Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6700/20.1T8VNF-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
MEIOS DE PROVA
UTILIZAÇÃO DE BEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No âmbito do processo de inventário, o cabeça de casal deve indicar na relação de bens o valor tributável dos imóveis relacionados, sendo através de avaliação que se pode apurar um valor diferente do tributável e esta depende de ter sido requerida por interessado que indique as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído.
II - No actual regime do CPC, com o requerimento de reclamação apresentado contra a relação de bens, deve o reclamante indicar ou oferecer, desde logo aí, os meios de prova que entenda serem necessários para fazer valer a sua pretensão (cfr. art. 1105º/2 do CPC).
III - A utilização de um imóvel da herança pelo cabeça de casal para sua habitação não integra um acto de administração da herança.
IV - A utilização por qualquer herdeiro dos bens da herança em proveito próprio, nas situações em que o cabeça de casal não exerça os seus poderes de administração sobre os bens da herança, deve considerar-se sujeita ao regime do art. 1406º do CC, face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações.
V - A utilização de um determinado bem da herança por um dos herdeiros só determina uma privação do uso pelos outros consortes, para os efeitos do art. 1406º do CC, se ela contrariar a vontade manifestada de algum deles lhe dar outra utilização.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

Em 3-12-2020, AA e BB, ambas residentes na Rua ... .... ... ..., vieram requerer, ao abrigo do disposto nos arts. 1082º e ss. do CPC, Inventário[1] para partilha dos bens da herança aberta por óbito do seu avô paterno, CC.

Por despacho de 22-01-2021, foi nomeada para exercer o cargo de cabeça de casal DD [cfr. art. 2080º/1, c), 2 e 4 do CC].

Após ser citada, a cabeça de casal/requerida apresentou relação de bens em 6-05-2021.

Em 17-06-2021, os interessados EE, BB e AA, nos termos dos arts. 30º/1 e 32º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, vieram apresentar reclamação contra a relação de bens[2].

Em 21-02-2022, a Cabeça de Casal pronunciou-se quanto à reclamação de bens[3], pedindo a sua improcedência.

Os autos foram instruídos.

Em 01-02-2023, a Mmª Juiz a quo conheceu da reclamação nos seguintes termos:

Do incidente de reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada BB (fls. 42 e seguintes):

Veio a interessada BB reclamar contra a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, com os seguintes fundamentos:

a) Não concorda com o valor atribuído pela cabeça-de-casal ao bem imóvel relacionado sob a verba n.º 4;
b) Falta de relacionação de um bem prédio urbano adjudicado ao inventariado no processo n.º 1985/11...., desde Juízo Local Cível;
c) Falta de relacionação das benfeitorias, compostas por garagem e adega, erigidas no artigo matricial rústico adjudicado à cabeça-de-casal naquele mesmo processo;
d) Falta de relacionação de diversas maquinarias associadas à adega, designadamente, raladora e espremedora;
e) Falta de relacionação de motor de água a gasóleo;
f) Falta de relacionação de jazigo;
g) Falta de relacionação de roulotte;
h) Falta de relacionação de aliança em ouro;
i) Falta de relacionação de dívida da cabeça-de-casal à herança, a título de rendas, pela ocupação de prédio pertencente à herança;
j) Falta de relacionação de saldos bancários.
Requereu a reclamante a produção dos seguintes meios de prova:
i. Se oficie às entidades bancárias para procederem à junção dos extractos bancários onde constem os últimos movimentos financeiros dos inventariados;
ii. Se oficie ao Banco de Portugal para informar as constas bancárias de que era titular o inventariado;
iii. A “junção” a estes autos dos autos de processo n.º 1985/11...., desde Juízo Local Cível.
A cabeça-de-casal pronunciou-se, impugnando a matéria de facto alegada pela reclamante.
*
Oficiou-se ao Banco de Portugal, que informou sobre a identificação das constas bancárias tituladas pelo cabeça-de-casal à data do respectivo óbito (cfr. fls. 96 e 97).
Indeferiu-se a apensação a estes autos dos autos de processo n.º 1985/11...., desde Juízo Local Cível, por absoluta falta de fundamento legal.
Notificou-se a reclamante para juntar aos autos a certidão de inscrição matricial e do registo predial respeitante ao imóvel cuja falta de relacionação arguiu.
Notificaram-se as entidades bancárias identificadas pelo Banco de Portugal para informarem quais os saldos bancários titulados pelo inventariado à data do respectivo óbito, tendo as mesmas informado inexistirem quaisquer saldos titulados por este a essa data (cfr. fls. 107 a 110 - verso).
A reclamante veio ainda informar os autos que, consultados os autos de processo n.º 1985/11...., desde Juízo Local Cível, concluiu que inexiste legitimidade para requerer o relacionamento do bem imóvel cuja falta arguiu, requerendo que se dê sem efeito a reclamação, nessa parte, prosseguindo quanto ao mais (cfr. fls. 116).
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Inexistem outras diligências probatórias requeridas e a realizar nos autos.
Os autos reúnem, deste modo, todos os elementos para a imediata prolação de decisão.
Cumpre, assim, apreciar e decidir a reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada/reclamante.
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No que tange à matéria relacionada com o valor a atribuir ao bem imóvel relacionado sob a verba n.º 4, como resulta do disposto no artigo 1111.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é à conferência de interessados que incumbe decidir do valor dos bens, não sendo o incidente de reclamação contra a relação de bens, sequer, a sede própria para do mesmo reclamar, pelo que improceda, nesta parte, a reclamação apresentada.
Relativamente à falta de relacionação de prédio urbano, atento o teor do requerimento apresentado pela interessada/reclamante a fls. 116, no qual expressamente reconhece inexistir fundamento para a sua relacionação, forçosamente se impõe, também nesta parte a improcedência da reclamação apresentada.
Quanto à falta de relacionação das benfeitorias, de diversas maquinarias associadas à adega, designadamente, raladora e espremedora, do motor de água a gasóleo, do jazigo, da roulotte, da aliança em ouro e da dívida da cabeça-de-casal à herança, a título de rendas, pela ocupação de prédio pertencente à herança, arguida pela interessada/reclamante, uma vez que nenhuma prova logrou a mesma produzir quanto à sua alegada existência, conforme era seu ónus (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), lógica e necessariamente improcederá, também nesta parte, a reclamação aduzida, importando consignar que, no que em concreto tange à alegada dívida da cabeça-de-casal à herança, a título de rendas, pela ocupação de prédio pertencente à herança, não consubstancia, sequer, por si só, tal invocada ocupação qualquer acto que dê lugar ao pagamento de qualquer renda em benefício da herança, na medida em que se afigura ser tal situação enquadrável no disposto no artigo 1406.º do Código Civil, sendo certo que também não alegou, sequer, a reclamante que a cabeça-de-casal impeça os demais herdeiros de usarem/fruírem igualmente de tal bem (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022, processo n.º 2691/16.1T8CSC.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt).
No que concerne, por fim, à alegada existência de contas bancárias ou outros instrumentos financeiros em nome do inventariado, atenta a informação prestada nos autos pelo Banco de Portugal e pelas instituições bancárias e à míngua de produção de qualquer outra prova que se revelasse susceptível de demonstrar tal alegada existência, forçosamente, improcederá, também nesta parte, a reclamação contra a relação de bens apresentada.
Termos em que se conclui pela integral improcedência da reclamação contra a relação de bens apresentada.

Em face do exposto, decide-se julgar a reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada/reclamante BB, totalmente improcedente, por não provada.

Custas do incidente a cargo da interessada/reclamante BB, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 2 (duas) UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem – cfr. artigos 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Mais notifique nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1110.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
*

Inconformada com esse despacho/decisão, apresentou a interessada/requerente BB recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. Em 16 de julho de 2021 foi pela aqui recorrente apresentada reclamação à relação de bens (Refª citius nº ...78).
II. Quanto à verba nº 4 relacionada pela cabeça de casal – um prédio sito em ... sob o artigo 487º – atribuiu o valor patrimonial de 55.104,35€.
III. Sucede que, a aqui recorrente não concordando com esse valor, requereu pela avaliação do referido imóvel, bem como indicou uma lista discriminativa de outros bens que deveriam ter sido relacionados.
IV. Contudo, através de despacho de saneamento de processo, foi julgada a reclamação contra a relação de bens apresentada improcedente, por não provada.
V. Para tanto, referiu que, quanto à matéria relacionada com o valor a atribuir ao bem imóvel relacionado sob a verba nº 4, é à conferência de interessados que incumbe decidir do valor dos bens, como resulta do disposto no artigo 1111º, nº2 do CPC, não sendo o incidente de reclamação contra a relação de bens, sequer, a sede própria para do mesmo reclamar.
VI. No caso em concreto, a recorrente realizou o pedido de avaliação no momento da apresentação da reclamação à relação de bens.
VII. Pelo que, nesse momento não estavam ainda abertas quaisquer licitações.
VIII. Quanto a isto, cumpre ainda referir que, sendo a posição da aqui recorrente de discórdia perante o valor atribuído ao bem, então, essa posição manter-se-á na conferência de interessados, pois não haverá qualquer documento de uma entidade externa e com competência e conhecimento para efeito, que possa elucidar as partes quanto ao valor real e efetivo daquele bem.
IX. Deste modo, ao não dar procedência ao pedido de avaliação requerido, o tribunal a quo andou mal, violando o artigo 1114º CPC, bem como não faz uso do princípio da cooperação e da boa-fé processual que são deveres que impendem sobre os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes ao nível da condução e da intervenção no processo judicial.
Nos termos deste princípio, todos devem cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
X. Por outro lado, refere-se no despacho de que se recorre que, quanto à falta de relacionação das benfeitorias, maquinarias associadas à adega, raladora e espremedora, do motor da água a gasóleo, jazigo, roulotte, da aliança de ouro e da dívida da cabeça de casal à herança, não foi pelo aqui recorrente apresentada nenhuma prova que logrou demonstrar a sua alegada existência, conforme era seu ónus.
XI. Dispõe o artigo 1104º, nº1, alínea d), do CPC que “- Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação:
(…)
d) Apresentar reclamação à relação de bens;”
XII. De acordo com o artigo 1105º, nº2 do CPC, “2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.”
XIII. Ora, e assim fez a recorrente.
XIV. Como referido supra, a recorrente fez uma lista discriminada de bens que pretendia ver relacionados.
XV. Quanto às benfeitorias, foi referido que as mesmas tinham sido efetuadas no artigo matricial rústico adjudicado à cabeça de casal, na sequência da partilha da herança indivisa aberta por óbito de – FF – cujo processo correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... – Juízo Local Cível – Juiz ..., sob os autos de processo nº 1985/11...., compostas por garagem e adega.
XVI. Deste modo, comprovou-se a existência do bem sobre o qual incidiu as benfeitorias, bem como foi requerida a avaliação destas últimas.
XVII. Ora, assim sendo, claramente se comprovaria pela existência dessas mesmas benfeitorias.
XVIII. Quantos aos restantes bens móveis a recorrente desconhecia o paradeiro das mesmas, mas sabia da existência dos mesmos.
XIX. Por fim, quanto à alegada dívida da cabeça de casal à herança, a título de rendas, a recorrente, salvo melhor entendimento, não concorda com a posição do tribunal a quo no que respeita ao facto de a situação ser enquadrável no disposto no artigo 1406º do Código Civil.
XX. Ora, no caso em concreto, a cabeça de casal usufrui do imóvel pertencente à herança, tendo lá se estabelecido com a sua família.
XXI. Tal utilização era contrária à vontade da aqui recorrente e da sua irmã, também herdeira, bem sabendo a cabeça de casal desta vontade da recorrente, já que a mesma pretenderia fazer um uso diferente daquele que a cabeça de casal estava a fazer, tendo referido tal posição à cabeça de casal.
XXII. Contudo, ao fazê-lo, a cabeça de casal impediu e continua a impedir que os restantes herdeiros usufruam da mesma habitação, uma vez que, quanto à questão da habitabilidade, aquele imóvel não tem condições suficientes para albergar com mais do que uma família e ainda quanto ao facto de lhe dar um uso diferente, a recorrente expressou essa vontade à cabeça de casal.
XXIII. Refere o artigo 1406º, nº 1 do Código civil que “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.”
XXIV. Tendo sido manifestada uma oposição ao uso feito pela cabeça de casal sobre aquele bem da herança, e privando-se o herdeiro reclamante do uso do mesmo bem, então, nos termos do artigo 1406º do Código Civil, deveria ter sido relacionada na relação de bens a dívida alegada pela
recorrente na sua reclamação de bens.
XXV. Pelo que, tendo em consideração tudo o que fora referido, deverá ser revogado o despacho que julgou improcedente, por não provado, a reclamação contra a relação de bens e, consequentemente, ser substituído por um outro que defira tal reclamação.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogado o despacho que julgou improcedente, por não provado, a reclamação contra a relação de bens e, consequentemente, ser substituído por um outro que defira tal reclamação.
Nos termos do artigo 646º do Código de Processo Civil, requer-se para instrução do presente recurso:
1. certidão do despacho de saneamento do processo datado de 06/02/2023, referência citius nº ...43;
2. certidão reclamação de bens efetuada pela recorrente BB, datada de 17 junho de 2021, referência citius nº ...78.

ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, MUITO ILUSTRES
DESEMBARGADORES
FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA!
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Não se vislumbra dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto dos recursos.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende a revogação do despacho recorrido que julgou improcedente, por não provado, a reclamação contra a relação de bens e que o mesmo seja substituído por um outro que defira tal reclamação.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende a apelante a revogação do despacho recorrido que julgou improcedente, por não provado, a reclamação contra a relação de bens e que o mesmo seja substituído por um outro que defira tal reclamação.
Quanto à verba nº 4 relacionada pela cabeça de casal – um prédio sito em ... sob o artigo 487º, a que atribuiu o valor patrimonial de 55.104,35€ –, a aqui recorrente não concordando com esse valor, requereu pela avaliação do referido imóvel.
Ademais, indicou uma lista discriminativa de outros bens que deveriam ter sido relacionados.
A reclamação contra a relação de bens foi julgada improcedente, por não provada.
Para tanto, foi referido quanto à matéria relacionada com o valor a atribuir ao bem imóvel relacionado sob a verba nº 4, ser à conferência de interessados que incumbe decidir do valor dos bens, como resulta do disposto no art. 1111º/2 do CPC, não sendo o incidente de reclamação contra a relação de bens, sequer, a sede própria para do mesmo reclamar.
Relativamente aos bens que deveriam ter sido relacionados, quanto à falta de relacionação das benfeitorias, de diversas maquinarias associadas à adega, designadamente, raladora e espremedora, do motor de água a gasóleo, do jazigo, da roulotte, da aliança em ouro e da dívida da cabeça-de-casal à herança, a título de rendas, pela ocupação de prédio pertencente à herança, arguida pela interessada/reclamante, foi decidido que, uma vez que nenhuma prova logrou a mesma produzir quanto à sua alegada existência, conforme era seu ónus (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), lógica e necessariamente improcederá, também nesta parte, a reclamação aduzida, importando consignar que, no que em concreto tange à alegada dívida da cabeça-de-casal à herança, a título de rendas, pela ocupação de prédio pertencente à herança, não consubstancia, sequer, por si só, tal invocada ocupação qualquer acto que dê lugar ao pagamento de qualquer renda em benefício da herança, na medida em que se afigura ser tal situação enquadrável no disposto no artigo 1406.º do Código Civil, sendo certo que também não alegou, sequer, a reclamante que a cabeça-de-casal impeça os demais herdeiros de usarem/fruírem igualmente de tal bem (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022, processo n.º 2691/16.1T8CSC.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt). E quanto à alegada existência de contas bancárias ou outros instrumentos financeiros em nome do inventariado, atenta a informação prestada nos autos pelo Banco de Portugal e pelas instituições bancárias e à míngua de produção de qualquer outra prova que se revelasse susceptível de demonstrar tal alegada existência, forçosamente, improcederá, também nesta parte, a reclamação contra a relação de bens apresentada.

Ora, quanto à questão do valor do imóvel relacionado, a recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, por no seu entender dever ser efectuada a avaliação do imóvel como por si tempestivamente requerida.

Quid iuris?

Estabelece o art. 1098º/1, a) do CPC, que «o valor dos imóveis é o respectivo valor tributável». Portanto, como a cabeça-de-casal indicou o valor tributável do imóvel, deu inteiro cumprimento ao determinado naquela norma.
Por outro lado, no âmbito do inventário, a avaliação é a forma apropriada para determinar o valor de um imóvel.
Com efeito, dispõe o art. 1114º/1 do CPC, que «até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído». Resulta deste preceito que o interessado tem de requerer expressamente a avaliação de bens e indicar as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído.
Ora, no caso dos autos, a reclamante não indicou as razões da não aceitação do valor que lhe foi atribuído, limitando-se, tão só, a dizer que não concorda com tal valor. Valor onde foi observado pela cabeça de casal, como já vimos supra, o determinado no art. 1098º/1, a do CPC.
Como assim, apesar de ter sido requerida a avaliação, a qual é regulada com detalhe no já mencionado art. 1114º do CPC, porque é irrelevante a eventual manifestação de discordância relativamente ao valor de um bem, seja ela apresentada na reclamação contra a relação de bens ou em qualquer outro momento, é manifesta a falta de fundamento do recurso relativamente a esta questão.
Termos em que, embora com outro fundamento, nesta parte, ser de improceder a apelação.

Passando, agora, à questão da falta de relacionação das benfeitorias e outros bens que deveriam ter sido relacionados - maquinarias associadas à adega, raladora e espremedora, do motor da água a gasóleo, jazigo, roulotte, da aliança de ouro -, a recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, por no seu entender ter dado cumprimento ao disposto no art. 1105º/2 do CPC, ao identificar o imóvel onde foram efectuadas as benfeitorias, relativamente às quais requereu a sua avaliação e fazendo uma lista discriminada de bens que pretendia ver relacionados, de cujo paradeiro desconhecia, sabendo, porém da sua existência.
Quid iuris?
Diga-se, desde já, não assistir qualquer razão à recorrente.
Com efeito, como bem se afirma na decisão recorrida, nesta parte a reclamação não pode deixar de improceder, uma vez que nenhuma prova logrou a reclamante produzir quanto à sua alegada existência, conforme era seu ónus. Prova (v.g. documental, testemunhal, etc) que nem sequer indicou. Não sendo suficiente a alegada existência dos bens reclamados, tão só porque a sua existência foi alegada, sem mais. É que, Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (cfr. art. 342º/1 do CC), não se bastando a prova com a alegação.
Como bem lembra a recorrente, no actual regime do CPC, de acordo com o art. 1105º/2, As provas são indicadas com os requerimentos e respostas, o que a reclamante não fez, já que não indicou ou ofereceu logo aí, os meios de prova que entenda serem necessários para fazer valer a sua pretensão. E não o havendo feito, não tem o reclamante que ser depois notificado para o fazer e nem sequer o juiz está vinculado ao dever de oficiosamente efectuar diligências com vista a suprir tal omissão.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.

Resta a questão da alegada dívida da cabeça de casal à herança, a título de rendas, em que a recorrente não concorda com a posição do tribunal a quo no que respeita ao facto de a situação ser enquadrável no disposto no art. 1406º do CC.
Com efeito, para além de outros bens, reclamou a ora recorrente em h), Dívida da cabeça de casal à herança – a título de rendas – pela ocupação do prédio pertencente à herança – identificado na verba 4 da relação de bens apresentada pela cabeça de casal – em quantia nunca inferior a 300€ mensais – cujo valor se computa atendendo à data em dívida, em quantia nunca inferior a 36.000€. Tendo entendido a cabeça de casal que nada deve à herança a título de rendas, pois Reside gratuitamente no prédio urbano relacionado desde que casou por convite e a pedido de seus pais. Deles cuidou até ao falecimento de cada um deles.
Decidindo o tribunal recorrido, no que em concreto tange à alegada dívida da cabeça-de-casal à herança, a título de rendas, pela ocupação de prédio pertencente à herança, não consubstancia, sequer, por si só, tal invocada ocupação qualquer acto que dê lugar ao pagamento de qualquer renda em benefício da herança, na medida em que se afigura ser tal situação enquadrável no disposto no artigo 1406.º do Código Civil, sendo certo que também não alegou, sequer, a reclamante que a cabeça-de-casal impeça os demais herdeiros de usarem/fruírem igualmente de tal bem (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022, processo n.º 2691/16.1T8CSC.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt).
Que dizer?
Em face do alegado nos articulados, nenhuma prova tendo sido arrolada ou produzida, revela-se assertiva a decisão do tribunal a quo.
Com efeito, assente que o imóvel utilizado em proveito próprio pela cabeça de casal, que aí reside, integra a herança, nada mais se apurou, designadamente, que a utilização pela mesma do imóvel em causa se traduza num exercício dos poderes de administração da herança que lhe são atribuídos pelo art. 2079º do CC ou a existência de acordo expresso entre os herdeiros sobre a utilização dos bens da herança ou a privação do seu uso pelos demais, que lhe poderiam querer dar outra utilização. Rememorando-se o que bem se refere no Acórdão do STJ mencionado na decisão recorrida, pois Além daqueles poderes especificamente atribuídos, como sejam os previstos nos artigos 2089.º e 2090.º do Código Civil, assim como muitos outros que constam de disposições legais dispersas, a competência do cabeça de casal para administrar os bens da herança atribui-lhe os poderes necessários para a prática de atos e de negócios jurídicos de conservação e frutificação normal dos bens administrados, neles não se incluindo, seguramente, a utilização dos bens da herança para seu exclusivo proveito, designadamente a utilização de um imóvel da herança para nele habitar com a sua família. Nesta situação, o cabeça de casal não administra (bem ou mal) aquele imóvel, mas serve-se dele em seu exclusivo benefício. E, Enquanto não se manifestar uma vontade de utilização do bem incompatível com o uso exclusivo que vem sendo feita pelo co-herdeiro em seu proveito não é possível concluir que esse uso tenha sido excludente do direito de uso dos demais herdeiros. A privação só ocorre com a existência de uma vontade não satisfeita. Mas, manifestada uma oposição a esse uso, a manutenção daquela ocupação passa a ser ilícita, uma vez que priva o herdeiro contestatário da posse de um bem comum, devendo este, e apenas ele, ser indemnizado da privação sofrida.
Logo, não tendo sido alegado, nem se tendo provado que a utilização pela cabeça de casal do imóvel em causa se traduza num exercício dos poderes de administração da herança que lhe são atribuídos pelo art. 2079º do CC, nem que antes da reclamação à relação de bens, a reclamante e ora recorrente tenha manifestado a sua oposição a que a cabeça de casal utilizasse os bens da herança, fazendo deles a sua habitação, inexiste a reclamada dívida.
Concordando-se, assim, que a utilização de um bem da herança em casos como o presente, se considere sujeito ao regime do art. 1406º do CC, face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações.
Pelo que, e sem necessidade de mais considerações, se conclui também pela improcedência da apelação nesta parte.

Improcede, assim, totalmente, o recurso.
  
*
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 18-05-2023
(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., V.N.Famalicão - JL C... - Juiz ...
[2] O que fizeram nos seguintes termos:
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS,
apresentada pela cabeça de casal,
O que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:
I. No que tange ao ativo relacionado:
1. Relaciona a cabeça de casal como único bem imóvel – um prédio sito em ... sob o artigo 487 - a que atribui o valor patrimonial de 55.104,35€
2. Não concordam os reclamantes pelo valor atribuído pela cabeça de casal, assim pugna-se a V.Exa; pela avaliação da verba nº 4
II – DOS BENS QUE FALTA AINDA RELACIONAR
Os reclamantes têm conhecimento e sabem da existência de OUTROS BENS, pelo que pugnam que seja a cabeça de casal notificada para vir aos autos relacionar tais bens, designadamente:
a) Bem imóvel, constituído por prédio urbano, sito em ..., adjudicado ao de cujos, na sequencia da partilha da herança indivisa aberta por óbito de sua esposa – FF – cujo processo correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... – Juízo Local Cível – Juiz ... , sob os autos de processo 1985/11.... - valor estimado de 100.000€ - sem prejuízo de avaliação e apuramento de ulterior valor na sequencia de avaliação que desde já se requer;
b) Benfeitorias erigidas sob artigo matricial rústico adjudicado à cabeça de casal, na sequencia da partilha da herança indivisa aberta por óbito de sua esposa – FF – cujo processo correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... – Juízo Local Civél – Juiz ..., sob os autos de processo 1985/11...., compostas por garagem e adega – no valor estimado de 15.000€, sem prejuízo de avaliação e apuramento de ulterior valor na sequencia de avaliação que desde já se requer;
c) Diversas maquinarias associadas à adega designadamente – máquina raladora e espremedora – valor estimado 1500€ - sem prejuízo de avaliação e apuramento de ulterior valor na sequência de avaliação que desde já se requer;
d) Motor de água a gasóleo – valor estimado 250€
e) Jazigo no cemitério de ... – sito no setor ... sepultura n.º ... – registado no livro ... fls 95 n.º ...91, valor estimado 5000€ - sem prejuízo de avaliação e apuramento de ulterior valor na sequencia de avaliação que desde já se requer;
f) Roulotte de 6.20m – valor estimado 2000€
g) Aliança em ouro do de cujus – valor estimado 400€
h) Dívida da cabeça de casal à herança – a título de rendas – pela ocupação do prédio pertencente à herança – identificado na verba 4 da relação de bens apresentada pela cabeça de casal – em quantia nunca inferior a 300€ mensais – cujo valor se computa atendendo à data em dívida, em quantia nunca inferior a 36.000€;
i) Saldos bancários existentes nas contas tituladas pelo de cujos.
i. Para apuramento dos saldos relacionados em j), atento que os mesmos valores não foram declarados pela cabeça de casal, e não se mostram, assim, comprovados e, atento a dificuldade dos reclamantes em obter informação, pugna-se a V. Exa seja oficiada as entidades bancárias para virem ao processo proceder à junção dos extratos bancários onde conste os últimos movimentos financeiros do inventariado.
ii. Mais se pugna seja oficiado o banco de Portugal para vir aos autos identificar as contas que o de cujos inventariados era titular.
iii. Requer-se, ainda, a junção aos presentes autos, dos autos de processo de partilha da herança indivisa aberta por óbito de sua esposa – FF – cujo processo correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – ... – Juízo Local Cível – Juiz ..., sob os autos de processo 1985/11.....
Termos em que se pugna a V. Exa seja recebida a presente reclamação à relação de bens, deferindo-se as diligencias ora peticionadas.
[3] O que fez, nos seguintes termos:
1-
Quanto ao item I, nº1:
O valor atribuído ao bem imóvel relacionado – verba 4 da Relação de Bens – corresponde ao valor patrimonial tributável, assim se cumprindo o estatuído no art. 1098º, nº 1, al.a) do CPC (vide caderneta predial junta aos autos)..
2-
Quanto ao item II, alínea a):
A cabeça de casal não compreende a reclamação vertida neste item. O prédio urbano relacionado a verba 4 da Relação de Bens é o único prédio deixado por óbito do autor da herança (GG) e a este adjudicado no âmbito do processo de inventário nº ...1... que correu termos pelo Juízo Local Cível ... – Juíz. Desconhece a cabeça de casal existência física de qualquer outro prédio urbano, misto ou rústico que faça parte daquele acervo.
3-
Quanto ao item II, alínea b):
Á cabeça de casal não foi adjudicado qualquer prédio rústico no âmbito do processo de inventário aberto por morte de sua mãe FF. Neste processo de inventário foram relacionados três prédios, a saber, dois urbanos sitos em ... - um adjudicado ao falecido CC (o constante da verba 4 da Relação de Bens) e o outro ao pai das interessadas reclamantes, o qual, em virtude de não ter liquidado as respectivas tornas viu o prédio penhorado e posteriormente adquirido pela ora cabeça de casal em asta pública – e um misto sito em ... adjudicado à cabeça de casal e ao interessado HH.
4-
Em vida, o de cujos CC e a sua falecida esposa FF, procederam ao longo do tempo a construções e obras nos ditos prédios os quais eram sua propriedade. Não descortina nem percebe a ora cabeça de casal a que benfeitorias se referem as reclamantes.
5-
Quanto ao item II, alíneas c), d) f) e g):
- O prédio urbano relacionado não contém, nem vinha nem qualquer adega. Desconhece a cabeça de casal a existência de máquina raladora e espremedora ou outra maquinaria.
- O dito prédio não possui nem poço ou furo de captação de água. É dotado de abastecimento público de água. Desconhece a cabeça de casal da existência de motor de água a gasóleo.
- De facto os seus pais em tempos possuíram uma roulotte (uma espécie de atrelado insuflável). Sabe a cabeça de casal, que seu pai ainda em vida, dela se desfez por estar completamente em ruinas.
- Há mais de trinta anos que o falecido não possuía aliança em ouro. Dizia tê-la perdido.
6-
Quanto ao item II, alíneas h) e i):
- A cabeça de casal nada deve à herança a título de rendas. Reside gratuitamente no prédio urbano relacionado desde que casou por convite e a pedido de seus pais. Deles cuidou até ao falecimento de cada um deles.
- Desconhece a cabeça de casal de qualquer conta ou saldo titulado pelo de cujos.
7-
Quanto à sepultura, indagou já a cabeça de casal junto da Junta de Freguesia ..., sobre a existência ou não de algum direito em nome do de cujos. Aguarda informações da dita. Caso o direito exista procederá ao seu relacionamento e junção da respectiva documentação.
Termos em que deve a reclamação apresentada pelas interessadas deve ser declarado improcedente por não provado.