Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1180/19.7T8CHV-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 784.º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução ou a utilização de outros meios processuais de reação contra atos praticados no âmbito de uma execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“EMP01..., Unipessoal, Lda.”, executado na execução que lhe é movida por “EMP02... – STC, SA”, veio deduzir oposição à penhora, pedindo que seja ordenado o levantamento da penhora e declarada extinta a execução.
Alega que desconhece o título executivo que serve de base à presente execução, pois não foi citado de qualquer execução e só agora, com a notificação da penhora, tomou conhecimento do processo, uma vez que o legal representante da executada reside na ... e a pessoa que o representa em Portugal também se encontrava no mesmo país, uma vez que é motorista de pesados da empresa, não se encontrando ninguém nas instalações físicas da empresa. A pessoa que recebeu a notificação e assinou o registo, nada tem a ver com a sociedade executada. Impugna toda a matéria alegada no requerimento executivo.
Notificada para o efeito, a exequente contestou a oposição à penhora, afirmando que a executada não invoca qualquer fundamento de oposição à penhora, nem sequer menciona o bem penhorado nos autos principais. Sem prescindir, refere que a executada, na qualidade de entidade patronal do executado AA, foi notificada por diversas vezes pelo Agente de Execução, para proceder à penhora do vencimento por aquele auferido e atento o seu comportamento reiteradamente omissivo, a exequente cumulou, nos autos principais, requerimento executivo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 777.º do CPC e, em 15/01/2021, veio o AE juntar aos autos comprovativo de citação da ora Opoente.
Foi indeferido liminarmente o requerimento de oposição à penhora, por o mesmo não se enquadrar em nenhuma das situações que podem fundar a oposição do executado à penhora, previstas no artigo 784.º do CPC.

A executada interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
a) Do efeito suspensivo do presente recurso;
b) Do enquadramento da nulidade de citação nos fundamentos de oposição à penhora;
c) Porquanto essa nulidade se traduz na nulidade do próprio ato de penhora e, por consequência, numa impenhorabilidade objetiva e ilegal do bem;
Termos em que se requer a V. Exas que o presente recurso seja julgado provado e procedente e, consequentemente, ser a douta sentença recorrida revogada, com todas as consequências legais.

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se a nulidade da citação pode constituir fundamento de oposição à penhora.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos com relevo para a decisão constam do relatório supra.

A apelante sustenta o recurso no entendimento de que a nulidade da citação é fundamento de oposição à penhora porquanto a mesma se traduz na nulidade do próprio ato de penhora, com a consequência da impossibilidade objetiva da penhora, mostrando-se esta ilegal, uma vez que as alíneas a) e c) do artigo 784.º do CPC visam precisamente os casos de bens objetivamente impenhoráveis.
Vejamos.
A oposição à penhora, enquanto meio de reação contra o ato de penhora, constitui um incidente declarativo da execução que segue os termos dos artigos 293º a 295º do CPC, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 732º do mesmo Código (v. artigo 785º, nº 2, do CPC). Tal incidente pode ser deduzido exclusivamente pelo executado (legitimidade ativa – v. artigo 784º, nº 1, do CPC), no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato de penhora (artigo 785º, nº 1, do CPC), tem como pedido a revogação/extinção do ato de penhora e a causa de pedir restringe-se a um dos fundamentos enunciados no artigo 784º, nº 1, do CPC. No fundo, este incidente constitui uma «ação funcionalmente acessória da ação executiva, pela qual o executado se defende de um ato de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objeto penhorável» - Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, pág. 676.
A oposição à penhora é, assim, um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 784.º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 27/10/2022, processo n.º 28190/21.1T8LSB-F.L1-2 (Laurinda Gemas) e Acórdão da Relação de Guimarães de 09/04/2019, processo n.º 2343/07.3TJVNF-B.G1 (Joaquim Boavida), ambos em www.dgsi.pt.
Os fundamentos de oposição à penhora vêm elencados no artigo 784.º do Código de Processo Civil.

Nos termos deste artigo:
“1 – Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 – Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora”.
O incidente de oposição à penhora visa, portanto, questionar a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda – alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 784.º do CPC – sendo estes fundamentos taxativos (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. II, pág. 178).
A oposição à penhora não se confunde com a oposição à execução ou a utilização de outros meios processuais de reação contra atos praticados no âmbito de uma execução (designadamente qualquer nulidade relativa ao ato da penhora ou da citação/notificação que são invocadas e conhecidas nos termos gerais das nulidades processuais), podendo naturalmente ser arguidas pelo executado. Assim, a causa de pedir no incidente de oposição à penhora é restrita, ou seja, apenas podem ser invocados os fundamentos tipificados no artigo 784º do CPC (violação de normas que fixam impenhorabilidades objetivas, absolutas, relativas ou parciais, e infração do princípio da proporcionalidade da penhora; penhora de bens próprios do executado em execução movida contra marido e mulher relativamente a dívida comum ou penhora de bens do fiador, penhora inicial de outros bens que não aqueles sobre que incida garantia real; casos de limitação convencional ou legal de responsabilidade, bem como casos de bens não transmissíveis que se encontram fora do comércio)
Ora, o fundamento invocado pela executada – nulidade da citação -, não é um dos legalmente tipificados nas alíneas do nº 1 do artigo 784º do CPC, pelo que foi bem indeferido liminarmente o requerimento de oposição à penhora.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante
***
Guimarães, 22 de fevereiro de 2024

Ana Cristina Duarte
Paulo Reis
Alcides Rodrigues