Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA RIBAS | ||
Descritores: | INJUNÇÃO INCOMPETÊNCIA MATERIAL APROVEITAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1 – Nos termos do art.º 99.º do C. P. Civil, apenas a oposição justificada do réu pode obstar à remessa do processo para o Tribunal materialmente competente, se o autor requerer tal remessa. 2 – Não é justificada a oposição manifestada pelo réu que se alicerça na impossibilidade de dedução reconvenção se, na situação em apreço, tal reconvenção poderia ter sido deduzida, e não foi, no articulado de contestação apresentado. 3 – Não constitui oposição justificada a invocação, apenas de forma genérica, de “meios” e “questões”, adjetivas ou substantivas, próprios da jurisdição competente, que não foram utilizados / invocados, sem que estejam sequer identificados. 4 – Invocando a parte, como fundamento da sua oposição, que estava impedida de deduzir pedido reconvencional atenta a forma do processo, considera-se tal oposição justificada se a parte estava de facto impedida de o deduzir, por manifesta incompetência material do Tribunal que se declarou incompetente em razão da matéria para a apreciação da ação e ainda que este fundamento específico não tenha sido invocado pelo recorrente para justificar a não dedução de reconvenção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Paula Ribas 1ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira 2ª Adjunta: Raquel Rego 9554/23.2YIPRT.G1 Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório: EMP01... Lda intentou a presente injunção no Balcão Nacional de Injunções, pedindo a condenação do requerido Município ... no pagamento da quantia de 36.334,40 euros, acrescida de juros vencidos e despesas. Alegava para o efeito ter celebrado um contrato de empreitada de obras públicas, tendo, nos termos do acordo celebrado, emitido faturas relativas aos trabalhos prestados, identificadas no requerimento injuntivo e que não foram pagas, exigindo o seu pagamento. O requerido Município apresentou contestação, tendo, no que agora interessa, excecionado a incompetência material do Tribunal para conhecimento da situação sub judice, por estar em causa um contrato de empreitada de obras públicas que estaria assim sujeito ao regime jurídico de direito público, sendo, portanto, competente o Tribunal Administrativo. Perante a oposição deduzida foram os autos remetidos à distribuição na Comarca ..., Juízo Local Cível ..., tendo sido exercido o contraditório pela requerente em relação à exceção de incompetência material invocada. Foi proferido despacho a julgar procedente a exceção de incompetência material do Tribunal, considerando ser materialmente competente o Tribunal Administrativo e, em conformidade, absolveu o requerido Município da instância. Em face dessa decisão, e nos termos do art.º 99.º do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil), veio a requerente requerer a remessa dos autos para o Tribunal competente, pretensão que mereceu a oposição do requerido Município constante do requerimento de 12/05/2023. Apreciando a pretensão da requerente, ordenou o Mm.º Juiz a quo a remessa dos autos ao Tribunal competente por despacho proferido em 17/05/2023, com o seguinte teor: “No seguimento da declaração de incompetência material deste tribunal, o Requerente veio, ao abrigo do artigo 99.º, n.º 2 do CPC requerer a remessa dos autos para o tribunal materialmente competente. De acordo com o citado artigo «Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada». A Requerida opôs a tal remessa alegando que os autos não estão em condições de prosseguir a sua ulterior tramitação junto do tribunal materialmente competente, pois que pela natureza jurídica da injunção, os articulados não se revelam idóneos a, em termos finais, e dentro de uma lógica de plena e cabal composição do litígio, conhecer das questões convocadas. A oposição à remessa do processo para o tribunal onde a ação deveria ter sido proposta é justificada quanto tal remessa for suscetível de prejudicar o réu, o que sucede (i) quando determina uma restrição das garantias do réu; (ii) A defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou de outras questões que só nesta assumam pertinência; (iii) O réu não tenha utilizado todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente;(iv) A defesa se tenha centrado na invocação da exceção de incompetência absoluta, atenta a evidência desta, com um justificável menor desenvolvimento das demais questões; (v) A defesa apresentada careça de ser ampliada no novo tribunal. (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 08.07.2020, processo n.º 1250/19.1T8BRG.G1 em www.dgsi.pt). Ora, nos presentes autos é necessário analisar se caso no procedimento de injunção tivesse a menção de que caso fosse à distribuição seria competente a jurisdição administrativa. O processo de injunção é dedutível também contra entidades públicas, seguindo-se depois no contencioso administrativo o meio processual adequado (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 11.02.2015, processo n.º 00447/14.5BEBRG). Também segundo o Acórdão da Relação de Évora, datado 07.05.2020, processo n.º24120/19.9YIPRT.E1, é admissível o recurso ao procedimento de injunção visando cobrar crédito emergente da execução de contrato público. Se for deduzida oposição, a competência para o julgamento da ação cabe aos tribunais administrativos, seguindo-se a forma de processo declarativo, prevista no artigo 35.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Desta forma, seria possível à Autora recorrer ao processo de injunção, sendo que nestes autos, o problema colocou-se ao nível do tribunal competente caso fosse apresentada oposição. Assim, e conforme já decidido no despacho que declarou a incompetência material deste juízo cível, o tribunal para o qual o Autora deveria ter requerido o seguimento dos autos, se o processo fosse à distribuição, era o tribunal administrativo. Neste sentido, e uma vez que a injunção poderia depois correr termos no tribunal administrativo, os meios de defesa da Ré não são suprimidos, na medida em que estes são os mesmos se a injunção fosse remetida diretamente para o Tribunal Administrativo pelo Balcão Nacional de Injunções ou por este tribunal ao abrigo do artigo 99.º, n.º 2 (na jurisprudência dos tribunais centrais administrativos é pacífico o entendimento de que o processo de injunção é dedutível também contra entidades públicas, seguindo-se depois no contencioso administrativo o meio processual adequado - neste sentido ver os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.01.2010, processo n.º 05635/09, e de 20.11.2014, processo 05608/09, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 01.07.2010, processo 00337/09.3 BEAVR). Não cabe a este tribunal analisar se a Autora deveria ter recorrido ou não ao procedimento de injunção, mas tão só verificar se os direitos de defesa da Ré são postos em causa. Sucede que, podendo a Autora recorrer ao procedimento de injunção e caso seja apresentada oposição ser competente o tribunal administrativo, não se verifica uma diminuição dos direitos da Ré quando comparado com um particular relativamente a quem é intentada uma injunção. No seguimento do exposto, decide-se remeter os presentes autos para o Tribunal Administrativo de Mirandela ao abrigo do artigo 99.º, n.º 2 do CPC”. * Inconformado com esta decisão, veio o requerido recorrer do despacho proferido, apresentando as seguintes conclusões. “I - O presente recurso é interposto do despacho de 17 de maio que decidiu remeter os presentes autos ao TAF ..., apesar do réu ter apresentado oposição à remessa. II. Nos termos do disposto no artº 99, nº 2 do CPC a remessa só pode concretizar-se caso a oposição não seja justificada. III. O despacho recorrido não faz qualquer apreciação relativamente à argumentação expendida pelo recorrente e justificadora da sua oposição à remessa. IV. Era sobre a oposição que o tribunal recorrido deveria, prima facie, centrar a sua apreciação, para concluir ou não que a mesma era injustificada. V. Em vez disso resolveu-se teorizar acerca de uma hipótese que nenhuma das partes suscitou. VI. Por isso, a decisão recorrida é carente de fundamentação bastante para indeferir a oposição à remessa apresentada pelo réu. VII. Ao assentar a sua decisão no facto dos tribunais administrativos oferecem as mesmas garantias de defesa dos tribunais comuns desfoca a questão essencial. VIII. Aliás se tal fosse suficiente não passava de letra morta o inciso final do artº 99, nº 2, ao condicionar a remessa à inexistência de oposição justificada. IX. Este entendimento tem também subjacente que o tribunal ao qual foi distribuído o processo não pode declarar a existência de erro na forma do processo. X. A injunção é um mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas. XI. O regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual. XII. Pelo que é incompatível com situações de contornos complexos referentes a responsabilidade civil obrigacional, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão são de natureza complexa pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam. XIII. Que é o caso dos autos em que está em causa um contrato de empreitada pública. XIV. O que importa apurar é se a oposição que o réu apresentou é ou não justificada. XV. Na oposição, remetendo para a oposição à injunção, invocou-se que a adjudicatária violou grosseiramente as suas obrigações contratuais, daqui resultando uma obrigação de indemnizar o réu. XVI. E que a atuação da autora causou prejuízos ao réu suscetíveis de fundamentarem pedido de compensação que não são pedidos por se achar vedada a dedução de pedido reconvencional. XVII. E invoca-se que a factualidade elencada integra o domínio da responsabilidade civil, matéria que esta excluída do DL 62/2013. XVIII. E que existem questões de natureza jurídica quer substantivas quer adjetivas que não foram invocadas, precisamente por serem exclusivas dos processos administrativos. XIX. O réu apresentou oposição à remessa para os tribunais administrativos, devidamente justificada XX. Pelo que deve ser revogado o despacho recorrido”. Não foram apresentadas contra-alegações. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – Questão a decidir:Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se a oposição manifestada pelo requerido Município à remessa dos autos ao Tribunal materialmente competente se deve considerar justificada, impedindo assim o aproveitamento dos atos processais praticados no Tribunal que se julgou materialmente incompetente. * III - Fundamentação:Dispõe o n.º 2 do art.º 99.º do C. P. Civil que “se a incompetência for decretada depois de findos os articulados podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada”. Na situação dos autos, perante o requerimento apresentado pela requerente EMP01... Ldª, deduziu o requerido Município oposição. Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código Civil Anotado, pág. 230, em anotação à norma em causa, este “nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades (…). No correspondente nº 2 do artigo 105º do CPC de 1965, o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. O Anteprojeto da Comissão contentava-se com o requerimento do autor, apresentado dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão, ao qual o réu não se podia opor. O Projeto da Comissão reduziu o prazo para 10 dias e a Proposta de Lei admitiu a oposição do réu, acolhendo parecer do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com o que se fixou a redação deste número. Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da proteção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho. Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância – o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta –, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da ação) ou a tramitação de qualquer incidente […]”. Tal como decorre dos Acórdãos do Tribunal de Relação de Guimarães de 23/11/2017, do Juiz Desembargador Alcides Rodrigues, e de 19/05/2022, da Juiz Desembargadora Anizabel Sousa Pereira, aqui Juiz Adjunta, “a oposição é justificada quando a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta seja suscetível de prejudicar o réu. E a remessa é apta a prejudicar o réu, pelo menos, nas seguintes situações: a) Quando determina uma restrição das garantias do réu; b) A defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou outras questões que só nesta assumam pertinência; c) O réu não tenha utilizado todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; d) A defesa se tenha centrado na invocação da exceção de incompetência absoluta, atenta a evidência desta, com um justificável menor desenvolvimento das demais questões; e) A defesa apresentada careça de ser ampliada no novo tribunal”. A oposição tem assim de conter em si mesma uma justificação que possa ser valorada, ainda que não seja da competência do Tribunal que se declarou materialmente incompetente apreciar da viabilidade de procedência dos fundamentos invocados junto do Tribunal competente. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/03/2023, in www.dgsi.pt do Juiz Desembargador Carlos Gil, proc. 30/22.1T8PVZ.P1, “a necessidade de justificação da oposição à remessa para o tribunal competente aponta no sentido da necessidade de uma fundamentação, ainda que com um menor grau de exigência, segurança e certeza do que a requerida em sede de fundamentação de qualquer pretensão em geral, porventura com um grau de exigência similar ao da necessidade de justificação do receio de lesão do direito acautelado no domínio dos procedimentos cautelares”. Resta saber se podemos considerar que a oposição apresentada pelo requerido Município é justificada, como entende a recorrente, ou se, pelo contrário, tal como entendeu o Tribunal a quo, não sendo a mesma justificada, a oposição não obsta à requerida remessa. Confrontado com o pedido de remessa formulado pelo requerente, os fundamentos apresentados pelo requerido para deduzir oposição à remessa dos autos ao Tribunal competente foram os seguintes: a) a injunção não visava apenas a apreciação do pedido de cobrança formulado pela requerente mas também a matéria da oposição, estando alegado que a “adjudicatária violou grosseiramente as suas obrigações contratuais e, cremos, pelos dados que possuímos, que está incursa na obrigação de indemnizar o dono da obra”; b) o requerido Município alegou que a situação contratual dos autos “causou prejuízos de diversas espécies ao dono da obra”, resultante da violação das obrigações contratuais, alegando existir fundamento para invocar a compensação de créditos, pedido que formulou, não podendo formular pedido reconvencional, como desejaria; c) o processo de injunção não permite que os autos prossigam junto do tribunal materialmente competente, não sendo os articulados idóneos a, em termos finais, conhecer das questões convocadas; d) tanto mais que aqui entram em matéria de responsabilidade civil, matéria que se acha excluída pela alínea c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL n.º 62/2013, de 10/05; e) o requerido não utilizou todos os meios de que lhe era possível lançar mão se a requerente não tivesse intentado a ação neste Tribunal – manifestamente incompetente materialmente - e o tivesse feito no competente Tribunal Administrativo; f) diversas questões jurídicas substantivas e adjetivas não foram suscitadas na sua contestação precisamente por serem exclusivas dos processos que correm termos nos tribunais administrativos. Assiste razão ao recorrente quando refere que nem todos os argumentos por si apresentados para manifestar a sua oposição à remessa do processo para o Tribunal materialmente competente chegaram a ser apreciados, centrando-se o despacho recorrido na questão da possibilidade de utilização do processo injuntivo quando estão em causa litígios de natureza administrativa. A questão apreciada foi, porém, também suscitada pelo requerido Município como fundamento de oposição. Com efeito, alegou o recorrente que uma ação com estas características não poderia seguir a forma de processo injuntivo, pois que não estaria apenas em causa a cobrança de um crédito, mas também a responsabilidade decorrente do incumprimento do contrato (que é por si invocada como fundamento de oposição). Ora, o que o Tribunal recorrido apreciou foi, precisamente, a possibilidade de esta cobrança de crédito – de natureza administrativa – se fazer através de processo de injunção, considerando que se poderia recorrer a tal procedimento simplificado, com a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo competente após a apresentação da oposição, indicando jurisprudência do Tribunal Central Administrativo que admitia a utilização do procedimento de injunção. Esta afirmação do Tribunal de 1.ª Instância não é colocada em causa pelo recorrente - pelo contrário - que não contesta tal possibilidade nas suas alegações de recurso. O que reitera agora o recorrente é que não pode ser utilizado o procedimento de injunção quando, em oposição, o requerido suscita questões que estão para além da cobrança do crédito pedida pelo autor e que revelam uma maior complexidade do litígio, alegando que a matéria por si invocada não pode ser apreciada no âmbito do DL 62/2013, de 10/05 (e que possibilita a utilização do procedimento de injunção quando estão em causa transações comerciais, independentemente do seu valor). Esta alegação carece de sentido. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2023, da Juiz Desembargadora Eugénia Cunha, proc. 101974/21.1YIPRT.P1, são “duas as situações suscetíveis de justificarem o recurso ao procedimento de injunção em função da natureza da obrigação incumprida: i) a de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (DL nº 269/98, de 1/9); ii) a de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, agora pelo DL nº 62/2013, de 10/5”. E continua afirmando, “residindo o critério de aferição da propriedade/adequação da forma de processo em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor”, é, para tal, necessário analisar a “petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa, quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”, carecendo de “fundamento a não admissão da utilização da injunção e do procedimento que lhe subjaz, decorrente da apresentação de oposição, a contratos que suscitem questões de resolução mais complexas”. Ou seja, não é a complexidade das questões suscitadas em sede de oposição que torna inadmissível a utilização do procedimento de injunção, havendo apenas que, como na situação em apreço fez o Tribunal recorrido, verificar se tal procedimento é suscetível de ser utilizado na jurisdição considerada competente. Alega ainda o recorrente que não utilizou todos os meios de que lhe era possível lançar mão se a requerente não tivesse intentado a ação neste Tribunal – incompetente materialmente - e a tivesse intentado no competente Tribunal Administrativo, existindo ainda diversas questões jurídicas substantivas e adjetivas que não foram suscitadas na sua contestação precisamente por serem exclusivas dos processos que correm termos nos tribunais administrativos. Este fundamento não foi apreciado pelo Tribunal a quo. Nenhum meio, questão jurídica substantiva ou adjetiva foi invocada pelo requerido Município no requerimento em que se opôs à remessa dos autos para o Tribunal Administrativo, não o tendo feito, também, no recurso que interpôs. E se, como se disse, ao Tribunal incompetente materialmente não compete apreciar a viabilidade das questões que quem se opõe à remessa possa invocar, certo é que se exige um mínimo de alegação para que se possa considerar justificada a oposição manifestada. Como aconteceu na situação referida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/03/2023 já citado, “no requerimento em que o recorrente se opôs à pretensão da recorrida de remessa deste processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal ... não há a referência a uma qualquer questão concreta que não tenha colocado perante a jurisdição cível e que colocaria na jurisdição administrativa se porventura a ação aí tivesse sido instaurada ab initio”. No caso dos autos, esse mínimo não existe, desconhecendo-se em absoluto, porque não foram invocados, quais os “meios” ou “questões” não foram aqui utilizados / invocados em sede de oposição e que o recorrente pretenderia utilizar em sede de nova oposição junto do Tribunal Administrativo. Fundamentou ainda o recorrente a sua oposição na circunstância de não ter deduzido reconvenção, alegando que pretendia tê-la deduzido e não o fez porquanto o procedimento de injunção não a admite. Este fundamento não foi apreciado pelo Tribunal recorrido. Esta alegação constava já efetivamente da oposição deduzida pelo requerido Município. A reconvenção, na ação injuntiva que se transforma em ação comum, atento o seu valor, admitiria a dedução de pedido reconvencional. Com efeito, estando em causa a cobrança de um crédito de valor superior a 15.000,00 euros (emergente de transação comercial, como assinalado no requerimento injuntivo), à apresentação da oposição seguem-se os termos do processo comum (e não o processo especial da ação declarativa prevista no DL n.º 269/98, de 01/09), sendo naturalmente admissível a dedução de reconvenção. Vide, por todos, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/01/2015, da Juiz Desembargadora Rita Romeira, proc.8336/14.7YIPRT.G1, e do Tribunal da Relação de Guimarães 19/11/2020, da Juiz Desembargadora Helena Melo, proc. 98436/18.5YIPRT.G1, in www.dgsi.pt, neste se referindo que “nas ações para cobrança de valores superiores a metade da alçada da Relação, como é o caso da presente, reguladas pelo DL 62/2013, cujo artº 10º, nº 1 determina que o atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida e o seu nº 2 estabelece que a dedução da oposição determina a aplicação da forma de processo comum, será de admitir a reconvenção, pois que a parte contrária poderá responder-lhe. Com efeito, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor: i) nas injunções destinadas à cobrança de dívida fundada em transação comercial, com valor superior a €15.000,00, em que tenha sido deduzida oposição, segue os termos do processo comum (art.º 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio); ii) nas injunções destinadas à cobrança de dívida de valor não superiores a €15.000,00, a forma de processo especial (art.º 3.º a 5.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro)”. Porém, na situação dos autos, existiria uma clara incompetência do Tribunal Comum para apreciar um pedido reconvencional que tivesse por fundamento qualquer questão relativa à execução do contrato público em causa nestes autos (art.º 4.º, n.º1, alínea e), do ETAF), obstando tal incompetência material, por si só, à dedução do pedido reconvencional – vide art. 93.º, nº2, do C. P. Civil. Daqui decorre que o requerido Município não deduziu reconvenção e, não estando impedido de o fazer pelo facto de os autos terem origem num requerimento injuntivo, atento o seu valor, tal impossibilidade de dedução resultaria da incompetência material do Tribunal Comum para a apreciação da específica causa de pedir reconvencional que é pressuposta pelo requerido Município. Na apreciação da justificação da oposição à remessa dos autos para o Tribunal competente “entrarão em linha de conta não apenas os argumentos formalmente expostos pelo réu, como ainda outros que a concreta situação justifique, envolvidos na margem de apreciação do juiz que, designadamente, emerge do facto de a remessa ser encarada como uma possibilidade e não como um efeito decorrentes do mero confronto entre as posições assumidas pelas partes ou do exercício de um direito potestativo”, nas palavras de António dos Santos Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, pág. 141. Este fundamento – a impossibilidade de dedução de reconvenção -, ainda que não exatamente pelas razões invocadas pelo requerido, constitui oposição justificada à remessa destes autos para o Tribunal Administrativo, pois que a decisão de absolvição da instância do requerido por incompetência material do Tribunal Comum permitir-lhe-á, no futuro, na ação que a requerente decida intentar no tribunal competente, a dedução de tal pedido reconvencional. Procede assim a apelação, impondo-se a revogação do despacho recorrido e que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo. Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil): 1 – Nos termos do art.º 99.º do C. P. Civil, apenas a oposição justificada do réu pode obstar à remessa do processo para o Tribunal materialmente competente, se o autor requerer tal remessa. 2 – Não é justificada a oposição manifestada pelo réu que se alicerça na impossibilidade de dedução reconvenção se, na situação em apreço, tal reconvenção poderia ter sido deduzida, e não foi, no articulado de contestação apresentado. 3 – Não constitui oposição justificada a invocação, apenas de forma genérica, de “meios” e “questões”, adjetivas ou substantivas, próprios da jurisdição competente, que não foram utilizados / invocados, sem que estejam sequer identificados. 4 – Invocando a parte, como fundamento da sua oposição, que estava impedida de deduzir pedido reconvencional atenta a forma do processo, considera-se tal oposição justificada se a parte estava de facto impedida de o deduzir, por manifesta incompetência material do Tribunal que se declarou incompetente em razão da matéria para a apreciação da ação e ainda que este fundamento específico não tenha sido invocado pelo recorrente para justificar a não dedução de reconvenção. IV – Decisão: Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em conformidade, revogam a decisão proferida de remessa dos autos para o Tribunal Administrativo. Custas do recurso pela requerente, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil. Guimarães, 9 de novembro de 2023 (elaborado, revisto e assinado eletronicamente) |