Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
24303/22.4YPRT-B.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ADMISSÃO DE DOCUMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Sendo o objeto do recurso delimitado em função das conclusões da alegação e vindo invocado, como único fundamento da apelação com subida em separado, a que se reporta o presente recurso, que ocorreu incumprimento pelo Juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, influindo na decisão objeto de recurso e, consequentemente, geradora de nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, cumpre aferir se tal arguição em sede de recurso do despacho de não admissão de documento junto aos autos a 10-11-2022 configura o meio próprio para reagir contra eventuais vícios ou omissões verificadas.
II - Verificando-se que a apelante não se limitou a optar pela via do recurso, pois, logo em momento posterior ao indeferimento do pedido de junção de documento, ainda em sede de audiência de julgamento, arguiu a mesma nulidade processual perante o Tribunal a quo, que a indeferiu, não interpondo a recorrente recurso de tal despacho, o mesmo transitou em julgado, ficando precludida a oportunidade da respetiva arguição no âmbito da presente apelação e este Tribunal da Relação impedido de apreciar novamente a nulidade invocada, por força da verificação do caso julgado formal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01... Lda, pessoa coletiva n.º ...18, instaurou contra EMP02... Lda., pessoa coletiva n.º ...65, requerimento de injunção, posteriormente transmutado em ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, peticionando a condenação da ré no pagamento da quantia de 5.120,19€.
Para o efeito alegou, em síntese: a solicitação da requerida, prestou à demandada serviços de consultoria em informática e outras atividades relacionadas com tecnologias de informação, emitindo as competentes faturas, num total de 7, que identifica pelo número, valor, data de emissão e data de vencimento, que não foram pagas.
Reclama ainda o pagamento da quantia de 92,95€ ao abrigo do disposto no artigo 7.º Dec. Lei n.º 62/2013, de 10-05.
A ré deduziu oposição, aduzindo ter celebrado com a requerente um contrato de prestação de serviços para assistência técnica ao programa EMP03..., nos termos do qual ficou acordado que teria direito a 15 bits (correspondentes a 15 minutos de intervenção) que não utilizou e que deveriam ter sido abatidos no valor mensal a pagar, já que tem um saldo de 475 bits. Mais alegou não ser devido o valor titulado pela fatura n.º ...46 por a mesma ser referente à atualização do programa EMP03... e tal atualização nunca ter sido realizada.
Foi designada data para audiência de julgamento para o dia 15-09-2022, pelas 10:00 horas, no início da qual foram apresentados os requerimentos probatórios, tendo a autora requerido «a junção aos autos dos documentos enviados no dia de hoje, as declarações de parte do legal representante da autora, AA e arrola a testemunha BB», enquanto a ré arrolou a testemunha CC, mais declarando que, «relativamente aos documentos juntos pela autora, a ré nada tem a opor à junção, no entanto não prescinde do prazo de vista e requer que as testemunhas sejam inquiridas após a pronúncia sobre os documentos ora juntos», tendo sido então proferido o seguinte despacho:
«Admite-se a prova testemunhal indicada, bem como a junção dos documentos apresentados, por ser este o momento processualmente adequado para o efeito, nos termos do artigo 3º, nº 4 do regime anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro.
Defere-se as requeridas declarações de parte do legal representante da Autora.
Concede-se à Ré o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre os documentos juntos.
Deferindo o requerido, para continuação da audiência de julgamento designo o próximo dia 20 de outubro de 2022, às 15:00 horas.
Notifique».

Em 20-10-2022, pelas 15:00 horas, foi aberta a audiência de julgamento, tendo sido prestadas declarações de parte pelo legal representante da autora, após o que o Tribunal a quo declarou suspender a audiência, designando para a sua continuação para 10-11-2022, pelas 14:00 horas.

Em 10-11-2022 (com a ref.ª ...39), a autora apresentou requerimento no processo, com o seguinte teor:
«(…)
EMP01..., Lda, autora nos autos supra, vem, nos termos do artº 3º nº 4 do DL nº 269/98. de 1 de Setembro, expor e requerer a V. Exª o seguinte:
1. Na sequência das declarações de parte proferidas pelo legal representante da autora na última sessão da audiência de julgamento, foi pelo mesmo explicado o contrato outorgado com a EMP03..., pretendendo o mesmo demonstrar junto do digníssimo tribunal que o valor que é reclamado à ré foi efectivamente debitado pela EMP03... à aqui autora e, como tal, a ré tem acesso ao licenciamento EMP03... que foi subscrito.
a) Posto isso, atentas as declarações do representante legal da Autora na última sessão da audiência de julgamento, e tendo em vista a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, requer-se, nos termos do disposto nos artigos 5º, 6º, 7º e 423º nº 3 todos do Código de Processo Civil; artº 3º nº1 do DL 12/2021, de 09 de Fevereiro; e artº 3º, nº 4º do DL 269/98, de 01 de Setembro, que seja admitida a junção aos autos da declaração da EMP03..., onde consta expressamente a data de emissão (01/10/2021) e a validade da subscrição (22/11/2022) do EMP03... da Ré.    
2. Mais se requer a não condenação em multa, dada que a junção do documento só se mostrou necessária na sequência da última sessão da audiência de julgamento.
(…)».
Em 10-11-2022, pelas 14:00 horas, reaberta a audiência de julgamento, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
«Remeteu a Autora aos autos no dia de hoje um documento visando a demonstração de que o valor que é reclamado à Ré foi debitado pela EMP03... à demandante e como tal a demandada tem acesso ao licenciamento EMP03... que foi subscrito.
Igualmente refere nesse requerimento que a junção do documento só se mostrou necessária na sequência da anterior sessão da audiência de julgamento.
Lida a oposição, é alegado no artigo 8º que a fatura ...46 não é devida por o serviço não ter sido prestado.
Resulta assim evidente que a questão pretendida demonstrar pelo documento cuja junção ora se pretende, fora suscitada na oposição e não, como é alegado, na anterior sessão da audiência de julgamento.
Prescreve o artigo 3º, n.º 4 do DL 269/98 de 1 de setembro que “as provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até 3 testemunhas, se o valor da ação não exceder o valor da alçada do Tribunal de primeira instância, ou até 5 testemunhas, nos restantes casos”.
Resulta deste normativo que as provas são indicadas no inicio da audiência de julgamento e não no seu decurso, estando vedado às partes, alterar ou aditar os seus requerimentos probatórios após o inicio da audiência de julgamento e no seu decurso.
Resulta assim legalmente inadmissível a junção do documento pretendido, pelo que não o admito, determinando o respetivo desentranhamento e a eliminação do sistema informático.
Notifique».
De seguida, a audiência prosseguiu com a continuação das declarações de parte do legal representante da autora, após o que foram ouvidas as testemunhas BB e CC.
Finda a inquirição, pela ilustre mandatária da autora foi pedida a palavra e no seu uso disse: «Foi a autora notificada do despacho que indeferiu a junção de documento junto aos autos no dia de hoje.
Como é consabido, é do interesse público o apuramento da verdade material, podendo as partes efetuar a sua apresentação quando se verifique alguma das situações excecionais previstas no n.º 3 do artigo 423º do C. P. Civil. Tal foi o sucedido.
Na verdade, na última audiência de julgamento a autora tentou produzir a prova sob a atualidade da subscrição do serviço da EMP03..., tendo a mesma sido recusada pelo digníssimo Tribunal.
Desta feita, o documento junto é de extrema importância para apurar a verdade material, ou seja, para verificar a subsistência à data do serviço pago e prestado pela EMP03..., o que reitera-se só se verificou necessário após a última sessão de julgamento.
Ora, o incumprimento pelo digníssimo Tribunal da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão acometidos pode in casu influir na decisão da causa e é consequentemente gerador de uma nulidade processual nos termos do vertido no artigo 195º, n.º 1 e que aqui se argui nos termos dos artigos 197º e 199º do C. P. Civil para os devidos e legais efeitos».
Seguidamente, em audiência de julgamento, pela Mm. ª Juiz a quo foi proferido despacho, com o seguinte teor:
«Prescreve o artigo 195º, n.º 1 do C. P. Civil, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Não praticou o Tribunal qualquer ato proibido por lei, pelo que a imputação efetuada apenas poderá ser em virtude da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva e somente quando a omissão verificada possa influir no exame ou decisão da causa.
Invoca a Autora a violação do disposto no artigo 423º, n.º 3 do C. P. Civil.
Não poderá deixar de dizer-se que a matéria da prova está especificamente prevista no artigo 3º, nº 4 do Regime Anexo ao DL269/98 de 1 de setembro, o que afasta a aplicação da lei geral adjetiva que é o C. P. Civil.
Acresce que o documento cuja junção se pretende encontra-se datado de 1 de outubro de 2021, portanto de data anterior à instauração da presente ação.
Por outro lado, e como se referiu no despacho de indeferimento, não houve qualquer ocorrência posterior que tenha tornado necessário a apresentação do documento em causa, já que o mesmo se destina a fazer prova do facto controvertido em virtude da oposição da Ré.
A prova de factos pode ser feita por diferentes tipos probatórios e foi apenas porque alertada para a insuficiência/impossibilidade das declarações de parte para o efeito é que a Autora decidiu juntar aos autos o documento em causa - repete-se documento que podia e devia ter sido junto na audiência de julgamento.
Não se verifica pois a apontada nulidade, pelo que vai a mesma indeferida.
Custas pela Autora.
Notifique».

Do despacho que antecede foram logo os presentes notificados.
Finda a inquirição, a Mm. ª Juiz a quo declarou aberto o debate sobre a matéria de facto pertinente à causa, dando a palavra para alegações, sucessivamente, à ilustre mandatária da autora e ao ilustre mandatário da ré.
Concluídas as alegações, pela Mmª Juiz foi declarada encerrada a discussão, tendo de seguida proferido sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré no pagamento à autora da quantia global de 1.693,37 €, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal comercial desde a data de vencimento de cada uma das faturas enunciadas em d) e g) e sobre o valor por elas titulado até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.
Posteriormente, em 20-12-2022, a autora veio interpor recurso de apelação do despacho de indeferimento da junção de documento junto aos autos a dia 10-11-2022, bem como da sentença proferida a 10-11-2022, ambos proferidos em audiência de julgamento, juntado alegações de recurso.
Termina as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«I. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu a junção de documento essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa; bem como da sentença proferida a 10/11/2022 e depositada apenas a 15/11/2022, que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Recorrida ao pagamento da quantia de €1.693,37, acrescida de juros de mora desde 14/10/2020.
II. O despacho de indeferimento da junção de documento junto aos autos a 10/11/2022 é nulo;
III. O Tribunal não permitiu à Autora a produção de prova que seria essencial;
IV. O incumprimento pelo Juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, influiu na decisão da causa e, consequentemente, é geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, e que se arguiu nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC, para os devidos e legais efeitos.
V. A Recorrente não pode aceitar a sentença proferida, porque entende que a mesma, além de não aplicar correctamente a lei à matéria de fato assente e de ter apreciado a prova erroneamente, a decisão nela proferida, representaria uma injustiça inaceitável.
VI. A Recorrente tem em vista, não apenas a interpretação e a aplicação da lei aos factos já dados como provados, mas, também, a reapreciação da prova produzida, documental e testemunhal, com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para e os efeitos do estatuído no artigo 662.º do CPC.
VII. No entender da Recorrente:
• há omissão de factos que deviam ter sido dados como provados;
• há factos não provados que deveriam ter sido dados como provados;
• a manutenção da decisão além de violadora do direito vigente, gera uma injustiça social.
VIII. A Recorrente considera que deveria ter sido dado como provado que é devido pela Ré/Recorrida o pagamento da factura ...46 datada de 01/10/2021, vencida a 31/10/2021, no valor de €3.301,32; bem como o teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, o documento nº ... (condições de licenciamento da EMP03... e a informação atempada da renovação), nº 3 (... 646) e nº 4 a nº 9 (interpelações e teor dos emails trocados com a Ré/Recorrida), de fls…, no dia 15/09/2022, refª ...74 - documentos não impugnados pela Ré.
IX. Deveria ter sido dado como provado o facto i) dos factos não provados, ou seja, deveria ter sido dado como provado que a Autora/Recorrente procedeu à renovação do software EMP03....
X. Atenta a prova documental, mormente os documentos o documento nº ... (condições de licenciamento da EMP03... e a informação atempada da renovação), nº 3 (... 646) e nº 4 a nº 9 (interpelações e teor dos emails trocados com a Ré/Recorrida), de fls…, no dia 15/09/2022, refª ...74 - documentos não impugnados pela Ré - era imperioso que o aludido facto i) dos factos considerados como não provados, fosse julgado como provado. O que foi corroborado com as declarações de parte proferidas por AA e da testemunha BB, depoimentos respectivamente gravados através do sistema habilus media studio (quanto às declarações de parte prestadas na sessão de julgamento de 20.10.2022, com duração de 00:00:00 a 00:48:07 e na sessão de julgamento de 10.11.2022 com duração de 00:00:00 a 00:05:45; e quanto ao depoimento da testemunha BB, na sessão de julgamento de 10.11.2022 com duração de 00:00:00 a 00:19:06);
XI. É este o facto que se pretende ver alterado, nos termos do artº 640º do CPC.
XII. Existem um conjunto de documentos nos autos, não impugnados pela Ré, de onde decorre a existência da divida e a renovação da licença de software da EMP03....
XIII. A factura ...46 foi emitida, não reclamada, nem devolvida pela Ré/Recorrida.
XIV. A licença foi paga através do parceiro (dado que a EMP03... só trabalha através de parceiros), ou seja, através da Autora. Assim, é devido o pagamento da factura ...46 pela Ré.
XV. A divida da factura ...46 está reconhecida nos documentos juntos aos autos e não impugnados.
XVI. O Tribunal interpretou erroneamente o contrato relativo à EMP03....
XVII. O Tribunal justifica a decisão com base na clausula 13º do contrato. Contudo, tal cláusula não se aplica no caso concreto, o que foi explicado quer pelo legal representante, quer pela testemunha BB e decorre da leitura do contrato (“CONDIÇÕES DE LICENCIAMENTO E UTILIZAÇÃO DO SOFTWARE EMP03...” – Doc. ...). E até o próprio Tribunal disso tem dúvidas porquanto afirma “do clausulado do contrato parece resultar” (negrito nosso).
XVIII. No que diz respeito contrato com a EMP03... (que disponibiliza a licença para utilização e que só faz contrato através de parceiros) com a Ré aplica-se o artº 5º e 6º;
XIX. Não tendo a Ré operado a denúncia, o contrato renovou-se automaticamente, pelo que a factura ...46 é devida.
XX. Surpreendentemente o Tribunal afirma que “não foi junta aos autos qualquer prova de que não só esse pagamento foi efectuado como não foi anulado mediante a emissão, vg, de uma nota de crédito a favor da demandante.” Nem a Ré (que seria a única interessada) veio alegar semelhante suposição, bem pelo contrário. Aceitou a factura, nunca a questionou ou devolveu e ainda admitiu sempre que a pagaria, mas apenas estava com problemas de tesouraria (ver email trocados a fls…). E isto é corroborado claramente pela prova documental junta aos autos pela Autora/Recorrente e não impugnada pela Ré. Ora, se nunca a própria Ré levantou tal questão (hipoteticamente levantada pelo tribunal para justificar o injustificável…), a decisão proferida consubstancia uma verdadeira decisão surpresa, o que a torna nula por violação do direito do contraditório, nos termos do artº 3º nº 3 do CPC e artº 20º nº 4 da CRP. Violação, essa, que afecta a decisão sob recurso, tornando-a nula, nos termos do artº 615º al. d) do CPC. Consequentemente, há que anular a decisão proferida.
XXI. O Tribunal alega que as declarações de parte, prestadas pelo AA, são “como seria de esperar”. Ora tal comentário (e também vertido durante a audiência de julgamento), salvo o devido respeito, demostra inequivocamente a forma errónea como o Tribunal ab initio encarou as declarações de parte, o que é violador dos artigos 4º, 410º, 411º, 413º e 417º nº 1 todos do CPC.
XXII. O Tribunal tinha à sua frente a prova documental que comprovava precisamente o que agora alega que era essencial provar e, pura e simplesmente, numa atitude formalista e sem qualquer respeito pelos mais elementares princípios do Direito, como é o da justiça material e boa decisão da causa, não aceitou.
XXIII. Requer-se a V.Exªs, nos termos do disposto no artigo 423º nº 3 e artº 651º nº 1 ambos do CPC, que seja admitida a junção do documento, uma vez que tal documento é essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e a sua junção é apresentada nos termos e pelos motivos supra identificados.
XXIV. Não andou bem a sentença recorrida ao declarar parcialmente procedente a acção, devendo a mesma ser declarada nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do CPC, considerando os vícios existentes de contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, obscuridade geradora de ininteligibilidade; ou, caso assim se não entenda, e tendo em consideração a violação do princípio da livre apreciação da prova e dos artigos 413.º e 607.º n.º 3 e 5 do CPC, ser a mesma revogada por outra que julgue a acção totalmente procedente».
Em 15-02-2023, o Tribunal recorrido proferiu despacho admitindo o recurso da decisão final, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo e outro despacho que julgou extemporâneo o recurso da decisão de indeferimento da junção de documento junto aos autos a dia 10-11-2022, não admitindo o correspondente recurso, tendo a autora apresentado reclamação deste último despacho, nos termos do artigo 643.º do CPC.
O recurso interposto da sentença final foi remetido a este Tribunal da Relação de Guimarães e oportunamente distribuído sob o n.º 24303/22.4YIPRT.G1, após o que, a respetiva Exma. Juíza Desembargadora - Relatora decidiu que o recurso é o próprio e foi admitido com o efeito e regime de subida adequados, mais determinando a suspensão da instância recursiva até que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPC, ou o recurso do despacho que indeferiu a junção aos autos de um documento, no caso de ser deferida a reclamação, se mostre definitivamente decidido.
A reclamação apresentada contra o despacho que não admitiu o recurso da decisão de indeferimento da junção de documentos foi remetida a esta Relação e distribuída com o n.º 24303/22...., após o que, por decisão de 07-07-2023, foi deferida a reclamação, com a consequente revogação do despacho objeto de reclamação e sua substituição por outro que admita o recurso e lhe fixe o respetivo efeito e regime de subida.
Por despacho de 26-09-2023, pela Exma. Juíza Desembargadora - Relatora na apelação n.º 24303/22.4YIPRT.G1, foi determinado o seguinte:
«Conforme decorre dos autos a instância recursiva encontra-se suspensa até que, uma vez deferida a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPC, o recurso do despacho que indeferiu a junção aos autos de documento se mostre definitivamente decidido.
Na decisão que deferiu a reclamação foi revogado o despacho objeto da mesma e determinada a respetiva substituição por outro que admita o recurso e lhe fixe o respetivo efeito e regime de subida.
Verificamos (via CITIUS) que pelo Tribunal a quo foi proferido despacho a determinar que devolvidos os autos principais fosse aberto termo de conclusão.
Considerando que nestes autos a instância recursiva se encontra suspensa a aguardar a decisão a proferir no recurso que importa seja admitido (e fixado o respetivo efeito e regime de subida) em cumprimento do decidido na reclamação, determina-se que sejam os mesmos devolvidos a titulo devolutivo à 1ª Instância a fim de ser dado cumprimento ao decidido na reclamação, retornando depois a este Tribunal da Relação para continuarem a aguardar nos termos já determinados».
Remetidos os autos à 1.ª Instância, pelo Tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho: «Em obediência à decisão proferida no apenso da Reclamação (apenso A), determino a remessa dos presentes autos ao Tribunal da Relação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 643.º/6 CPC».
Após, os autos foram novamente remetidos a este Tribunal da Relação e distribuídos como apelação n.º 24303/22...., no qual foi subsequentemente determinada a remessa do processo para incorporação no processo principal.
Por decisão de 06-12-2023, a Exma. Juíza Desembargadora - Relatora na apelação n.º 24303/22.4YIPRT.G1, decidiu o seguinte:
«Conforme decorre dos autos foram interpostas pela Autora/Recorrente duas apelações, sendo uma da decisão final proferida, a única a que se reporta o presente recurso que subiu nos próprios autos, e outra do despacho proferido na audiência final que indeferiu a junção aos autos de um documento.
Mais se constata ter sido proferido despacho que admitiu o recurso da decisão final, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, e ainda proferido outro despacho que julgou o recurso da decisão de indeferimento da junção de documentos extemporâneo e não admitiu o recurso, tendo a Autora apresentado reclamação nos termos do artigo 643º do CPC da não admissão do recurso.
Como já referimos no despacho proferido em 28/04/2023, a decisão sobre o recurso do despacho que indeferiu o requerimento probatório (junção de documento) pode influenciar o desfecho do recurso da decisão final, revelando-se prejudicial relativamente à apreciação deste, uma vez que a ser procedente aquele recurso, com admissão do documento, tal poderá determinar a reformulação da decisão final, a qual é objeto do presente recurso.
Foi, por isso, por nós proferido despacho, ao abrigo do disposto nos artigos 272°, 276° n.º 1 alínea c) e 652° n.º 1, alínea g), todos do CPC, a determinar a suspensão da instância recursiva até que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPC, ou o recurso do despacho que indeferiu a junção aos autos do documento, no caso de ser deferida a reclamação, se mostrem definitivamente decididos.
Ora, na decisão que deferiu a reclamação foi proferido o seguinte despacho:
“Pelo exposto, defere-se a reclamação apresentada, e, considerada a recorribilidade da decisão recorrida, procede-se à revogação do despacho objeto de reclamação, determinando-se, consequentemente, a respetiva substituição por outro que admita o recurso e lhe fixe o respetivo efeito e regime de subida”.
Não obstante os autos terem sido devolvidos a titulo devolutivo à 1ª Instância a fim de ser dado cumprimento ao decidido na reclamação (uma vez que pelo Tribunal a quo tinha sido proferido despacho a determinar que devolvidos os autos principais fosse aberto termo de conclusão), para que retornassem depois para continuarem a aguardar nos termos já determinados, verificamos agora que em 1ª Instância foi proferido despacho a determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 643º n.º 6 do CPC, tendo os autos sido remetidos “para distribuição”, e como tal distribuídos ao Exmo Senhor Desembargador que proferiu a decisão nos autos de reclamação, para conhecer do respetivo recurso, dando origem a que o mesmo processo tivesse sido distribuído duas vezes nesta Relação a Juízes desembargadores diferentes, e à prolação de despacho nos autos n.º 24303/22.... a determinar a sua remessa para incorporação nos presentes autos.
Porém, os presentes autos encontram-se nesta Relação apenas para conhecimento do recurso interposto da decisão final, encontrando-se a instância recursiva suspensa.
Quanto ao recurso do despacho proferido na audiência final que indeferiu a junção aos autos de um documento, ao qual se reporta a reclamação, importa ainda, em cumprimento da decisão proferida na Reclamação, instruir o recurso, mediante a autuação do respetivo apenso, uma vez que o mesmo, sendo apelação autónoma (artigo 644º n.º 2 alínea d) do CPC), sobe em separado nos termos do artigo 645º n.º 2 do CPC, remetendo esse apenso referente ao recurso para ser distribuído ao Exmo Senhor Desembargador que proferiu a decisão na reclamação.
O “processo principal” a que se refere o n.º 6 do artigo 643º poderá corresponder aos autos principais, se o recurso em causa subir nos próprios autos, ou ao respetivo apenso se o recurso subir em separado.
Neste sentido refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2ª Edição, 2014, p. 150) deferida a reclamação é determinada a remessa do processo ou do apenso referente ao recurso, sendo o recurso atribuído ao juiz-desembargador que apreciou a reclamação.
Assim, considerando que nestes autos a instância recursiva se encontra suspensa a aguardar a decisão a proferir no recurso a que se reporta a Reclamação já decidida e, quanto a este, mostra-se necessária a sua instrução e autuação por apenso para ser remetido ao Exmo Senhor Desembargador que proferiu a decisão na Reclamação, remeta novamente os autos a titulo devolutivo à 1ª Instância, solicitando que, dando cumprimento ao decidido na Reclamação, proceda à instrução e autuação por apenso do recurso e remessa deste a esta Relação para atribuição ao Exmo Senhor Desembargador que proferiu a decisão na Reclamação nos termos previstos no n.º 6 do artigo 643º do CPC, para que possa ser apreciado e decidido o recurso, e solicitando que, após, retornem os presentes autos a este Tribunal da Relação para continuarem a aguardar nos termos já determinados.
Dê conhecimento às partes».
As partes foram notificadas do despacho proferido, após o que os autos foram novamente remetidos à 1.ª Instância, a título devolutivo, proferindo-se aí despacho a admitir o recurso do despacho que indeferiu a junção aos autos de documento, para subir em separado, e com efeito devolutivo, mais tendo a recorrente sido notificada para dar cumprimento ao disposto no artigo 646.º, n.º 1 do CPC, circunscrito à questão da não admissão do documento.
Extraída certidão das alegações de recurso, do despacho de fls. 134, do requerimento remetido aos autos pela recorrente em 15-01-2024, das peças processuais ali indicadas e ainda do despacho proferido, foi tudo autuado por apenso aos autos de reclamação, após o que ambos os processos foram remetidos a este Tribunal da Relação, no qual a apelação do despacho que indeferiu a junção aos autos de documento foi distribuída com o n.º 24303/22...., em virtude do falecimento do Exmo. Senhor Juiz Desembargador-relator da decisão sumária proferida no âmbito da reclamação anteriormente decidida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se o despacho de não admissão de documento junto aos autos a 10-11-2022, objeto da presente apelação, padece do vício que lhe é imputado pela recorrente, e respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências ou incidências processuais a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, por estarem devidamente documentadas nos autos.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
A recorrente insurge-se contra a decisão de não admissão de documento junto aos autos a 10-11-2022, defendendo que tal despacho é nulo pois o Tribunal não permitiu a produção de prova que seria essencial e o incumprimento pelo Juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, influiu na decisão da causa e, consequentemente, é geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, e que se arguiu nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC, para os devidos e legais efeitos.
Sendo o objeto do recurso delimitado em função das conclusões da alegação, tal como decorre do disposto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC, e vindo invocado, como único fundamento da apelação a que se reporta o presente recurso, que ocorreu incumprimento pelo Juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, influindo na decisão objeto de recurso e, consequentemente, geradora de nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, cumpre aferir se tal arguição em sede de recurso do despacho de não admissão de documento junto aos autos a 10-11-2022 configura o meio próprio para reagir contra eventuais vícios ou omissões verificadas.
As nulidades processuais, que são habitualmente classificadas em principais, nominadas ou típicas, tal como previstas nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC e, por outro lado, secundárias, inominadas ou atípicas[1], estas residualmente incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC[2], têm como uma das particularidades o regime de arguição perante o tribunal que omitiu o ato.
Ponderando as consequências decorrentes do concreto vício invocado pela apelante, parece estar em causa uma nulidade processual reportada ao citado artigo 195.º, n.º 1 do CPC, como tal dependente, como se viu, da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, sendo certo ainda assim que tal omissão só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Tratando-se de nulidade para a qual a lei não prevê um regime específico de arguição, é aplicável o regime previsto no artigo 199.º, n.º1 do CPC, que estabelece a regra geral sobre o prazo de arguição de nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Por outro lado, as causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Delimitando o âmbito das sentenças nulas, o Prof. Alberto dos Reis[3] ponderava a hipótese de saber se devem admitir-se duas categorias de nulidades - absolutas e relativas, insanáveis e sanáveis - ou se todas as nulidades da sentença são sanáveis, caso em que, em vez de se falar de nulidade, deve falar-se de anulabilidade.
Neste domínio, acaba por reconhecer que «dificilmente se descobrem casos da vida real que devam enquadrar-se na figura da nulidade absoluta», concluindo que «[t]odas as sentenças afectadas de vícios de formação ou de vícios formais, que não hajam de enquadrar-se na categoria da sentença nula, pertencem à classe das sentenças anuláveis». E enunciando o regime jurídico das sentenças anuláveis, por contraponto com as sentenças inexistentes e com as absolutamente nulas, refere: «o meio adequado para obter o suprimento das nulidades sanáveis é o recurso. A parte interessada, querendo arguir as nulidades de que enferme a sentença anuláveis, tem de servir-se do recurso; impugna a decisão mediante o recurso adequado e denuncia, na respectiva alegação, o vício que afeta a sentença».
Também no regime atual, a propósito do enunciado no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre que «entre os fundamentos de nulidades enunciados no n.º 1, um há que merece indiscutivelmente essa qualificação: é o da alínea (falta de assinatura do juiz). Trata-se dum requisito de forma essencial. O ato nem sequer tem a aparência de sentença (…)». Já «[o]s casos das alíneas b) a e) do n.º 1 excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença (…) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)», esclarecendo, a fls. 734 da obra citada, que esses vícios «carecem da arguição da parte»[4].
Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[5], em anotação ao artigo 615.º do CPC, «[i]mporta que se estabeleça uma separação entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que o regime do preceito apenas a estas se aplica; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos. Ademais, no que respeita às nulidades decisórias, as mesmas apenas podem ser suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão nos casos em que esta não admita recurso, já que na situação inversa deverão ser inseridas nas alegações do recurso de apelação».
Neste enquadramento, a eventual preterição ou omissão de uma formalidade legalmente prevista sempre estaria dependente da respetiva invocação perante o Tribunal que omitiu o ato e no prazo geral previsto para o efeito, o que no caso se verifica ter ocorrido logo em sede de audiência de julgamento.
É certo que, à luz do regime processual vigente, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que nas situações em que é o próprio juiz, ao proferir a decisão, a omitir uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou sem que tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório, ocorre uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, podendo a nulidade ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que revela a omissão de ato prescrito pela lei, sendo o recurso da sentença o meio adequado à impugnação[6].
Assim, quando ocorre uma nulidade processual que se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto, sem a prática do ato devido, o tribunal conhece de questão que não podia conhecer, por outras palavras, “o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão”, sendo certo, por outro lado,  que o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC[7].
No caso vertente, a recorrente não invoca a nulidade da própria decisão de que recorre (decisão de não admissão de documento junto aos autos a 10-11-2022), nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Por outro lado, observa-se que a apelante não se limitou a optar pela via do recurso, pois, logo em momento posterior ao indeferimento do pedido de junção de documento, ainda em sede de audiência de julgamento, arguiu a mesma nulidade processual perante o Tribunal a quo, que a indeferiu, ficando assim precludida a oportunidade da respetiva arguição no âmbito da presente apelação.
Com efeito, ainda em sede de audiência de julgamento, a ora recorrente invocou «o incumprimento pelo digníssimo Tribunal da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão acometidos pode in casu influir na decisão da causa e é consequentemente gerador de uma nulidade processual nos termos do vertido no artigo 195º, n.º 1 e que aqui se argui nos termos dos artigos 197º e 199º do C. P. Civil para os devidos e legais efeitos».
Seguidamente, em audiência de julgamento, a Mm. ª Juiz a quo proferiu despacho a julgar não verificada a invocada nulidade, indeferindo-a.
Sucede que a recorrente não interpôs recurso de tal despacho, pelo que o mesmo transitou em julgado, ficando este Tribunal da Relação impedido de apreciar novamente a nulidade invocada, por força da verificação do caso julgado formal, nos termos aplicáveis do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, exceção que é de conhecimento oficioso, nos termos previstos nos artigos 577.º, al. i), 578.º, 608.º e 663.º, n.º 2 do CPC.
A propósito das sentenças e dos despachos previstos no citado artigo 620.º, n.º 1 do CPC, referem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[8] que os mesmos «limitam, uma vez transitados em julgado (art. 628), a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível - e, por isso ineficaz (art. 625-2) - decisão posterior sobre a mesma questão que delas tenha sido objecto».
Tal como enunciado no sumário do acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 18-02-2021[9], «(…) se é proferido um despacho a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
(…) Não sendo interposto recurso desse despacho, qualquer decisão judicial posterior tem de necessariamente respeitar o caso julgado formal que se formou, sendo certo que seria ineficaz se o contrariasse (arts. 620.º, n.º 1, 625.º, n.ºs 1 e 2 e 628.º do Código de Processo Civil)».
Pelo exposto, fica prejudicado o conhecimento da nulidade invocada, assim improcedendo a presente apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da presente apelação são integralmente da responsabilidade da autora/recorrente.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Comunique o teor da presente decisão ao processo n.º 24303/22.4YIPRT.G1.
Guimarães, 21 de março de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Alcides Rodrigues (Juiz Desembargador - 2.º adjunto)



[1] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 236.
[2] Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[3] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, pgs. 122-123.
[4] Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 734 e 735.
[5] Obra citada, p. 736.
[6] Neste sentido, cf. entre muitos outros, o Ac. TRL de 08-02-2018 (relatora: Cristina Neves), p. 3054-17.7T8LSB-A. L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. o Ac. TRE de 22-11-2018 (relatora: Albertina Pedroso), p. 60337/17.7YIPRT.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[8]  Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 753.
[9] Relatora Alda Martins, p. 1929/19.8T8BCL.G1, disponível em www.dgsi.pt.