Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5693/22.5T8VNF-A.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: LEI N.º 1-A/2020
PRAZOS
SUSPENSÃO
PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. No dia 18 de Março de 2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, renovado pelo Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de Abril de 2020 (1ª renovação) e pelo Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de Abril (2ª renovação).
2. O Governo, através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, in Diário da República n.º 57/2020, 1.º Suplemento, Série I de 2020-03-20, páginas 5-17, procedeu à execução do declarado estado de emergência, em todo o território nacional – cfr. artigo 2.º.
3. Nesse ambiente, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, actualizada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril), as quais determinaram, entre outras medidas, a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4. Essa perturbação na contagem dos prazos de prescrição pode ser resumida assim:
a) o prazo de prescrição esteve suspenso entre 9.3.2020 e 2.6.2020 (85 dias) (artigos 7º,3 e 10º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e artigo 37º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março; artigo 8º da Lei 16/2020, de 29 de Maio);
b) o prazo de prescrição esteve também suspenso entre 22.1.2021 e 5.4.2021 (73 dias) (artigo 6º-B, nºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro; artigo 4º da Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro; Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).
5. Concluindo que com base numa das causas de suspensão do prazo de prescrição a prescrição não ocorreu, torna-se desnecessário apreciar outros fundamentos de suspensão do mesmo prazo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A... S.A. instaurou acção executiva contra EMPRESA TÊXTIL ... LDA, para obter o pagamento da quantia total de € 741.855,98, em que € 607.609,70 corresponde a capital e € 134.246,28 corresponde a juros.

Alegou, em síntese:

1. A ora executada requereu no decurso do ano de 2019 processo especial de revitalização, que correu os seus termos no processo 2543/19.... no juiz ... do juízo de comércio ..., onde indicou como credor a ora exequente, no montante de € 614.939,98.
2. Por decisão transitada em julgado, foi recusada a homologação do plano.
3. A Requerente, no decurso do ano de 2018 e a solicitação da executada, forneceu-lhe variadíssimo material nomeadamente fio de algodão nas quantidades e circunstâncias de tempo, e valores, conforme facturas que junta.
4. Para pagamento desses fornecimentos efectuados, a executada emitiu, preencheu, aceitou e entregou à exequente as seguintes 16 letras, onde aquela figura como sacadora/credora, sendo a exequente sua legítima portadora:
a) Letra ...67 com data de emissão de 31/03/2019, no valor de € 55.419,61, com data de vencimento a 30/04/2019;
b) Letra ...29 com data de emissão de 07/09/2018, no valor de € 59.942,39, com data de vencimento a 30/04/2019;
c) Letra ...16 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 32.248,24, com data de vencimento a 31/05/2019;
d) Letra ...76 com data de emissão de 21/01/2019, no valor de € 15.803,29, com data de vencimento a 31/05/2019;
e) Letra ...68 com data de emissão de 21/01/2019, no valor de € 48.103,39, com data de vencimento a 30/04/2019;
f) Letra ...65 com data de emissão de 04/02/2019, no valor de € 48.962,70, com data de vencimento a 30/06/2019;
g) Letra ...62 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 47.303,34, com data de vencimento a 30/06/2019;
h) Letra ...11 com data de emissão de 28/02/2019, no valor de € 16.124,12, com data de vencimento a 31/07/2019;
i) Letra ...70 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 41.312,26, com data de vencimento a 31/07/2019;
j) Letra ...73 com data de emissão de 04/02/2019, no valor de € 13.960,40, com data de vencimento a 31/07/2019;
k) Letra ...76 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 48.158,13, com data de vencimento a 31/08/2019;
l) Letra ...20 com data de emissão de 28/02/2019, no valor de € 46.488,22, com data de vencimento a 31/08/2019;
m) Letra ...24 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 31.837,75, com data de vencimento a 30/09/2019;
n) Letra ...00 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 40.044,37, com data de vencimento a 30/09/2019;
o) Letra ...32 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 30.281,30, com data de vencimento a 31/10/2019;
p) Letra ...40 com data de emissão de 01/04/2019, no valor de € 31.620,19 com data de vencimento a 30/11/2019;
5. Letras que não foram pagas na sua data de vencimento.

A executada defendeu-se por embargos, nos quais veio alegar:

a) a ineptidão do requerimento executivo: afirma que sem exposição de factos, mesmo de modo sintético, por parte do requerente, não há causa de pedir. E a exequente não junta, nem os contratos, nem os pedidos de encomenda, nem alega factos e ou junta documentos, a fim de se poder verificar os fatos alegados.
b) a prescrição do título executivo: afirma que já decorreu o prazo prescricional de 3 anos sobre a data aposta nas letras, tendo a execução sido instaurada a 15.09.2022
c) a Executada não deve à Exequente quantia peticionada.

A exequente exerceu o contraditório, pugnando pelo indeferimento de todas as pretensões da executada.

A 10.11.2022 a executada/embargante veio informar os autos que deu início a um novo Processo Especial de Revitalização, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... - Juiz ... - Proc. 6861/22...., sendo que por despacho proferido, no dia 08/11/2022, foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do artigo 17º-C (cfr. doc. ...). Acrescentou que a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Mais acrescentou que nos termos do artigo 17º- E, nº. 1 do CIRE, a nomeação de administrador judicial provisório em processo especial de revitalização tem como consequência a suspensão das acções instauradas para cobrança de dividas contra o devedor, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.
Termos em que requereu a suspensão da presente execução, até ao termo do processo especial de revitalização.

A 11.11.2022 foi proferido o seguinte despacho: “atento o teor do requerimento antecedente, declaro suspensa a instância – cfr. artigo 17.º - C, n.º 1, do CIRE”.

A 24.3.2023 foi proferida sentença, que apreciou a arguição da ineptidão do requerimento executivo, e julgou a mesma improcedente, e apreciou igualmente a prescrição da obrigação cambiária, também para julgar a mesma improcedente. Em conclusão, julgou improcedentes os embargos à execução e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução contra a embargante.

Inconformada com esta decisão, a embargante dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1- Com o devido respeito por diverso entendimento, consideramos que o Tribunal a quo preconizou uma incorrecta interpretação e aplicação do direito, nomeadamente das normas ínsitas no artigo 17º-E, nº 1 do CIRE, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
2- Constando como data de vencimento das letras identificada em a) a l) do requerimento executivo apresentado e tendo a execução sido instaurada a 15.09.2022, é notório que decorreu o prazo prescricional previsto no referido normativo legal, sendo que, não tem lugar no caso concreto o período de suspensão de quatro meses previsto no artigo 17º E, nº 1 do CIRE, o qual obsta à instauração de quaisquer acções executivas contra a empresa para a cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as acções em curso com idêntica finalidade, conforme dispõe a sentença ora recorrida.
3- Na verdade, contrariamente à posição defendida pelo Tribunal a quo, no presente caso concreto, não deveria ter sido aplicada a suspensão prevista no artigo 17º-E, nº 1 do CIRE nem a suspensão excepcional prevista no artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março que determinou a suspensão de prazos entre 9 de Março de 2020 e 2 de Junho de 2020 (85 dias) e posteriormente no artigo 2º da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro que determinou a suspensão do prazo de prescrição ocorreu entre 22 Janeiro de 2021 e 05 de Abril de 2021 (73 dias).
4- Por conseguinte, contrariamente à posição sufragada pelo Tribunal a quo, verifica-se a prescrição do crédito titulado pelas letras identificadas nas alíneas a) a l) do título executivo dado à execução, porquanto, decorreram mais de 3 anos sobre a data do seu vencimento.
5- Iniciada a prescrição, o seu prazo não se suspende nem se interrompe, salvo nos casos previstos na lei, sendo que não existe ao nível do Processo Especial de Revitalização uma regra idêntica à contida no artigo 100.º do CIRE, que implique a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição durante a vigência do PER e do dito Plano.
6- Assim ensina o Tribunal da Relação de Guimarães no douto acórdão proferido no dia 20/04/2023, no âmbito do processo nº 3865/21.0T8VNF-A.G1, e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 27-1-2016 (213/14.8TTFUN.L1-4), disponíveis em www.dgsi.pt.
7- Por conseguinte, o PER requerido pela ora Recorrente não impediu o exercício do direito da Recorrida, aqui embargada, por isso, relativamente a ela, o prazo prescricional iniciou o seu curso na data de vencimento das letras descritas em a) a l), ou seja, 30/04/2019, 31/05/2019, 30/06/2019, 31/07/2019   e 31/08/2019, respectivamente.
8- Atento o exposto, as letras identificadas em a) a l) do requerimento executivo estavam prescritas na data em que foi instaurada a execução pela Recorrida a 15.09.2022.
9- Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se formula, ainda que se considere que o período de quatro meses de suspensão previsto no artigo 17º-E, nº 1 do CIRE, a verdade é que tal suspensão determinaria a suspensão acções executivas desde 26/04/2019 (data do despacho a nomear o Administrador Provisório no âmbito do Processo Especial de Revitalização nº 2543/19....) a 26/08/2019 e não até 16/09/2019 conforme referido erroneamente pelo Tribunal a quo na sentença ora recorrida.
10- Motivo pelo qual, considerando o prazo de prescrição da acção prevista no artigo 70º, nº 1 da Lei Uniforme das Letras, Livranças e Cheques, as letras prescreveriam no máximo até dia 30 de Agosto de 2022.
11- Nesta senda, atendendo a que a acção executiva apenas deu entrada no dia 15/09/2022 e considerando que a prescrição apenas se tem por interrompida decorridos cinco dias após a entrada da petição, na secretaria do Tribunal, se a citação se não fizer no decurso desse prazo, por motivos não imputáveis ao Autor (artigo 323º, nº 2 do Código Civil) há muito se encontrava ultrapassado o prazo de três anos a que alude o artigo 70º, nº 1 da LULL.
12- Sem ainda prescindir, caso assim não entenda o que por hipótese se raciocínio se formula, à cautela de patrocínio, ainda que se nos presentes autos tivesse aplicação a suspensão excepcional prevista no artigo 7º da Lei nº1-A/2020 de 19 de Março no artigo 2º da Lei nº4-B/2021, de 1 de Fevereiro, conforme posição sugrafada pela Tribunal a quo, as letras peticionadas em a) e b) do requerimento executivo estavam prescritas à data da instauração da acção executiva.
13- Com efeito, seguindo a linha de raciocínio do Tribunal a quo por mera hipótese de raciocínio, considerando que o prazo de 3 (três) anos para interpor a acção previsto no artigo 70º, nº 1 da LULL que se iniciou no dia 30/04/2019 (data de vencimento das letras identificadas em a) a b)), verifica-se que o mesmo terminaria no dia 30/04/2022 (data em que se completam os 3 anos), ainda que beneficie do alargamento do prazo por um período de 85 dias (em razão do disposto no art. 6º da Lei nº 16/2020), então tal prazo de prescrição findou definitivamente na data de 23/07/2022 (data em que se completaram os 85 dias de acréscimo).
14- Ainda na conjectura da hipótese defendida pela sentença ora recorrida, uma vez que até à data de 23/07/2022 estavam contabilizados os três anos do prazo de prescrição e o prazo alargado de 85 (oitenta e cinco) dias (decorrente do disposto no art. 6º da Lei nº 16/2020), caso se entenda acrescentar o prazo alargado de 73 (setenta e três) dias (decorrente do disposto no art. 5º da Lei nº13-B/2021), constata-se que o prazo de prescrição se completou, de forma integral, em momento anterior a ter ocorrido nos autos a suspensão da prescrição por força do artigo 323º, nº 1 do Código Civil.
15- Como a presente acção judicial apenas deu entrada em juízo na data de 15/09/2022, e por força do artigo 323º, nº 1 do Código Civil, a prescrição apenas se têm interrompida logo que decorram os cinco dias após a entrada da petição, então impõe concluir-se que as letras identificadas em a) e b) do requerimento executivo estão prescritas por ter decorrido o respectivo o prazo de prescrição previsto no artigo 70º, nº 1 da LULL, mesmo incluindo os dois prazos alargados que legalmente lhe acresciam na hipótese defendida na sentença ora recorrida.
16- Consequentemente, com devido respeito, na data da apresentação do requerimento executivo as letras identificadas em a) e b) do requerimento executivo estavam prescritas, motivo pelo qual, a sentença recorrida deverá ser revogada neste segmento.
17- Atendendo que as letras identificadas em a) e l) ou na última hipótese defendida pela Recorrente as letras identificadas em a) a b) do requerimento executivo se encontram prescritas, as mesmas só poderão constituir título exequendo enquanto mero quirógrafo nos termos previstos na 2ª parte da al. c) do nº1 do artigo 703º, CPC.
18- Contudo, o requerimento executivo apresentado é vago e genérico, não sendo referidos quaisquer factos constitutivos da relação fundamental, além de que assinatura de uma letra no lugar do aceite, por si só, e desacompanhada de quaisquer outros factos, tem por significado e consequência que o aceitante se vincula ao pagamento da obrigação cambiária, nos termos e prazos de prescrição previstos para este tipo de obrigações.
19- Assim sendo, prescrita a obrigação cambiária e não tendo sido alegado em ponto algum do requerimento executivo, qualquer outro acordo no sentido de que a Recorrente assumiu o pagamento de tal putativa dívida fora da relação cambiária, não se pode afirmar que o simples facto de ter concordado em apor o seu aceite na letra, implicava alguma assunção de dívida para além da responsabilidade cambiária que lhe adviria do regime da letra.
20- A Recorrente não assumiu qualquer dívida perante a Recorrida, porquanto, pese embora tenha identificado em sede de PER um crédito a favor da Recorrida, esta identificação apenas se deveu ao facto de que em sede de PER a Recorrente tem de apresentar todos os créditos no âmbito da sua actividade para efeitos de elaboração do Plano de Recuperação.
21- Os créditos identificados na lista de credores não estavam vencidos nem incumpridos, sendo que a através da apresentação do PER se pretendia elaborar um plano de pagamentos conducente à revitalização da empresa que se apresentava passível de recuperar e não estava, como não está, em situação de insolvência, cumprindo as suas obrigações.
22- A Recorrida A... S.A. não reclamou qualquer crédito em sede do PER, pelo que, sabe bem que os créditos que ora reclama não estavam incumpridos nem vencidos, pelo que, em momento algum a Recorrente assumiu uma divida perante a Recorrida nem a Recorrida invocou no requerimento executivo a assunção da divida por parte da Recorrente.
23- De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos preconizou uma errada interpretação e aplicação dos artigos 70º, nº 1 da LULL, artigo 17º-E, nº 1 do CIRE, no artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março e artigo 2º da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, relativos à suspensão da prescrição das acções, não podendo permanecer na ordem jurídica.

A recorrido contra-alegou, dizendo em síntese que não assiste qualquer razão à recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se o direito da exequente já estava prescrito à data da entrada do requerimento inicial em juízo.

III
A decisão recorrida, na parte que agora interessa, tem o seguinte teor:

“Da prescrição da obrigação cambiária:
(…)
Cumpre decidir:
As excepções peremptórias são as que consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Nestas se inclui, desde logo, a prescrição.
Assim, decorrido o prazo de prescrição tem ‘o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito’ (artigo 304.º, nº 1, do Código Civil), forçoso é concluir que a invocação da prescrição visa o impedimento do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor consubstanciando assim, uma excepção peremptória.
Desta forma, atento o disposto no artigo 595.º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil, cumpre apreciar da prescrição que o opoente invoca.
Ora, nos termos do disposto no artigo 70.º, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (aplicável às livranças, ex vi do art. 77º, LULL), "todas as acções contra o aceitante relativas a letras e livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento" (§1º), e "as acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula 'sem despesas'"(§2º).
Por sua vez, nos termos do art. 298.º, C.C., ficam sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Assim, como regra, todos os direitos disponíveis estão sujeitos a prescrição.
A prescrição tem por fundamento específico a recusa de protecção a um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular e ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica.
Conforme decorre do disposto no artigo 304.º, C.C., completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
A prescrição pode ter natureza extintiva ou presuntiva.
A prescrição extintiva ou liberatória extingue o exercício do direito e, decorrido o respectivo prazo, o devedor pode opor ao credor a correspondente excepção.
Assim, se entretanto cumprir, fá-lo não por que a tal esteja juridicamente vinculado, mas apenas no cumprimento de uma obrigação natural.
Já a prescrição presuntiva se baseia numa presunção de que as dívidas visadas foram pagas, dispensando o devedor da prova de tal pagamento, e assim, por isso que, em vista da natureza daquelas, qualquer discussão a seu respeito ou ocorre imediatamente, ou é impossível de dirimir com consciência.
Enquanto a prescrição extintiva opera mesmo que o devedor confesse que não pagou, na presuntiva se o devedor confessa que deve, é condenado a satisfazer a obrigação.
No caso em apreço, é pacífico que o prazo prescricional em análise tem natureza extintiva.
O fundamento dominante deste instituto jurídico, assenta, portanto, na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei; negligência que faz presumir ter ele querido renunciado ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)" .- cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7ª reimpressão, Almedina, 1987, pag. 445.
Este prazo prescricional, nos termos do art. 323.º, do C.C., interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (n.º 1).
Com efeito, a interrupção da prescrição apenas se opera pela citação ou notificação judicial de qualquer acto mediante o qual se exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito (cfr. n.º 1, do art. 323.º do CC), já que o instituto da prescrição visa evitar que as relações jurídicas permaneçam durante longos períodos numa situação de indefinição, envolvendo também uma sanção para o credor negligente que não curou, em tempo oportuno de exercer os seus direitos.
Não obstante isso, a prescrição tem-se por interrompida decorridos cinco dias após a entrada da petição, na Secretaria do Tribunal, se a citação se não fizer no decurso desse prazo, por motivos não imputáveis ao Autor (cfr. artigo 323.º, n.º 2, do C.C., e Acs. RL. de 22.07.1980, CJ, T4, pág. 102; de 19.05.1981, CJ, T. 3, pág. 44 e STJ de 30.11.1972 in BMJ n.º 221 pág. 222, e Ac. STJ de 22-09-1992, disponível in dgci.pt).
Acontece que o citado prazo de 3 anos a que alude o artigo 70.º, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (aplicável às livranças, ex vi do art. 77º, LULL., foi excepcionalmente suspenso na sequência do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
No primeiro caso, a suspensão dos prazos ocorreu entre 09 de Março de 2020 e 02 de Junho de 2020 (85 dias).
No segundo caso, a suspensão do prazo da prescrição ocorreu entre 22 de Janeiro de 2021 e 05 de Abril de 2021 (73 dias).
Assim, no seu cômputo podemos adicionar à dita suspensão do prazo da prescrição mais 158 dias.
Para além disso e no que ao caso importa, não podemos igualmente deixar de referir que na sequência da apresentação da embargante a PER, que correu seus termos sob o n.º 2543/19.... do J... do juízo de comércio ..., o prazo de prescrição da obrigação cambiária também sofreu uma suspensão adicional, por força do disposto no artigo 17.º - , do CIRE.- cfr. anúncio junto aos autos com a contestação.
Assim, no caso, esse prazo de prescrição também sofreu uma suspensão entre os dias 26-04-2019 e 16-09-2019, conforme consulta efectuada ao identificado processo PER.
Neste contexto, é imperioso concluir que a excepção da prescrição terá obviamente de ser julgada improcedente porquanto as letras de câmbio foram apresentadas à execução antes do terminus do citado prazo de 3 anos a contar do vencimento da mesma.
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção da prescrição invocada pela embargante”.

IV
Conhecendo do recurso.

Não está em causa a impugnação de qualquer matéria de facto, pelo que a questão sub judice é inteiramente jurídica.

Está prescrito o direito da exequente ?
Primeiro, umas breves noções gerais.
Como dispõe o art. 298º,1 CC, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A razão de ser da prescrição, como ensinava o Prof. MANUEL DE ANDRADE, “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, págs. 445-446).

Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, citando Manuel de Andrade, em anotação ao art. 310º CC, que “não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.

Aqui, estamos perante uma acção executiva.
Como refere o art. 4º,3 CPC, dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 45º,1 CPC).

No caso, o título executivo é composto por 16 letras de câmbio, com datas de vencimento que oscilam entre 30/04/2019 e 30/11/2019.
Segundo o disposto no art. 70º LULL, todas as acções contra o aceitante relativas a letras de câmbio prescrevem em 3 anos a contar do seu vencimento (recordemos que a executada aceitou todas as letras).
O acto demonstrativo da vontade de exercer o direito (instauração da execução) foi praticado em 15.9.2022. Ora, se não olhássemos para mais nada, nomeadamente interrupções do prazo prescricional, teríamos de concluir que as letras supra identificadas nas alíneas a) a l) já estariam prescritas.
Porém, como a sentença recorrida refere, o citado prazo de 3 anos a que alude o artigo 70º LULL foi excepcionalmente suspenso na sequência do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
No primeiro caso, a suspensão dos prazos ocorreu entre 09 de Março de 2020 e 02 de Junho de 2020 (85 dias).
No segundo caso, a suspensão do prazo da prescrição ocorreu entre 22 de Janeiro de 2021 e 05 de Abril de 2021 (73 dias).
Assim, no seu cômputo podemos, por facilidade de exposição, adicionar ao prazo de 3 anos (prazo da prescrição) mais 158 dias.
Ora, com a suspensão do prazo de prescrição durante 158 dias, e contando a partir da letra com data de vencimento mais antiga, que é a de 30.4.2019, temos que:
30.4.2019 + 158 dias = 5.10.2019
Contando como prazo limite o de 20.9.2022 (15.9.2022 mais os 5 dias do art. 323º,2 CC), temos de concluir que o acto de interposição da execução foi praticado antes do decurso do prazo de prescrição.
Resta-nos só ver qual a razão pela qual a recorrente pretende contrariar a suspensão do prazo decorrente do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Da leitura das suas alegações de recurso retiramos, em síntese nossa, o seguinte: ainda que o prazo de 3 (três) anos previsto no artigo 70º, nº 1 da LULL para interpor a acção beneficie do alargamento do prazo por um período de 85 dias (em razão do disposto no art. 6º da Lei nº 16/2020), então tal prazo de prescrição findou definitivamente na data de 23/07/2022 (data em que se completaram os 85 dias de acréscimo). Sucede que a Lei nº 4-B/2021, de 01/02, introduziu nova alteração à Lei nº 1-A/2020, de 19/03, aditando-lhe o art. 6º B que, através dos seus nºs. 3 e 4, determinou nova suspensão generalizada dos prazos de prescrição[1], que produziu efeitos a partir de 22/01/2021. A Lei nº 13-B/2021, de 05/04, através do respectivo art. 6º, também determinou a revogação do supra referido art. 6º B da Lei nº 4-B/2021, o que conduziu ao terminus da suspensão do prazo de prescrição decorrente desta “segunda legislação especial”, sendo que, nos termos do art. 7º da Lei nº 13-B/2021, esta Lei entrou em vigor na data de 06/04/2021 (pelo que o terminus ocorreu no dia anterior - 05/04/2021). Ainda que se volte a aplicar a interpretação supra sufragada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, uma vez que até à data de 23/07/2022 estavam contabilizados os três anos do prazo de prescrição e o prazo alargado de 85 (oitenta e cinco) dias (decorrente do disposto no art. 6º da Lei nº16/2020), caso se entenda acrescentar o prazo alargado de 73 (setenta e três) dias (decorrente do disposto no art. 5º da Lei nº13-B/2021), constata-se que o prazo de prescrição se completou, de forma integral, em momento anterior a ter ocorrido nos autos a suspensão da prescrição por força do artigo 323º, nº1 do Código Civil.

Ora bem.
Tudo está em interpretar e aplicar o referido regime especial decorrente da Pandemia Covid 19.
No dia 18 de Março de 2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, renovado pelo Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de Abril de 2020 (1ª renovação) e pelo Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de Abril (2ª renovação).
O Governo, através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, in Diário da República n.º 57/2020, 1.º Suplemento, Série I de 2020-03-20, páginas 5-17, procedeu à execução do declarado estado de emergência, em todo o território nacional – cfr. artigo 2.º.
Nesse ambiente, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, actualizada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril).
A Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, no artigo 7º,3 da sua versão originária, estatuía o seguinte: “a situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”.
A Lei em causa veio a ser alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril, sendo que o nº 3 do art. 7º manteve exactamente a mesma redacção.
Segundo estatuiu o artigo 6º da Lei n.º 4-A/2020, a nova redacção do artigo 7.º produziu efeitos retroactivos a 09 de Março de 2020, no que tange aos processos não urgentes, e vigorou até ao dia 03.06.2020, data em que entrou em vigor a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03.06.2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.
A Lei n.º 16/2020, de 29.5 (que entrou em vigor em 3 de Junho de 2020) no seu nº 2 aditou um artigo – o 6.º-A – a essa mesma lei, contendo um «Regime processual transitório e excepcional» (artigo 2.º), e deixou de prever a suspensão de quaisquer prazos, e no seu art. 5º consagrou: sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Esta profusão de diplomas a verem a luz do dia, e a introduzirem alterações parcelares cumulativas nos anteriores, torna o panorama confuso.
Vamos pois valer-nos do Acórdão do TRE de 24.11.2022 (Vítor Sequinho dos Santos) que sistematizou de forma que nos parece clara o regime que agora temos de aplicar.
Ali se explica e resume os períodos de suspensão do prazo de prescrição (para o que agora nos interessa):
“-9.3.2020 a 2.6.2020 (86 dias) (artigos 7º,3 e 10º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e artigo 37º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março; e artigo 8º da Lei 16/2020, de 29 de Maio);
-22.1.2021 a 5.4.2021 (74 dias) (artigo 6º-B, nºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro; artigo 4º da Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro; Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril)
A suspensão de um prazo pode ser vista como um automóvel que vai a deslocar-se na estrada e de repente é levantado do chão, continua com o motor ligado e as rodas motrizes a girar, mas não avança nem um milímetro. Nesta metáfora o fim da suspensão do prazo é o equivalente a voltar a colocar o carro na estrada, e ele seguir viagem.
O que sucedeu com a legislação Covid supra referida foi que o prazo de prescrição se suspendeu num total de 157 dias.
Naquele mesmo Acórdão pode ainda ler-se: “ao contrário dos princípios legislativos mais básicos, as leis em referência não regularam para futuro, mas segundo a sua própria letra produziram efeitos no passado. Neste caso o cidadão contou com essa declaração expressa e, como tal, não deve ser prejudicado”.
Igualmente se chama a atenção para que “a Lei n.º 4-A/2020 esclareceu, definitivamente, que os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos se suspenderam no dia 09.03.2020”.
E aqui chegados, já podemos confirmar na íntegra a sentença recorrida, pois, como já dissemos, com a suspensão do prazo durante 158 dias, e contando a partir da letra com data de vencimento mais antiga, que é a de 30.4.2019, temos a data limite de 5.10.2022 (3 anos mais o período de suspensão), mais os 5 dias do art. 323º,2 CC, ou seja, 20.10.2022 como a data na qual se consumaria a prescrição): donde, o acto de instauração da acção (15.09.2022) foi praticado antes do decurso do prazo de prescrição. E se as letras com vencimento mais antigo não estão prescritas, também o não estão as letras com vencimento mais recente.
Esta conclusão a que chegamos torna desnecessário apreciar a questão da suspensão do prazo decorrente do PER, pois a verdade é que com ela ou sem ela, já sabemos que o prazo da prescrição não se consumou.

Uma última nota, para referir que há uma minúscula discrepância nos cálculos feitos na sentença recorrida, e os que são feitos no citado Acórdão do TRE de 24.11.2022: no primeiro caso afirma-se que o prazo esteve suspenso 85 e 73 dias, enquanto que no segundo caso a suspensão foi de 86 e 74 dias. Embora tal discrepância não tenha qualquer influência na decisão do recurso, sempre diremos que se trata de um mero erro de contagem de dias entre as duas datas, sendo que, pelas nossas contas, a contagem correcta é a de 85 + 73 dias de suspensão.
E assim, em conclusão, o recurso improcede na totalidade.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a sentença recorrida. 

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 10.3.2023
 
Relator (Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


[1] Destaque nosso.