Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5173/15.5T8BRG.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
FALTA DE PROVA
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - No caso de uma liquidação de sentença, o(a) Autor(a) faz da sentença liquidanda o fundamento da segunda ação. Assim, a sentença liquidanda impõe a sua autoridade na ação/incidente de liquidação, impedindo que a primeira decisão seja contraditada pela segunda.
2 - O incidente de liquidação nunca pode ser julgado improcedente por falta de prova, sendo que em último caso, o julgador deverá fazer uso de critérios de equidade, pois a improcedência da liquidação e violaria o caso julgado formado pela sentença liquidanda.
Decisão Texto Integral:
Relatório:
           
 AA, casada, maior, residente na Rua ..., ..., ... ..., depois do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos, deduziu o presente incidente de liquidação contra EMP01... – Companhia de Seguros, S. A., sociedade comercial com sede em Praça ... ... ....
Pretende tornar líquida a obrigação em cujo cumprimento a Ré seguradora foi condenada, no âmbito da decisão judicial de condenação que decorreu anteriormente.
A Ré deduziu oposição ao incidente, impugnando alguns dos factos alegados e pedindo que o incidente seja julgado de acordo com a prova que vier a produzir-se.
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo o presente incidente de liquidação, parcialmente procedente, fixando o valor dos danos cuja quantificação se relegou para este incidente, no valor total de 51.232,81€ (CINQUENTA E UM MIL DUZENTOS E TRINTA E DOIS EUROS E OITENTA E UM CÊNTIMOS), quantia que condeno a R. a pagar à A., a que acrescem os juros de mora a taxa legal de 4%, contados nos termos aludidos nos acórdãos, ou seja, desde a data da notificação da R. para a presente liquidação até integral pagamento.
Mais acresce a obrigação por banda da Seguradora de enquanto a A. for viva, anualmente, e mediante a apresentação dos respetivos comprovativos, pagar à A a ajuda de terceira pessoa (300,00€ mensais), calçado ortopédico (anualmente 501,82€), consultas de podologia (2 vezes por ano no valor total de 50,00€), consultas de fisiatria 2 vezes por ano (valor unitário de 80,00€), e sessões de fisioterapia efetivamente realizadas pela A. (custo unitário de 30,00€).”
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Inconformados, vieram Autora e Ré recorrer.

A A. formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de primeira instância no que respeita apenas aos concretos montantes indemnizatórios arbitrados a favor da Autora a título de auxílio de terceira pessoa.
2. Os factos alegados em 29º, 30º e 31 do requerimento inicial são a concretização material e substantiva, na descrição que insere nos autos sobre os concretos atos e tarefas quotidianas para as quais a A. carece de auxílio de terceira pessoa, do facto vago, genérico e “imaterial” que está vertido no ponto 31 dos factos provados,
3. Entende o Tribunal recorrido que não dispõe de elementos efetivos de apreciação do real impacto das sequelas no grau de autonomia da Autora, e das concretas ajudas de que passou a carecer para viver a sua vida condignamente, seja quanto às concretas tarefas cuja execução necessita, seja do período de tempo horário de que necessita por dia, seja do número de dias em cada semana de que carece, etc.
4. Necessitava portanto o Tribunal de apurar nestes autos de liquidação - como complemento e a título instrumental - factos que preencham o conceito vago que resulta plasmado no facto provado 31 - mas a Autora alegou esses factos concretizadores de modo especificado.
5. Produzida a prova, e quanto ao conteúdo da necessidade de terceira pessoa, verteu o Tribunal a quo, em 18 dos factos provados e remetendo para o teor do relatório médico-legal obtido nos autos principais, que a ajuda de terceira pessoa de que a Autora necessita é, no caso concreto, para “as actividades da vida diária”.
6. Circunstância que, por si só, já permitiria ao Tribunal proceder à determinar, segundo critérios de razoabilidade, o número de horas semanais de que a Autora carece do referido auxílio.

I - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

7. Primeiramente, a circunstância de o facto alegado em 30º ter vindo a ser dado como não provado, por decisão do Tribunal da Relação, não invalida que, nesta sede, se prove aquele circunstancialismo, novamente alegado - até porque é mero facto instrumental à composição do direito consagrado à Autora que compete ao Tribunal liquidar e converter em indemnização.
8. Além do mais, o ponto temporal em que os factos são apreciados são diversos do dos autos principais, razão pela qual importa valorar a prova que efetivamente se produza neste incidente a esse respeito – prova essa que foi feita pela Autora.
9. Em primeiro lugar, é o próprio Tribunal a quo quem, na sentença deste incidente, no facto provado 18º, complementa a necessidade de auxílio de terceira pessoa com “para as actividades da vida diária, conforme consta do relatório médico-legal levado em conta.”
10. A expressão “actividades da vida diária”, na sua aceção técnica em sede de medicina legal e forense, corresponde já, exatamente, aos factos alegados pela Autora em 29º, 30º e 31º do requerimento inicial, e que o Tribunal optou por não dar especificadamente por provados,
11. Mesmo sem mais prova, é forçoso que o Tribunal considere que uma pessoa que se encontra impossibilitada, de todo, para as “actividades da vida diária”, careça de auxílio de terceira pessoa, pelo menos, todos os dias e durante 8 horas diárias, como alegado em 29º, 30º e 31º do requerimento inicial, tal como havia ajuizado o Tribunal de primeira instância nos autos principais.
12. Dimana já do facto provado 18º - “necessitar do auxílio de 3ª pessoa para as actividades diárias”, que a Autora necessita de tal auxílio, pelo menos, de terceira pessoa todos os dias e oito dias por hora, uma vez que tal expressão, de aceção técnico-científica em medicina-legal, já traduz uma dependência funcional de tal grandeza que não pode ser colmatada por cuidados de extensão e frequência inferior.
13. E certamente não pode ser colmatada pela muito diminuta quantia - € 300,00 mensais - arbitrada por este Tribunal.
14. Mas ainda que assim não fosse, foi produzida prova testemunhal em juízo com virtualidade de demonstrar a veracidade dos factos alegados em 29º, 30º e 31º do requerimento inicial.
15. Assim acontece com os depoimentos das seguintes testemunhas:
a. BB - depoimento de 10:17 a 10:42 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 13:27 até 20:50;
b. CC - depoimento de 10:43 a 11:06 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 13:00 até 17:30;
c. DD - depoimento de 11:06 a 11:15 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 03:45 até 06:15;
d. EE - depoimento de 11:16 a 11:21 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 1:45 até 04:00;
e. FF - depoimento de 11:22 a 11:32 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 1:00 até 04:50;
16. Os depoimentos citados são absolutamente unânimes e inequívocos quanto ao grau de dependência da Autora - “precisa de ajuda para tudo” - para se levantar, para se sentar, para de deslocar, para se deitar, “não tem qualquer tipo de equilíbrio”, para se alimentar, “não pode cozinhar”, para ir à casa de banho, para tomar banho, incapaz de qualquer tarefa doméstica, de limpeza ou manutenção, entrar e sair de transportes, “é impossível ficar sozinha em casa”, etc., bem como a necessidade que a Autora tem tido do auxílio da filha CC para todas as sobreditas tarefas.
17. Mais resultando demonstrado que a Autora apenas fica sem o auxílio e presença da filha durante certas horas do dia porque vive ainda com o marido que, pese embora fisicamente debilitado, sempre pode exercer alguma vigilância e alertar a filha CC ou outro familiar caso algum problema se manifeste na pessoa da Autora,
18. O que leva as testemunhas inquiridas a concluir que, em caso de falecimento do marido da Autora, “terá de se arranjar uma solução” para que a Autora esteja permanentemente vigiada e apoiada.
19. Os meios de prova supra citados, em conjugação com o teor do relatório médico-legal constante dos autos principais, impunham que se desse como provado o teor integral dos factos 29º, 30º e 31º do requerimento inicial do incidente de liquidação.
20. O que inquina a decisão da matéria de facto ora impugnada e impõe a sua alteração no sentido de que sejam dados como provados os factos alegados em 29º, 30º e 31º da dita peça processual.
21. Andou mal o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu - votando à qualificação de não provada a factualidade ínsita no terceiro ponto do elenco “Factos não provados”.
22. Os factos ali constantes, bem como aqueles alegados em 29º, 30º e 31º do requerimento inicial de incidente, deveriam ter sido dados como provados na sentença recorrida.
23. Os concretos meios de prova que impunham decisão no sentido ora propugnado são:
a. o relatório pericial de medicina-legal elaborado pelo IML e constante dos autos principais;
b. os seguintes depoimentos testemunhais produzidos no incidente de liquidação:
i. BB - depoimento de 10:17 a 10:42 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 13:27 até 20:50;
ii. CC - depoimento de 10:43 a 11:06 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 13:00 até 17:30;
iii. DD - depoimento de 11:06 a 11:15 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 03:45 até 06:15;
iv. EE - depoimento de 11:16 a 11:21 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 1:45 até 04:00;
v. FF - depoimento de 11:22 a 11:32 da respetiva gravação da sessão única de audiência, excerto de 1:00 até 04:50;

II - Dos valores indemnizatórios atribuídos a título de auxílio de terceira pessoa
24. Com a procedência, como se espera, do recurso da decisão da matéria de facto aqui interposto e a consequente alteração da factualidade assente, impor-se-á ao Tribunal a quo proceder também à revisão dos montantes indemnizatórios fixados em primeira instância a título de auxílio com terceira pessoa a atribuir à Autora, aproximando-os daqueles peticionados no requerimento inicial.
25. A quantificação deste mesmo dano já foi objeto de análise concreta por parte deste Tribunal, em primeira instância dos autos principais, cujas doutas e relevantes passagens
26. Note-se que o valor horário ali equacionado - € 5,00 por hora de serviço prestado - se mostra, especialmente à luz da realidade económica atual, muito modestamente fixado, sendo manifestamente inferior aos valores praticados no atual mercado de contratação de serviços desta natureza.
27. A Autora já ultrapassou a esperada idade média de vida que esteve subjacente ao cálculo ora transcrito.
28. Atento o exposto, a despesa ora em apreço ascende, no mínimo, até fim da vida da Autora– que aqui e para os presentes efeitos se estima em 95,00 anos de idade - (€ 4.850 relativos a 2013 + € 291.200,00 desde 2014 em diante) a € 296.050,00 (duzentos e e noventa e seis mil e cinquenta euros).
29. Quantia que aqui se reclama, a título principal.

Sem conceder, e por mero imperativo de patrocínio:
30. Ainda que não seja julgada procedente a impugnação da matéria de facto operada pelo presente recurso, será imperativo concluir que o Tribunal fixou a indemnização em causa em termos e montantes evidentemente deficitários, inadequados e desproporcionais perante as necessidades da Autora e à realidade económica e custos de aquisição de tais serviços.
31. De resto, a falta de prova exata do número de horas - e seu preço – de que a Autora carece ser assistida por terceira pessoa não impedia o Tribunal de as fixar segundo juízo de razoabilidade,
32. Na verdade, tal número de horas podia e devia ter sido determinado pelo Tribunal com a invocação de regras de experiência comum, em face da demais factualidade provada nos autos quanto ao grau de autonomia e capacidade física da Autora.
33. Neste exato sentido, veja-se a jurisprudência produzida quanto a esta questão, por exemplo, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-2-2018:“A determinação do número de horas que o sinistrado carece de assistência de terceira pessoa pode ser efetuada com a invocação de regras da experiência comum, tendo em conta a realidade demonstrada nos autos, o grau de autonomia do sinistrado que a mesma espelha, em resultado da limitação que apresenta, derivada do acidente.” - ac. TRP de 21-2-2018.
34. A factualidade dada como provada permite desde logo que o Tribunal, equitativamente, conclua como proporcional e adequado determinar que a Autora, com a extensão e natureza das sequelas e o consequente profundo grau de dependência ficaram demonstrados, não possa ficar sem auxílio de terceira pessoa para as atividades da vida diária, pelo menos, durante 8 (oito) horas diárias, período que se afigura como o limiar mínimo e essencial - não incluindo, desde logo e sequer, a vigilância noturna - para assegurar àquela uma assistência que lhe confira vida digna e dotada do mínimo de conforto e bem-estar.
35. A Autora tinha 73 (setenta e três) anos de idade aquando da ocorrência do acidente.
36. Além do mais, a Autora ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 19 pontos; uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de 2, numa escala de 1 até 7; um Dano Estético permanente fixável no grau 4 numa escala de 1 a 7;
37. A Autora ficou absolutamente impossibilitada de continuar a exercer as atividades descritas nos factos provados 43, 47 e 48 da decisão final dos autos principais (facto provado 42).
38. Entre as quais se conta a chamada agricultura de subsistência, pelo cultivo de produtos agrícolas e criação de animais.
39. Além disso, a Autora desempenhava também todas as tarefas domésticas, de limpeza, manutenção e lida da sua casa de habitação.
40. Tendo ficado absolutamente impossibilitada de o fazer, como estará até ao fim da vida, desde o acidente dos autos e em consequência exclusiva das lesões e sequelas que em virtude do mesmo resultaram.
41. O Tribunal de primeira instância entendeu ser de atribuir o valor de € 90.000,00 (noventa mil euros), fixados por recurso à equidade, pela necessidade de que a Autora ficou comprovadamente a padecer de auxílio de terceira pessoa para prover à satisfação das suas necessidades básicas e diárias, visando aquele quantitativo compensar a Autora dos encargos que suportou e irá necessariamente suportar, enquanto for viva, com a contratação de tais serviços.
42. O Tribunal deliberou assim, perante a factualidade assim provada, e calculando, de forma doutamente fundamentada, o montante necessário a indemnizar a Autora a este título por recurso a ponderado juízo de equidade, entendeu ser de atribuir o valor indemnizatório de € 90.000,00 (noventa mil euros) para ressarcir a Autora dos encargos que para si resultaram em função das sequelas originadas pelo acidente, com a contratação de terceira pessoa, projetando já esse dano para o futuro da vida daquela.
43. Em distinto sentido, o juízo equitativo feito pelo Tribunal recorrido em sede de liquidação queda-se, incompreensivelmente, pelo valor de € 300,00 (trezentos euros) mensais a este título, valor manifestamente insuficiente para assegurar à Autora os cuidados com a dependência de terceira pessoa - proceda ou não a alteração de facto ora propugnada.
44. Em concreto, e tendo por referência o já diminuto e irrealista valor horário de € 5,00 a suportar com tais serviços, o montante mensal de €300,00 (trezentos euros) apenas assegurariam à Autora a contratação de duas horas diárias de auxílio de terceira pessoa, o que se afigura completamente desfasado e insuficiente para prover às concretas e demonstradas necessidades da Autora.
45. Tal solução miserabilista votará a Autora a situação de carência e falta de assistência inadmissíveis e que objetivamente impedem a concreta efetivação do direito que a este título lhe foi reconhecido nos autos principais.
46. Em face da factualidade provada assiste à Autora o direito a ser indemnizada a esse título enquanto dano futuro decorrente do acidente, a calcular desde logo pelo Tribunal, por recurso a juízo de equidade – como praticou, e bem, o Tribunal de primeira instância.
47. Aqui chegados - e caso não se adira à argumentação acima exposta que determina a fixação do valor peticionado de € 296.050,00 (duzentos e noventa e seis mil e cinquenta euros) afigura-se, pelo menos, como adequado o cálculo equitativo elaborado em primeira instância dos autos principais ao fixar como razoável o valor horário de € 5,00 (quando muito, pecará por defeito), a esperança média de vida da Autora (com contagem a iniciar-se em agosto de 2013), e outros fatores imponderáveis como a incerteza sobre as alterações do estado de saúde da Autora em cada momento da sua vida, as alterações de taxa de remuneração do capital e inflação, etc.,
48. Fixando assim em € 90.000,00 (noventa mil euros) a indemnização arbitrada a este título - o que subsidiariamente se requer.
49. Por tudo quanto segue alegado, e além das demais identificadas no douto suprimento, o acórdão recorrido violou e interpretou erradamente o disposto nas seguintes normas legais contidas nos artigos 496º., nº. 1, 562º. e 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.
50. Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada na estrita conformidade com as presentes conclusões.

Termos em que, não obstante o douto suprimento do Tribunal ad quem, deve dar-se integral provimento ao presente recurso, julgando-o integralmente procedente, dando por violadas as normas jurídicas supra invocadas.
E, em consequência deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada, em conformidade e rigorosamente de acordo com conclusões supra formuladas.
Pelo que assim fará inteira JUSTIÇA.
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As conclusões do recurso da Ré são as seguintes:

1. A razão da discordância da recorrente em relação à douta sentença radica na sua condenação a pagar à recorrida, a título de ajuda de terceira pessoa, a quantia de 42.600,00€ entre agosto de 2013 e maio de 2025, à razão de 300,00€ mensais.
2. A este propósito, relevam os factos dados como provados 17., 18., 19., 20., e 21.
3. Na motivação da matéria de facto constante da douta sentença recorrida, em relação a estes factos dados como provados (sublinhados nossos), são de realçar as seguintes passagens:
“Já a filha da A. CC, explicou que faz tudo em casa da mãe e presta-lhe todos os cuidados e ajuda de que carece, vive praticamente lá, pegando na suas exatas palavras, mora ao lado e trabalha numa fábrica próxima do local, o que lhe permite até ali acudir nas pausas, detalhou que a mãe precisa dela para higiene, vestir-se, fazer a comida e tarefas domésticas, comendo pela própria mão, contando a mãe com a ajuda do marido (pai da testemunha) quando ela não está presente. Pelo que percebemos, a filha acaba por fazer parte da sua vida em casa dos pais, sita próxima da sua, ali tomando também as refeições que confeciona tanto para ela como para os pais. Mais, referiu que a mãe prometeu compensá-la quando receber da seguradora, em virtude desta ajuda que lhe presta”.
(…)
“Quanto à facticidade não provada, desde logo, analisando os acórdãos da relação e do STJ, facilmente vemos que o segmento indicado quanto à 3ª pessoa na petição (artº 30) não foi dado como provado, o que temos provado é que a A. carece de ajuda de 3ª pessoa, acrescentando-se, no entanto, que tal ajuda como resulta do relatório do INML considerado nas decisões proferidas, se mostra necessária para as atividades da vida diária, desconhecendo-se o número de horas diárias necessárias, lembrando que a questão das 8h, sete dias por semana foi dada como não provada pelo Tribunal da Relação. Sendo evidente da prova produzida, que a filha da A vem prestando essa ajuda à mãe sem nada receber, embora esta lhe tenha prometido que a ressarcirá, quando a R. a indemnizar a este respeito, notando-se que a filha ajuda a mãe mas mantém a sua vida profissional, laborando numa fábrica”.
4. A referida quantia de 42.600,00€ foi fixada por recurso à equidade, no entanto, resulta claro que a autora não pagou qualquer quantia à sua filha pela ajuda que esta lhe prestou.
5. Não estando provada a despesa que teria realizado ou que se teria obrigado a realizar, com terceira pessoa, não há lugar à indemnização fixada.
6. Em matéria de obrigação de indemnização o art. 562º, do CC, consagra o princípio geral da reconstituição natural pois quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
7. A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º, do CC) e o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º, do CC).
8. A indemnização devida abrange assim quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, quando aqueles consistam numa diminuição efetiva do património e estes na frustração de um ganho.
9. A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º, nº 1, do CC).
10. Nessa hipótese, a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, nº 2, do CC), ou seja, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito.
11. No caso concreto dos autos, a autora não viu a sua situação patrimonial diminuída, uma vez que nada pagou (nem se obrigou verdadeiramente a pagar, mas apenas a agradecer-lhe a título de liberalidade) à sua filha pelo auxílio que esta lhe prestou.
12. Por outro lado, como a autora não tinha qualquer profissão remunerada, também não deixou de ganhar qualquer quantia.
13. No sentido do que acima se defende, citam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de janeiro de 2021, proferido no processo 3821/18.4T8VCT.G1, e de 16 de setembro de 2021, proferido no processo n.º 3668/19.0T8VCT.G1.
14. Deste modo, impõe-se a revogação da douta sentença, na parte em que condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de 42.600,00€ a título de ajuda de terceira pessoa no período compreendido entre agosto de 2013 e maio de 2025, à razão de 300,00€ mensais.
15. Foram violadas as disposições dos artigos 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.

Termos em que deve a douta sentença ser parcialmente revogada, com o que se fará a melhor JUSTIÇA.
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A Ré contra-alegou pedindo a improcedência do recurso da A..
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. Por douto acórdão da Relação de Guimarães proferido no âmbito do processo nº 5173/15.5T8BRG, a Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S. A, fo condenada a pagar à Autora:

a) a quantia de € 77.918,36, acrescida de juros de taxa legal contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
b) a quantia que vier a ser liquidada referente aos custos de aquisição da cadeira de rodas, das canadianas, do calçado ortopédico e dos tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação já despendido pela Autora, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respetiva liquidação até integral pagamento;
c) A quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender pela Autora com a substituição das canadianas, com o calçado ortopédico, com os tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (duas vezes por ano) e com a medicação analgésica e anti-inflamatória e protetor gástrico, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação da respetiva liquidação até integral pagamento;
d) A quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender com ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respetiva liquidação até integral pagamento;
2. Do referido acórdão, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que manteve o supra citado e decidido, acrescentando ainda a seguinte condenação contra a ora Ré:
“Para sintetizar, o pedido da Autora de condenação da Ré no pagamento de danos por perda de rendimento reportado ao período de incapacidade, é concedido nos seguintes termos:
- Relega-se para liquidação o valor do dano relativo à perda do rendimento resultante das actividades que a Autora poderia ter auferido se não fosse o período de incapacidade absoluta e parcial, até ao limite do valor peticionado - € 20.000,00 – sem prejuízo do Tribunal fixar o valor recorrendo a equidade.”
3. Tal decisão transitou em julgado.
4. A Ré cumpriu com a condenação citada em a) do artigo 1º.
5. Apenas com a presente ação a A. solicitou o pagamento do mais considerado nas decisões supra aludidas à R.
6. Após a ocorrência do acidente de trânsito – 22.1.2013 - que deu origem à presente ação, após a data da entrada em juízo da ação e após a data da realização da audiência de discussão e julgamento, a Autora suportou as seguintes despesas:
- Com calçado ortopédico: € 2.601,14 (dois mil seiscentos e um euros e catorze cêntimos): - ver recibos juntos a fls. 1310v a 1315.
- Com consultas e tratamentos de podologia: € 175,00 (cento e setenta e cinco euros): ver recibos juntos a fls. 1316 a 1319.
- Com canadianas: € 28,52 (vinte e oito euros e cinquenta e dois cêntimos) – ver recibos de fls. 1320 e 1321 v.
7. A Autora frequentou 26 (vinte e seis) consultas de Fisiatria e 455 (quatrocentas e cinquenta e cinco) sessões de Fisioterapia, conforme declarações constantes de fls. 1322v, 1324v e 1325v e 1326.
8. A Autora teve de suportar, a expensas próprias, as deslocações para tais atos médicos.
9. O Centro de Medicina Física e de Reabiltação da Santa Casa da Misericórdia ..., fica a 6 (seis) quilómetros da casa de habitação da Autora, que ali fez 10 consultas e 140 (cento e quarenta) sessões de fisioterapia.
10. A Clínica ..., em ..., fica a 8 (oito) quilómetros da casa de habitação da Autora, que ali fez 16 consultas e 315 (trezentas e quinze) sessões de fisioterapia.
11. A A. vai necessitar até final da sua vida de realizar anualmente consultas da Especialidade de Fisiatria - 2 vezes por ano - conforme resulta da decisão proferida;
12. Frequentar sessões de Fisioterapia em número não apurado;
13. Frequentar consultas de podologia 2 vezes por ano;
14. Adquirir anualmente um par de sapatos ortopédicos e um par de pantufas ortopédicas;
15. Com os seguintes custos unitários:
a) consulta médica da Especialidade de Fisiatria 80,00 € - fls 1327
b) sessões de fisioterapia cada uma no valor de 30,00€ - fls. 1327.
c) consultas de podologia com custo de 25,00€ - ver recibos de fls. 1316:
d) sapatos e pantufas ortopédicas com custo anual de € 501,82 – ver fls. 1315;
16. A A. precisa de trocar a cadeira de rodas, que conta já com 12 anos, o que importa uma despesa no valor de máximo de 273,59€ - ver orçamento de fls. 1328.
17. A. nasceu no ../../1940– ver factos provados no Acórdão que fixou definitivamente a matéria de facto, ponto 41 - contando atualmente com 85 anos.
18. Como decorre do Acórdão que ficou definitivamente a matéria de facto, a Autora, em consequência do acidente de trânsito que está na origem dos presentes autos, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, passou a necessitar do auxílio de 3ª pessoa (para as atividades da vida diária, conforme consta do relatório médico-legal levado em conta).
19. Esse auxilio têm vindo a ser executado pela filha da Autora, CC.
20. Em virtude de a Autora não dispor de meios financeiros para o efeito, ainda não pagou àquela qualquer quantia pelos cuidados prestados.
21. Mas, assumiu, perante a mesma, o compromisso de pagar, logo que obtenha a indemnização devida pela aqui Requerida/Ré Seguradora.
23. Ficou provado nos autos que a Autora sofreu uma afetação de défice funcional temporário total durante 207 dias.
24. E um défice funcional temporário parcial de 250 dias.
25. O que redunda num período total de 457 dias (cerca de 15 meses).
26. Ficou ainda provado – factos 43º, 44º, 46º, 47º e 48º - que a Autora, em tal período, deixou de poder exercer as suas atividades de doméstica e de agricultora, cultivando terrenos próprios.
27. Dessa atividade a A retirava proveitos, para si e para o seu agregado familiar, consubstanciados em hortícolas, frutas e vinho e animais que obtinha para a sua economia doméstica – factos 47 e 48 do acórdão da relação.
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Factos não provados:
- que a A. atingirá a idade de noventa e cinco (95,00) anos;
- que a A. teve um prejuízo mensal de 40,00€ por dia em virtude de não poder cultivar os terrenos como antes realizava no período aludido em 25 dos factos provados;
- que tenha sido dado como provado no Acórdão que fixou definitivamente a matéria de facto que a A. necessita daquela ajuda de 3º pessoa, de forma permanente e para o resto da vida, para as atividades domésticas e da vida diária, para a vestir e despir, para a calçar e descalçar, para lhe fazer a higiene pessoal diária e para a acompanhar, auxiliar e proteger em todas as deslocações na via pública 8 horas por dia, sete vezes por semana.
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Cumpre apreciar e decidir:

Por uma questão de sistematização, analisaremos em primeiro lugar o recurso da Ré, uma vez que, caso proceda este recurso (que sustenta não haver fundamento para a concessão de indemnização à A. pelo auxílio de terceira pessoa), torna-se desnecessário analisar a pretensão da A. de ver aumentada a indemnização.
           
Recurso da Ré:

A Ré entende que não se deve fixar qualquer quantia a título de indemnização à A. a título de ajuda de terceira pessoa, uma vez que se provou que a A. se encontra a ser ajudada pela sua filha e que não pagou a esta qualquer quantia por esse auxílio e, por outro lado, devido à sua avançada idade sempre precisaria de ajuda e cuidados. Pede, pois, a revogação da sentença na parte em que em que condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de 42.600,00€ a título de ajuda de terceira pessoa no período compreendido entre agosto de 2013 e maio de 2025, à razão de 300,00€ mensais.

Vejamos:

Na sentença que serve de base à presente liquidação, determinou-se remeter para liquidação de sentença, nomeadamente, o valor dos danos relativos à ajuda de terceira pessoa, ou seja, entendeu-se que nesta parte existia um dano que, no entanto, não se conseguia na altura apurar com base nos elementos disponíveis.

Assim, o Tribunal reconheceu o direito à indemnização, mas, não dispondo dos elementos necessários à sua quantificação, determinou que o seu apuramento fosse efetuado em liquidação de sentença.

No caso de uma liquidação de sentença, o(a) Autor(a) faz da sentença liquidanda o fundamento da segunda ação. Assim, a sentença liquidanda impõe a sua autoridade na ação/incidente de liquidação, impedindo que a primeira decisão seja contraditada pela segunda.

Em anotação ao artigo 360º do C. P. Civil, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 416) dizem que “A sentença proferida no incidente de liquidação pós-sentença não pode alterar o que ficou decidido na sentença de condenação (STJ 30-09-10, 1554/04). Nesta medida, o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação. Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo”.

Conforme decorre do disposto no art. 360º n.º 4 do C. P. Civil, o incidente de liquidação nunca pode ser julgado improcedente por falta de prova, sendo que em último caso, o julgador deverá fazer uso de critérios de equidade.

Na verdade, conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2009 (in www.dgsi.pt ) no incidente de liquidação, para lá de não haver qualquer ónus da prova por parte do exequente, a improcedência da liquidação, com o fundamento de que o exequente não fez prova, equivaleria, a um “non liquet” e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva [exequenda], que reconheceu ao credor um crédito que, afinal, contraditoriamente, lhe seria negado.
               
Sobre o mesmo assunto, pode ler-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/21 (in www.dgsi.pt )o seguinte:
“I. (…)
II. A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o.
III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo.
IV. Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo.”

A este propósito refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2019 (in www.dgsi.pt ) que, “Dos artigos 360º, n.º4, do CPP e 566º, n.º3, do CC, resulta claro que, no incidente de liquidação de danos, o Tribunal tem de determinar sempre o valor dos danos relegados para liquidação, ainda que com recurso à prova pericial ou á equidade, sob pena de violação do caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação.”

Assim, cabe neste incidente de liquidação obter a concretização do objeto da condenação efetuado na ação liquidanda, com respeito pelo caso julgado por aquela estabelecido e assim, fixar um valor a título de indemnização pela “ajuda de terceira pessoa”, se necessário recorrendo à equidade.

Improcede, pois, a apelação da Ré.
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Recurso da A.:

Em primeiro lugar, a A. pretende a alteração da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, de forma a concretizar a situação que determina a ajuda de terceira pessoa à A., fazendo constar dessa matéria de facto a matéria alegada nos pontos 29º, 30º e 31º do requerimento inicial.

Esses artigos do requerimento inicial têm o seguinte teor:

29. De acordo com os factos provados, após a realização da audiência de discussão e julgamento, em primeira instância, a Autora, em consequência do acidente de trânsito que está na origem dos presentes autos, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, passou a necessitar, ao longo de toda a sua vida, do auxílio de outra pessoa para a execução de qualquer tarefa – todas e quaisquer tarefas - que implique(m) a sua locomoção e efectuar qualquer esforço, nomeadamente para:

1 – caminhar;
2 – efecutar a sua higiene pessoal;
3 – alimentar-se;
3 – subir e descer escadas;
4 – vestir-se, despir-se, calçar-se e descalçar-se;
5 – efectuar qualquer tarefa doméstica;
6 – levantar-se (passar da situação de decúbito a sentada/de pé);
7 – entrar e sair de automóvel;
8 – entrar e sair de transportes públicos:
Além de muitos outros actos da vida quotidiana cuja impossibilidade resulta da factualidade provada.
30. “A Autora necessita daquela ajuda, de forma permanente e para o resto da vida, para as actividades domésticas e da vida diária, para a vestir e despir, para a calçar e descalçar, para lhe dar banho e para lhe fazer a higiene pessoal diária e para a acompanhar, auxiliar e proteger em todas as deslocações na via pública, 8 horas por dia e 7 dias por semana.” – facto provado nº 31.
31. Para a execução das tarefas descritas no precedente artigo, a Autora passou a necessitar da presença e da ajuda diária, permanente, ininterrupta e insubstituível de uma terceira pessoa/ajuda humana, em permanência, ao longo de toda a sua vida.”
No artigo 18º dos factos provados, relativamente à matéria em análise, consignou-se o seguinte:
18. Como decorre do Acórdão que ficou definitivamente a matéria de facto, a Autora, em consequência do acidente de trânsito que está na origem dos presentes autos, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, passou a necessitar do auxílio de 3ª pessoa (para as atividades da vida diária, conforme consta do relatório médico-legal levado em conta).”      
Analisemos, então, se da prova produzida resultaram os factos que a A. pretende ver adiados aos factos provados.       
A filha da A. (testemunha CC), que dela cuida, disse que a mãe necessita de ajuda para tudo (vestir-se, tomar banho, fazer a comida, levantar-se, etc.) menos para comer. Disse ainda que a mãe consegue caminhar por pouco tempo com a ajuda de canadianas e com as muletas vai à casa de banho, mas é preciso ajudá-la a levantar-se. Referiu ainda que é ela (testemunha) quem cuida da mãe, de manhã antes de ir para o trabalho, à noite quando regressa a casa e nas pausas do trabalho (tem duas por dia, uma de manhã e outra à tarde de 15 minutos cada). Acrescentou que trabalha e reside muito perto da casa da mãe. Quando a testemunha não está é o seu pai que ajuda a A. a levantar-se e chama a testemunha se houver alguma emergência.
A filha desta testemunha, neta da A., prestou depoimento essencialmente no mesmo sentida da mãe, dizendo ainda que aos fins-de-semana, toma várias vezes conta da avó, para aliviar a mãe.
A testemunha DD, casado com a neta da A., também referiu que é a filha da A. que lhe faz a lide da casa, cozinha as refeições e dá apoio nas tarefas diárias, no entanto, esta testemunha referiu que é possível que a A. se consiga vestir e que consiga fazer “uma coisa ou outra”, mas para se levantar precisa de ajuda. Disse ainda que é possível que a A. fique sozinha nas alturas em que a filha não está presente, caso o marido da A. necessite de sair.
A testemunha GG, sobrinha-neta da A., diz que esta se desloca com a ajuda de muletas em distâncias curtas, mas em distâncias longas tem de utilizar a cadeira de rodas. Durante o dia fica sentada numa cadeira e é o marido que fica com ela. A filha é que a ajuda: faz-lhe a higiene, confeciona as refeições e vai regularmente a casa desta ver como ela está. Disse ainda que acha que a A. não tem ficado sozinha, pois no seu entender é impossível isso acontecer.
A testemunha FF, sobrinha da A. e que mora ao lado desta, disse que a A. não consegue fazer a lide da casa e não se consegue equilibrar. A filha da A. é que a veste, confeciona-lhe as refeições e faz a lide da casa. Vai a casa da mãe de manhã, a meio da manhã, ao almoço, a meio da tarde e à noite. Disse ainda que o tio (marido da A.) está lá em casa, mas não consegue ajudar pois é “velhinho”.

Destes depoimentos resulta que, efetivamente a A. não consegue, sozinha, efetuar a sua higiene pessoal, vestir-se, despir-se, calçar-se ou descalçar-se, efetuar tarefas domésticas, como cozinhar ou limpar a casa e levantar-se, podendo, no entanto, comer sozinha ou caminhar pequenas distâncias com a ajuda de canadianas. Quanto a subir e descer escadas, entrar e sair de automóvel, entrar e sair de transportes públicos, nada se provou nesse sentido, embora se admita que a A. não consegue realizar sozinha as tarefas de subir e descer escadas e entrar e sair de transportes públicos, dadas as limitações decorrentes das lesões que sofreu no acidente aliadas à sua idade avançada.
Por outro lado, entendendo-se que a expressão “atividades da vida diária” é vaga e genérica, deve ser concretizada de forma a melhor aferir de que modo é necessária a ajuda de terceira pessoa à A..
Acrescenta-se, pois, à matéria de facto um ponto 18º - A, com a seguinte redação:
A A. não consegue, sozinha, efetuar a sua higiene pessoal, vestir-se, despir-se, calçar-se ou descalçar-se, efetuar tarefas domésticas, como cozinhar ou limpar a casa, levantar-se, subir ou descer escadas e entrar e sair de transportes públicos, podendo, no entanto, comer sozinha ou caminhar pequenas distâncias com a ajuda de canadianas.

No que respeita à alegação da A. de que necessita de ajuda “8 horas por dia e 7 dias por semana.” Ou que “a Autora passou a necessitar da presença e da ajuda diária, permanente, ininterrupta e insubstituível de uma terceira pessoa/ajuda humana, em permanência, ao longo de toda a sua vida.”, entendemos que a prova produzida não nos permite emitir tal juízo.

Com efeito, não houve prova segura de que a A. tenha de ter companhia a tempo inteiro. Na verdade, o marido da neta da A., disse que provavelmente a mesma fica sozinha algumas horas se o marido for à rua e a testemunha FF disse que o tio (marido da A.) não consegue ajudá-la porque é “velhinho”. Acresce que, sendo as limitações da A. “apenas” de locomoção, certamente poderá ficar em casa sozinha por algumas horas, com o telemóvel por perto para chamar alguém caso necessite de ajuda.
Deste modo, não pode considerar-se provada a matéria do artigo 31º da petição inicial, assim como da parte final do artigo 30º.
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Não obstante a alteração efetuada na matéria de facto, com o aditamento do ponto 18º - A, não se alteraram os fundamentos fáticos que estiveram na base da fixação da indemnização na decisão recorrida já que o ponto 18º - A é apenas a concretização da matéria que já constava do ponto 18º dos factos provados, pelo que deve manter-se a solução dada à causa pelo Tribunal recorrido.

Com efeito, o aumento do valor da indemnização a título de ajuda de terceira pessoa tinha, essencialmente, como pressuposto o solicitado aditamento aos factos provados dos factos que constam da parte final do art. 30º e ainda do art. 31º da petição inicial, o que não ocorreu. Por outro lado, a indemnização fixada a esse título pela primeira instância, encontra-se equilibrada e adequada, já que, como se refere nesta decisão “o que temos demonstrado é que a A. carece de ajuda de terceira pessoa, desconhecendo-se a exacta dimensão dessa ajuda, falamos aqui de número de horas, nada temos provado a esse respeito, sabemos que é a filha da A. que ao longo destes já 12 anos desde o acidente ( data de janeiro de 2013) que vem cuidando e ajudando a mãe nos atos da vida diária, no entanto, não deixamos de considerar que a filha da A. continua a trabalhar, mantem a sua vida profissional, acabando por ajudar a mãe antes de ir para o trabalho, com a higiene, alimentação, ali vai nas pausas e no final do trabalho, realiza-lhe as atividades domésticas, notando que, como disse, acaba por tomar as refeições que confecciona ali com os pais.”.
Entende-se, pois, ser de manter a decisão proferida pelo Tribunal recorrido.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente as apelações, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas de cada uma das apelações pela respetiva Recorrente.
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Guimarães, 27 de novembro de 2025
                      
Alexandra Rolim Mendes
Ana Cristina Duarte
Raquel Baptista Tavares