Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3650/23.3T8BRG.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: ACÇÃO POPULAR
INTERESSE DIFUSO OU COLETIVO
DANOS DE MASSAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O que distingue o objeto da ação popular que visa a reparação da violação de interesses individuais homogéneos e o objeto da ação que visa a reparação da violação de interesses meramente individuais é a ocorrência de danos de massas, resultantes da violação do interesse difuso ou coletivo refletida em múltiplas lesões individuais do mesmo género e da mesma espécie.
II. O facto de poderem existir interesses individuais que têm origem numa mesma e única alegada conduta ilícita e que, por essa via, se possa identificar um grupo de pessoas, não basta para que tais interesses possam ser tutelados através da ação popular.
III. Para tanto, é indispensável que, considerados no seu conjunto, esses interesses assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais pertencentes a uma mesma classe e que, ao mesmo tempo, sejam partilhados de forma homogénea e uniforme pelos membros da classe representada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no relatório da decisão apelada).

A autora EMP01...,  com sede na Praceta ..., em ..., intentou a presente ação popular, a prosseguir como ação declarativa com processo comum, contra a ré EMP02..., SA., com sede na Rua ..., em ..., pedindo o seguinte:

Seja declarado que a ré:
a) Teve o comportamento descrito no §3 supra;
b) Violou qualquer uma das seguintes normas: artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84; artigos 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90; artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018; artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008; artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96; artigo 11, da lei 19/2012; artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da diretiva 2005/29/ce; artigo 3, da diretiva 2006/114/ce; artigos 2 (a) (b), 4 (1), da diretiva 98/6/ce; artigo 102, do tfue;
c) Especulou nos preços das embalagens de tablete de chocolate de amêndoas, da marca ..., 135 gramas e das toalhas de plástico ..., de 120x180 centímetros na sua sucursal situada na Rua ..., em ...,
d) Publicitou enganosamente o preço das embalagens de tablete de chocolate de amêndoas, da marca ..., 135 gramas, e das toalhas de plástico ..., de 120x180 centímetros na sua sucursal situada na Rua ..., em ...,
e) Teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e doloso ou, pelo menos, grosseiramente negligente;
f) Agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares;
g) Com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;
h) Causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhecê-lo.

Em consequência de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a:
i) A indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobre preço, seja a título doloso ou negligente, em montante global:
1. A determinar nos termos do artigo 609 (2) do Cód. de Processo Civil;
2. Acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço;
3. E com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.
j) Subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobre preço causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. A fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do Cód. Civil, determinado em 0,45 euros por cada embalagem de tablete de chocolate de amêndoas, da marca ..., 135 gramas e 1,74 euros por cada toalha de plástico ..., de 120x180 centímetros respetivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Rua ..., em ..., durante, pelo menos, entre 30 de maio de 2023, às 08h00, e 10 de junho de 2023, às 14h35 (portanto, durante 12 dias seguidos, senão mais) e entre 12 de maio de 2023, às 08h00, e 12 de junho de 2023, às 18h32;
2. Acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço;
3. E com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.
k) Ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. A fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do Cód. Civil, mas nunca inferior a 1 euro por autor popular;
2. Acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;
3. E com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

l) Ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:
1. Nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que 1 euro por autor popular, in casu, agregados familiares privativos;
2. Acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;
3. E com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.
m) Ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do Cód. de Processo Civil, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente;
n) Porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores intervenientes requerer que declare que a autora, agindo como interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supra aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2) do Cód. de Processo Civil e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.
Subsidiariamente e nos termos do §4 (m):
o) O comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo sobre preço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra.
Em qualquer caso, deve:
p) O comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou;
Requer-se ainda que:
q) Decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
r) Decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
s) Seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito;
t) Declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença;
u) Declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em §16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento;
v) Declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5% sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra em §16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar;
w) Declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95.
x) Declare a autora interveniente isenta de custas;
y) Condene a ré em custas.
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A autora alega que no estabelecimento comercial da ré situado na Rua ..., em ..., no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 o chocolate de amêndoas da marca ... tinha num letreiro o preço indicado de € 1,74 e nas caixas de pagamento era cobrado aos clientes o preço de € 2,19. A autora considera que este facto consistiu em publicidade enganosa e numa prática restritiva das regras de concorrência e dos direitos dos consumidores.
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A autora alterou a causa de pedir e o pedido acrescentando que no período entre o dia 12 de maio de 2023 e o dia 12 de junho de 2023 a ré também anunciava aos seus clientes a venda das toalhas de plástico ... a um preço inferior ao que era cobrado nas caixas de pagamento.
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A ré invocou a incompetência do juízo central cível em razão da matéria, a ineptidão da petição inicial e a não verificação dos pressupostos da ação popular quanto ao tipo de interesses em que a autora fundamenta a sua pretensão.
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A autora pronunciou-se quanto a estas questões sustentando que não assiste razão à ré.
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Entendendo que o estado do processo permitia conhecer definitivamente da causa, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido:
1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência deste juízo central cível em razão da matéria para apreciar a presente ação que foi invocada pela ré;
2. Julgar verificada a ineptidão da petição inicial por falta da causa de pedir relativamente à alteração da causa de pedir e do pedido que foi requerida pela autora quanto à venda das toalhas de plástico ... no período entre o dia 12 de maio de 2023 e o dia 12 de junho de 2023 e absolver a ré da instância nesta parte;
3. Julgar verificada a ineptidão da petição inicial por falta do pedido relativamente aos pedidos formulados pela autora nas alíneas a) a h) do pedido e absolver a ré da instância nesta parte;
4. Julgar verificada a exceção dilatória inominada de falta de verificação dos pressupostos da ação popular quanto ao tipo de interesses em que a autora fundamenta a sua pretensão na parte relativa à venda do chocolate de amêndoas da marca ... no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 e absolver a ré da instância nesta parte.
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Considero que não ocorreu litigância de má fé porque a autora e a ré limitaram-se a sustentar a sua posição divergente quanto aos factos que estavam em discussão (art. 542º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil).
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Nos termos do art. 306º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil, fixo o valor da causa em € 60.000,00.
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As custas serão a cargo da autora, fixando-se o seu montante em um décimo das custas que normalmente seriam devidas (art. 20º nº3 da Lei nº83/95 de 31 de agosto).
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Registe e notifique.”.
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Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

§7 Conclusões
1. Os autores interpõem recurso de apelação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1,a) e 647 (1), todos do CPC, por terem legitimidade para tal e estarem em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC), por não se conformarem com a decisão proferida e ora recorrida e com a mesma discordarem.
2. Da sentença o tribunal a quo:
a. condenou a representante da classe em custas ao abrigo do artigo 20 (3), da lei 83/95, norma que se encontra revogada;
b. considerou a petição inicial inepta quanto à ampliação do pedido e da causa de pedir – isto relativamente ao produto que são toalhas;
c. e considerou que interesses defendidos na ação não constituem interesses individuais homogéneos, no que concerne ao produto que são chocolates ... 135 g no período entre 30/05/2023 e 10/06/2023.
3. Os factos que para a boa apreciação da causa interessam, são os que consta no §3 supra, que por questão de proficiência se dão aqui reproduzidos.
4. Quanto à condenação em custas (referido em 2.a destas conclusões):
a. a aplicação do artigo 20 (3), da lei 83/95 pela sentença recorrida é indevida pois norma foi revogada pela disposição revogatória do artigo 25 (1), do decreto-lei 34/2008, constitui um erro na aplicação da lei, devendo ser corrigido;
b. o regime atual de custas processuais na ação popular está claramente definido no decreto-lei 34/2008, especificamente no artigo 4 (1, b), que confere isenção de custas, salvo a exceção do (5) do mesmo artigo que impõe custas apenas se o pedido for julgado manifestamente improcedente.
c. a sentença recorrida errou ao condenar os autores em custas com base numa interpretação de que os pedidos foram ineptos ou de que não se tratavam de interesses individuais homogéneos, condições que não enquadram o caso em discussão como manifestamente improcedente.
d. Importante distinção deve ser feita entre “totalmente improcedente” e “manifestamente improcedente”, conforme elucidado nos acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e do Colendo Supremo Tribunal de Justiça supra referidos, sendo a segunda condição uma forma agravada de improcedência que não se verifica no presente caso e nem o tribunal a quo o declarou.
e. O entendimento de que a manifesta improcedência requer uma evidência clara da falta de fundamento dos pedidos, não foi demonstrada pela decisão recorrida, falhando assim em justificar a condenação em custas sob o artigo 4 (5), do RCP.
f. Os autos contêm argumentos e pedidos fundamentados que, mesmo não obtendo provimento total, não se enquadram na categoria de manifestamente improcedentes, pois não derivam de atitudes claramente abusivas do processo ou desprovidas de qualquer fundamento lícito e razoável.
5. Quanto à ineptidão da petição inicial relativamente às toalhas objeto da ampliação do pedido (referido em 2.b destas conclusões):
a. A alegação de ineptidão da petição inicial relativamente à ampliação do pedido quanto às toalhas não encontra sustentação jurídica ou fáctica, dado que os factos essenciais constitutivos da causa de pedir estão claramente expostos e documentados nos autos.
b. Os documentos juntos aos autos demonstram de forma inequívoca o sobre preço de 1,74 euros cobrado, permitindo ao julgador verificar facilmente a materialidade fáctica da causa de pedir e o pedido subsequente de indemnização, embora tal prova não seja necessária, mesmo sem essa prova, a petição continuaria a não ser inepta..
c. A exceção de ineptidão do pedido, como prevista no artigo 186 (1) e 2,a), do CPC, aplica-se a casos de ambiguidade ou obscuridade que tornem o pedido ininteligível, o que claramente não se verifica no presente caso.
d. A causa de pedir está fundamentada em factos concretos e subsumíveis a uma regra jurídica clara, de acordo com as lições de Miguel Teixeira de Sousa e Mariana França Gouveia supra citados em §5 sobre a teoria da substanciação, estando os factos constitutivos especificados de forma adequada para a delimitação do objeto do processo e do caso julgado.
e. A ré, ao contestar especificamente os pontos levantados na ampliação do pedido, demonstrou a compreensão clara da causa de pedir e do pedido, refutando as alegações específicas mas reconhecendo a factualidade essencial subjacente à ação, conforme demonstrado nos artigos 37, 46, 47, 61, 64 e 66 da contestação – com especial destaque para o artigo 66 da contestação, que se dá aqui como reproduzido por questões de proficiência
f. A alegada contradição entre o pedido e a causa de pedir, que poderia fundamentar uma ineptidão segundo o artigo 186 (2, b), do CPC, não se verifica, uma vez que ambos os elementos estão alinhados e claros, refletindo uma relação jurídica simples e direta entre o sobrepreço cobrado (causa de pedir) e o pedido de indemnização – tão pouco foi essa a razão que fundamentou tal decisão.
6. Quanto aos interesses em causa serem homogéneos (referido em 2.c destas conclusões):
a. O direito de ação popular, expressamente previsto no artigo 52(3) da CRP, assegura às associações de defesa dos consumidores a capacidade de promover a defesa de interesses difusos ou coletivos, incluindo a proteção dos direitos dos consumidores, como está em causa neste processo.
b. Os autores populares, nesta ação, estão a defender direitos dos consumidores, especificamente contra práticas de cobrança de sobre preços em violação dos direitos dos consumidores, um interesse claramente abrangido tanto pela CRP quanto pela legislação ordinária sobre ações populares.
c. A definição de interesses coletivos e individuais homogêneos não exige a identificação individual de todos os lesados no momento inicial da ação, sendo suficiente a determinação de uma situação comum que afete todos os membros do grupo representado, como é o caso dos consumidores que pagaram sobre preços pelos produtos da ré no período especificado.
d. A jurisprudência e a doutrina predominantes reforçam que a ação popular é adequada mesmo quando os danos individuais possam variar em quantia, desde que haja uma base comum de prejuízos decorrentes de uma prática ilícita uniformemente aplicada aos consumidores, como ocorre no presente caso.
e. A falta de homogeneidade dos interesses dos autores por variações nas circunstâncias de compra, designadamente porque as compras se estenderam por dias diferentes dentro de um mesmo período, mesmo que nesse período pudesse ter havido promoções diferentes, não desqualificam a natureza coletiva dos direitos envolvidos, nem afastam a aplicabilidade da ação popular para buscar repressão para práticas comerciais enganosas generalizadas, na medida que a génese comum é o comportamento ilícito da ré, com publicidade enganosa, e que levou à cobrança de um sobre preço aos consumidores que foram enganados por essa publicidade – o que faz sobressair a natureza homogenia dos interesses em causa.
f. A ação popular serve precisamente para permitir que consumidores, cujos danos individuais poderiam não justificar ações judiciais isoladas devido a custos e complexidades, possam buscar justiça coletivamente, fortalecendo o princípio de acesso à justiça e eficácia processual.
g. Entendimento dos Tribunais Superiores em Casos Análogos: Os argumentos contra a admissibilidade da ação por possíveis diferenças no quantum de danos entre os autores ou as datas em que os comportamentos ilícitos se manifestaram, ou até mesmo a diferença que eventualmente pudesse existir nos preços durante esse período ou no próprio anúncio (fixação)dos mesmos, não sustentam a inadmissibilidade da ação popular, porquanto o que está em causa é o sobre preço enquanto prática ilícita e que é indiferente se é um ou mais produtos, um único ou diferentes preços, um único ou vários anúncios de preço. O entendimento dos tribunais superiores, incluindo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, tem consistentemente rejeitado essa perspetiva. Em especial, no caso processado sob o número 5555/22.6T8VNG.L1, foi reconhecida a admissibilidade da ação popular mesmo com possíveis variações nos danos individuais, pois o que prevalece é a ilegalidade comum da conduta da ré contra um grupo de consumidores.
h. Entendimento Específico do Tribunal da Relação de Lisboa: A decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa destacou que a diferença no apuramento de danos entre os autores não compromete a homogeneidade dos interesses subjacentes à pretensão. Este entendimento reflete a prática judicial de priorizar a natureza coletiva dos direitos em disputa sobre as particularidades individuais que podem ser e devem ser abstraídas, o que reforça a viabilidade da ação popular como mecanismo de defesa de direitos coletivos e individuais homogéneos.
i. Entendimento do Supremo Tribunal de Justiça: O Colendo Supremo Tribunal de Justiça tem enfatizado que a tutela de interesses coletivos permite a proteção de situações individuais dos titulares até o limite em que a análise coletiva é viável, sem necessariamente dispensar uma avaliação individualizada. Este princípio apoia a legitimidade da ação popular para procurar reparação em casos onde existe um padrão de prejuízos causados por uma conduta ilícita comum (a causa tem a mesma génese comum), mesmo que os impactos específicos variem entre os consumidores afetados.
j. Doutrina: A doutrina suporta fortemente a aplicação da ação popular em casos de interesses individuais homogéneos que surgem de uma origem comum ilícita, mesmo quando há variação quantitativa nos danos ou particularidades individualizáveis, mas que podem ser abstraídas. Este entendimento é crucial para garantir que as ações populares possam ser utilizadas eficazmente para proteger os consumidores em situações de massificação de danos decorrentes de práticas ilícitas generalizadas.
k. Baseado nos argumentos apresentados supra e nos princípios jurídicos vigentes, é claro que a ação popular é um instrumento adequado para a defesa dos direitos dos consumidores neste caso. As eventuais particulares entre autores populares não devem impedir a procura de uma justiça coletiva, dada a natureza comum dos interesses em causa que assenta na conduta da ré ao aplicar um sobre preço sobre os chocolates ....
7. Com o devido respeito, parece-nos que a decisão ora decorrida, apesar do cuidado que teve em fundamentar cada ponto da sua decisão, diverge da melhor jurisprudência que tem sido produzido nos últimos tempos sobre interesses homogéneos nas ações populares e daquilo que muito bem ensina a doutrina mais autorizada.

§8 Pedido
Termos em que, ex vi do alegado supra, os apelantes rogam a Vossa Excelências, Venerandos(as), Senhores(as), Juízes(as) Desembargadores(as), que o presente recurso de apelação seja considerado meritoriamente procedente. Consequentemente, impõe-se a revogação da douta sentença exarada pelo tribunal a quo, e, concomitantemente, sejam os autos mandados descer à primeira instância para aí prosseguirem.
Em qualquer caso, devem os autores não ser condenado sem custas, pelas razões supra mencionadas em §4. Principalmente porque tem gasto imenso dinheiro nas várias ações de defesa dos consumidores, nomeadamente com vários recursos que tem sido procedentes, e apenas estão a conseguir financiar um número muito reduzido de ações populares e, os próximos financiamentos que visam obter, pretendem aplicar em pareceres jurídicos que ajudem a melhor compreender aspetos ainda pouco tratados em ações populares e de direito da União Europeia em ações de grande impacto tanto em Portugal, como em toda a União Europeia. Isto para dizer que a representante da classe tem um cuidado imenso para não iniciar ações que possam ser consideradas manifestamente improcedentes.”.
*
O Ministério Público contra-alegou, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“CONCLUSÕES:

1) A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal e está, ademais, brilhantemente fundamentada.
2) No caso concreto, importa referir que smo não se verifica aqui a aplicação da isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, alínea b), do RCP.
Assim, porquanto, esta isenção apenas terá razão de ser quando esteja efetivamente a ser exercido o direito de ação popular, e não quando, tal como sucede na presente situação, se conclua, precisamente, pela não verificação dos requisitos básicos necessários para o efeito.
3) O Tribunal a quo formou correctamente a sua convicção e conhecendo do vício parcial da ineptidão, formou decisão que, a nosso humilde ver, não merece reparo.
4) A demais relação material controvertida, tal como configurada pelo Autor, não é uma ação popular porquanto os interesses apresentados no seu conjunto não assumem uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação dos interesses singulares, pessoais e directos de cada um.
5) Donde, o instituto da tutela coletiva – diverso da acção popular, que aqui não se verificou – será porventura a forma dos cidadãos verem ressarcidos de danos que tiveram na sua esfera jurídica que, por serem comuns a um conjunto mais ou menos amplo de pessoas colocadas em situação idêntica, ganham uma proteção coletiva que devem utilizar.
6) S.m.o. não existe, assim, motivo para ser concedida razão ao Recorrente, pelo que deve ser negado provimento à apelação e, consequentemente, deverá ser mantida in tottum a douta sentença recorrida.
V. Exas., porém, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA!”.
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A ré apresentou contra-alegações, onde requereu a ampliação do objeto do recurso, terminando as mesmas com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

CONCLUSÕES
1º. Os pedidos formulados sob as alíneas i) e seguintes da p.i. estão inequivocamente numa relação de dependência face aos pedidos deduzidos sob as alíneas a) a h), em relação aos quais já transitou a decisão que julgou verificada a sua ineptidão, pelo que, salvo melhor entendimento, não se poderá conhecer do objeto do recurso.
2º. Verificada a ineptidão da petição inicial por falta do pedido relativamente aos pedidos formulados pela autora nas alíneas a) a h) do pedido e absolver a ré da instância nesta parte, e estando todos os demais pedidos absolutamente dependentes daqueles, deve considerar-se que aquele vício se comunicou a todo o restante petitório e, em consequência, deveria o tribunal recorrido declarar nula toda a p.i. e absolver a Ré da instância.
3º. Não o tendo feito, afigura-se que se terá violado o disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 195.º, n.º 1, primeira parte do CPC, com consequente nulidade por excesso de pronúncia quanto aos demais pedidos (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC), o que se requer, nos termos do artigo 636.º, n.º 2 do CPC.
4º. Mediante as presentes contralegações, a Apelada responde ao recurso interposto pela Autora e, por outro lado, requer a ampliação do objeto do recurso e argui a nulidade da douta sentença, a título subsidiário, nos termos do artigo 636.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, quanto às seguintes matérias: (i) condenação da Autora em custas nos termos gerais, (ii) exceção de falta de personalidade judiciária da Ré e (iii) exceção de incompetência material do Tribunal a quo.
5º. Quanto à condenação em custas, procedendo a pretensão da Apelante no segmento em que defende a que o artigo 20.º, n.º 3 da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto foi revogado, deverá a condenação em custas constante da sentença ser substituída por outra que condene a Autora nas custas da ação, nos termos gerais (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), o que se requer (cf. artigo 636.º, n.º 1 do CPC).
6º. A douta sentença recorrida julgou corretamente verificada a ineptidão da petição inicial por falta da causa de pedir, relativamente à alteração da causa de pedir e do pedido que foi requerida pela autora quanto à venda das toalhas de plástico ..., no período entre o dia 12 de maio de 2023 e o dia 12 de junho de 2023, e absolveu a ré da instância nesta parte, devendo, por conseguinte, ser confirmada.
7º. No que concerne à não verificação dos pressupostos da ação popular quanto ao tipo de interesses em que a autora fundamenta a sua pretensão e para além do que vem fundamentado na douta sentença recorrida, que a Apelada subscreve, considerando a índole, alcance e teor dos pedidos extensamente formulados pela Autora, que incluem danos patrimoniais e não patrimoniais e, bem assim, pedidos que parecem atender aos exclusivos interesses da Autora EMP01..., facilmente se descortina que a Ré poderia, em relação a cada um dos supostos consumidores, individualizadamente e com base nas relações contratuais que terá estabelecido com os mesmos, invocar fundamentos de defesa específicos, tanto no plano factual como no plano jurídico.
8º. Assim sendo, não competindo à Autora imiscuir-se em sede de eventual cumprimento ou incumprimento desses contratos individuais, por maioria de razão não lhe assiste o direito de acção popular com tal fim e pretendendo, sem pagar quaisquer preparos, lograr gerir uma indemnização a fixar aos alegados clientes da Apelada.
9º. Por conseguinte, não merece qualquer reparo a douta sentença recorrida, no segmento em que julgou verificada a exceção dilatória inominada de falta de verificação dos pressupostos da ação popular quanto ao tipo de interesses em que a autora fundamenta a sua pretensão, e absolveu a ré da instância nesta parte, pelo que deverá também ser confirmada nesta parte.
10º. Tendo a Autora proposto a presente ação contra a sucursal da Ré, com estabelecimento em ..., Rua ..., ..., ..., distrito ..., e não existindo a referida sucursal, é forçoso concluir que falece personalidade judiciária à Ré, devendo, em consequência da verificação desta exceção, a Ré ser absolvida da instância, o que se requer a título subsidiário (cf. artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. c) do CPC).
11º. Sendo essa exceção de conhecimento oficioso (cf. artigo 578.º do CPC) e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a mesma, deverá a douta sentença ser julgada nula (cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC), o que se requer, a título subsidiário, nos termos do artigo 636.º, n.º 2 do CPC.
12º. O Tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para julgar a presente ação popular, uma vez que a Autora imputa à Ré a prática de um ilícito penal e vários ilícitos contraordenacionais, sob pena de violação do princípio da adesão obrigatória fixado no artigo 71.º do CPP, de acordo com o qual o pedido de indemnização cível fundado na alegada prática de crimes deve ser deduzido no processo-crime.
13º. Ao decidir nos termos constantes da douta sentença recorrida, o Tribunal recorrido terá violado os artigos 3.º, 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. e) do CPC, os artigos 118.º e 130.º, n.º 1 da LOSJ e o artigo 71.º do CPP, pelo que deverá ser apreciada e verificada a incompetência material do Tribunal, nos termos do artigo 636.º, n.º 1 do CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito que o Venerando Tribunal ad quem suprirá,
Deverá ser rejeitado ou, não concedendo, ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser confirmada a douta sentença recorrida.
Quando assim não se entenda, deverá ser proferido Acórdão que, apreciando as questões objeto de ampliação do recurso pela Apelada, absolva a Ré da instância e, em qualquer caso, condene a Autora nas custas da ação, com todas as legais consequências.”.
*
A autora apresentou resposta, terminando com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem):
“§7 Conclusões
1. Inadmissibilidade da Ampliação do Recurso pela Recorrida: a ampliação do objeto do recurso pela ré, recorrida, só é admissível quando a parte não tem legitimidade para interpor recurso independente ou subordinado, o que não é o caso da recorrida.
2. A recorrida foi parcialmente vencida quanto ao regime de custas e poderia ter interposto recurso autónomo ou subordinado, não sendo admissível a ampliação do recurso neste contexto.
3. Não se verificam as circunstâncias previstas no artigo 636 (2), do CPC que permitiriam tal ampliação porquanto inexiste nulidades da sentença recorrida.
4. Inexistência de Nulidades na Sentença Recorrida: não ocorreu qualquer excesso ou omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo.
5. As questões levantadas em sede de ampliação de recurso pela recorrida foram consideradas prejudicadas pela solução dada a outras questões, não havendo nulidade a sanar.
6. Personalidade Jurídica e Judiciária da Ré: a ação foi proposta contra a sociedade “EMP02..., S.A.”, devidamente identificada no formulário Citius com personalidade jurídica e judiciária.
7. A referência a uma “sucursal” na petição inicial é meramente descritiva do local onde os factos ocorreram e não implica falta de personalidade jurídica da ré.
8. A própria ré reconheceu na contestação que a ação foi proposta contra ela, não havendo qualquer confusão quanto à sua identidade.
9. Prevalência do Formulário Citius: conforme o artigo 7 (2), da Portaria 280/2013, prevalece o indicado no formulário eletrónico submetido via Citius, onde a ré está corretamente identificada.
10. Mesmo em caso de divergência entre o formulário e a petição, tal discrepância poderia ser sanada nos termos legais, o que não afeta a validade da ação.
11. Litigância de Má-Fé por Parte da Ré: a ré litigou, em sede de ampliação de recurso, em ostensiva má-fé ao suscitar a falta de personalidade jurídica, contrariando as suas próprias declarações e conduta processual anterior.
12. Tal comportamento enquadra-se nas alíneas (a), (b) e (c) d artigo 542 (2)do CPC, justificando a sua condenação em multa e indemnização.
13. Causa Prejudicial Relativa ao Apoio Judiciário: existe uma causa prejudicial pendente relativa ao deferimento do apoio judiciário requerido pela representante da classe, que pode influenciar o presente recurso, que é a ação intentada contra a segurança social, por forma a produzir um ato de deferimento ou indeferimento por forma ao mesmo pode ser, em caso deste último, impugnado judicialmente – isto porque a segurança social tem mentido ao dizer que nunca recebeu tal pedido de apoio, quando há provas que o recebeu, incluindo em outros processos.
14. Em caso de não procedência da apelação, requer-se a suspensão da instância até decisão definitiva sobre o apoio judiciário no processo contra o Instituto da Segurança Social, I.P.
§8 Pedido
Termos em que, ex vi do alegado supra, os apelantes rogam a Vossa Excelências, Venerandos(as), Senhores(as), Juízes(as) Desembargadores(as), que seja declarada inadmissível a ampliação do recurso pretendida pela recorrida. Subsidiariamente, caso se entenda que a ampliação de recurso é admissível, deve ser reconhecida a personalidade jurídica e judiciária da ré, prosseguindo-se com a apreciação do mérito.
Deve a ré, ora recorrida, ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542 do CPC, pelas razões supra indicadas.
Caso não seja dado provimento ao recurso, deve ser ordenada a suspensão da instância até decisão transitada em julgado sobre a causa prejudicial relativa ao apoio judiciário.
Espera deferimento”.
*
A ré veio responder ao incidente de litigância de má-fé e ao pedido de suspensão da instância, nos seguintes termos:

“1. Incidente de litigância de má-fé
A Apelante pede a condenação da Apelada como litigante de má-fé porque, em resumo, a Apelada suscitou a falta de personalidade da ré, como se não fosse ela a sociedade identificada no formulário Citius, a demandada.
A Apelante nunca negou ter sido identificada no formulário (aliás, veja-se o alegado no artigo 1.º da Contestação) e, por outro lado, a exceção de falta de personalidade judiciária funda-se, sim, na causa de pedir e nos pedidos que a Autora formulou contra a sucursal da Ré, que esta sempre alegou ser inexistente (vide artigo 5.º da Contestação).
Não há, pois, qualquer contradição nem má-fé na posição assumida pela Ré desde o início nestes autos, apenas se justificando este incidente pela dificuldade da Autora em compreender ou aceitar a verificação dessa exceção.

2. Suspensão da instância
Como é sabido, o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite (artigo 24.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).
No caso vertente e como informado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. (e-mail de 30.9.2024, Ref.ª ...44), nem sequer existe tal procedimento.
Alega a Autora que intentou uma ação de condenação à prática de ato legalmente devido e que, “[a]ssim, entendem os ora recorrentes que existe causa prejudicial ao presente recurso na medida em que a decisão do Juízo Local Civil de Braga pode afetar o fundamento ou razão desta ação quanto à retro referida questão (concessão de apoio judiciário)”.
Ora, como parece evidente, a decisão sobre o recurso (e mesmo sobre a ação) não depende, em absoluto, da decisão que vier a ser proferida no âmbito daquela ação, pelo que não existe qualquer relação de prejudicialidade.
Acresce que a requerida suspensão, a determinar “caso [se] entenda que a apelação não é procedente”, é juridicamente aberrante e infundada, mais não consistindo do que uma manobra da Apelante para protelar o trânsito em julgado da decisão que eventualmente negue provimento ao recurso.
Por conseguinte, deve a requerida suspensão ser indeferida, por falta de fundamento legal.”.
*
O Ministério Público também respondeu ao pedido de ampliação do recurso deduzido pela ré, pugnando pela improcedência da invocada nulidade e do pedido de ampliação de recurso apresentados.
*
O recurso foi admitido, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação, em que se decidiu:
“- julgar improcedente a apelação;
- julgar verificada a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré, em consequência do que a absolvem da instância;
- julgar improcedente o pedido de condenação da ré, como litigante de má-fé.
Custas da acção e do recurso, pela autora/apelante, que delas está isenta”.
*
Deste acórdão recorreu a autora para o STJ, que veio a proferir a seguinte decisão:
“Em face do exposto, decide-se:
- Revogar o acórdão recorrido;
- Determinar a baixa dos autos à Relação para apreciação das questões suscitadas na apelação e cujo conhecimento ficou prejudicado pela absolvição da instância da Ré por falta de personalidade judiciária.
Custas pela Recorrida”.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Já foi decidido no anterior acórdão proferido por este Tribunal da Relação que a ampliação do objeto do recurso era admissível quanto à exceção de incompetência material do Tribunal a quo, quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia - pela não apreciação da exceção de falta de personalidade judiciária da ré e por excesso de pronúncia.
Foi também aí decidido julgar improcedentes a exceção de incompetência material do Tribunal a quo, e a nulidade da sentença por omissão de pronúncia - pela não apreciação da exceção de falta de personalidade judiciária da ré.
Bem como foram julgadas as questões relativas à falta de personalidade judiciária da ré, à condenação da autora em custas, à condenação da ré como litigante de má-fé e à suspensão da instância no caso de improcedência da apelação.

Temos assim, agora, como questões a decidir:
Da apelação:
1. verificação dos pressupostos da ação popular;
2. ineptidão da petição inicial (quanto à ampliação do pedido);
Da ampliação do objeto do recurso:
3. nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.
*
IV. Do objecto do recurso.

O direito de ação popular integra o leque dos direitos liberdades e garantias de participação política consagrados na CRP e está previsto no seu 52.º n.º 3.
No âmbito dos poderes de conformação legal conferidos por esta norma, a LAP veio definir os casos e termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas naquele artigo 52.º, n.º 3, da CRP – cfr. artigo 1.º, n.º 1, da LAP.
Nos termos do disposto pelo n.º 2, do mesmo artigo 1.º: “são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público”.
A respeito dos interesses difusos no âmbito da proteção do consumo de bens e serviços, importa ter presente o regime legal aplicável à defesa dos consumidores estabelecido na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, nomeadamente os direitos do consumidor previstos no seu artigo 3.º.
Existem vários preceitos legais, nomeadamente no âmbito da legislação respeitante à defesa do consumidor (de que é exemplo o já citado artigo 3.º da LDC), que subdividem os interesses difusos lato sensu em três categorias distintas: os interesses difusos stricto sensu, os interesses coletivos e os interesses individuais homogéneos.
Também a doutrina e jurisprudência nacionais adotam tais categorias.
Assim, tem sido entendido que: “[o]s primeiros, os interesses difusos são insusceptíveis de individualização, como por exemplo os interesses na preservação do ambiente, e do património cultural.
Os interesses colectivos dizem respeito a um grupo, uma categoria, um conjunto de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica (pertença a uma associação, a uma classe, a uma categoria) – Jorge Pegado Liz, Introdução ao Direito e à Política de Consumo, Notícias Editoras, 1999, pag. 227.
Nos interesses individuais homogéneos os membros do conjunto são titulares de direitos subjectivos clássicos, perfeitamente cindíveis, cuja agregação resulta apenas da similitude da relação jurídica estabelecida com a outra parte, relação jurídica de conteúdo formalmente idêntico (Jorge Pegado Liz, ob. cit. Pag. 228).
Os interesses individuais homogéneos, esses são a expressão individualizada dos interesses colectivos ou dos interesses difusos” (cfr. ac. do STJ de 06.07.2023, no processo 26412/16.0T8LSB.L2.S1, in www.dgsi.pt).
O que distingue o objeto da ação popular que visa a reparação da violação de interesses individuais homogéneos e o objeto da ação que visa a reparação da violação de interesses meramente individuais é a ocorrência de danos de massas, resultantes da violação do interesse difuso ou coletivo refletida em múltiplas lesões individuais do mesmo género e da mesma espécie.
Ou seja, a tutela coletiva ou popular dos interesses individuais homogéneos não é materialmente justificada pela circunstância de “os interesses em causa irradiarem sobre a esfera dos membros do grupo sob a forma de interesses individuais», antes encontrando essa justificação no facto de, tomados como um todo, assumirem «uma importância de ordem pública que excede o plano subjectivo-individual de mera compreensão atomística dos elementos que o compõem” (cfr. ac. do TRL, de 24.10.2023, processo 7692/20.2T8LSB.L2-7, in www.dgsi.pt).
Os direitos tutelados deverão ter objetivamente um carácter comunitário, isto é, um valor pluri subjetivo e os interesses subjacentes a tais ações deverão assumir um cunho meta-individual, de modo a que o interesse comum seja suficientemente difuso e geral para não se identificar com os interesses pessoais e diretos.
O facto de poderem existir interesses individuais que têm origem numa mesma e única alegada conduta ilícita e que, por essa via, se possa identificar um grupo de pessoas, não basta para que tais interesses possam ser tutelados através da ação popular. Para tanto, é indispensável que, considerados no seu conjunto, esses interesses assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais pertencentes a uma mesma classe e que, ao mesmo tempo, sejam partilhados de forma homogénea e uniforme pelos membros da classe representada (cfr. ac. do STJ de 14.03.2024 no processo 30755/22.STBLSB.S1 in www.dgsi.pt).
A tutela coletiva apenas é praticável quando é possível a coletivização de um conjunto de ações individuais, sem que seja necessária uma análise individualizada da situação de cada um dos titulares do interesse.
Para este efeito tem relevância a forma como a ação é configurada pelo autor, mas também a forma como o réu se pode defender.
De acordo com os termos em que se mostra admissível a tutela coletiva dos interesses individuais homogéneos, supra explanados, a jurisprudência vem defendendo de forma generalizada que a ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar fundamentos de defesa específicos contra algum ou alguns dos representados.
Nessa medida, essa possibilidade de o demandado numa ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados vem sendo utilizada como um critério prático para verificar se estes são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 08.09.2016 (proferido no processo nº 7617/15.7T8PRT.S1 in www.dgsi.pt): “(…) A ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar contra algum ou alguns dos representados uma defesa pessoal, isto é, quando possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra alguns desses representados. Assim, a possibilidade de o demandado numa ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados pode ser utilizada como um critério prático para verificar se eles são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo. Isto favorece que o demandado procure demonstrar que as especificidades da situação de algum ou alguns deles prevaleçam sobre os elementos de facto e de direito que lhe devem ser comuns, o que conduz a discussão para a análise da admissibilidade da ação e afasta-a dos problemas relativos ao mérito da causa.”.
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, pág. 164, para quem “a ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar contra algum ou alguns dos representados uma defesa pessoal, isto é, quando possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra alguns desses representados (…). A possibilidade de o demandado na ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados pode ser utilizada como um critério prático para verificar se eles são titulares de um mesmo interesse individual homogéne”.
Contudo, como se afirma no já citado ac. do STJ de 14.03.2024, “a mera circunstância de se verificarem elementos particulares relativamente a cada um dos consumidores, muito embora seja um elemento relevante, não pode significar, por si só, o afastamento do direito de ação popular”.
Assim, considerando este pressuposto (de que a mera existência de particularidades individuais não tem a virtualidade de, por si só, afastar o direito de ação popular), importará, em concreto, aferir se são os interesses comuns a assumir maior prevalência, caso em que haverá que concluir pela existência de um interesse difuso.
Visto estes considerandos, apreciemos o caso dos autos.
Na sua petição inicial alega a autora que no estabelecimento comercial da ré situado na Rua ..., em ..., no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 o chocolate de amêndoas da marca ... tinha num letreiro o preço indicado de € 1,74 e nas caixas de pagamento era cobrado aos clientes o preço de € 2,19.
Considera a autora que este facto consistiu em publicidade enganosa e numa prática restritiva das regras de concorrência e dos direitos dos consumidores.
A autora pretende assim, tutelar os interesses dos consumidores que, de acordo com a sua alegação, terão adquirido os referidos bens com o preço superior ao anunciado, tendo sido induzidos em erro provocado pela ré.
Reclama a existência de danos de natureza patrimonial (diminuição do património) e não patrimonial (desconfiança, preocupação, transtornos).
Invoca a autora que a presente ação visa a defesa de interesses difusos e interesses individuais homogéneos.
Entendeu-se na decisão apelada, no que para a questão agora em discussão releva,  que: “A autora pretende que sejam abrangidos todos os consumidores que adquiriram estes chocolates no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 sustentando que neste período a ré tinha num letreiro o preço indicado de € 1,74 e nas caixas de pagamento era cobrado aos clientes o preço de € 2,19. A sua pretensão consiste em que seja decidido que ao longo de todo este período (durante 12 dias seguidos senão mais, como afirma) a ré adotou uma prática especulativa e de sobre preço relativamente ao chocolate de amêndoas da marca ....
Na contestação a ré invocou que no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 5 de junho de 2023 estava a decorrer uma promoção em que o preço cobrado aos clientes era efetivamente de € 1,74 e que no período entre o dia 6 de junho de 2022 e o dia 10 de junho de 2023 já não estava a decorrer a promoção, pelo que passou a cobrar o preço de € 2,19 que correspondia ao preço normal. Acrescentou que apenas cobrou o preço de € 2,19 quando a promoção já não estava a decorrer e apresentou uma listagem destas vendas. Invocou também que a autora não tem conhecimento de qualquer venda que tenha ocorrido enquanto a promoção estava a decorrer e em que tenha sido cobrado o preço de € 2,19 e que a venda que a levou a intentar a presente ação ocorreu no dia 10 de junho de 2023. Finalmente, juntou uma cópia do letreiro referido pela autora em que consta expressamente que o preço de € 1,74 era promocional e referia-se a uma promoção válida no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 5 de junho de 2023.
Atendendo a estes elementos, não é possível a tutela coletiva pretendida pela autora. Com efeito, não podem ser protegidos indiscriminadamente todos os consumidores que adquiriram os chocolates no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 sem saber, perante cada consumidor, se a venda ocorreu no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 5 de junho de 2023, no qual o preço anunciado era de € 1,74, ou no período entre o dia 6 de junho de 2022 e o dia 10 de junho de 2023, no qual o preço cobrado podia ser de € 2,19.
Temos, assim, que não estamos perante uma massa coletiva de ações em que é possível decidir atendendo apenas aos aspetos comuns que são invocados pela autora, mas perante uma situação em que é imprescindível atender a aspetos relativos à situação individual de cada dos consumidores incluídos no universo que a autora pretende que seja abrangido, o que não permite a forma de tutela coletiva da ação popular.”
Nas suas alegações recurso, invoca a apelante que os argumentos contra a admissibilidade da ação por possíveis diferenças no quantum de danos entre os autores ou as datas em que os comportamentos ilícitos se manifestaram, ou até mesmo a diferença que eventualmente pudesse existir nos preços durante esse período ou no próprio anúncio (fixação) dos mesmos, não sustentam a inadmissibilidade da ação popular, porquanto o que está em causa é o sobre preço enquanto prática ilícita e que é indiferente se é um ou mais produtos, um único ou diferentes preços, um único ou vários anúncios de preço.
Mais invocou que a tutela de interesses coletivos permite a proteção de situações individuais dos titulares até o limite em que a análise coletiva é viável, sem necessariamente dispensar uma avaliação individualizada. Este princípio apoia a legitimidade da ação popular para procurar reparação em casos onde existe um padrão de prejuízos causados por uma conduta ilícita comum (a causa tem a mesma génese comum), mesmo que os impactos específicos variem entre os consumidores afetados.
Ora, os pedidos deduzidos pela autora, e que ainda se mantêm, permitem que a ré, em relação a cada um dos possíveis autores populares, possa, individualizadamente e com base nas relações contratuais que terá estabelecido com os mesmos, invocar fundamentos de defesa específicos, tanto no plano factual como no plano jurídico.
Com efeito, tais pedidos permitem que a ré invoque em relação a cada um dos possíveis autores populares, e de forma individualizada, a aceitação expressa do preço praticado, a prescrição, a compensação, a inexistência de quaisquer danos, ou mesmo a inexistência de qualquer relação que sustente os pedidos formulados pela autora.

Impor-se-á a análise de cada uma das situações individualizadas, designadamente o concreto percurso contratual de cada um dos consumidores alegadamente abrangido por tal situação e a verificação em concreto e em cada caso dos pressupostos para a verificação de vício da vontade (erro) bem como dos danos. Esta necessidade de identificação indicia a circunstância de não estar em causa um verdadeiro interesse difuso, mas sim um interesse individual de cada um dos clientes naquelas circunstâncias, o que nos afasta da tutela de interesses individuais homogéneos, “precisamente, pela necessidade de apreciação e aferição do percurso contratual em cada uma das situações.” (cfr. ac. da Relação de Lisboa de 24.10.2023 no processo 7692/20.2T8LSB.L2-7 in www.dgsi.pt).

Temos assim que é inultrapassável a disparidade de situações cogitáveis e a falta de uniformidade da tutela jurisdicional que, consequentemente, poderia ser dispensada aos autores.
E cremos que a homogeneidade dos interesses individuais em causa nesta ação fica prejudicada pela eventual alegação de forma individualizada, da aceitação expressa do preço praticado, da prescrição, da compensação, da inexistência de quaisquer danos, ou mesmo da inexistência de qualquer relação que sustente os pedidos formulados pela autora.
Tais circunstâncias podem diferenciar e individualizar as relações contratuais estabelecidas entre a ré e os diversos consumidores prejudicados com a cobrança de um preço superior ao anunciado nos letreiros o que demandaria a análise do percurso contratual individual de cada um desses representados.
Contudo, como se disse já, a mera existência de particularidades individuais não tem a virtualidade de, por si só, afastar o direito de ação popular, sendo contudo um critério prático a atender, para verificar se estes são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo.
Assim, para além deste critério, que entendemos aqui se verificar, deverá, em concreto, aferir-se se são os interesses comuns a assumir maior prevalência, caso em que haverá que concluir pela existência de um interesse difuso.

Quanto a esta matéria, afirmou-se na decisão apelada: “Também tem sido entendido que, ainda que seja invocada uma conduta ilícita do demandado e que por essa via seja possível identificar um conjunto de pessoas lesadas, a ação popular apenas é admissível se os seus interesses no seu conjunto assumirem uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação dos interesses individuais de cada um.
Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2024, de acordo com o qual 'o facto de poderem existir interesses individuais que têm origem numa mesma e única alegada conduta ilícita e que por essa via se possa identificar um grupo de pessoas, não basta para que tais interesses possam ser tutelados através da ação popular; para tanto, é indispensável que, considerados no seu conjunto, esses interesses assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais pertencentes a uma mesma classe e que, ao mesmo tempo, sejam partilhados de forma homogénea e uniforme pelos membros da classe representada'.
Como referimos, na presente ação está em causa que no período entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 a ré tinha num letreiro o preço indicado para o chocolate de amêndoas da marca ... de € 1,74 e nas caixas de pagamento era cobrado aos clientes o preço de € 2,19.
Atendendo a que os chocolates não são um bem de primeira necessidade e de largo consumo pela generalidade dos consumidores, afigura-se-nos que este facto não pode ser considerado uma questão de ordem pública com relevância bastante para justificar a utilização da ação popular, pese embora a notória ampliação que é feita pela autora na petição inicial.
Importa salientar que na presente ação não está em causa o funcionamento do mercado de comércio de bens alimentares, a dimensão da ré e dos demais agentes deste marcado ou uma análise generalizada da sua forma de atuação, o que, além de exceder largamente a competência deste juízo central cível, não se insere na atividade jurisdicional dos tribunais, mas nas competências próprias das autoridades administrativas que atuam nesta área.”.
Nas suas alegações de recurso a autora, em bom rigor, quanto a tal nada disse.
Considerando os factos alegados e os pedidos formulados nos presentes autos, não nos parece resultar a homogeneidade e uniformidade e, muito menos, a tutela de um interesse de ordem pública que se deve ter como exigível e que transcenda os meros interesses privatísticos de cada uma das citadas pessoas.
Estamos perante um bem de consumo que não é de primeira necessidade, que terá sido vendido a alguns consumidores, com um valor superior ao anunciado, naquela específica loja da ré, em ..., naquele curto espaço de tempo.
Aliás, se bem virmos, foram formulados pedidos que parecem atender aos exclusivos interesses da autora “EMP01...” (cfr. os pedidos vertidos nos pontos M., N., T., V. e W.) e não de qualquer dos autores populares.
Assim, o que se verifica é que estão unicamente em causa direitos subjetivos das pessoas que, entre o dia 30 de maio de 2023 e o dia 10 de junho de 2023 terão adquirido à ré chocolate de amêndoas da marca ..., mas não a violação de um direito de natureza coletiva ou difusa.
Razão pela qual, é de confirmar a decisão apelada.
Sendo confirmada a decisão apelada, que julgou verificada a exceção dilatória inominada de falta de verificação dos pressupostos da ação popular, desnecessário se torna conhecer das restantes questões supra enunciadas (ineptidão da petição inicial quanto à ampliação do pedido e no âmbito da ampliação do objeto do recurso a nulidade da sentença por excesso de pronúncia).
Improcede, pois, a apelação.
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes que constituem este Coletivo da 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente, e em consequência, confirmar a decisão apelada.
Custas da ação e do recurso, pela autora/apelante, que delas está isenta.
*
Guimarães, 4 de novembro de 2025

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Paula Ribas
Elisabete Moura Alves