Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1076/19.2T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÕES TOMADAS EM ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Para que o terceiro possa vir requerer a sua intervenção principal como associado do autor ou do réu (art. 311º, do C. P. Civil), necessário se torna demonstrar que o mesmo possuía, no momento da propositura da ação, legitimidade processual para demandar ou ser demandado com essa parte, a título de litisconsórcio voluntário ou necessário (arts. 32º a 34º, do C. P. Civil).
II- As ações de impugnação de deliberações tomadas em assembleia de condóminos, deverão ser intentadas contra o condomínio, que será representado exclusivamente pelo seu administrador ou por pessoa a quem que a assembleia designar para esse efeito, pelo que o condómino, por falta de legitimidade passiva “ab initio”, não poderá vir requerer a sua intervenção principal como associado do réu condomínio.
III- No caso de estarmos perante uma situação de anulabilidade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, tal como o vício resultante da falta de quórum deliberativo (art. 1432º, n.º 2, do C. Civil), a mesma terá necessariamente de ser invocada pelos condóminos que não aprovaram tal deliberação (art. 1433º, n.º 1, do C. Civil), em ação a propor, nos prazos indicados no n.º 2 do art. 1433º, do C. Civil.
IV- Constitui um dos direitos dos condóminos fazerem-se representar por procurador na assembleia (art. 1431º, n.º 3, do C. Civil).
V- Na ausência de indicação expressa dos poderes, o representante está legitimado para exercer todos os direitos dos condóminos na assembleia, designadamente o direito de expressão, direito de propor deliberações e o direito de voto.
VI- Se o representante do condómino se limita a propor uma sociedade para nova administradora do condomínio, da qual é alheio, votando em seguida a favor desta proposta, em consonância com o anteriormente acordado com o condómino representado, não ocorre qualquer conflito de interesses entre o representante e o condomínio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

F. C. e mulher E. C. intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Condomínio do prédio do lote .., sito na Rua ..., Viana do Castelo, pedindo que se declarem inválidas, nulas, sem qualquer efeito, as deliberações da identificada reunião ordinária do dia 19 de Janeiro de 2019; condenando-se o réu no reconhecimento das invalidades referidas.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que:

- São legítimos possuidores e proprietários da fração autónoma designada pela letra “C”, sendo que o réu é o condomínio do edifício onde se integra a dita fração de que são proprietários e do qual fazem parte 34 frações;
- No dia 19 de Janeiro de 2018, pelas 10h00, realizou-se a Assembleia Ordinária de Condóminos, presidida pelo administrador de condomínio em funções, M. B., cujo ponto 2 da ordem de trabalhos previa a eleição do gestor de condomínio para o ano de 2019;
- Desta assembleia foi exarada a Acta n.º 27;
- Nesta Assembleia de Condomínio, compareceram os Condóminos, proprietários das frações C, D, I e K, a Sra. A. V., funcionária da Sociedade Comercial “Empresa X – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”, na representação das frações F, G, H e J e o administrador cessante (Sr. M. B.);
- A fração J devia, à data de 19 de Janeiro de 2019, ao condomínio, € 339,03, relativos ao ano de 2018;
- Na candidatura apresentada pelo Sr. M. B., a “Administração e Limpeza de Condomínios de M. B.” apresentou um orçamento em que constava o valor de € 450,00, como sendo a sua retribuição pelo exercício da administração do condomínio;
- Na candidatura apresentada pelo Sra. A. V., a “Empresa X - Sociedade de Gestão imobiliária, Lda.” apresentou um orçamento em que constava o valor de € 620,00, como sendo a sua retribuição pelo exercício da administração do condomínio;
- A proposta apresentada pela Sra. A. V. foi eleita com os votos de a favor do Sr. M. M., condómino proprietário da fração I, e da Sra. A. V., representante mandatada pelos proprietários das frações J, H, G, e F;
- As deliberações tomadas nesta assembleia são inválidas porque a fração autónoma designada pela letra “E” nunca foi notificada para aquela Assembleia de Condomínio, desconhecendo por completo a sua existência, e a Fracção J não esteve devidamente representada na reunião de 19 de Janeiro de 2019, já que não era possível à Sra. C. B. substabelecer na Sra. A. V.;
- A. V. foi a mesma que apresentou a proposta (e nela votou favoravelmente) para que a sociedade, que igualmente representa, assumisse a administração do condomínio para o ano civil de 2019, sendo certo que a mesma não podia votar, por si ou como representante de outrem, em matérias em que haja conflitos de interesse entre o condomínio e as pessoas que representa;
- Acresce, ainda, que com o fim de obter a maioria necessária, a então nova administração, “X - Sociedade de Gestão imobiliária, Lda.”, por si ou por intermédio de outrem, havia prometido a realização de obras ao proprietário da Fração J às custas do condomínio;
- Por estas razões foi, pela nova administração (“X - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”), convocada uma Assembleia de Condómino Extraordinária, a 12 de Março, com vista à execução de obras na fração J, o que veio a acontecer, contudo, não foi tal intenção, identificada como sendo o ponto 2.º daquela Assembleia de Condómino Extraordinária, aprovada por esta;
- O proprietário da Fracção J, que possuía dívidas perante o Condomínio, age em abuso de direito quando exerce o seu direito de voto no sentido de aprovar orçamentos que exijam maior esforço económico-financeiro dos restantes Condóminos, quando lhe haviam sido prometidas obras de reparação a favor da sua fração às custas do Condomínio, pelo que o seu voto não podia ter sido contabilizado;
- A Assembleia de Condomínio de 19 de Janeiro de 2019 foi objeto de impugnação, a 1 de Fevereiro de 2019, por carta registada com A/R, recebida a 5 de Fevereiro de 2019 pela nova administração, nunca tendo tido lugar assembleia extraordinária na qual se delibera-se sobre esta.

Regularmente citado, o réu Condomínio contestou, impugnando a matéria alegada pelos autores, tendo concluído pela improcedência da ação.

Em sede de saneamento dos autos, entendendo-se que o processo se encontrava apto a seguir de imediato para julgamento, dispensou-se a audiência prévia, a identificação do objeto do litígio bem como a enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

Na sequência, por sentença de 30.09.2019, veio a julgar-se totalmente procedente a ação e, em consequência, decidiu-se “declarar anuladas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 19/01/2019.

Inconformado com o assim decidido, o réu Condomínio do lote .. do prédio da Rua ..., Viana do Castelo, veio interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes
CONCLUSÕES

1. No caso sub judice, nunca por nunca foi invocado pelos autores, designadamente nos presentes autos, enquanto condóminos, e só nesta qualidade tinham legitimidade para o realizar, que as deliberações tomadas na reunião ordinária do condomínio do dia 19 de Janeiro de 2019 enfermavam do vício ou irregularidade de falta de quórum deliberativo bastante (maioria absoluta do capital investido), o que, para espanto e surpresa do recorrente Condomínio, foi apreciado e acolhido pela douta sentença recorrida.
2. Sem que a senhora Juiz a quo tenha fundamentado a razão pela qual conheceu oficiosamente de uma invalidade, não invocada pelos autores e que, com todo o respeito, lhe estava vedado conhecer;
3. Mais a mais, quando nunca foi aflorado ou dado a conhecer pelo Tribunal esta sua vontade e entendimento e permitido ao Réu Condomínio a possibilidade de a contraditar e de organizar a sua defesa em sede de julgamento, o que é dizer precludindo e obstando ao exercício deste seu direito de defesa;
4. Sendo que a verificação desta invalidade sempre dependeria da sua tempestiva invocação pelos autores, porquanto sujeita a um prazo de caducidade de 60 dias. – cfr. artigo 1433º, n.º 4, do Código Civil.
5. Ora, não o tendo sido oportunamente invocado pelos autores, já há muito que o direito destes a pedir a sua anulabilidade tinha caducado,
6. Pelo que, salvo melhor e douta reflexão deste Venerando Tribunal, à douta sentença recorrida estava vedado conhecer oficiosamente de uma invalidade não alegada e invocada pelos autores e cuja possibilidade de conhecimento já houvera caducado;
7. Por cautela, sempre se dirá, que este vício e/ou irregularidade menor, conhecidos e verificados pela douta sentença recorrida – que no caso em apreço consubstanciam, em termos jurídicos, a aprovação por parte da assembleia de condóminos de deliberações, como a eleição do administrador, sem que para tanto a sua aprovação fosse realizada pela maioria do capital investido do condomínio – são acolhidos e qualificados pela jurisprudência e doutrina dominantes como constituindo causa de simples anulabilidade e não de nulidade;
8. Tudo porquanto dizem os tratadistas e julgam os nossos Desembargadores e Conselheiros tal circunstância não comporta a violação de qualquer norma imperativa ou preceito de interesse e ordem pública;
9. Dado que o que foi acolhido, ainda que erroneamente, pela douta sentença recorrida “(...) é um vício respeitante à formação do processo deliberativo (a forma como foi encontrada em cada uma das deliberações o quórum constitutivo ou deliberativo) e não já qualquer desconformidade do conteúdo da deliberação relativamente a norma imperativa” – in base de dados da dgsi, Acórdão da Relação do Porto, processo n.º 864/09.2TBPRG.P1, de 16.11.2010, número convencional JTRP00;
10. Quando, assim não se entenda, o que não se espera, de todo em todo, cumpre subsidiariamente alegar e invocar que a deliberação que elegeu a atual administração, ponto 2 da Ordem de Trabalhos para a reunião da Assembleia de Condóminos do pretérito dia 19 de Janeiro de 2019, exarada na Acta n.º 27 junta em anexo à douta petição inicial, de fls. 13 verso a fls. 16 dos autos, foi confirmada, por ratificada, mediante a deliberação seguinte, tomada de forma unânime por todos condóminos presentes à reunião, que representavam 66% do capital investido;
11. Esta deliberação foi tomada, em consequência da eleição da nova administração, e que consistiu no mandato que lhe foi conferido por deliberação unânime, por maioria do capital investido, a X – Sociedade de Gestão Imobiliária, Limitada, dotando-a dos necessários poderes gerais de administração civil para governar o condomínio, bem como para o representar e bem ainda dos poderes especiais aí descritos. – cfr. página 4 da Acta de fls. 13 verso a fls. 16 dos autos;
12. Ora, estes poderes só foram conferidos porquanto os condóminos unanimemente consideraram e entenderem que efetivamente tinham eleito validamente a X enquanto administradora do condomínio e queriam que esta assim pudesse agir nessa qualidade;
13. Com esta confirmação, salvo melhor e douta reflexão, a eventual anulabilidade da deliberação que aprovou a sua eleição foi, oportunamente, sanada. – cfr. art. 288º, n.º 1, do Cód. Civil;
14. O que ora se invoca para todos os legais efeitos e se pede que Venerando Tribunal possa declarar;
15. A decidir, como se decidiu na douta decisão recorrida pela declaração de anulabilidade de todas as deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos na sua reunião ordinária do dia 19 de Janeiro de 2019, o Tribunal a quo realizou uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 5º, n.º 1, 5º, n.º 2, alínea b), a contrario, e 581º, n.º 4, todos do Código de Processo Civil, e artigo 288º, n.º 1, do Código Civil, sendo que a decisão recorrida está igualmente ferida da nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea d), também do Código de Processo Civil.

Finaliza, pugnando pela revogação da decisão recorrida, sendo a mesma substituída por douto acórdão deste Venerando Tribunal que julgue integralmente válidas todas as deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos do Prédio do Lote ... da Rua ..., da cidade de Viana do Castelo, na sua reunião ordinária do dia 19 de Janeiro de 2019, constantes da sua Acta n.º 27, ou, quando assim não se entenda, o que não se espera que, subsidiariamente, possa declarar válidas as deliberações tomadas quanto ao ponto 2 da sua Ordem de Trabalhos, que elegeram X – Sociedade de Gestão Imobiliária, Limitada como bastante administradora do Condomínio e lhe conferiram poderes gerais e especiais para administrar o condomínio e o representar.
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Os autores apresentaram contra-alegações, constando das mesmas as seguintes

CONCLUSÕES

1º. Por douta decisão, os Autores/Recorridos F. C. e Mulher E. C. viram o Tribunal a quo a proferir a seguinte decisão: “Pelo exposto, o tribunal decide julgar a presente acção totalmente procedente e, em consequência, declarar anuladas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 19/01/2019. / Custas a cargo do réu. / Registe e notifique.”.
2º. Salvo o devido respeito, que aliás é muito, concordam os Autores/Recorridos com a douta decisão proferida e por isso a sua perplexidade com o Recurso interposto pela Ré/Recorrente.
3º. Com efeito, a Ré/Recorrente apenas recorre da aplicação de direito subsumida à factualidade dada como provada.
4º. Afirmam que o Tribunal a quo proferiu uma decisão sem que a Ré/Recorrente sobre ela se pronunciasse, uma vez que alega que os Autores nunca antes haviam se referido ao disposto no n.º 3 do artigo 1432.º do Código Civil.
5º. Ora, desde logo cabe dizer que tal não corresponde à verdade.
6º. Nas suas Alegações, os Autores/Recorrente chamaram atenção para o aspeto de que a factualidade que se encontrava aceite por todos os intervenientes dos autos e que, inclusive, havia sido unanimemente confirmada pelas testemunhas que, em sede de audiência de julgamento, depuseram.
7º. Ou seja, a factualidade dada como provada é factualidade que nunca fora questionada pelas partes, resulta de documentos e a as testemunhas a confirmaram.
8º. A Ré/Recorrente conhecia e teve oportunidade para ser pronunciar sobre todos os aspetos que envolveram a presente ação. 9º. Tiveram oportunidade para contestarem a Petição Inicial (o que fizeram), onde foram vertidos os factos e os pedidos com que o Tribunal a quo conheceu a realidade, justapôs o Direito e, a final, proferiu Decisão.
10º. Nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
11º. Ou seja, o Tribunal a quo apenas se encontra adstrito à factualidade alegada (aqui não impugnada) e ao pedido efetuado pelo Autor (a saber, “a) declarar inválida, nula, sem qualquer efeito, as deliberações da reunião ordinária do dia 19 de Janeiro de 2019; b) condenar a Ré no reconhecimento das invalidades supra-referidas.”).
12º. Atentos à decisão final proferida, vê-se que a mesma obedece aos princípios do dispositivo, pelo que não existem quaisquer invalidades (ou outro qualquer erro) na Sentença proferida.
13º. Por fim, dir-se-á que face à factualidade dada como provada (em especial a constante nos pontos 1. a 5., 9. e 12.) verifica-se que o Tribunal a quo fez, sub indice, correta aplicação do direito ao considerar inválidas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 19/01/2019, nos termos do ”nº 3 do art. 1432º, do CCivil e, por isso, devem ser anuladas, nos termos do nº 1 do art. 1433º, do C.Civil”.
14º. Parece-nos, com o devido respeito, que a Ré/Recorrente confunde as deliberações tomadas em primeira convocatória para Assembleia de Condomínio (cuja regra é a constante no nº 3 do art. 1432º, do Código Civil) com as que, por se verificar o constante no artigo 1432.º, n.º 4, do Código Civil, são tomadas com a maioria dos Condóminos presentes.
15º. Conforme resulta, inequivocamente, da matéria dada como provada, a Assembleia de Condomínio tomou lugar na primeira convocatória, pois estavam presentes “66% do investimento total”.
16º. Assim, as deliberações tomadas nesta Assembleia de Condomínio apenas seriam aprovadas sempre que se verificassem votos favoráveis que perfizessem a maioria (que, de forma académica, se costuma dizer “cinquenta mais um”) do capital investido.
17º. Desta feita, face ao exposto, somos a pugnar pela total improcedência do Recurso interposto, devendo a Ré/Recorrente ser condenada nas respetivas custas.
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Entretanto, por requerimento apresentado em 06.01.2020, vieram J. P. e mulher E. J., deduzir incidente de intervenção principal espontânea, como associados do réu Condomínio, por simples adesão aos articulados já produzidos e apresentados pelo réu, aceitando, sem reserva, a causa no estado em que atualmente se encontra.

Alegaram, para o efeito, que são proprietários da fração autónoma, designada pela letra “H” que pertence ao condomínio réu e que, nessa qualidade de condóminos, são interessados diretos na improcedência do pedido de anulação das deliberações versadas na ação, tal como o réu Condomínio.
Ademais, os requerentes, contrariamente aos requeridos autores, votaram favoravelmente a aprovação das contas do ano de 2018, a eleição da atual administração e ainda o orçamento para 2019, partilhando assim com o réu o mesmo interesse e legitimidade quanto ao desfecho da lide.
Na sequência, foi proferido despacho a 04.02.2020, indeferindo-se a requerida intervenção principal espontânea.

Desta mesma decisão, vieram os requerentes J. P. e E. J. interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes

CONCLUSÕES

1) A controvertida intervenção principal espontânea pedida pelos ora recorrentes tinha e tem como escopo a sua intervenção como partes associadas, nos presentes autos de ação principal, do réu Condomínio do Prédio do Lote ... da rua ..., por simples adesão aos articulados já produzidos e apresentados por aquele réu nos autos, aceitando, sem reserva, a causa no estado em que atualmente se encontra;
2) Para tanto, enunciaram, enquanto condóminos, o seu interesse legítimo em associar-se ao réu Condomínio, porquanto no âmbito das deliberações tomadas pelo Condomínio na sua reunião ordinária do dia 19 de Janeiro de 2019 – acta n.º 27 – os ora recorrentes sufragaram e aderiram às deliberações maioritárias aí tomadas, votando favoravelmente as propostas aí apresentadas,
3) Ou seja, adotando uma posição diametralmente oposta à dos requeridos e autores da presente ação, F. C. e mulher, que pretendem que o Tribunal possa declarar inválidas todas as deliberações aí tomadas, nomeadamente a que procedeu à eleição da Administradora do Condomínio.
4) Quer isto tudo dizer que os ora recorrentes, enquanto condóminos, defendem e continuam a defender a bondade e justeza das deliberações tomadas na reunião da assembleia de condóminos do dia 19 de Janeiro de 2019, sufragando e aderindo voluntariamente a toda a defesa apresentada e oferecida pela Administração do Condomínio nos autos de ação principal;
5) O que é dizer também que querem estar, nos presentes autos, ao lado da posição maioritária do seu Condomínio;
6) Ora, contrariamente ao defendido na douta decisão recorrida, entendemos que a intervenção dos ora recorrentes nos autos de ação principal não configura qualquer ilegitimidade passiva;
7) Bem pelo contrário, a sua intervenção principal como associados do réu Condomínio é, salvo melhor e douta reflexão deste Venerando Tribunal, incontroversamente legítima, ainda que em litisconsórcio voluntário;
8) Na verdade, o interesse dos ora recorrentes na sua intervenção principal, espontânea, nos autos de ação principal é rigorosamente idêntico ao da sua administração do condomínio: ambos defendem e pugnam pela bondade e validade das deliberações tomadas na reunião ordinária da assembleia de condóminos do dia 19 de Janeiro de 2019;
9) Tudo somado: a intervenção requerida pelos ora recorrentes é legítima e, com todo o respeito, deveria ter deferida, porquanto nada obsta a tanto, sendo legalmente admissível;
10) Ao decidir-se como se decidiu, entendemos, com todo o respeito, que o Tribunal “a quo “ realizou uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 32º e 311º e segs. do Cód. Proc. Civil e dos artigos 1433º, nºs 1 e 6 e 1436º, alínea h), ambos do Código Civil.

Terminam, pugnando pela revogação do despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por decisão que defira a requerida intervenção principal espontânea.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se ocorre erro de direito no despacho recorrido de 04.02.2020 ao não admitir a requerida intervenção principal espontânea dos requerentes recorrentes.
- Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia.
- Saber se ocorre erro de direito na sentença recorrida ao anular as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada a 19.01.2019.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. Os Autores são legítimos possuidores e proprietários da fração autónoma designada pela letra “C”, inscrita na matriz sob o nº … da União de Freguesias de …, … e …, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número … - C, da freguesia de ….
2. A Ré é o Condomínio do edifício onde se integram as frações de que são proprietários os aqui Autores e da qual fazem parte 34 frações, sendo que:
- à fração “A” corresponde 130 permilagem do capital investido;
- à fração “B” corresponde 120 permilagem do capital investido;
- à fração “C” corresponde 90 permilagem do capital investido;
- à fração “D” corresponde 60 permilagem do capital investido;
- à fração “E” corresponde 90 permilagem do capital investido;
- à fração “F” corresponde 90 permilagem do capital investido;
- à fração “G” corresponde 60 permilagem do capital investido;
- à fração “H” corresponde 90 permilagem do capital investido;
- à fração “I” corresponde 100 permilagem do capital investido;
- à fração “J” corresponde 70 permilagem do capital investido;
- à fração “K” corresponde 100 permilagem do capital investido.
3. No dia 19 de Janeiro de 2018, pelas 10h00, realizou-se a Assembleia Ordinária de Condóminos, no Hall da entrada do referido prédio, cuja ordem de trabalho era a seguinte:“1- Discussão e aprovação das contas referentes ao ano de 2018,-------------------------2- Eleição do gestor de condomínio para o Ano de 2019,-------------------------------------------------3- Aprovação do orçamento das despesas a efectuar em 2019,-----------------------------------------4- Outros assuntos, apresentação do orçamento para realização de obras de infiltração nos terraços e Pintura de Prejuízos em Apartamentos, e outros assuntos que possam surgir. -----
4. Desta Assembleia de Condomínio foi exarada a Acta n.º 27, junta a fls. 13 v. a 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Consta da referida acta, entre o mais, que: “ (…) À primeira chamada, pelas dez horas, compareceu o senhor M. B., a senhora A. V. em representação do senhor S. R. – Fracção “F”, do senhor A. F. – Fracção “G”, do senhor J. P. – Fracção “H”, e da senhora M. O. – “Fracção J”, bem como o senhor M. M. – Fracção “I”, o senhor M. P. – Fracção “D” e o senhor F. C. – Fracção “C”, que representam 56% do investimento total, perfazendo o quórum necessário para se realizar a assembleia. No entanto, quinze minutos após o início da reunião chegou o senhor P. M. em representação da senhora Maria Gonçalves Marques – Fracção “K”, passando a estar presentes condóminos representando 66% do investimento total.”
6. A Fração “J” foi representada pela Sra. A. V., com substabelecimento outorgada pela Sra. C. B., esta última, na qualidade de Mandatária da Proprietária da Fração “J”.
7. A Fração “J” devia, à data da Assembleia de 19 de Janeiro de 2019, ao condomínio, € 339,03 (trezentos e trinta e nove euros e três cêntimos), até 31 de Dezembro de 2018.
8. A Assembleia teve lugar e foi presidida pelo Sr. M. B..
9. Consta, ainda, da referida acta: “(…) Seguindo a ordem de trabalhos, passou-se ao ponto 2, ou seja à eleição do gestor/administrador do condomínio para o ano de 2019, tendo-se candidatado a empresa de Administração e Limpeza de condomínios de M. B., representada pelo senhor M. B., e a empresa X – Sociedade de Gestão imobiliária, Ldª representada pela senhora A. V.. Passando à votação, foi aprovado, por maioria a eleição como gestor/administrador do condomínio a empresa X – Sociedade de Gestão Imobiliária, Ldª, com os votos a favor das fracções “F”, “G”, “H”, “I” e “J”, perfazendo um total de 41% do capital investido e os votos contra das fracções “C”, “D”, e “K”, perfazendo um total de 25% do capital investido. (…)”.
10. A candidatura apresentada pelo Sr. M. B., a “Administração e Limpeza de Condomínios de M. B.” apresentou um orçamento em que constava o valor 450€ (quatrocentos e cinquenta euros) como sendo a sua retribuição pelo exercício da Administração do Condomínio, num total de despesas de € 3.872,00 – cfr. documento de fls. 12 v. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Na candidatura apresentada pelo Sra. A. V., a “Empresa X - Sociedade de Gestão imobiliária, Lda.” apresentou um orçamento em que constava o valor € 620 (seiscentos e vinte euros) como sendo a sua retribuição pelo exercício da Administração do Condomínio, num total de despesas de € 3.281,00 – cfr. documento de fls. 18, cujo teor se dá aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Consta, também, da identificada acta: “(…) Entretanto, passou-se ao ponto número 3, e relativamente ao orçamento para 2019 foi aprovado por maioria o orçamento da empresa X – sociedade de Gestão e Imobiliária, Ldª no valor de quatro mil duzentos e setenta e nove euros e nove cêntimos, com os votos a favor das fracções "F", "G", "H", "I" e "J", representando um total de 41% do capital investido e os votos contra das fracções "C", "D", e "K", perfazendo um total de 25%.”
13. Na qualidade de administradora do condomínio, “X - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”, remeteu ao autor uma carta, datada de 19/02/2019, comunicando a alteração da data da assembleia extraordinária que se encontrava marcada para o dia 26 de fevereiro de 2019, pelas 9:30 horas, para o dia 12 de Março, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto nº 1: Discussão e aprovação dos orçamentos para a reparação dos terraços do condomínio; Ponto nº 2: Discussão e aprovação dos orçamentos para a reparação do apartamento do 3º andar direito – fracção “J”.
14. O aqui autor, P. M., M. P., F. A. e Maria, na qualidade de proprietários das frações “C”, “A”, “D”, “E” e “K”, remeteram à administração do condomínio eleita em 19/01/2019, uma carta registada com aviso de receção, datada de 31 de Janeiro de 2019 e rececionada em 05/02/2019, para impugnação das deliberações tomadas nessa mesma assembleia e marcação de assembleia extraordinária, nos termos que constam do documento de fls. 33 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. A esta missiva respondeu, a 13 de Fevereiro de 2019, a Administração do Condomínio nos termos que constam do documento de fls. 38 e ss., cujo teor se dá aqui se dá por integralmente reproduzido.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Por seu turno, o tribunal a quo deu como não provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

a) À data da realização da assembleia de condóminos supra aludida, A. V., era funcionária da Sociedade Comercial “Empresa X – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”.
b) A fração autónoma designada pela letra “E” nunca foi notificada para aquela Assembleia de Condomínio, desconhecendo por completo a sua existência.
c) A Fracção “J” não esteve devidamente representada na reunião de 19 de Janeiro de 2019, já que não era possível à Sra. C. B. substabelecer na Sra. A. V..
d) Com o fim de obter a maioria necessária, a então nova Administração, “X - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”, por si ou por intermédio de outrem, havia prometido a realização de obras ao Proprietário da Fracção “J” às custas do Condomínio.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Do incidente de intervenção principal espontânea

Insurgem-se os intervenientes apelantes J. P. e E. J. contra a decisão que indeferiu o incidente de intervenção principal espontânea que deduziram para, como associados do réu Condomínio, prosseguirem os termos da demanda, convocando em sua defesa, no essencial, que, enquanto condóminos, que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas, tem interesse legítimo em associar-se ao réu, sufragando e aderindo voluntariamente a toda a defesa apresentada e oferecida pela administração do Condomínio, pelo que a sua intervenção principal como associado do réu é legítima, ainda que em litisconsórcio voluntário.
Como resulta da decisão recorrida, o tribunal a quo indeferiu a requerida intervenção principal espontânea por considerar que os intervenientes condóminos são partes ilegítimas.

Vejamos então.

Sob a epígrafe “Princípio da estabilidade da instância”, dispõe o art. 260º, do C. P. Civil, que “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Significa isto que as modificações subjetivas apenas podem ocorrer nas situações legalmente previstas, entre as quais avultam (para além da hipótese de ocorrer a transmissão, inter vivos ou mortis causa, da coisa ou direito litigioso) as provenientes dos incidentes de intervenção de terceiros (cfr. arts. 261º e 262º, do C. P. Civil).
Na espécie, dentre os incidentes de intervenção de terceiros legalmente tipificados, interessa-nos, em especial, a intervenção principal espontânea, cujo âmbito de aplicação se mostra definido no citado art. 311º, do qual resulta que essa intervenção é facultada:

a) ao terceiro que a lei, o negócio ou a natureza da relação jurídica impunha que com o autor movesse a ação ou quem com o réu fosse demandado, nos termos do art. 33º, do C. P. Civil, isto é, nas situações de litisconsórcio necessário ativo ou passivo;
b) ao terceiro que podia, sem tal ser imposto, ter movido a ação juntamente com o autor ou ter sido demandado juntamente com o réu, nos termos no art. 32º, do C. P. Civil, ou seja nas situações de litisconsórcio voluntário;
c) como caso especial de litisconsórcio (necessário ou, tratando-se de facto só praticado pelo réu, voluntário) ao cônjuge que deveria ter movido a ação juntamente com o autor ou devia ou podia ter sido demandado juntamente com o réu, nos termos do art. 34º, do C. P. Civil.

No fundo trata-se de uma intervenção litisconsorcial espontânea de um terceiro, tendo como pressuposto, em relação aos sujeitos da causa principal, a existência de uma situação de litisconsórcio voluntário ou necessário, incluindo a motivada pelo interesse familiar prevista no art. 34º, do C. P. Civil.
Assim, terá legitimidade para intervir num processo pendente, no quadro deste incidente, aquele que, em relação ao objeto do processo, pudesse inicialmente ter demandado ou ser demandado nos termos dos arts. 32º, 33º e 34º, do C. P. Civil, o que pressupõe, pois, uma contitularidade da relação material controvertida, com participação do terceiro requerente da intervenção.
Consequentemente, para que o incidente possa ser admitido, torna-se essencial que o terceiro venha a juízo fazer valer um direito seu, ou na expressão da lei (art. 312º, do C. P. Civil), “um direito próprio paralelo” ao da parte primitiva a que pretende associar-se, exigindo-se outrossim que se esteja em presença de um direito (ou interesse) pelo qual pudesse, ab initio, demandar ou ser demandado com essa parte.
Assim, perante uma ação pendente, o terceiro que podia inicialmente acionar ou ser acionado a título de litisconsorte voluntário ou necessário, nos termos dos artigos 32º a 34º, pode nela intervir a título principal.” (1)
Como é de sua natureza, o litisconsórcio pressupõe a unicidade da relação material controvertida, sendo que a diferença entre litisconsórcio necessário e voluntário se traduz essencialmente na circunstância de que enquanto no primeiro as partes se apresentam externamente como uma única parte, no segundo as partes mantêm uma posição de autonomia, isto é, as partes de um litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de autonomia.

Nestes termos, forçoso é concluir que, para que o terceiro possa vir requerer a sua intervenção principal como associado do autor ou do réu, necessário se torna demonstrar que o mesmo possuía, no momento da propositura da ação, legitimidade processual para demandar ou ser demandado com essa parte.
Pois bem, foi exatamente com base na falta de legitimidade processual dos intervenientes para serem demandados nesta ação, que o tribunal recorrido acabou por decidir pelo indeferimento do requerido incidente de intervenção principal espontânea.

Na verdade, convocando a decisão recorrida, da mesma podemos extrair, designadamente, o seguinte:

A impugnação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos conhece uma norma especial: “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito” (número 6 do artigo 1433.º do Código Civil).
A legitimidade activa está definida no número 1 do artigo 1433.º do Código Civil – qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada – ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados.
A questão da legitimidade passiva na acção para impugnação da deliberação da assembleia de condomínio tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores, embora a posição que provém do STJ seja maioritária no sentido de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio e não aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada.
Aderindo a este entendimento, cremos que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
(…)
Daqui se conclui que a admissão da intervenção dos aqui requerentes do lado passivo traduzir-se-ia numa situação de ilegitimidade passiva. (…)

Neste conspecto, também nós partilhamos da posição assumida pela citada jurisprudência maioritária, a qual conclui que as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito. (2)
Ao nível doutrinal, sublinha-se a posição de Sandra Passinhas (3), a qual afirma que a deliberação tomada em assembleia de condóminos “exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador”; sendo que “as controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia apenas satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador.” (sublinhámos)
Concluindo, mais à frente: “O administrador é o órgão através do qual se executa a vontade do condomínio. Em consequência, só ele pode depor como parte. Os condóminos apenas poderão depor como testemunhas, devendo o seu interesse na (im)procedência da acção ser tido em consideração na convicção a extrair dos seus depoimentos.

Destarte, o tribunal a quo, dando conta que a lei (arts. 1433º, n.º 6 e 1436º, al. h), do C. Civil), coadjuvada pela jurisprudência maioritária, vai no sentido de se bastar nas ações de impugnação de deliberações tomadas em assembleia de condóminos, com a intervenção, do lado passivo, do condomínio, representado exclusivamente pelo seu administrador, concluiu que os intervenientes não tem legitimidade passiva para o presente processo e, como tal, nunca poderiam ser demandados, ab initio, mesmo a título de litisconsórcio voluntário, como réus na presente ação.
Porque assim é, estão consequentemente impedidos de intervir espontaneamente nestes autos, a título principal, como associados do réu.
Termos em que se conclui pela improcedência do recurso interposto pelos intervenientes J. P. e E. J., sendo de manter a decisão que indeferiu o requerido incidente de intervenção principal espontânea.
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B) Da nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia

A questão que importa agora dirimir refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, suscitada no recurso do réu.
Neste conspecto, o réu apelante veio invocar a nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia, afirmando, em suma, que o tribunal a quo, na decisão recorrida, pronunciou-se sobre factualidade que não fora alegada pelos autores na petição inicial, traduzido no vício ou irregularidade de falta de quórum deliberativo bastante (maioria absoluta do capital investido), pelo que estava vedado ao tribunal recorrido conhecer oficiosamente tal invalidade não alegada e invocada pelos autores e cuja possibilidade de conhecimento já houvera caducado.
Vejamos então se lhe assiste razão.

Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Compreende-se, por isso, que se afirme que “as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.” (4)
Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que – em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública – o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Com a última reforma do C. P. Civil, mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no art. 5.º, n.º 1 e n.º 2 do NCPC que, cabendo às partes “alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”, serão ainda considerados pelo juiz os “factos instrumentais que resultem da instrução da causa”, os “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”, e – tal como outrora – os “factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”; e mantendo-se no n.º 3 da mesma disposição que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”

Com referência ao excesso de pronúncia, diz o Prof. Alberto dos Reis (5) que “proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.
Na opinião do mesmo Autor, esta nulidade desenha-se assim: “A sentença conheceu de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz.
Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou o dever de conhecer ex officio da questão respetiva.
De facto, poderá haver casos em que ao tribunal se lhe impõe conhecer determinada questão, mesmo que não levantada pelas partes, mas que se mostre indispensável para a solução do litígio.
Casos há igualmente que a própria alegação implícita das partes deverá ser tida em consideração. (6)

No caso em apreço, cumpre desde já afirmar que o tribunal a quo concluiu na sentença recorrida pela invalidade das deliberações tomadas com base no vício ou irregularidade de falta de quórum deliberativo bastante (maioria absoluta do capital investido), concluindo pela violação do disposto no art. 1432º, n.º 3, do C. Civil.

De facto, lê-se na sentença recorrida o seguinte:

(…) Ora, resulta evidente que a deliberação para eleição do administrador do condomínio não foi tomada por maioria dos votos representativos do capital investido, pois que apenas obteve a seu favor 410 votos.
A situação reclamava que se tivesse adoptado o procedimento previsto no nº 4 do art. 1432º, do C.Civil, a saber: Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes represente, pelo menos, um quarto do valor do prédio.
O que se verifica na situação dos autos é que, sem embargo de se tratar da primeira convocatória, foi desde logo aplicada a regra deste nº 4, isto é foi considerada a maioria de votos dos condóminos presentes, que é diferente do quorum constitutivo (regra) estabelecido no nº3 (maioria dos votos representativos do capital investido).
Por conseguinte, concluiu-se que a deliberação tomada em 19/01/2019, relativa à eleição do administrador do condomínio, uma vez que não foi tomada pela maioria dos votos representativos do capital investido mas pela maioria dos votos presentes, é contrária à lei, mais concretamente ao estabelecido nº 3 do art. 1432º, do CCivil.
Sendo assim, tal deliberação é anulável, nos termos do nº 1 do art. 1433º, do C.Civil.
Esta anulabilidade afecta a outra deliberação referenciada no ponto 2 da acta, ainda que tenha sido unânime, pois não faz sentido atribuir poderes gerais de administração civil e de representação do condomínio a um administrador que foi ilegalmente eleito.
Alcançando-se esta conclusão, fica claramente prejudicada a apreciação dos restantes argumentos erigidos pelo A. para a invalidade desta deliberação (da eleição do administrador).
O mesmo se pode dizer em relação à deliberação constante do ponto 3 da acta de assembleia de condóminos de 19/01/2019, relativa à aprovação do orçamento apresentado pela X para o ano de 2019 que também foi tomada por maioria dos presentes e não por maioria dos votos representativos do capital investido. Aliás, é de salientar neste ponto que não há coincidência entre o valor do orçamento apresentado na proposta exibida na assembleia (3.281,00€ - cfr. fls. 18) e o que consta em acta como tendo sido objecto de deliberação (€4.279,09), e inexiste qualquer justificação na referida acta para esta incongruência. Fica, então, a dúvida se a deliberação, que já se concluiu ser inválida, incidiu sobre o valor que consta da acta ou sobre o valor da proposta.
De resto, quanto à deliberação de aprovação das contas referentes ao ano de 2018 (ponto 1 da acta), consta que esta foi aprovada, uma vez mais, pela maioria dos presentes, o que também a torna inválida nos termos da fundamentação atrás apresentada.
Em suma, as deliberações tomadas na assembleia de 19/01/2019 são contrárias à lei, mais concretamente ao estabelecido nº 3 do art. 1432º, do CCivil e, por isso, devem ser anuladas, nos termos do nº 1 do art. 1433º, do C. Civil. (…)

Como resulta da própria decisão recorrida, a deliberação aprovada, por maioria dos presentes em assembleia de condóminos, mas sem a maioria dos votos representativos do capital investido (art. 1432º, n.º 2, do C. Civil), é suscetível de ser anulada, nos termos do disposto no art. 1433º, n.º 1, do C. Civil
Dispõe este último preceito legal que: “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”; dispondo para o efeito do prazo de 20 dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, a contar da comunicação da deliberação, sob pena de caducidade (art. 1433º, n.º 2, do C. Civil).
Claro está que, conforme salientam Pires de Lima e Antunes Varela (7), “deve entender-se, no entanto, que no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia dos condóminos.
Dando diversos exemplos, esses mesmos Autores, concluem que, na primeira hipótese, estamos perante deliberações nulas, sendo, portanto, suscetíveis de serem impugnadas a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º, do C. Civil (o que inclui, assim, o seu conhecimento oficioso pelo tribunal); e na segunda hipótese, designadamente quando afete a propriedade exclusiva de um dos condóminos, deverá considerar-se tal deliberação ineficaz, pelo que o proprietário afetado, desde que não a retifique, poderá a todo o tempo arguir o vício de que ele enferma, quer por via de exceção, quer através de uma ação de natureza meramente declarativa. (8)

No caso em apreço, porque não estamos perante uma situação de anulabilidade das deliberações tomadas na dita assembleia de condóminos realizada a 19.01.2019, forçoso é concluir que o vício resultante da falta de quórum deliberativo (art. 1432º, n.º 2, do C. Civil), teria necessariamente de ser invocado pelos condóminos que não aprovaram tal deliberação (art. 1433º, n.º 1, do C. Civil), em ação a propor, nos prazos indicados no n.º 2 do art. 1433º, do C. Civil
Sucede, porém, que os autores não invocaram esta mesma invalidade das deliberações em causa, ou seja, não decorre minimamente do teor da petição inicial (nem mesmo implicitamente – cfr. arts. 16º e segs.) que os autores pretendem a anulação das referidas deliberações com fundamento na violação do disposto no art. 1432º, n.º 2, do C. Civil.
Não o tendo feito, não podia o tribunal a quo conhecer dessa mesma invalidade, como acabou por fazê-lo, já que a mesma não era de conhecimento oficioso (art. 1433º, n.º 1, a contrario, do C. Civil).

Pelo que fica dito, concluímos que, in casu, o tribunal a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, enfermando, assim, a sentença recorrida, nesta parte, de vício de nulidade por excesso de pronúncia (art. 615º, n.º 1, al. d), 2º parte, do C. P. Civil), o que deverá ser declarado por este tribunal ad quem.
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Não obstante, manda o disposto no art. 665º, do C. P. Civil, que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2); devendo, para o efeito, o relator antes de ser proferida decisão, ouvir cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias. (n.º 3).
Logo, tal como afirma Abrantes Geraldes (9) “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das referias nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2.
Deste modo, a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nessa eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.
Daqui resulta, pois, que sendo embora a sentença recorrida nula, por excesso de pronúncia, deve este Tribunal ad quem conhecer do demais objeto da apelação, mais concretamente das apontadas invalidades referidas sob as als. c) e) na decisão recorrida, ao que tudo indica consideradas prejudicadas pelo tribunal recorrido, cumprido que ficou igualmente o princípio do contraditório, mediante a audição prévia das partes, pelo despacho proferido pelo relator, em 02.07.2020 (cfr. fls. 133).
Prossegue-se, pois, com essa apreciação.
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C) Do impedimento de voto em caso de conflitos de interesses

De acordo com a alegação dos autores, a Sr.ª A. V., que se encontrava em representação dos proprietários das frações “F”, “G”, “H” e “J” (cfr. facto provado n.º 5), não podia votar, por si ou como representante de outrem, em matérias em que haja conflito de interesses entre o condomínio e os seus representados, convocando para o efeito o disposto nos arts. 157º, 176º, 261º e 1430º e segs., todos do C. Civil.
No fundo, no seu entendimento foi a mesma pessoa que, sendo colaboradora da empresa “X” e em representação desta, apresentou a proposta para a administração do condomínio e nela votou favoravelmente em representação dos condóminos das identificadas frações, o que estava impedida de o fazer, em resultado daquele conflito de interesses.
Vejamos então se lhes assiste razão.

Conforme resulta do disposto no art. 176º, n.º 1, do C. Civil, “o associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.
As deliberações assim tomadas, são anuláveis, “se o voto do associado impedido for essencial à existência da maioria necessária” (art. 176º, n.º 2, do C. Civil).
Por força do disposto no art. 157º, do C. Civil, esta norma é aplicável analogicamente às sociedades civis.
Na opinião de Sandra Passinhas (10) “resultando do condomínio um sujeito jurídico, a que se aplicam, subsidiariamente, em tudo o que não pressupõe a personalidade jurídica, as normas das associações, propugnamos a aplicação, no regime da propriedade horizontal, do impedimento de voto em caso de conflitos de interesses.
Como nos parece igualmente líquido, a proibição de voto, por conflito de interesses, poderá existir não só entre o condómino e o condomínio, mas igualmente nos casos em que o titular do interesse conflituante com o condomínio age como representante de um condómino. (11)
No caso em apreço, porém, não vemos em que medida é que exista um conflito de interesses entre a Sr.ª A. V. e o condomínio.
Dos factos dados como provados, apenas temos como demonstrado que aquela Sr.ª A. V. atuou em representação da sociedade “X” na apresentação da candidatura a administradora de condomínio, sem que daí resulte necessariamente que aquela é sócia ou gerente desta mesma sociedade, sequer que é sua funcionária ou trabalhadora (aliás, tal resultou como não provado sob a al. a)) e/ou que tenha algum interesse direto (traduzido designadamente em qualquer contrapartida financeira ou outro benefício para si ou para alguém da sua família) na aprovação desta mesma candidatura.
Claro está igualmente que o condómino, ou o representante deste, não está impedido de votar quando o negócio for vantajoso para o condomínio e não haja possibilidade de colisão de interesses. (12)
Veja-se ainda que, de acordo com o disposto no art. 261º, do C. Civil, é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
No caso dos autos, não nos oferece quaisquer dúvidas, até porque nada ficou demonstrado em sentido contrário, que os condóminos representados sabiam e conheciam a ordem de trabalhos, a qual previa designadamente a eleição da administração do condomínio para o ano de 2019, aceitando que a mesma viesse a ser exercida pela sociedade “X”.
Com efeito, constitui um dos direitos dos condóminos fazerem-se representar por procurador na assembleia (art. 1431º, n.º 3, do C. Civil).
Por outro lado, também parece-nos resultar evidente que, na ausência de indicação expressa dos poderes, o representante está legitimado para exercer todos os direitos dos condóminos na assembleia, designadamente o direito de expressão, direito de propor deliberações e o direito de voto.
Outrossim, poderá existir prévio acordo entre o condómino e o seu representante no que se refere ao seu sentido de voto, designadamente em termos de apresentação e eleição da administração do condomínio, limitando-se o representante a votar de acordo com o previamente combinado com o condómino representado.
Se o representante do condómino se limita a propor uma sociedade para nova administradora do condomínio, da qual é alheio, votando em seguida a favor desta proposta, em consonância com o anteriormente acordado com o condómino representado, não ocorre qualquer conflito de interesses entre a representante e o condomínio.

Daqui resulta, pois, que não existem elementos factuais que nos permita concluir que as deliberações tomadas deverão ser anuladas por conflito de interesses entre a referida representante e o condomínio.
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D) Do abuso de direito

Os autores invocaram igualmente que a proprietária da fração “J”, então representada pela referida Sr.ª A. V., não podia votar, na medida em que esta tinha, à data da deliberação uma dívida para com o condomínio e agiu em abuso de direito quando exerceu o direito de voto, no sentido de aprovar orçamentos que exigem maior esforço económico-financeiro dos restantes condóminos, dando conta que a sociedade “X”, por si ou por intermédio de outrem, havia prometido a realização de obras à proprietária da fração “J”.

O abuso do direito – art. 334º, do C. Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para Manuel de Andrade “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”. (13)
Para Vaz Serra, o ato abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede. (14)
Noutra perspetiva, para Antunes Varela, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.” (15)
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. (16)

No entanto, aceitamos que para a verificação do abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente, sendo esta a conceção objetivista do abuso do direito adotada pelo legislador. (17)

Isto não significa, porém, que ao conceito de abuso do direito sejam alheios fatores subjetivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes fatores pode relevar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito. (18)

Ora, volvendo ao caso em discussão, resulta provado, de facto, que a proprietária da fração “J” devia, à data da realização da assembleia, o valor de € 339,03 ao condomínio (facto provado n.º 7).
Não obstante, o facto de um condómino ter uma dívida para com o condomínio não constitui impedimento do exercício dos seus direitos, designadamente do direito de voto.
Por outro lado, nada ficou demonstrado nos autos que nos permita concluir que a proprietária da fração “J” agiu em “abuso de direito” ao fazer aprovar orçamentos que exigem maior esforço económico-financeiro dos restantes condóminos; sendo certo igualmente que resultou não provado (cfr. al. d)) a alegação dos autores de que, com vista a obter a maioria necessária, a sociedade “X”, por si ou por intermédio de outrem, havia prometido a realização de obras à proprietária da fração “J”.

Termos em que se conclui que soçobram todos os fundamentos suscitados pelos autores apelados como forma de verem declaradas inválidas, nulas ou sem qualquer efeito as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 19.01.2029, as quais, como tal, deverão consideradas válidas, assim se julgando procedente o recurso de apelação pelo réu apelante, devendo ser revogada a decisão recorrida em conformidade, substituindo-se por outra que julgue improcedente a ação.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

A) Julgar improcedente a apelação apresentada pelos intervenientes J. P. e E. J., deste modo se confirmando a decisão recorrida que indeferiu o incidente de intervenção principal espontânea por si deduzido.
Custas pelos intervenientes apelantes.
B) Julgar procedente a apelação apresentada pelo réu condomínio apelante, nos termos sobreditos, e consequentemente, decide-se:
- Declarar parcialmente nula a sentença recorrida, por excesso de pronúncia, conhecendo, porém, do demais objeto da apelação, por os autos reunirem já os elementos necessários para o efeito;
- Revogar a sentença recorrida e julgar a ação totalmente improcedente, deste modo se absolvendo o réu dos pedidos.

Custas, em ambas as instâncias, pelos autores apelados.
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Guimarães, 05.11.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.


1. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, 2017, 9ª edição, pág. 73.
2. Por todos, cfr. Ac. STJ de 29.05.2007, proc. n.º 07A1484, relator Urbano Dias; e Ac. RP de 13.02.2017, proc. n.º 232/16.0T8MTS.P1, relator Carlos Gil (para o qual remetemos a inúmera jurisprudência e doutrina citada), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
3. A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição, págs. 346-347.
4. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 220.
5. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 3ª edição, págs. 143-144. Neste particular, cfr. ainda Miguel Teixeira de Sousa, ob. citada, págs-222-223.
6. Neste sentido, vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 676 (nota de rodapé): e, por todos, Ac. STJ de 06.12.2012, proc. n.º 469/11.8TJPRT.P1.S1, relator João Bernardo, acessível em www.dgsi.pt.
7. Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2ª edição, 1987, pág.447.
8. Ob. citada, pág. 448.
9. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 322.
10. Ob. citada, pág. 238.
11. Neste sentido, Sandra Passinhas, ob. citada, pág. 239, a qual dá como exemplo o administrador que “não pode votar, como representante de algum condómino ausente, na deliberação que aprove as contas do seu exercício.”
12. Neste sentido, Sandra Passinhas, ob. citada, pág. 238-239.
13. In Teoria Geral das Obrigações, Almedina, 3ª edição, págs. 63-64.
14. Abuso de Direito, BMJ n.º 85, pág. 253.
15. Das Obrigações …, citada, Vol. I, pág. 546.
16. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 299.
17. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., Vol. I, pág. 298.
18. Neste sentido, cfr. Antunes Varela, ob. cit. pág. 499.