Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1/19.5T8MNC.G2
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: MÁ FÉ
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - Para haver condenação por litigância de má fé não basta a constatação de um dos comportamentos indiciadores dessa litigância acolhidos nas alíneas do nº. 2 do artº. 542º do NCPC (elementos objectivos da má fé); é indispensável ainda que a parte tenha actuado com dolo ou negligência grave (elemento subjectivo).
II) - Poderá – e deverá – ser condenado como litigante de má fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjectivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjectivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser litigante de má fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem actua em juízo.
III) - De acordo com a interpretação prevalecente que se vem fazendo do artº. 592º, nº. 2 do NCPC, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma clara e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes.
IV) - Ocorre má fé processual quando o autor e o réu estiverem em posições processuais incompatíveis, mas silenciosamente do mesmo lado e defendendo a mesma posição processual e até utilizando mandatários judiciais do mesmo escritório de Advogados, por forma a melhor ocultarem um acordo ou conluio processual, bem como ao alegarem nos seus articulados factos pessoais e outros factos relevantes que sabiam não corresponder à verdade e que foram desmentidos pelos próprios em juízo, com a intenção de influenciar a decisão de mérito a proferir pelo juiz em favor de ambos, no sentido de obterem a procedência de uma acção apensa em detrimento da acção principal.
V) - O uso anormal do processo previsto no artº. 612º do NCPC envolve sempre uma má fé processual bilateral, consubstanciada numa situação em que os sujeitos processuais, em conluio, actuam de modo malicioso e concertado, servindo-se do processo com vista a ludibriar o juiz e a submeter à sua apreciação um litígio meramente ficcionado, com vista à prática de acto simulado ou à obtenção de resultado contrário à lei.
VI) - A simulação processual ocorre quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si, pelo que o conluio das partes traduz-se, em regra, na alegação do autor, não contraditada (não impugnando o réu os factos alegados pelo autor por forma a ficarem os mesmos assentes) ou apenas ficticiamente contraditada pelo réu, duma versão fáctica não correspondente à realidade, para obter, uma decisão judicial em prejuízo de terceiro.
VII) - Verifica-se uma situação que se consubstancia em simulação processual, quando o autor interpõe uma acção combinado com o réu, com o objectivo de frustrar o êxito de uma acção de preferência intentada por outro autor, alterando conscientemente a verdade dos factos no processo, estando ambos a fazer um uso reprovável e anormal dos meios processuais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA, casado com BB, intentou a presente acção de preferência sob a forma de processo comum, contra:

1. CC e mulher DD
2. EE
pedindo que seja:
a) Declarado que o Autor é o dono e legítimo proprietário do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) Declarado que o Autor é titular do direito de preferência na venda alegada no artigo 18º da petição inicial, tendo direito a haver para si o prédio rústico identificado no artigo 11º do mesmo articulado, que foi vendido pelos primeiros Réus à segunda Ré pelo preço de € 2.500,00, e em tudo se substituindo a esta última;
c) Ordenado o cancelamento do registo do prédio supra descrito a favor da segunda Ré;
d) Condenada a segunda Ré a entregar ao Autor o prédio rústico identificado no artigo 11º da petição inicial, livre de ónus ou encargos.
Para tanto alega, em síntese, que é dono e legítimo possuidor do prédio rústico denominado “...”, melhor identificado no artº. 1º da petição inicial, o qual adveio à posse do A. por sucessão, no processo de inventário nº. 354/09.... do Tribunal Judicial ..., instaurado para a partilha da Herança aberta por óbito do seu pai, FF.
Além da aquisição derivada, alega, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte do A., do direito de propriedade sobre o aludido prédio rústico.
Os prédios rústicos identificados nos artºs 1º e 11º da petição inicial são confinantes entre si pelos seus lados poente e nascente e têm, respectivamente, as áreas de 1070 m2 e 1650 m2, pelo que quer de per si, quer no seu conjunto, têm áreas muito inferiores à unidade de cultura fixada para esta região, que é de 4 ha para o terreno de sequeiro e de 2,5 ha para o terreno de regadio, conforme anexo II da Portaria nº. 219/2016 de 9/8, estando ambos na categoria de terrenos agrícolas de regadio.
Por escritura outorgada em 6/03/2018, os RR. DD e CC venderam à Ré EE o prédio rústico denominado “...”, melhor identificado no artº. 11º da petição inicial, pelo preço de € 2.500,00.
Refere, ainda, que os RR. vendedores não deram conhecimento ao Autor desta venda e dos respectivos elementos essenciais, concretamente o preço, identificação do adquirente, data da escritura e condições de pagamento, apesar de saberem que o Autor era o dono e legítimo possuidor do prédio rústico identificado no artº. 1º da petição inicial na data da outorga da referida escritura de compra e venda, pois também foram herdeiros e interessados no processo de inventário onde este imóvel foi adjudicado ao Autor.
O Autor só teve conhecimento da venda do prédio rústico em causa à Ré EE e das demais condições do negócio em 5/12/2018 quando, após algumas buscas, obteve a certidão da escritura de compra e venda, tendo sido alertado para tal venda em finais de Novembro de 2018 e apenas porque a Ré EE, intitulando-se dona e legítima possuidora deste prédio, o ofereceu para venda a várias pessoas que moram e têm terrenos no lugar ....
A Ré EE não é proprietária de qualquer prédio confinante com o prédio rústico que adquiriu, gozando o A. do direito de preferência em relação àquela venda e a haver para si o prédio vendido, mediante depósito do preço declarado na escritura de compra e venda.
Em 15/01/2019 o Autor juntou aos autos documento comprovativo do depósito do preço da venda do imóvel objecto da preferência (cfr. fls. 19 a 21 do processo principal).

Os 1ºs RR. não contestaram a acção, mas constituíram mandatário nos autos, juntando a respectiva procuração forense (cfr. fls. 22 e 23 do processo principal).
A 2ª Ré contestou, arguindo a excepção da ilegitimidade do Autor por este não ser o único proprietário do prédio descrito no artº. 1º da petição inicial.
Impugnou a matéria alegada na petição inicial, alegando que no início de Fevereiro de 2018, os 1ºs RR. contactaram o A. AA para saber se este estava ou não interessado na compra do imóvel descrito no artº. 11º da petição inicial, comunicando-lhe os termos do negócio, tendo este afirmado aos 1ºs Réus que não estaria disposto a adquirir o referido imóvel.
Referiu, ainda, que a partir de Fevereiro de 2018 tomou conta do prédio em causa, tendo procedido ao corte de árvores e mato que no mesmo crescia, à vista de toda a gente, nomeadamente do Autor, o qual também teve conhecimento de que a escritura de compra e venda se realizou em 6/03/2018.
Invocou a caducidade do direito do Autor exercer qualquer direito de preferência sobre o imóvel, atendendo à data em que aquele teve conhecimento do contrato de compra e venda e à data em que deu entrada da acção em Tribunal (3/01/2019), bem como à data em que os RR. foram citados para a presente acção (6/02/2019).
Conclui, pugnando pela procedência da excepção invocada e improcedência da acção.

O Autor apresentou resposta à excepção de ilegitimidade invocada pela 2ª Ré, alegando que o imóvel identificado no artº. 1º da petição inicial é um bem próprio seu, porquanto está casado no regime da comunhão de adquiridos com BB e tal imóvel adveio ao Autor por sucessão.     
Termina, pugnando pelo indeferimento da excepção de ilegitimidade activa.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada não verificada a excepção de ilegitimidade activa invocada pela 2ª Ré, fixou-se o valor da causa e procedeu-se ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Após o exercício do contraditório e sem oposição das partes, por despacho proferido em 28/10/2019 foi determinada a apensação aos presentes autos da acção de processo comum nº. 273/19.... (que constitui o Apenso A), a qual tem como objecto o direito de preferência sobre o mesmo prédio, denominado “...”, por outro alegado proprietário confinante.

No Apenso A (processo nº. 273/19....), GG e mulher HH vieram instaurar, em 26/06/2019, acção de preferência sob a forma de processo comum, contra:

1. EE
2. CC e mulher DD
pedindo que seja:
a) Declarado que os Autores são os donos e legítimos proprietários do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) Declarado que os Autores são titulares do direito de preferência na venda alegada no artigo 9º da petição inicial, tendo direito a haverem para si o prédio rústico identificado no artigo 4º do mesmo articulado, que foi vendido pelos segundos Réus à primeira Ré pelo preço de € 2.500,00, e em tudo se substituindo a esta última;
c) Ordenado o cancelamento do registo do prédio supra descrito a favor da primeira Ré;
d) Condenada a primeira Ré a entregar aos Autores o prédio rústico identificado no artigo 4º da petição inicial, livre de ónus ou encargos.
Para o efeito alegam, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “...”, melhor identificado no artº. 1º da petição inicial, invocando factos inerentes à sua aquisição originária, por usucapião, o qual confronta igualmente com o prédio rústico “...” identificado no artº. 4º da petição inicial, sendo prédios confinantes entre si.
Os prédios descritos nos artºs 1º e 4º da petição inicial têm, respectivamente, as áreas de 2200 m2 e 1650 m2 e tratam-se de terrenos agrícolas de regadio.
Por escritura outorgada em 6/03/2018, os RR. DD e CC venderam à Ré EE o prédio rústico identificado no artº. 4º da petição inicial, pelo preço de € 2.500,00.
Referem, ainda, que os RR. vendedores não deram conhecimento aos Autores desta venda e dos respectivos elementos essenciais, concretamente o preço, identificação do adquirente, data da escritura e condições de pagamento, apesar de saberem que os Autores eram os donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artº. 1º da petição inicial na data da outorga da referida escritura de compra e venda.
Os Autores só tiveram conhecimento da venda efectuada pelos 2ºs RR. à 1ª Ré do prédio rústico “...”, no início de 2019, mais concretamente em 15/02/2019, porquanto nessa data se aperceberam que AA tinha instaurado acção de preferência contra os 2ºs RR. CC e mulher DD, tendo em vista exercer o seu direito, em conversa tida com estes últimos.
A venda do prédio rústico objecto desta preferência foi realizada entre os RR. vendedores e a Ré adquirente em absoluto segredo, sem que os Autores e a população do lugar da situação do imóvel tivessem qualquer conhecimento desta alienação e dos respectivos elementos essenciais.
Em 9/07/2019 os Autores juntaram aos autos documento comprovativo do depósito do preço da venda do imóvel objecto da preferência (cfr. 17 a 19 do Apenso A).

Os Réus não contestaram esta acção, tendo os 2ºs RR. constituído mandatário nos autos, juntando a respectiva procuração forense (cfr. fls. 20 e 21 do Apenso A).

Nos autos principais, o A. AA veio alegar factos objectivos que, no seu entender, permitem concluir que a Ré EE é a patrocinadora da acção nº. 273/19.... e os AA. II e mulher funcionam como “testas de ferro” daquela, estando estes Autores mancomunados com a Ré EE, pretendendo com aquela acção frustrar as pretensões do A. AA.

Na audiência de julgamento de 4/12/2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Solicite informação sobre o estado do processo n.º 15338/19...., que corre seus termos pelo Juiz ..., do Juízo Local Cível ..., da Comarca ..., em que são beneficiários os aqui réus JJ e DD.
Concede-se o prazo de 10 dias para as partes se pronunciarem sobre o eventual conflito de interesses dos ilustres mandatários da ré EE (autos principais) e dos autores GG e HH (apenso A).
Uma vez que existem dúvidas sobre as capacidades judiciárias dos réus JJ e DD, atenta a Acção de Maior Acompanhado proposta, determino se suspenda a presente instância até se apurarem mais dados sobre o referido processo.
Em face do exposto, dou sem efeito a presente audiência de julgamento sine die.»

Na sequência da questão suscitada sobre o conflito de interesses, a mandatária da Ré EE, em 9/12/2019, juntou aos autos principais um substabelecimento sem reservas a favor do mandatário indicado (cfr. fls. 61 a 63).
Por despacho proferido em 13/01/2020, o Tribunal “a quo” considerou sanada a questão do conflito de interesses, em face da junção do substabelecimento outorgado pela mandatária da Ré EE.

Em 3/09/2020 o Tribunal “a quo” determinou que os presentes autos continuassem suspensos até ser proferida decisão no processo n.º 15338/19.... – acompanhamento de maior dos RR. CC e DD.
Por despacho proferido em 7/01/2021, e na sequência da sentença proferida no processo de acompanhamento de maior, que aplicou aos RR. CC e mulher KK medidas de acompanhamento com efeitos a partir de 15/07/2019 (cuja cópia se encontra junta a fls. 104 a 111 dos autos principais), o Tribunal “a quo” nomeou o acompanhante LL para representar os supra referidos RR., tendo estes sido novamente citados, na pessoa do seu representante legal, no âmbito das duas acções apensas.

Após citação, os RR. CC e mulher KK não contestaram qualquer das acções, tendo o seu representante legal e acompanhante constituído mandatário nos autos, juntando a respectiva procuração forense (cfr. fls. 118 e 119).
Por despacho de 10/05/2021, foi determinada a citação do Ministério Público nos termos do disposto no artº. 21º, nº. 1 do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC).
O Ministério Público apresentou contestação, na qual arguiu a ilegitimidade da sua intervenção, na medida em que o representante legal dos RR. acompanhados constituiu mandatário nos autos, através da junção da respectiva procuração em 15/01/2021, concluindo que deve ser declarada cessada a sua intervenção.
Em 8/07/2021 o Tribunal “a quo” declarou cessada a intervenção do Ministério Público nestes autos.

Em 19/09/2021 foi designada data para a realização de julgamento das duas acções apensas, tendo as partes sido advertidas, para efeitos de contraditório em sede de alegações finais, que o Tribunal iria apreciar a conduta processual de todas as partes à luz do instituto da litigância de má-fé, nos termos do artº. 542º do NCPC.
No despacho proferido em 19/11/2021 no Apenso A, o Tribunal de 1ª instância deixou expresso que decorre da tramitação dos autos apensos e dos autos principais que, nos termos do artº. 568º, al. b) do NCPC, considerou não operante a revelia naquele Apenso (no sentido da confissão ficta dos factos alegados pelos Autores) dos RR. CC e KK (atenta a sua incapacidade documentada nos autos), ordenando-se a realização de julgamento conjunto das duas acções apensas.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
A - Nestes termos, em face do exposto, julga-se a ação principal (1/19....) totalmente procedente, por provada e, em consequência, declara o Tribunal:

1. O Autor AA é o dono e legítimo proprietário do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial, como “...”;
2. O Autor AA é titular do direito de preferência, na venda alegada no artigo 18º da petição inicial, tendo direito a haver para si o prédio melhor identificado no artigo 11º da petição inicial, denominado “...”, que foi vendido pelos RR. CC à segunda Ré EE pelo preço de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) e em tudo se substituindo a esta última;

E, nessa sequência, decide-se:
3. Ordenar o cancelamento do registo do prédio supra descrito, denominado “...” a favor da Ré EE;
4. Condenar-se a segunda Ré EE entregar ao Autor AA o prédio melhor identificado no artigo 11º da petição inicial, denominado de “...”, livre de ónus ou encargos, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado.
B - Em face do exposto, julgo totalmente improcedente, por verificação de uso anormal do processo, nos termos do art. 612.º do Código de Processo Civil, a ação apensa (1/19....) e, como tal, absolvo os RR. de todos os pedidos aí formulados pelos AA. II e mulher.
C - Condeno o A. II (Apenso A) e a R. EE (acção principal e apenso A) como litigantes de má-fé, em multa processual de 4UC, cada um, nos termos do art. 542.º do Código de Processo Civil.
D - Custas pela R. contestante (EE) na ação principal, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, atento o seu total decaimento.
E - Custas pelos AA. II e mulher na ação apensa, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, atento o seu total decaimento.

Inconformados com tal decisão, os AA. II e mulher HH dela interpuseram recurso de apelação, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1ª. Vem o presente recurso da sentença proferida nos presentes autos que “condenou o A. II (Apenso A), e a R. EE (ação principal e apenso A) como litigantes de má-fé, em multa processual de 4UC, cada um, nos termos do art. 453.º do Código de Processo Civil. Custas pela R. contestante (EE) na ação principal, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, atento o seu total decaimento. Custas pelos AA. II e mulher na ação apensa, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, atento o seu total decaimento. Valor da ação: o já oportunamente fixado.”
2ª. Entendem os Recorrentes que a sentença proferida pelo Mm. Juiz “A Quo” violou entre outros o disposto no artigo 612º, 542º do C.P.C., 1380º, 416º, 418º, 410º e 615º do Código de Processo Civil, pelo que a mesma é nula, devendo ser substituída por outra que não condene o Recorrente como litigante de má-fé, nem tão pouco que fizeram um uso indevido do processo. E em consequência ser a acção instaurada julgada provada e procedente.
3ª. Com interesse para a decisão da causa e nos autos recorridos foram dados como provados:
Petição inicial dos AA. II e mulher [Apenso A]
32. Os Autores II e mulher são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, sito no Lugar ..., da União das freguesias ..., ... e ..., do concelho ...: PRÉDIO RÚSTICO, denominado “...”, composto de cultura e vinha em ramada, com a áreade 2.200 m2, a confrontar atualmente do norte com II, do sul com Caminho Público, do nascente com a 1ª Ré EE e do poente com Estrada ..., inscrito na matriz sob o atual artigo rústico ...48º e na anterior matriz sob o artigo ...51º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...13, da freguesia ... ,
33. Os Autores desde há 10, 20 e mais anos, por si e por ante possuidores legítimos, estão na posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé do prédio “...”;
34. No exercício dessa posse, têm sido eles quem, em exclusivo, o têm ocupado, cuidando da sua conservação e limpeza, procedendo nele a benfeitoras e melhoramentos, e gozando todas as utilidades suscetíveis de proporcionar, praticando todos estes atos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, ininterruptamente e com o ânimo de exercerem um direito próprio, correspondente ao direito de propriedade, e de não ofenderem o de outrem.
35. A 1ª Ré EE é atualmente dona e possuidora do seguinte imóvel, sito no Lugar ..., da União das freguesias ..., ... e ..., do concelho ...: PRÉDIO RÚSTICO, denominado “...”, composto de terreno de cultura e vinha, com a área de 1.650 m2, a confrontar atualmente do norte com II, do sul com Caminho Público, do nascente com o A. AA, e do poente com o prédio dos AA. II”, inscrito na matriz sob o actual artigo rústico ...51º e na anterior matriz sob o artigo ...52º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...24, da freguesia ...;
36. Os prédios “...” e “...” são confinantes;
37. Os prédios “...” e “...” têm as áreas, respetivamente, de 2.200 m2 e 1.650 m2;
38. Os prédios descritos “...” e “...” são terrenos agrícolas de regadio;
39. Sendo que os seus respectivos proprietários e antecessores sempre os cultivaram e granjearam, cultivando os produtos da agricultura e colhendo os respetivos frutos.
40. Por escritura de compra e venda, outorgada a 06 de Março de 2018, e exarada a folhas 14 a 16 verso, do Livro ...91..., do Cartório Notarial ..., os Réus CC e DD, venderam à Ré EE, entre outros, o prédio rústico “...”, pelo preço de 2.500,00 €
41. Os Réus/vendedores CC não deram conhecimento aos Autores II e mulher desta venda, nem antes, nem depois da outorga da identificada escritura de compra e venda, bem como dos respetivos elementos essenciais desta alienação, concretamente, preço, identificação do adquirente, data da escritura, condições de pagamento.
42. Tais Réus/vendedores sabiam que os Autores eram os donos e legítimos possuidores do prédio rústico “...”, na data da outorga da escritura de compra e venda referida.
43. O A. II e a mulher tiveram conhecimento da alineação da “...” e respetivas condições do negócio mediante conversa com a Ré EE, ocorrida em data não concretamente apurada, mas entre finais de março de 2018 e o final do mês de outubro de 2018.
4ª. Resulta inequivocamente dos factos dados como provados que aos Recorrentes assistia, como assiste, o direito de preferência previsto no art. 1380º do Código Civil e, como tal, tinham como têm o direito de ver em Tribunal que lhes fosse declarado tal direito.
5ª. Da matéria dada como provada não resulta qualquer acto pelo qual os Recorrentes, ao reclamarem o seu direito:
e) Tenham deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar;
f) Tenham alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
g) Tenham praticado omissão grave do dever de cooperação;
h) Tenham feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguirem um objetivo ilegal, impediram a descoberta da verdade, entorpeceram a ação da justiça ou protelaram, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
6ª. Resulta inequivocamente, segundo os Recorrentes, de que não existe nos autos, da matéria dada como provada, que os Autores não agiram no processo com má-fé.
7ª. Igualmente deve a sentença ser revogada na parte em que, ao abrigo do artigo 612º, e em sequência da condenação de má-fé, julgou a acção improcedente. Na realidade, da matéria dada como provada nada resulta que, “quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes” – art. 612 do C.P.C.
8ª. Não se entende muito bem a fundamentação do Tribunal “A Quo”, para ter julgado ter existido. De facto, é o próprio Mmo. Juiz “A Quo” que sublinha o facto de o direito dos AA. II e mulher já teria caducado. O certo é que nenhuma das partes alegou a caducidade e, como tal, não podia, nem pode, o Tribunal declarar a caducidade.
9ª. Por tal razão, a caducidade e as circunstâncias que a rodeiam não podem ser fundamento para o Tribunal condenar em litigância de má-fé, nem tão pouco que os Recorrentes fizeram um uso reprovável do processo.
10ª. O prédio pertencente aos Recorrentes está totalmente cultivado com vinho ..., é contíguo ao prédio objecto de preferência, prédio que está a monte, e o outro interessado na preferência tem igualmente o prédio a monte.
11ª. A EE não é proprietária de qualquer prédio com o direito obrigatório de preferência, pelo que não se compreende como é que o Recorrente II, pretendendo exercer o direito de preferência o transtorno à outra Autora, EE.
12ª. Não existe nos autos qualquer prova ou elemento no sentido de que o Recorrente II efectuou um uso indevido do processo, e que agiu com má-fé.
13ª. Termos em que deve igualmente ser alterada a sentença que condenou o Recorrente nos termos do art. 612º do C.P.C. e, consequentemente, deve a acção ser julgada procedente, reconhecendo o direito invocado pelo Recorrente.
14ª. Entende ainda a Recorrente HH que, em relação a si, existe uma nítida omissão de pronúncia que motiva igualmente a nulidade da sentença.
15ª. Mas mesmo que assim se não entendesse, o que é certo que nenhuma conduta pode ser imputada à Recorrente.
16ª. O Tribunal “A Quo” a tal respeito não se pronunciou, apenas concluindo que a acção devia ser julgada improcedente, existindo clara omissão de pronúncia que este Tribunal de recurso pode alterar, julgando a acção procedente.
Terminam entendendo que a sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 612º, 542º do C.P.C., 1380º, 416º, 418º, 410º e 615º do Código de Processo Civil, devendo ser revogada no sentido do recorrente II não ser condenado como litigante de má-fé, nem que tão pouco fizeram um uso indevido do processo e, em sequência, atendendo a que está dada como provada a matéria necessária para ser decretado o direito de preferência, e que este Tribunal revogue a decisão, julgando a acção procedente.

O Autor AA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido parcialmente por despacho de fls. 184 a 186, na parte em que incide sobre a condenação do A. II como litigante de má fé. Na parte em que os AA./recorrentes se insurgem contra a decisão de julgar “totalmente improcedente, por verificação de uso anormal do processo, nos termos do artigo 612º do Código do Processo Civil a acção apensa (1/19....)”, foi o mesmo admitido por decisão singular proferida por este Tribunal da Relação em 14/02/2023, no âmbito da reclamação apresentada pelos recorrentes nos termos do disposto no artº. 643º do NCPC.

No despacho que admitiu parcialmente o recurso, o Mº Juiz “a quo” pronunciou-se sobre a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do artº. 615º, n.º 1, al. d) do NCPC, suscitada pelos recorrentes, referindo o seguinte [transcrição]:

- Da nulidade da sentença invocada nas alegações da Recorrente – art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
Na apelação em apreço, a Recorrente HH entende que, em relação a si, “existe uma nítida omissão de pronúncia que motiva igualmente a nulidade da sentença”, pois “é certo que nenhuma conduta pode ser imputada à Recorrente.”
Segundo a recorrente, «o Tribunal “A Quo” a tal respeito não se pronunciou, apenas concluindo que a ação devia ser julgada improcedente, existindo clara omissão de pronúncia que este Tribunal de recurso pode alterar, julgando a ação procedente
Quanto à nulidade arguida, cumpre notar que o recurso foi rejeitado no trecho em que a decisão foi desfavorável a recorrente e arguente da nulidade.
Contudo, mesmo não admitindo tal trecho da decisão recurso ordinário, o Tribunal irá pronunciar-se sobre a nulidade invocada nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (e, desde já, acautelando-se douto entendimento diverso sobre o despacho de rejeição do recurso, igualmente nos termos e para os efeitos do art. 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
A recorrente HH alega que a sentença é nula por violação do disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do NCPC, referindo que o Tribunal não se pronunciou sobre uma questão que deveria ter conhecido.
Cumpre apreciar e decidir.

Consta da fundamentação de direito da sentença:
«Finalmente, nos termos do art. 612.º do Código de Processo Civil, “(…) a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes”. No caso dos autos, deve pois, o Tribunal, com base no referido normativo afastar o concurso de preferências nos termos do art. 1380.º, n.º 2, al. b) do Código Civil, considerando-se validamente exercida a ação de preferência deduzida pelo A. AA e ilegítima, porque abusiva (art. 334.º do Código Civil) e decorrente de uso anormal do processo (art. 612.º do Código de Processo Civil), a pretensão dos AA. II e mulher.
E, nesta senda, deverão improceder todos os pedidos formulados pelos AA. II e mulher, no apenso A.»
Resulta inequívoco que a sentença se pronunciou expressamente sobre todos os pedidos formulados pela recorrente HH.
E, para além disso, também fundamentou claramente tal decisão de improcedência com base no instituto do uso anormal do processo – art. 612.º do Código de Processo Civil.
Considerou o Tribunal que a pretensão da Recorrente era ilegítima, porque abusiva, e decidiu afastar o concurso de preferências nos termos do art. 1380.º, n.º 2, al. b) do Código Civil que decorria da consideração da sua pretensão, como procedente.
O caráter abusivo e, logo ilegítimo da ação, bem como o uso anormal do processo por parte da recorrente e do seu marido foi longamente fundamentado na sentença, dando-se aqui por reproduzido tudo o que então se plasmou.
Em particular, destacam-se as inúmeras contradições entre o que foi alegado pela recorrente HH, no seu articulado de petição inicial, e diretamente infirmado pelo também A. II, nas suas próprias declarações em juízo.
É, por essa razão, com estranheza que se colige o argumento de que à Recorrente nenhuma conduta pode ser imputada. A recorrente HH alegou, conjuntamente com o seu marido, factos que viriam a ser frontalmente desmentidos em juízo por este último.
O facto de apenas o A. II ter sido condenado como litigante de má-fé, não infirma a constatação anterior.
Se o Tribunal assim o entendeu foi porque no conspecto da atuação em litisconsórcio dos A./recorrente entendeu como mais gravosa e merecedora de censura a conduta daquele último.
Esse juízo sancionatório não invalida a constatação, evidente premissa de toda a fundamentação de direito da sentença, de que a Recorrente HH agiu em litisconsórcio necessário, ou pelo menos voluntário, com o A. II (art. 33.º, 34.º e 35.º do Código de Processo Civil e 1682º-A, nº 1-a, do Código Civil), tendo em conta que são, e eram à data da entrada da ação, casados em comunhão geral de bens.
Aliás, deflui imediatamente dos autos que II, NIF - ..., e mulher HH, NIF - ..., são casados sob o regime da comunhão geral de bens (estes assim se identificaram na sua petição inicial).
Logo, atento o regime de bens do casamento, a procedência da ação apensa conduziria à aquisição do imóvel para o património comum do casal (artigos 1732º e 1733º do Código Civil).
Portanto, a proceder o paradoxalmente peticionado pela recorrente/arguente da nulidade neste conspecto, tal redundaria numa patente fraude à lei (por violação do art. 612.º do Código de Processo Civil).
A considerar-se a pretensão da recorrente excluída do provado uso anormal do processo, ainda que a sua atuação tenha sido em litisconsórcio com o A. II, permitir-se-ia que o património comum do casal adquirisse o prédio objeto da preferência, beneficiando-se, injustamente, o A. II, ao arrepio daquela que foi a decisão proferida também quanto a este último.
Ora, em face do exposto, entendo que não se verifica a apontada nulidade, uma vez que o Tribunal se pronunciou sobre todas as questões que tinha de conhecer para proferir uma decisão global sobre toda a matéria trazida a juízo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do NCPC, aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelos AA. II e mulher HH, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) – Nulidade da sentença recorrida;
II) - Da condenação do A. II por litigância de má fé;
III) – Da improcedência da acção apensa (1/19....) por uso anormal do processo.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

Petição inicial do A. AA (autos principais).
1. O Autor é dono e legítimo possuidor do seguinte imóvel, sito no lugar ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ...: PRÉDIO RÚSTICO, denominado “...”, composto de terreno de cultura e vinha, com a área de 1070 m2, a confrontar do norte com II, do sul com caminho público, do nascente com MM e do poente, antes com NN e atualmente, com a Ré EE, inscrito na matriz sob o atual artigo rústico ...66 e na anterior matriz sob o artigo ...57 e omisso na Conservatória do Registo Predial ....
2. Este imóvel adveio à posse e propriedade do Autor por sucessão, no inventário nº 354/09.... do Tribunal Judicial ..., instaurado para a partilha da Herança, aberta por óbito do seu pai, FF.
3. Nos aludidos autos de inventário foi adjudicado ao Autor o imóvel identificado no artigo 1º desta petição, nos termos do acordo de partilha, formalizado por transação, assinada por todos os interessados e que foi homologada por douta sentença, proferida em 17/01/2018 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “18/01/2018”, em face do teor do doc. ... junto com a petição inicial do Autor AA, não impugnado pelos restantes intervenientes processuais], transitada em julgado.
4. O Autor está, por si e seus antecessores, desde há mais de 20, 50 e mais anos, na posse pública, pacífica, contínua, exclusiva e de boa fé do prédio “...”.
5. Sempre e durante todo este longo período de tempo os seus antecessores aproveitaram-se de todas as suas utilidades e exercendo sobre ele todos os poderes de guarda, vigilância e disposição.
6. Por si ou a seu mandado, tratando da vinha, semeando e cultivando o milho, o feijão, erva e outros produtos agrícolas nele cultivados.
7. Pagando as correspondentes contribuições legais.
8. Atos que sempre praticaram à vista de toda a gente, por forma reiterada, com exclusão de quem quer que seja e sem oposição de ninguém.
9. Na fé e com o ânimo de exercer sobre este prédio rústico o correspondente direito de propriedade, o que, aliás, ao longo de todo esse tempo, sempre foi reconhecido por toda a gente.
10. Também no aludido lugar ... situa-se o seguinte imóvel: PRÉDIO RÚSTICO, denominado “...”, composto de terreno de cultura e vinha, com a área de 1650 m2, a confrontar do norte com II, do sul com caminho público, do nascente, antes com FF e atualmente com o Autor AA, e do poente com o A. II (APENSO A), inscrito na matriz sob o atual artigo rústico ...51 e na anterior matriz sob o artigo ...52 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...8 da freguesia ... e registado a favor da Ré EE pela apresentação nº 1936, de 2018/03/07.
11. Os prédios rústicos “...” e “...” são terrenos confinantes.
12. O prédio rústico “...” confrontava pelo seu lado poente com NN, - pai da Ré OO – que foi o anterior proprietário da “...” que, posteriormente, adveio a esta Ré na partilha da herança aberta por óbito daquele;
13. O prédio rústico “...” confrontava pelo seu lado nascente com FF, pai do A. AA e anterior proprietário do imóvel “...”.
14. Os imóveis descritos “... e ...” são prédios rústicos confinantes, respetivamente, pelos seus lados poente e nascente.
15. E como consta das suas inscrições matriciais, estes dois prédios rústicos foram terrenos de cultivo e estão destinados à cultura.
16. Nestes dois prédios os antecessores dos atuais proprietários e possuidores sempre plantaram, semearam e cultivaram milho, erva, feijão, vinha e outros produtos agrícolas.
17. Os prédios rústicos “...” e “...” têm, respetivamente, as áreas de 1070 m2 e 1650 m2.
18. Estes dois imóveis, quer de per si, quer no seu conjunto, têm áreas muito inferiores à unidade de cultura, fixada para esta região, que é de 4 ha para o terreno de sequeiro e de 2,5 ha para o terreno de regadio;
19. Por escritura de compra e venda, outorgada aos 6 de março de 2018 e exarada a fls. 14 a 16 verso, do Livro ...91..., do Cartório Notarial ..., os RR., identificados em I) – DD e CC – venderam à Ré EE – o prédio rústico ... pelo preço de 2 500,00€ (dois mil e quinhentos euros).
20. Estes RR-vendedores não deram conhecimento ao A. AA desta venda, nem antes, nem depois da outorga da identificada escritura de compra e venda, bem como dos respetivos elementos essenciais desta alienação, concretamente, preço, identificação do adquirente, data da escritura, condições de pagamento.
21. Tais RR-vendedores sabiam que o Autor era o dono e legítimo possuidor do prédio “...” na data da outorga da escritura de compra e venda referida, porquanto também foram herdeiros e interessados no inventário aludido supra, onde este imóvel foi adjudicado ao Autor.
22. O Autor só teve conhecimento que os RR. CC venderam à Ré EE o prédio rústico “...” bem como das demais condições do negócio no dia 5 de dezembro de 2018, quando após algumas buscas, obteve a certidão da escritura de compra e venda.
23. O Autor, que mora na freguesia ..., concelho ..., apenas foi alertado para a eventual venda do prédio rústico em causa à Ré EE em outubro de 2018 e apenas porque esta intitulando-se dona e legítima possuidora deste prédio o ofereceu para venda a várias pessoas, que moram e tem terrenos no aludido lugar ....
24. Em outubro de 2018 a EE declarou a várias pessoas, mas não ao Autor, que tinha comprado o prédio rústico “...” e que o pretendia vender.
25. O Autor, ao ter conhecimento desta factualidade nesta data, mandou fazer as buscas necessárias para verificar se o prédio rústico tinha, efetivamente, sido vendido pelos RR. CC à Ré EE, bem como quando aconteceu esta venda e as condições deste negócio.
26. A Ré EE não era à data da compra e venda do prédio rústico “...”, como ainda não é agora, proprietária de qualquer prédio rústico com este confinante.
27. A venda do prédio rústico “...” foi realizada entre os RR - vendedores e a Ré - adquirente, sem que o Autor tivesse qualquer conhecimento desta alienação e dos respetivos elementos essenciais.
28. O Autor teve conhecimento, em outubro de 2018, que a Ré EE teria adquirido o prédio rústico em causa, em virtude da intenção que esta publicamente manifestou de o vender – o que permitiu admitir que o teria adquirido – mas só teve conhecimento efetivo de tal alienação no já aludido dia 5 de Dezembro de 2018.
Contestação da R. EE.
29. A Ré EE tomou posse do conjunto de prédios rústicos descritos na escritura de fls. 14 e ss. (incluindo a “...”) no verão de 2017, ainda antes da escritura de compra e venda referida no ponto 19);
30. Desde então, progressivamente e por fases, procedeu ao corte de árvores e mato que cresciam nos diversos prédios;
31. Isto à vista de toda a gente residente no local (...).
Petição inicial dos AA. II e mulher [Apenso A]
32. Os Autores II e mulher são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, sito no Lugar ..., da União das freguesias ..., ... e ..., do concelho ...: PRÉDIO RÚSTICO, denominado “...”, composto de cultura e vinha em ramada, com a área de 2.200 m2, a confrontar atualmente do norte com II, do sul com Caminho Público, do nascente com a 1ª Ré EE e do poente com Estrada ..., inscrito na matriz sob o atual artigo rústico ...48º e na anterior matriz sob o artigo ...51º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...13, da freguesia ....
33. Os Autores desde há 10, 20 e mais anos, por si e por ante possuidores legítimos, estão na posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé do prédio “...”.
34. No exercício dessa posse, têm sido eles quem, em exclusivo, o têm ocupado, cuidando da sua conservação e limpeza, procedendo nele a benfeitoras e melhoramentos, e gozando todas as utilidades suscetíveis de proporcionar, praticando todos estes atos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, ininterruptamente e com o ânimo de exercerem um direito próprio, correspondente ao direito de propriedade, e de não ofenderem o de outrem.
35. A 1ª Ré EE é atualmente dona e possuidora do seguinte imóvel, sito no Lugar ..., da União das freguesias ..., ... e ..., do concelho ...: PRÉDIO RÚSTICO, denominado “...”, composto de terreno de cultura e vinha, com a área de 1.650 m2, a confrontar atualmente do norte com II, do sul com Caminho Público, do nascente com o A. AA, e do poente com o prédio dos AA. II”, inscrito na matriz sob o actual artigo rústico ...51º e na anterior matriz sob o artigo ...52º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...24, da freguesia ....
36. Os prédios “...” e “...” são confinantes;
37. Os prédios “...” e “...” têm as áreas, respetivamente, de 2.200 m2 e 1.650 m2.
38. Os prédios descritos “...” e “...” são terrenos agrícolas de regadio;
39. Sendo que os seus respectivos proprietários e antecessores sempre os cultivaram e granjearam, cultivando os produtos da agricultura e colhendo os respetivos frutos.
40. Por escritura de compra e venda, outorgada a 06 de Março de 2018, e exarada a folhas 14 a 16 verso, do Livro ...91..., do Cartório Notarial ..., os Réus CC e DD, venderam à Ré EE, entre outros, o prédio rústico “...”, pelo preço de 2.500,00 €.
41. Os Réus/vendedores CC não deram conhecimento aos Autores II e mulher desta venda, nem antes, nem depois da outorga da identificada escritura de compra e venda, bem como dos respetivos elementos essenciais desta alienação, concretamente, preço, identificação do adquirente, data da escritura, condições de pagamento.
42. Tais Réus/vendedores sabiam que os Autores eram os donos e legítimos possuidores do prédio rústico “...”, na data da outorga da escritura de compra e venda referida.
43. O A. II e a mulher tiveram conhecimento da alineação da “...” e respetivas condições do negócio mediante conversa com a Ré EE, ocorrida em data não concretamente apurada, mas entre finais de março de 2018 e o final do mês de outubro de 2018.

Por outro lado, na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos [transcrição]:
Contestação da R. EE.
44. Os 1ºs Réus CC, nos inícios de Fevereiro de 2018, contactaram o A. AA para saber se este estava ou não interessado na compra do imóvel “...” que a Ré EE pretendia adquirir aos 1ºs Réus, sendo que o valor do pagamento era de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);
45. O Autor AA afirmou aos 1ºs Réus que não estaria disposto a adquirir o referido imóvel.
46. O Autor AA teve conhecimento da venda efetuada pelos 1ºs. Réus à 2ª Ré em fevereiro de 2018.
47. O Autor AA teve conhecimento que a escritura de compra e venda relativa ao identificado prédio ...” se realizou a 6 de março de 2018.
Petição inicial dos AA. II e mulher [Apenso A]
48. Os Autores II e mulher só tiveram conhecimento da venda efetuada pelos Réus CC à Ré EE, do prédio rústico “...”, nos inícios de 2019, concretamente no dia 15 de Fevereiro de 2019;
49. Isto porque se aperceberam, nessa data (15.2.2019), que AA, residente no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., tinha instaurado precisamente ação de preferência contra os Réus CC e mulher DD, tendo em vista exercer o seu direito, em conversa tida com estes últimos.
50. Os A. II e mulher, ao terem conhecimento desta factualidade nesta data (15.2.2019), mandaram fazer as buscas necessárias para averiguar se o prédio rústico tinha, efetivamente, sido vendido, acabando por ter conhecimento, só então, dos caracteres do negócio.
*
Apreciando e decidindo.

I) – Nulidade da sentença recorrida:
No presente recurso, a recorrente HH entende que, em relação a si, existe uma nítida omissão de pronúncia que motiva a nulidade da sentença, porquanto nenhuma conduta lhe pode ser imputada e, como consta dos factos provados, à recorrente assistia o direito de preferência.
Segundo a recorrente, o Tribunal “a quo” não se pronunciou a tal respeito, “apenas concluindo que a acção devia ser julgada improcedente, existindo clara omissão de pronúncia que este Tribunal de recurso pode alterar, julgando a acção procedente.”
Como decorre do disposto no artº. 615°, n°. 1, alínea d) do NCPC, a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o dever imposto ao julgador de conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes (e o dever de se abster de conhecer de outras questões, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso), por determinação do disposto no artº. 608º, nº. 2 do NCPC.
Integra esta nulidade prevista no 1º segmento do artº. 615º, nº. 1, al. d) do NCPC a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, da causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, não se confundindo, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições.
Como refere o Prof. José Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, Coimbra Editora, pág. 143), “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”.
Ainda no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia, entendem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina, pág. 738) que «é pacifica a jurisprudência de que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que incida sobre todos os argumentos, pois estes não se confundem com “questões”» (cfr. acórdão do STJ de 27/03/2014, proc. nº. 555/2002, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, não enferma de nulidade a sentença que não se ocupou de todas as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, por as reputar desnecessárias para a decisão do pleito (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., Agosto de 2013, Almedina, pág. 400 e 401 e Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Abril de 2015, Almedina, pág. 371 e acórdão do STJ de 27/03/2014 acima referido).
No caso em apreço, argumenta a recorrente HH que, em relação a si, a sentença é nula por omissão de pronúncia, pois o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre uma questão que deveria ter conhecido – ou seja, o direito de preferência que assistia à recorrente - tendo apenas concluído que a acção devia ser julgada improcedente.
Como já se referiu, de acordo com o disposto no artº. 608º, nº. 2, do NCPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Ora, consta da fundamentação de direito da sentença recorrida o seguinte:
«Finalmente, nos termos do art. 612.º do Código de Processo Civil, “(…) a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes”. No caso dos autos, deve pois, o Tribunal, com base no referido normativo afastar o concurso de preferências nos termos do art. 1380.º, n.º 2, al. b) do Código Civil, considerando-se validamente exercida a ação de preferência deduzida pelo A. AA e ilegítima, porque abusiva (art. 334.º do Código Civil) e decorrente de uso anormal do processo (art. 612.º do Código de Processo Civil), a pretensão dos AA. II e mulher.
E, nesta senda, deverão improceder todos os pedidos formulados pelos AA. II e mulher, no apenso A.»
 Verificamos, pois, que a sentença recorrida se pronunciou sobre todos os pedidos formulados pelos AA./ recorrentes II e HH. E para além disso também fundamentou claramente tal decisão de improcedência dos pedidos com base no instituto do uso anormal do processo previsto no artº. 612º do NCPC, referindo ainda a este respeito que:
«Estas partes procuraram com a propositura da ação apensa, tão-somente, frustrar, de modo emulativo, a pretensão do A. AA na ação principal, não havendo uma real intenção de preferir por parte do A., antevendo-se a mera interposição fictícia dolosa do dito putativo preferente (eventualmente através de negócio jurídico subsequente ou tolerância de facto). Tudo para que a R. EE continuasse proprietária ou possuidora da “...” (como a mesma acabou por ir dizendo: “eu quero ficar com o terreno para mim…”).»
Considerou o Tribunal “a quo” que a pretensão dos AA./recorrentes (incluindo aqui a A./recorrente HH) era ilegítima, porque abusiva (artº. 334º do Código Civil) e decorrente do uso anormal do processo (artº. 612º do NCPC), e decidiu afastar o concurso de preferências nos termos do artº. 1380º, n.º 2, al. b) do mesmo Código que decorria da pretensão daqueles, julgando-a improcedente.
Como bem refere o Mº Juiz “a quo” no despacho de fls. 184 a 186, o carácter abusivo e, logo ilegítimo, da acção, bem como o uso anormal do processo por parte dos AA./recorrentes foi amplamente fundamentado na sentença.
Em particular, destacam-se as inúmeras contradições entre o que foi alegado pelos recorrentes, na sua petição inicial, e directamente infirmado pelo A. II nas suas declarações de parte prestadas em juízo.
Por essa razão, não procede o argumento de que à recorrente nenhuma conduta pode ser imputada. A recorrente HH alegou, conjuntamente com o seu marido, factos que viriam a ser desmentidos em juízo por este último.
O facto de apenas o A. II ter sido condenado como litigante de má-fé não infirma a constatação anterior.
Se o Tribunal “a quo” assim o entendeu foi porque na análise da actuação em litisconsórcio dos AA./recorrentes entendeu como mais gravosa e merecedora de censura a conduta do A. II.
Esse juízo sancionatório não invalida a constatação de que a A. HH agiu em litisconsórcio necessário ou, pelo menos, voluntário com o A. II (artºs 32º a 35º do NCPC e 1682º-A, nº. 1, al. a) do Código Civil), tendo em conta que eram, à data da propositura da acção, casados sob o regime da comunhão geral de bens.
Aliás, resulta dos autos que os AA. II e HH são casados sob o regime da comunhão geral de bens (estes assim se identificaram na petição inicial).
Logo, atento o regime de bens do casamento, a procedência da acção apensa conduziria à aquisição do imóvel para o património comum do casal, nos termos dos artºs 1732º e 1733º do Código Civil.
Assim, de acordo com a posição assumida pelo Mº Juiz “a quo”, a proceder o peticionado pela recorrente/arguente da nulidade neste conspecto, tal redundaria numa evidente fraude à lei, por violação do disposto no artº. 612º do NCPC. E a considerar-se a pretensão da A./recorrente HH excluída do alegado uso anormal do processo, ainda que a sua actuação tenha sido em litisconsórcio com o A./recorrente II, permitiria que o património comum do casal adquirisse o prédio objecto da preferência, beneficiando, injustamente, o A. II, ao arrepio da decisão proferida também quanto a este último.
Em face do acima exposto, entendemos que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada, uma vez que o Tribunal “a quo” se pronunciou sobre todas as questões que tinha de conhecer para proferir uma decisão global sobre toda a matéria trazida a juízo, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pelos AA. II e mulher HH.
*
II) - Da condenação do A. II por litigância de má fé:
Insurgem-se os ora recorrentes contra a sentença recorrida na parte em que condenou o A. II como litigante de má-fé, alegando que resulta inequivocamente dos factos provados que lhes assistia o direito de preferência previsto no artº. 1380º do Código Civil e, como tal, têm o direito a que lhes seja declarado tal direito, não resultando da matéria de facto dada como provada que os recorrentes, ao reclamarem o seu direito, tenham agido com má fé processual, para além de que a disposição legal citada não se reporta à mesma.
Vejamos se lhes assiste razão.
Em primeiro lugar, importa referir que, embora na parte decisória da sentença recorrida seja feita referência ao artº. 453º do Código de Processo Civil, tratou-se de um lapso de escrita que foi oportunamente detectado pelo Mº Juiz “a quo” e corrigido por despacho proferido em 21/09/2022, passando a constar no local próprio o artº. 542º do Código de Processo Civil, que se reporta à litigância de má fé no Novo Código de Processo Civil (cfr. fls. 184).
A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua actuação processual, visando alcançar o respeito pelos Tribunais, a moralização da actividade judiciária e o prestígio da justiça.

Segundo o disposto no artº. 542º, nº. 2 do NCPC, “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização a favor da parte contrária, se esta a pedir, nos termos do disposto no nº. 1 do citado artº. 512º.
A propósito deste tema, referem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 2ª ed., pág. 219 e segtes) que “se passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má-fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.”
Com efeito, no intuito de moralizar a actividade judiciária, o artº. 542º, nº. 2 do Código de Processo Civil, oriundo da revisão operada pelo DL 329-A/95 de 12/12, alargou o conceito de má fé à negligência grave, enquanto que anteriormente a condenação como litigante de má fé pressupunha uma actuação dolosa, isto é, com consciência de não se ter razão, motivo pelo qual a conduta processual das partes está hoje sancionada civilmente, desde que seja evidente por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).
Assim, para haver má fé não basta a constatação de um dos comportamentos indiciadores de tal litigância acolhidos nas mencionadas alíneas do nº. 2 do artº. 542º do NCPC (elementos objectivos da má fé); é indispensável ainda que a parte tenha actuado com dolo ou negligência grave (elemento subjectivo).
Por outro lado, refere António Abrantes Geraldes (in Temas Judiciários, Vol. I, pág. 313), “é neste contexto, com certeza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e do uso dos respectivos instrumentos que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres de boa-fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má-fé”.
O elemento subjectivo da litigância de má fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional (lide dolosa), mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correcção processual, acabando por não tomar consciência dos factos que, de outro modo, teria conhecimento (lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro).
O juízo de censura que enforma este instituto radica na violação dos deveres de probidade, cooperação e de recíproca correcção a que as partes estão adstritas (artºs 7º, 8º e 9º do NCPC), para que o processo seja “justo e equitativo”. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão (cfr. acórdãos da RG de 23/05/2019, proc. nº. 1473/17.8T8BGC e da RC de 16/12/2015, proc. nº. 298/14.7TBCNT-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Deste modo, como se refere no acórdão da RG de 13/10/2022 (proc. nº. 423/21.1T8LRA, disponível em www.dgsi.pt), “poderá – e deverá – ser responsabilizado como litigante de má fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser de má fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo.”
Distingue-se entre má fé material (ou substancial) e má fé processual (ou instrumental). A má fé material ou substancial tem a ver com o mérito da causa e com a falta de razão da parte, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual e abrange os casos previstos nas alíneas a) e b) do nº. 2 do artº. 542º do NCPC (a dedução de pretensão ou de oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e a alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais para a decisão da causa). A má fé processual ou instrumental abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo, como seja se a sua actuação se reconduzir a omissão grave do dever de cooperação [alínea c)] ou se disser respeito ao uso reprovável do processo ou de meios processuais para conseguir um fim ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [alínea d)].
De acordo com a interpretação prevalecente que se vem fazendo do citado artº. 592º, nº. 2 do NCPC, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma clara e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes (cfr. acórdão da RG de 15/10/2015, proc. nº. 3030/11.3TJVNF, disponível em www.dgsi.pt).
A conclusão pela actuação da parte como litigante de má fé será sempre casuística, variando consoante o meio e objecto processuais e a conduta concreta das partes no desenrolar do processo, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do nº. 2 do artº. 542º do NCPC. A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave, pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida (cfr. acórdãos da RG de 13/10/2022 e de 23/05/2019 acima referidos).
Quanto à aplicabilidade da figura da litigância de má fé, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça.
Reportando-nos ao caso dos autos, e com vista à condenação do A. II e da Ré EE como litigantes de má fé, condenação essa que está interligada, o Tribunal “a quo” aduziu na sentença recorrida a seguinte fundamentação, que não foi suficientemente contrariada pelos ora recorrentes:
«Neste âmbito, importa atentar nas declarações de parte do A. II, no trecho em que contrariou, frontalmente, a sua própria alegação.
Confrontado com os pontos 12º e 13º da sua petição inicial (apenso A) negou expressamente a matéria ali alegada sobre a eventual conversa com os RR. CC e sobre o conhecimento da acção de preferência nos autos principais.
Segundo disse só soube da ação de preferência nos autos principais quando foi notificado pelo Tribunal (pergunta-se, pois, em que ação, se o mesmo não é parte nos autos principais?).
Inicialmente disse que tomou conhecimento das limpezas da ... em inícios de 2019, mas depois inverteu o seu discurso, dizendo que afinal as limpezas começaram 8 ou 10 meses antes de ter descoberto a compra pela R. EE (por referência a fevereiro de 2019).
Como vimos, o A. apresentou-se muito nervoso, hesitante, dúbio e evasivo neste trecho, sendo evidente que procurou dissimular e esconder o real momento em que tomou conhecimento da alienação e dos seus termos.
Repare-se que recusou ser amigo da R. EE, mas apenas vizinho. Foi também com artificialidade e insistência nervosa que recusou ter indagado qualquer carácter do negócio de compra pela R. EE.
O seu depoimento foi lido como defensivo, pouco rigoroso e muito dúbio, sendo manifesto que contrariou a matéria que o próprio tinha alegado na sua petição inicial [pontos 12º e 13º da petição inicial], apresentando em juízo uma versão dos factos diversa do alegado sobre matéria que o mesmo não poderia ignorar.
(…)
Importa também relembrar o depoimento da R. EE.
Se é certo que a R. EE confirmou não ter dado conhecimento prévio da alienação ao A. II e mulher, não menos certo é que o seu depoimento em relação a uma eventual conversa com o A. II após a compra da “...” foi inusitadamente prolixo em dúvidas, inversões e inflexões de discurso.
Primeiro, negou qualquer contacto/conversa com o A. II sobre a venda do prédio .... Defendeu que os vizinhos souberam da venda pelo que se falava na aldeia (conhecimento público geral), a partir do início dos trabalhos de limpeza. Os vizinhos paravam e perguntavam se havia sido comprado e dizia que sim, sem outras explicações.
Depois, num segundo momento, inverteu o seu depoimento e disse que transmitiu ao A. II que comprou todos os prédios dos pais, que a questionou por ter visto a limpeza em 2017, o que aconteceu antes da escritura de compra. O GG soube, pois, da compra do prédio ...”, por si, em 2017.
Pasme-se, pois, com nova imprecisão: viria a inverter novamente a sua posição, dizendo que, afinal, essa conversa já poderia ter ocorrido em 2018, pois nesse ano também fez limpezas na ... e disse a várias pessoas no lugar que havia adquirido todos os prédios dos RR. CC.
Como vimos supra, o seu depoimento foi lido como manifestamente exaltado, defensivo, pouco rigoroso, evasivo nalguns pontos, sendo evidente a preocupação da depoente em não se comprometer com datas ou afirmações, mormente quanto às conversações com o A. II.
Chegou a infirmar a sua própria alegação, estando visivelmente comprometida com o desfecho da demanda [vide os pontos 44) e 47) dados como não provados da sua contestação nos autos principais].
Se a Ré nem sabia quem era o A. AA na data da escritura, como pôde a R. asseverar, na sua contestação, que os 1ºs RR transmitiram todos os caracteres do negócio ao dito A. e que este até recusou a aquisição? Essa realidade foi-lhe transmitida pelos 1ºs RR.? A depoente não o disse e também não cremos possível que assim fosse, na medida em que o depoimento de PP infirmou liminarmente toda esta matéria. Trata-se de factos que a R. adquirente não poderia, conscientemente, ignorar, ao ter alegado como alegou.»
E por via disso foram o A. II (no apenso A) e a Ré EE (em ambas as acções) condenados por litigância de má fé na multa processual de 4 UC, “na medida em que se demonstrou uma utilização maliciosa e abusiva do processo, tendo as partes, conscientemente, alterado a verdade dos factos de forma manifestamente reprovável ao alegarem algo que foi desmentido, pelos próprios, em juízo.”
Entendem os ora recorrentes que não resulta da matéria dada como provada nos autos que, ao reclamarem o seu direito de preferência, tenham agido com má fé processual.
Todavia, salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.
Conforme se alcança dos autos, após a apensação das duas acções o Mº Juiz “a quo” apercebeu-se que:
- Na acção principal, a Ré EE apresentou contestação, tendo para esse efeito constituído como seus mandatários judiciais dois ilustres advogados de um escritório de Advogados sito em ...;
- Porém, na acção que constitui o apenso A, os AA./recorrentes II e mulher HH constituíram como seu mandatário judicial um ilustre advogado do mesmo escritório, que veio a intentar esta acção, tendo agora aqui como Ré a mesma EE, que patrocinava na acção principal.
Ou seja, o mesmo escritório de Advogados patrocinava nas duas acções, que tinham o mesmo objecto e pedido, a EE, como Ré na acção principal e os recorrentes II e mulher como autores no apenso A, mas que tinha a mesma EE como Ré.
Tendo o Mº Juiz da 1ª instância verificado esta situação e considerando que se estava perante um eventual “conflito de interesses” dos ilustres mandatários da Ré EE (autos principais) e dos AA. II e HH (apenso A), convidou os intervenientes processuais a se pronunciarem sobre este conflito.
Na sequência desse convite, em 9/12/2019 foi apresentado nos autos principais um requerimento pela mandatária da Ré EE a juntar um substabelecimento sem reservas dos poderes conferidos por aquela Ré para outro advogado.
Ora, resultando dos depoimentos do A. II e da Ré EE que estes residem no mesmo lugar, sendo vizinhos, e que o II conhece a Ré EE desde a sua infância, tendo ambos conversado sobre a compra do prédio ...” por esta última, conforme é referido na “motivação de facto” e não contrariado pelos ora recorrentes, é no mínimo estranho que a Ré EE tenha contestado a acção principal através de mandatário que constituiu nos autos, pertencente a um escritório de Advogados sito em ... e passados uns meses outro advogado do mesmo escritório de Advogados apareça a intentar outra acção contra a Ré EE (apenso A) e tendo como objecto e pedido o exercício do direito de preferência sobre o mesmo imóvel da acção principal, a qual não foi contestada por aquela Ré.
Por outro lado, como o recorrido AA salientou, no requerimento que apresentou nos autos principais em 24/10/2019, os recorrentes foram demasiado confiantes quando intentaram a acção nº. 273/19.... (apenso A) porquanto:
- Não obtiveram uma certidão ou cópia autenticada da escritura de compra e venda sob preferência, necessária para instruir a sua petição inicial, tendo-se limitado a juntar com o seu articulado inicial uma cópia da certidão da aludida escritura que o recorrido AA tinha apresentado com a sua petição inicial na acção principal, como se comprova pelo respectivo registo e data de emissão;
- Ora, só os RR. nessa acção principal receberam uma cópia dessa escritura, pelo que tiveram de ser estes a fornecer tal cópia aos recorrentes II e mulher para estes a apresentarem com a sua petição inicial;
- Resultando do depoimento do filho e representante legal dos RR. CC e KK que estes viviam no ... e não conheciam, nem falavam com os ora recorrentes, só a vizinha destes, a Ré EE, que conhecia o A. II desde a sua infância, é que lhes terá entregue tal documento.
Já nesse requerimento apresentado antes da audiência de julgamento, o recorrido AA alegou que a Ré EE era a patrocinadora daquela lide (apenso A) e os AA. II e mulher funcionavam como “testas de ferro” daquela, estando ambas as partes mancomunadas, pois com a acção nº. 273/19.... pretendiam frustrar o exercício do direito de preferência do recorrido AA peticionado na acção principal.
Ademais, a má fé processual do recorrente II e da Ré EE decorre não só do facto de ambos estarem em posições processuais incompatíveis, mas silenciosamente do mesmo lado e defendendo a mesma posição processual e até utilizando mandatários judiciais do mesmo escritório de Advogados, por forma a melhor ocultarem esse alegado conluio processual (como mais adiante, quando se analisar o uso anormal do processo, melhor se explanará), mas também dos factos falsos que ambos alegaram nos seus articulados, mas negaram nos depoimentos/declarações de parte que prestaram.
Com efeito, na petição inicial do apenso A, os AA./recorrentes alegaram, para justificarem a propositura desta acção na data em que o fizeram (ou seja, em 26/06/2019), a seguinte factualidade:
Artº. 12º – Os Autores só tiveram conhecimento da venda efectuada pelos segundos Réus à primeira Ré, do prédio rústico descrito no artigo 4º da petição inicial, nos inícios de 2019 concretamente no dia 15 de Fevereiro de 2019;
Artº. 13º – Isto porque se aperceberam, nessa data, que AA, residente no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., tinha instaurado precisamente acção de preferência contra os segundos Réus CC e mulher DD, tendo em vista exercer o seu direito, em conversa tida com estes últimos.”
Como se refere na “motivação de facto” da sentença recorrida, o recorrente II, nas declarações de parte que prestou em audiência de julgamento, «negou expressamente a matéria ali alegada sobre a conversa com os RR. CC e sobre o conhecimento da ação preferência nos autos principais (…), sendo manifesto que contrariou a matéria que o próprio tinha alegado na sua petição inicial [pontos 12.º e 13.º da petição inicial], apresentando em juízo uma versão dos factos diversa do alegado sobre matéria que o mesmo, conscientemente, não poderia ignorar. (…)
E por essa razão se deu como “não provado” a matéria constante nos pontos 48) a 50), sendo matéria infirmada em juízo pelo próprio A., o que retirou, em absoluto, qualquer credibilidade ao seu relato, tendo-se demonstrado que alegou factos que sabia não corresponderem à verdade.»
Também o filho e representante legal dos RR. CC e KK, no depoimento de parte que prestou em audiência de julgamento, afirmou que os seus pais “não têm nem tiveram qualquer contacto com o A. II”.
Por sua vez, a Ré EE, na contestação que apresentou na acção principal, alegou, além do mais, que:
Artº. 3º – Os 1ºs Réus, nos inícios de Fevereiro de 2018, contactaram o Autor para saber se estava ou não interessado na compra do imóvel descrito no artigo 11º da p.i., que a aqui Ré pretendia fazer aos 1ºs Réus, sendo que o valor do pagamento era de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);
Artº. 4º – Tendo o Autor afirmado aos 1ºs Réus que não estaria disposto a adquirir o referido imóvel.
Como se refere na sentença recorrida, o filho e representante legal dos RR. CC e KK, no seu depoimento de parte, afirmou que “os seus pais não contactaram previamente com nenhum dos confinantes.”
Também a Ré EE, no seu depoimento de parte, «não confirmou a sua própria alegação (vide factos 44 a 47 supra), negando em juízo o conhecimento prévio do preferente e qualquer comunicação prévia com o A. AA, nem sequer que fosse do conhecimento deste o projeto de alienação ou projeto de negócio e suas cláusulas.
Em rigor, os pontos 44 e 47 correspondem a matéria infirmada em juízo diretamente pelo representante legal dos RR. vendedores, CC e pela própria R. EE que disse desconhecer o A. AA até ao momento da propositura da ação principal, o que retirou credibilidade ao seu relato.»
Como vimos, ficou demonstrado que o A. II e a Ré EE alegaram nos autos factos pessoais e outros factos relevantes que sabiam não corresponder à verdade, com a intenção de influenciar a decisão de mérito a proferir pelo Mº. Juiz “a quo” em favor de ambos, no sentido de obterem a procedência da acção que constitui o apenso A, em detrimento da acção principal, conduta essa que é claramente reprovável, pois excedeu as regras normais da litigância, na medida em que se demonstrou terem feito uma utilização maliciosa e abusiva do processo, tendo aquelas partes alterado conscientemente a verdade dos factos ao alegarem algo que foi desmentido, pelos próprios, em juízo.
Estando, pois, em nosso entender, preenchidos os requisitos previstos no artº. 542º, nº. 2, al. a) e b) do NCPC, bem andou o Tribunal “a quo” ao condenar o A. II como litigante de má fé, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pelos AA. II e mulher HH.
*
III) – Da improcedência da acção apensa (1/19....) por uso anormal do processo:
Pretendem os recorrentes a revogação da sentença recorrida na parte em que julgou a acção improcedente por uso anormal do processo, nos termos do disposto no artº. 612º do NCPC, e que a mesma seja julgada procedente, reconhecendo-se o direito por eles invocado, alegando que não existe qualquer prova no sentido de que o A./recorrente II praticou um acto simulado ou efectuou um uso indevido do processo.
Adiantamos, desde já, que não pode proceder tal pretensão dos recorrentes pelas razões que passamos a explanar.
Dispõe o artº. 612º do NCPC que “Quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes”.
Este normativo visa sancionar a conduta das partes que ficcionem a existência de um litígio inexistente, com vista à obtenção de uma sentença que, aparentemente, possa incidir sobre direitos concretamente invocados e com protecção legal, os quais sejam artificialmente criados, para dessa forma lograrem obter um resultado proibido por lei ou o engano de terceiros.
O uso anormal do processo envolve sempre uma má fé processual bilateral, consubstanciada numa situação em que os sujeitos processuais, em conluio, actuam de modo malicioso e concertado, servindo-se do processo com vista a ludibriar o juiz e a submeter à sua apreciação um litígio meramente ficcionado, com vista à prática de acto simulado ou à obtenção de resultado contrário à lei. Diferencia-se, por isso, da má fé unilateral por não ser circunscrita a uma actuação autónoma das partes (actuando de per si com má fé uma contra a outra), mas envolver ambas as partes demandantes e demandadas, actuando por acordo para a realização de um fim anormal.
Na má fé bilateral ocorre, assim, uma funcionalização do processo, globalmente considerado, a um fim diverso daquele a que se encontra destinado. Nas palavras de Paulo Cunha (in Simulação Processual e Anulação do Caso Julgado, 1ª ed., 1935, pág. 66), a divergência pressuposta pela acção judicial é em certos casos “apenas aparente, porque secretamente as partes estão de acordo”.
Assim como refere o Prof. José Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 3ª ed., 2012, Coimbra Editora, pág. 101), “pode suceder que o processo, em vez de ser utilizado para a solução dum litígio segundo o direito constituído, seja aproveitado para a prática de acto simulado ou para a consecução de fim ilegal”.
Como é sabido, o processo dirige-se à resolução de um conflito de interesses de forma justa, enquanto nos casos de má fé bilateral não existe qualquer litígio real entre as partes que justifique a intervenção do tribunal, daí que o supra referido artº. 612º se refira a este tipo de casos como “uso anormal do processo”.
Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em anotação ao artº. 612º do NCPC (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 4ª ed., Almedina, pág. 726):
“A função do processo civil seria frustrada se às partes fosse consentido ficcionar a existência dum litígio inexistente para obter uma sentença que, aparentemente tutelando direitos e interesses legalmente protegidos, na realidade proporcionasse a obtenção dum resultado proibido por lei ou o engano de terceiros sobre as situações jurídicas das partes.”
Visa-se, pois, evitar o desvio da função processual por via de simulação ou fraude.
A simulação processual tem lugar “quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si. É o que, por exemplo, acontece se A combinar com B mover-lhe uma ação de reivindicação do bem X, pertencente a B, mas que este quer evitar que apareça como seu perante C, credor de quem receia a propositura duma ação e a subsequente penhora (ou o prévio arresto) daquele bem, não obstante A e B combinarem que, ganha a ação por A, o bem continuará na posse de B, sem que A sobre ele pretenda (sempre nas suas relações com B) ter ou exercer qualquer direito” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. e pág. citadas).
A fraude processual ocorre “quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa disposta no interesse geral”. Haverá lesão do direito de terceiro, partindo do exemplo anterior com a introdução desta variante: “A e B querem, em boa harmonia, conseguir, através do processo, o efeito da transmissão da propriedade do bem X do segundo para o primeiro, só não outorgando para o efeito uma escritura de compra e venda porque pretendem evitar que o credor C recorra, para a impugnar, ao meio da ação pauliana (art. 610 CC)”. Exemplo do segundo caso (violação de lei imperativa disposta no interesse geral) “pode ser o dos cônjuges que combinam entre si que um deles proporá contra o outro uma ação de anulação do casamento, na realidade entre eles livremente celebrado, sem que ocorresse qualquer dos fundamentos de anulação do art. 1631 CC (…) - cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 726 e 727.
A simulação do litígio, comum a ambas as figuras, passa quase sempre, mediante prévio acordo das partes, entre si conluiadas, pela alegação do autor, não contraditada (não impugnando o réu os factos alegados pelo autor por forma a ficarem os mesmos assentes) ou apenas ficticiamente contraditada pelo réu, duma versão fáctica não correspondente à realidade, para obter uma decisão judicial em prejuízo de terceiro, por essa via divergente da função do processo civil (acórdãos da RG de 28/09/2017, proc. nº. 4200/07.4TBGMR-A, da RC de 20/11/2012, proc. nº. 1423/11.5TBGRD e de 26/09/2006, proc. nº. 453/05.0TBANS, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Configura-se, deste modo, que se estará perante uma decisão judicial, lesando interesses ou direitos de terceiro, em que perante uma verdade fabricada por uma das partes, divisa-se a colaboração da outra, não se desmarcando da mesma, de algum modo, nomeadamente pela apresentação de uma contestação/oposição autónoma, ou outro meio tido por conveniente, para paralisar a obtenção de tal decisão, divergente da finalidade de dirimir conflitos entre si. 
Sem prejuízo do regime sancionatório da litigância de má fé, compete, neste caso, ao juiz zelar pela devida utilização dos instrumentos jurídicos, numa possível percepção da aparência de um litígio, que vem lesar um direito de terceiro, ou mesmo o interesse geral, com a violação de uma norma que o proteja, proferindo decisão que ponha termo a um litígio simulado entre demandante e demandado, no sentido de as partes terem usado o processo, não com o fim normal de resolver um litígio, mas e concretamente, para obterem um resultado diferente do aparente do processo, caso em que alguém se deixa condenar com manifesto prejuízo de terceiro (cfr. acórdão do STJ de 26/10/2022, proc. nº. 2939/16.2T8FAR-A, disponível em www.dgsi.pt).
De volta ao caso dos autos, resulta da sentença recorrida que o Tribunal “a quo” analisou a conduta das partes e as particulares circunstâncias da causa, em face do julgamento conjunto das duas acções apensas, aduzindo a seguinte fundamentação para julgar a acção improcedente por verificação de uso anormal do processo, fundamentação essa que não foi suficientemente contrariada pelos ora recorrentes:
«Tanto as declarações de parte do A. II, como o depoimento da R. EE permitiram concluir nos termos expostos no ponto 43), ou seja, que em data não concretamente apurada, mas sempre em momento posterior à escritura de compra e venda e anterior ao final do mês de outubro de 2018, o A. II e a mulher tiveram conhecimento da alienação da “...” e respetivas condições do negócio.
Esta conclusão estriba-se na manifesta falta de credibilidade das declarações de ambos que o princípio da imediação e oralidade do julgamento pôs a nu: os trejeitos nervosos de cada depoente, o evidente comprometimento de ambos no cuidado com que afirmavam, as evasões discursivas, as inflexões de narrativa, a postura ambivalente da R. EE numa e noutra ação (contestou a preferência do A. AA e não a do A. II), permitem presumir a existência de uma maior proximidade e afinidade entre ambos (facto que se afoitaram a recusar de modo artificial e pouco espontâneo).
Enquadra-se nas regras da experiência que a R. EE tivesse, como a própria viria a acabar por admitir (ainda que com reservas), transmitido ao seu vizinho que adquirira a ... e qual o respetivo preço (tendo em conta que eram vizinhos de longa data, sem nenhuma rivalidade ou contenda declarada entre ambos).
Não podemos olvidar que o A. II é vizinho de longa data da R. EE, conhecendo-a desde a sua infância e que tem vista privilegiada das movimentações na “...”, pois, como disse (e constatou-se na inspeção judicial), cultiva a “...”.
E mais: de acordo com os depoimentos/declarações de ambos essa conversa ocorreu necessariamente antes do final de outubro de 2018, pois, como disse o A. II, viu a limpeza da ... vários meses antes de 15 de fevereiro de 2019, não sendo credível que, atenta a referida proximidade entre ambos (que tanto tentaram esconder), a R. se tivesse limitado a aludir “en passant” à compra, sem referenciar preço e demais condições na dita conversa, à luz das regras da experiência e usos negociais (meio muito pequeno, prédios contíguos e conhecimento desde infância entre interlocutores).
A tudo isto acresce a linear clareza da visão cronológica das duas ações apensas: o A. II apenas propôs a ação de preferência apensa em junho já após a citação e contestação da R. EE na ação principal.
Por outro lado, a R. EE adotou uma postura discrepante e dúbia, contestando a primeira ação e permanecendo revel na 2.ª
Acresce que, à data da propositura da ação no apenso A, o direito dos AA. II e mulher já teria caducado em face da matéria que se provou no facto 43), à luz do disposto no art. 410.º aplicável ex vi art. 1380.º do Código Civil, o que era do conhecimento da R. EE, segundo o cotejo das declarações de ambos os intervenientes.
Deve ainda sopesar-se a matéria constante dos factos 48)-50), sobre a justificação para a propositura atempada da ação de preferência pelo A. II, no apenso A, que foi, literalmente, pejada de falsidades flagrantes como a conversa com os QQ, que este acabou por dizer nunca ter conhecido (pasme-se!).
Recordamos, pois, que a matéria constante dos pontos 48)-50) foi posta em causa pelo próprio A. II, dizendo em juízo que nunca conheceu os RR. CC, nem com estes alguma vez falou, contrariando a sua própria alegação (sendo manifesta a sua má-fé, ao ter alegado falsidades conscientemente, o que apenas se apurou em juízo).
Sublinha-se, ainda, a proximidade vicinal do A. II em relação ao prédio objecto da preferência, cultivando regularmente a “...”, residindo no local, ao contrário do A. AA que reside em ... e apenas se interessou pelos terrenos em causa após a adjudicação em inventário no início de 2018.
Ora, sabendo ainda em outubro de 2018 que a ... havia sido comprada pela R. EE e por que preço, por que razão apenas em junho de 2019, já depois da interposição da ação principal, veio o A. II preferir?
Cremos não se tratar de uma mera coincidência, mas, ao invés, de um indício forte de combinação ou conluio com a R. EE que, convenientemente, de modo discrepante, se “despreocupou” de qualquer contestação na 2.ª ação.
Daí que o Tribunal entenda existir razão ao A. AA, quando propugna ter ficado fortemente indiciado (convicção segura) ante todos os elementos coligidos, mormente os depoimentos das referidas partes, e circunstâncias particulares das demandas (melhor retratadas no relatório desta sentença, e que aqui se dá por integralmente reproduzido) sobre a existência de um acordo ou conluio simulatório entre o A. II e a R. EE.
Estas partes procuraram com a propositura da ação apensa, tão-somente, frustrar, de modo emulativo, a pretensão do A. AA na ação principal, não havendo uma real intenção de preferir por parte do A., antevendo-se a mera interposição fictícia dolosa do dito putativo preferente (eventualmente através de negócio jurídico subsequente ou tolerância de facto). Tudo para que a R. EE continuasse proprietária ou possuidora da “...” (como a mesma acabou por ir dizendo: “eu quero ficar com o terreno para mim…”).»
Nestes termos, entendeu o Tribunal “a quo”, com base no disposto no artº. 612º do NCPC, que deveria afastar o concurso de preferências nos termos do artº. 1380º, n.º 2, al. b) do Código Civil, considerando validamente exercida a acção de preferência deduzida pelo A. AA e ilegítima, porque abusiva (artº. 334º do Código Civil) e decorrente de uso anormal do processo (artº. 612º do NCPC), a pretensão dos AA. II e mulher e, por via disso, decidiu julgar totalmente improcedente a acção apensa.
Relativamente à produção de prova realizada na audiência de julgamento, importa referir que o Tribunal de 1ª instância tem a vantagem, que lhe é conferida pela imediação adveniente do julgamento, de poder visualizar e percepcionar directamente o comportamento e as reacções das partes e das testemunhas aquando da prestação dos respectivos depoimentos (v.g. a linguagem corporal do depoente, o nervosismo dos seus gestos, os olhares em determinado sentido, a inquietude na cadeira, as hesitações e evasões discursivas), vantagem de que este tribunal de recurso não dispõe ao analisar a prova existente nos autos.
Neste caso, o que conta é a convicção formada pelo julgador na 1ª instância, que beneficiou da imediação resultante do julgamento, não tendo este tribunal de recurso forma de sindicar o que foi directamente percepcionado pelo Mº Juiz “a quo” e que se mostra clara e detalhadamente explanado na fundamentação de facto e de direito da sentença recorrida, que não foi posta em causa pelos argumentos aduzidos pelos recorrentes.
Ademais, conforme se alcança dos autos, convém ter presente que a Ré EE contestou a acção principal intentada pelo recorrido AA em 3/01/2019, invocando na sua contestação a excepção da caducidade do direito deste exercer o direito de preferência sobre o imóvel em causa, alegando que já havia decorrido o prazo para aquele intentar esta acção, pois tinha tido conhecimento do negócio no prazo de 6 meses após a outorga da escritura de compra e venda, quando o A. AA não vive no mesmo lugar, nem na mesma freguesia, nem no mesmo concelho que os restantes intervenientes processuais, mas já não contestou a acção intentada pelos recorrentes II e mulher em 26/06/2019 com o mesmo objectivo, apesar destes viverem no mesmo lugar da Ré EE, serem conhecidos de longa data e até terem falado com ela sobre este negócio.
Por outro lado, é no mínimo estranho (ou não) que os ora recorrentes tenham intentado a acção de preferência contra a Ré EE e os RR. vendedores sem terem apresentado qualquer tipo de prova quanto à data em que tiveram conhecimento da venda do imóvel objecto da preferência, por já terem decorrido mais de 6 meses desde a data em que foi outorgada a respectiva escritura.
Tal circunstância indicia que os recorrentes sabiam que a Ré EE e os RR. CC não iam contestar a acção apensa e, assim, seriam considerados confessados os factos alegados pelos AA. e julgada procedente a acção, sem necessidade de fazerem prova de factos sobre os quais impendia o respectivo ónus.
Os recorrentes alegam que o Mº Juiz “a quo” sublinha o facto de o direito dos AA. II e mulher já teria caducado, quando nenhuma das partes alegou a caducidade e, como tal, o Tribunal não podia, nem pode, declarar a caducidade, argumentando que “a caducidade e as circunstâncias que a rodeiam não podem ser fundamento para o Tribunal condenar em litigância de má-fé, nem tão pouco que os Recorrentes fizeram um uso reprovável do processo.”
Todavia, contrariamente ao que os recorrentes pretendem fazer crer, o Tribunal recorrido não declarou a caducidade do direito dos AA. II e mulher, nem invocou a caducidade e as circunstâncias que a rodeiam como fundamento para condenar o A. II como litigante de má fé e considerar que este fez um uso anormal do processo. Na verdade, o Tribunal “a quo” limitou-se apenas a constatar um facto (ou seja, que o direito dos AA. II e mulher já teria caducado quando interpuseram a acção apensa) para, juntamente com os restantes supra descritos, justificar a conclusão a que chegou quanto à conduta processual daqueles e da Ré EE e à verificação do uso anormal do processo.
Basta atentar no tempo verbal utilizado na sentença recorrida – à data da propositura da acção no apenso A, o direito dos AA. II e mulher já teria caducado em face da matéria que se provou no facto 43) – para se concluir que o Tribunal “a quo” não declarou a caducidade do direito dos AA./recorrentes como excepção peremptória que é, nem o podia fazer pois, como é referido na sentença sob escrutínio, “tal causa impeditiva não foi alegada por nenhum dos RR. na ação apensa, quem teria legitimidade para o efeito, designadamente a R. EE ou os RR. CC” e “estando a matéria na disponibilidade das partes, não poderá o Tribunal conhecer oficiosamente de tal causa impeditiva – a caducidade do direito de preferência do A. II no apenso A.”
No entanto, o Tribunal “a quo” apenas se referiu a tal circunstância para demonstrar, não só a ligeireza com que os AA. II e mulher actuaram - pois apenas propuseram a acção de preferência apensa em Junho de 2019, após a citação e contestação da Ré EE na acção principal e apesar de terem conhecimento de que já havia decorrido o prazo de 6 meses desde que tiveram conhecimento da outorga da escritura de compra e venda da “...”, previsto no artº. 1410º, nº. 1 aplicável “ex vi” do artº. 1380º, nº. 4 do Código Civil, sem terem apresentado qualquer prova quanto à data em que tiveram conhecimento da venda do mencionado prédio – mas também a postura ambígua e discrepante da Ré EE, que contestou a primeira acção proposta pelo A. AA, nela arguindo a excepção da caducidade do direito de acção no contexto supra referido, e permaneceu revel na segunda, apesar de ter conhecimento da matéria plasmada no facto provado 43) e que, por conseguinte, já estaria ultrapassado o aludido prazo de 6 meses para intentar a acção de preferência, segundo o cotejo das declarações prestadas em juízo por ambos os intervenientes processuais.
Todos estes elementos factuais e a apreciação que foi feita pelo Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, dos depoimentos do recorrente II e da Ré EE, não suficientemente contraditada no presente recurso, constitui um indício forte da existência de um acordo ou conluio simulatório entre o A. II e a Ré EE, para com a propositura da acção apensa frustrarem a pretensão do A. AA na acção principal, tendo esta situação sido claramente perceptível na audiência de julgamento, de tal modo que o Mº. Juiz “a quo” não teve dúvidas em considerar que aqueles se mancomunaram, alterando a verdade dos factos nos autos e utilizando a acção do apenso A para obterem um resultado anormal, ilegítimo e censurável que liquidava o justo, legal e sério uso dos meios processuais, ou seja, a boa administração da justiça.
Entendemos, pois, que o Tribunal “a quo” não podia ter decidido de forma diferente, quer a acção principal, quer o apenso A, porquanto ficou objectivamente demonstrado nos autos que a acção intentada pelos ora recorrentes II e mulher tinha sido combinada com a Ré EE, com o objectivo de frustrar o êxito da acção de preferência intentada pelo recorrido AA e que o A. II litigava para a Ré EE, pelo que ambos estavam a fazer um uso reprovável e anormal dos meios processuais.
A condenação como litigantes de má-fé do recorrente II e da Ré EE decorre não só da simulada acção de preferência que ambos engendraram nos termos factuais acima referidos, bem como nos factos inverídicos que alegaram nos seus articulados e que eles próprios se encarregaram de comprovar ao negarem a existência de tais factos nos seus depoimentos/declarações de parte.
Nestes termos, terá de improceder, também nesta parte, o recurso de interposto pelos AA. II e mulher HH, mantendo-se a sentença recorrida.
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III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores GG e mulher HH e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.
Notifique.
Guimarães, 20 de Abril de 2023
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)