pela residência habitual.

A partir do momento em que o trabalhador transpõe a porta da residência, ou habitação, onde normalmente vive e permanece, inicia o trajeto para o local de trabalho.”
A alteração da lei aponta no sentido de relevar qualquer ponto do trajecto, logo que fora da habitação do sinistrado, naquele sentido preciso. E entende-se, é que, tendo saído da habitação fica claro que se encontra já em trajecto para o emprego, o que não pode com segurança afirmar-se dentro da habitação.

No sentido da abrangência do acidente ocorrido em logradouro, em trajecto, Ac. RP de 22/4/2013, processo nº 253/11.0TTVNG.P1.

Refere-se neste acórdão que a alteração de redacção dá nota de “uma opção legislativa clara e inequívoca no sentido de afastar o requisito do "domínio espacial" por parte do trabalhador no momento em que o acidente ocorre como condição necessária para a subsunção do sinistro ao conceito de acidente de trabalho "in itinere"… a omissão operada face ao disposto na norma revogada … não aconteceu por acaso e teve como propósito último a aproximação da letra da lei à teleologia subjacente à reparação dos acidentes de trabalho… encontra o seu fundamento último na teoria do risco económico ou de autoridade.”

Como se refere no Ac. do STJ de 29-06-2005 no processo n.º 574/05, referido naquele, estamos na presença de "um risco que o empregador deve suportar pelo simples facto de beneficiar do trabalho do empregado ou da mera disponibilidade dele".

Ainda no sentido de que “atentas as referidas alterações, deve interpretar-se os atuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando para tal que já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”, RG de 30/11/2016, processo nº 41/14.0Y3BRG.G1.

O STJ no acórdão de 18/2/2016, processo nº 375/12.9TTLRA.C1.S1, defende esta posição.”.

No citado procº 460/14.2TTVCT.G1, em acórdão de 21.09.2017 (www.dgsi.pt), ainda que devido a acidente ocorrido quando a sinistrada caminhava no logradouro da residência de terceiro, local de refeição, em direcção à sua viatura estacionada na via pública, como antevisto, foi perfilhado sentido idêntico.

Esse acórdão foi entretanto confirmado pelo STJ em acórdão de 05.12.2018, no recurso de revista excepcional. O recurso teve como aresto fundamento o que a recorrente cita nesta apelação. O mesmo foi igualmente subscrito como vogal pelo actual relator mas que face ao acervo jurisprudencial que se citou e que ainda virá à colação não encontra fundamentos mais consistentes para manter esse seu então entendimento (procº 408/13.1TBV.L1-4 de 07.10.2015, www.dgsi.pt).

No acórdão do STJ lavrou-se a seguinte jurisprudência:

“(…) está em causa na presente revista saber se o acidente dos autos deve ser qualificado como acidente de trabalho “in itinere” , nos termos do art. 9.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, alíneas b) e e) da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
(…)
3 - A decisão recorrida, para além do acórdão proferido por esta Secção em 18 de fevereiro de 2016, no processo n.º 375/12.9TTLRA.C1.S1, invocou também na mesma linha de orientação da resposta adotada, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/11/2016, proferido no Proc. nº 41 /14.0Y3BRG. G 1 e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 22/4/2013, proferido no Proc.º nº 253/11.0TTVNG.P1.

Na mesma linha de orientação se situam os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26/02/2015, proferido no processo n.º 437/11.0TUGMR.P1.G1 e de 14/06/2017, proferido no processo n.º 797/15.3Y2GMR.G1.

(…)
No Tribunal da Relação de Coimbra situam-se na linha da decisão recorrida o acórdão de 12/04/2018, proferido no processo n.º 135/16.8T9GRD.C1 e, embora não publicados, os acórdãos proferidos nos processos nºs 12/14.7TTFIG.C1, 375/12.9TTLRA.C1 e 257/13.7TUFIG.C1.

(…)
Ao nível do Tribunal da Relação de Lisboa, para além do acórdão invocado na revista excecional como acórdão fundamento, foram proferidos no sentido da decisão recorrida considerando os acidentes em causa como acidentes in itinere, o acórdão de 25 de outubro de 2017, proferido no processo n.º 1870/15.3T8B RR. L 1-A e o acórdão de 11 de outubro de 2017, proferido no processo n.º 13157/14.4T28NT.L1-4.

Esta Secção voltou a debruçar-se sobre a mencionada questão, no acórdão de 13 de julho de 2017, proferido no processo n.º 175/14.1TUBRG.G1.81, mantendo-se na linha de orientação do já citado acórdão proferido no processo n.º 375/12.9TTLRA.C1.81.

Neste acórdão, depois de uma exaustiva análise da evolução do sistema jurídico nesta área e da própria jurisprudência deste Tribunal, invocou-se como fundamento do decidido o seguinte:

«7. É certo que ao estabelecer este conceito de acidente de trabalho, no Regime Jurídico de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei nº 98/2009), o legislador acabou por eliminar a referência discriminatória que resultava da anterior redacção do art. 6º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril. E que assentava no seguinte segmento: "desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações do local de trabalho".

Eliminação que ao ser materializada pelo legislador permite que se integre no conceito não apenas essas partes comuns, anteriormente já incluídas, mas outras que se situem, de acordo com os normativos em vigor, entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador sinistrado e as instalações que constituem o seu local de trabalho, sejam partes comuns de prédios em condomínio, sejam logradouros de uma habitação/vivenda unifamiliar.

Defender o contrário seria enveredar por uma interpretação restritiva do conceito de acidente in itinere, com tendência para abarcar os acidentes ocorridos na via pública ou em áreas comuns e já não os que tivessem lugar em logradouro pertencente apenas ao trabalhador.

Ora, se fosse essa a intenção do legislador, por certo teria mantido a redacção anterior.

E se a suprimiu, só pode ter sido com um duplo objectivo: o de, por um lado, pôr fim à referida distinção e, por outro, dar oportunidade à Jurisprudência de, em concreto, definir e delimitar a sua aplicação.

Interpretação de outra natureza poderia atentar contra a própria filosofia que esteve subjacente à aprovação do regime actual dos acidentes de trabalho, sobre a qual se pronunciou o Acórdão desta Secção do STJ, datado de 30/3/2011, onde se fez a análise e a evolução histórica do conceito, podendo ler-se, a este propósito, que:

"Daí adveio a necessidade da adaptação do seu regime à evolução da realidade sócio-laboral e ao desenvolvimento da legislação complementar no âmbito das relações de trabalho, da Jurisprudência e das Convenções Internacionais.

Por isso, a filosofia que esteve subjacente à nova lei, foi a da concretização duma melhoria do sistema de protecção dos trabalhadores e das prestações conferidas às vítimas de acidentes de trabalho e de doenças contraídas no trabalho e por causa dele.

Uma das melhorias trazidas pela nova lei foi em matéria de acidentes de trabalho "in itinere", conforme iremos constatar através da análise da evolução histórica deste conceito".

Destarte, o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in ítinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, deve bastar-se com a saída ("ultrapassagem"/transposição) da porta da residência por parte do trabalhador sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício condominial, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer ainda antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida.»
Não temos qualquer razão válida para abandonar esta linha de orientação que reafirmámos.
(…)

Tal como se considerou na decisão recorrida o «critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.ºs 1, al. a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, basta-se com a saída/transposição da porta da residência por parte do trabalhador/sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos ou comproprietários, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respectivo trajecto que utiliza nessa ida».

O acidente sofrido pela sinistrada tem assim de se considerar como acidente de trabalho, uma vez que ocorreu no trajecto entre o local onde a trabalhadora tinha tomado a refeição, como acontecia habitualmente, e o seu local de trabalho, para onde se deslocava.”.

Ora, qualquer da argumentação recolhida do recurso é rebatida ponto por ponto de forma consentânea por qualquer da jurisprudência acabada de citar que se lhe opõe.

Ou seja, ainda, a circunstância de estarmos perante uma moradia unifamiliar rodeada por muro e portões eléctricos que a separam da via pública é irrelevante porquanto, em face do artº 9º da Lei 98/2009, quando ocorre o acidente nos espaços envolventes da residência da sinistrada, de resto qualquer que fosse o regime jurídico da sua pertença, posse, detenção ou uso, a conduta desta é tutelada na medida em que comporta o início do percurso para o local de trabalho.

Por isso, era correcto que na sentença se referisse que a sinistrada saía da sua residência para o seu local de trabalho como também, independentemente disso, sempre seria uma vez que mais não é que a manifestação de mera expressão de forma verbal transitiva. E, por seu turno, o que não pode colher face à factualidade assente e à jurisprudência prevalecente é a afirmação de que “que a Apelada não tinha ainda sequer iniciado o trajecto entre a sua residência e o local de trabalho”.

Pelo exposto é de concluir que o recurso é improcedente.

Sumário, da única responsabilidade do relator

O acidente ocorrido quando a trabalhadora escorregou e caiu no logradouro da sua residência numa moradia unifamiliar ao se dirigir para a garagem existente num anexo e alcançar veículo automóvel com a finalidade de se deslocar para local de trabalho é de trabalho in itinere.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação confirmando a sentença.
Custas pelas recorrentes.
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O acórdão compõe-se de 16 folhas, com os versos não impressos.
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10.01.2019