Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7108/18.4T8GMR.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
BENEFICIÁRIA VIÚVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I. O processo especial emergente de acidente de trabalho é a forma processual que deve ser utilizada pela beneficiária viúva para peticionar indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais com base na culpa do empregador e seus representantes. Ocorre erro na forma do processo se a beneficiária utilizar a forma comum.
II. Se a beneficiária viúva na tentativa de acidente de trabalho aceita que a seguradora é a única responsável com base no risco e pelas prestações “tarifadas”, tendo tal acordo sido judicialmente homologado, fica-lhe vedado a possibilidade de em nova acção, seja ela qual for, exigir a reparação dos demais danos não cobertos por via, quer por força das especificidades adjectivas e substantivas da lei de acidentes de trabalho e do respectivo processado, com fases próprias e regras de preclusão, quer por efeito do caso julgado inerente ao acordo judicial.
III. Aos familiares não beneficiários a quem não foi permitido intervir na acção de acidente de trabalho deve ser facultado o recurso à acção comum, porque o acordo da beneficiária viúva não lhes é oponível e a todo o direito deve corresponder uma acção – 2º/2, CPC.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTORES E ORA RECORRENTES

1º - M. J., viúva do acidentado/sinistrado;
2º, 3º e 4º - R. M., F. R., R. A., filhos do acidentado/sinistrado.

RÉUS E RECORRIDOS:

1º - X ‐ Acabamentos Têxteis S.A., empregadora;
2º – M. P., chefe de manutenção da empregadora;
3º - A. C., responsável e coordenador do departamento de Segurança e Saúde no Trabalho.

ESPÉCIE DE ACÇÃO: foi intentada acção de processo comum.

Previamente os autores haviam intentado acção no foro cível (Instância Central Cível de Guimarães) contra os mesmos réus e com base na mesma causa de pedir. Foi declarada procedente a excepção de incompetência material, absolvendo os réus da instância (por o acidente de trabalho ser a base da causa de pedir). A decisão foi alvo de recurso, sendo confirmada na Relação de Guimarães, subindo até ao STJ, que, por acórdão de 6-11-2018, confirmou o acórdão recorrido, pelo que a questão da competência se tem por definitivamente fixada- 101º/1, CPC.

PEDIDOS FORMULADOS NOS PRESENTES AUTOS- Que seja:

julgada totalmente procedente por provada para todos os efeitos legais, e assim devem ser todos os Réus, considerados responsáveis pelo acidente que vitimou o falecido D. M., e em consequência:
Devem ser todos os Réus, solidariamente condenados a pagar aos Autores, a quantia global de 445.000,00€ (Quatrocentos e Quarenta e Cinco Mil Euros) discriminada da seguinte forma:
1) 100.000,00€ (Cem Mil Euros) a titulo de indemnização pela supressão do direito à vida do seu falecido marido e pai D. M.;
2) 50.000,00€ (Cinquenta Mil Euros) a titulo de indemnização pelos danos morais sofridos pelo falecido marido e pai D. M. antes da sua morte;
3) 30.000,00€ (Trinta Mil Euros) a titulo de indemnização pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais próprios sofridos pela Autora M. J. com o falecimento do seu marido D. M.;
4) 175.000,00€ (Cento e Setenta e Cinco Mil Euros) a titulo de indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos pela Autora M. J. e resultantes da perda de rendimentos futuros provenientes do trabalho do seu falecido marido D. M.;
5) 30.000,00€ (Trinta Mil Euros) a titulo de indemnização pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais próprios sofridos pelo 2.º Autor R. M. com o falecimento do seu pai D. M.;
6) 30.000,00€ (Trinta Mil Euros) a titulo de indemnização pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais próprios sofridos pelo Autor F. R. com o falecimento do seu pai D. M.;
7) 30.000,00€ (Trinta Mil Euros) a titulo de indemnização pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais próprios sofridos pelo Autor R. A. com o falecimento do seu pai D. M..”

CAUSA DE PEDIR: em 09/01/2015, ocorreu um acidente de que foi vítima mortal o marido e pai dos AA., quando este trabalhava nas instalações e sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª ré, reparando uma bomba de extração de água, quando rebentou a caldeira e foi expelida água quente, o que lhe provocou queimaduras e lesões determinantes da sua morte. O acidente foi causado pela violação culposa pelos réus de regras e condições de segurança e de saúde no trabalho. A responsabilidade culposa pela produção do acidente é atribuída à entidade empregadora e a dois seus funcionários, chefe de manutenção e responsável e coordenador do departamento de segurança e saúde no trabalho, respectivamente, 2º e 3º réus. Alega-se que se comprovou degradação do material no corpo cilíndrico com fissuração ramificada. Invoca-se a violação do disposto nos artigos 6º, 2, 13º, 2, 19º, 1 do DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro (verificação de equipamentos de trabalho e de sistemas de segurança/bloqueio), 15º, 2 da Lei 102/2009 de 10/07 (o empregador deve zelar pelo exercício da actividade em condições de segurança), 18º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro (agravamento da responsabilidade no acidente), e 483º 349º, 351º, 483º, 493º, 1 e 2, 497º, 1, 500º, 1 e 503º do Código Civil.
A ré contestou por impugnação e por excepção. Arguiu as excepções de: erro na forma do processo porque o pedido formulado pelos AA teria de ser necessariamente formulado em acção emergente de processo especial e não na presente acção declarativa sob a forma de processo comum; excepção de caso julgado e excepção de autoridade de caso julgado porque o acidente de trabalho e sua reparação foi objecto de decisão no processo especial emergente de acidente de trabalho 245/15.9T8GMR, onde a beneficiária cônjuge ora autora e a seguradora chegaram a acordo na fase conciliatória, acordo objecto de homologação; de falta de interesse em agir, de prescrição e de caducidade. Impugna a restante matéria, mormente quanto a ocorrência de culpa.
Em resposta às excepções (que mais importam ao recurso) dizem os AA quanto ao erro na forma do processo que apenas está em causa matéria de responsabilidade extracontratual e não matéria laboral. Refutam a existência de caso julgado, dado que não se verifica a tríplice identidade de pedido (ora pedem-se sobretudo danos morais), nem de causa de pedir (funda-se na responsabilidade civil extracontratual e não no acidente de trabalho), nem tão pouco de partes (apenas a 1ª autora foi parte nos autos de acidente de trabalho na qualidade de beneficiária, nunca tendo intervindo os demais ora autores, filhos, mas não beneficiários).
Previamente à presente acção comum, em virtude do acidente de trabalho, correu termos processo especial de acidente de trabalho, sob o n.º 245/15.9T8GMR, Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juizo do Trabalho de Guimarães- Juiz 1, em que intervieram, mormente na tentativa de conciliação, a ora 1ª autora, viúva, na qualidade de beneficiária (representada por mandatário, Dr. J. C., que ora também patrocina todos os AA), a empregadora (representada por advogada, Dra. A. R., que ora também patrocina a demandada empregadora), e a seguradora do trabalho.
Os autos findaram por acordo obtido na tentativa de conciliação, realizada em 12-01-2015, acordo judicialmente homologado. No mesmo a autora viúva/beneficiária aceitou conciliar-se com a seguradora, a qual assumiu toda a responsabilidade pelo sinistro, ficando obrigada ao pagamento à ora 1ª autora de 20,00€ de despesas de transporte, 1.990,00€ de despesas de funeral, 5.533,70 € relativamente a subsídio por morte, pensão anual e vitalícia de 4.222,56 € a partir de 11/01/2015. A entidade empregadora na tentativa de conciliação declarou “Uma vez que a entidade seguradora assume agora toda a responsabilidade infortunística emergente do acidente dos autos, nada mais tem a declarar, requerendo que seja dispensada da ulteriora tramitação dos autos”. O acordo foi judicialmente homologado em 29-10-2105 e transitou em julgado.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):

No despacho saneador proferiu-se decisão sobre a excepção de erro na forma do processo do modo que segue:
Pelo exposto, julgo procedente o invocado erro na forma do processo e, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 199º nºs 1 e 2, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), do C. P. Civil, aplicáveis por força do disposto na al. a) do nº 2 do artº 1º do C. P. Trabalho, absolvo as RR. da instância.
Custas pelos AA.”

OS AUTORES RECORRERAM DESTE DESPACHO:

No introito do recurso declaram os AA que a juiz a quo na sentença deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar e que foram alegadas pelos Autores, arguindo nulidade da decisão por falta de pronúncia – 615/1/d) CPC.
Porém analisado todo o requerimento de interposição de recurso- alegações e conclusões-, em momento algum se volta sequer a aludir a tal matéria. Ou seja, não se faz nenhuma explanação dos factos que consubstanciam as sobreditas nulidades. Afigura-se que se terá tratado de lapso na invocação de nulidade (decorrente do uso comum de formulário). Assim sendo, por falta de objecto, consigna-se que não se conhecerá da arguição de nulidade.

CONCLUSÕES:

1) Os Autores/Recorrentes…. discordam da Douta Sentença….. absolveu as RR. da instância.
2) O que está em causa nos presentes autos não é matéria laboral mas sim matéria de responsabilidade civil extracontratual.
3) No caso em apreço, os autores pretendem ser indemnizados dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de um sinistro que vitimou o falecido D. M., marido da Autora e pai dos Autores, consubstanciado no facto de, num determinado momento, um bem móvel (cilindro/depósito de condensados com capacidade para 6.000 litros com mais de 59 anos de idade e sem ser periodicamente revisto e inspecionado) de propriedade da 1ª Ré e sobre a qual impendia o dever de vigilância por parte da 1º, 2º e 3º Réus e no exercício de uma atividade perigosa exercida pela 1ª Ré e pelos seus funcionários 2º e 3º Réus, ter rebentado parcialmente provocando a expelição da agua quente (entre 60º a 100º graus) para o exterior tendo provocado queimaduras no corpo do D. M., as quais lhe causaram direta e necessariamente à sua morte.
4) Os autores fundam a sua pretensão e apoiam o seu pedido, como tal, relativamente a todos os Réus, no instituto jurídico da responsabilidade civil, seja em termos de responsabilidade civil por factos ilícitos (artºs 483º e segs., do C.C. e sobretudo artigo 493º do C.Civil - Danos causados por coisas, animais ou actividades perigosas), seja em termos de responsabilidade civil objetiva, fundada no risco (artºs 499º e segs., do C.C.), e não na relação jurídica laboral (subordinação jurídica) que terá existido entre o falecido D. M. (marido da Autora e pai dos Autores) e a 1.ª Ré, fazendo corresponder o quantum do pedido formulado, aos danos que lhes advieram, como consequência dos comportamento ilícitos ou fundados no risco não só da 1.ª Ré, mas também dos 2º e 3.º Réus, descritos na sua petição Inicial.
5) Os Autores demandaram outros dois Réus, o 2º e o 3º, os quais não tinham nenhum vínculo laboral com o falecido D. M. (marido da Autora e pai dos Autores).
6) Temos, assim, que, em função dos pedidos formulados pelos autores, o que está em causa na presente ação é algo que até pode ter configurado um acidente de trabalho, mas que se não confina aos limites desse conceito, contendendo com a esfera mais lata da responsabilidade civil extracontratual, fundada em culpa ilícitos (artºs 483º e segs. do CC, sobretudo artigo 493º do C.Civil - Danos causados por coisas, animais ou actividades perigosas), ou no risco. (artºs 499º e segs., do C.C.).
7) Nos presentes autos, os Autores formulam um único pedido de condenação solidaria de todos os Réus, a pagarem-lhes uma indemnização por danos patrimoniais e danos morais sofridos pela própria vitima, e por eles próprios, em consequência da morte daquela.
8) Os titulares do direito à pensão por morte em acidentes de trabalho são apenas e tão só os enunciados no artigo 57º da LAT (Lei n.º 98/2009 de 04.09), sendo que no caso em apreço a única titular/beneficiária da pensão por morte do falecido D. M. no referido processo de acidente de trabalho (Proc. 245/15.9T8GMR) foi apenas e tão só a aqui 1ª Autora na qualidade de cônjuge e não os seus filhos aqui 2º, 3º e 4º Autores.
9) Conforme consta da ata de tentativa de conciliação (Proc. 245/15.9T8GMR) os ora 2º 3º e 4º Autores não tiveram qualquer intervenção processual no processo de acidente de trabalho por morte do seu pai e que correu termos pelo Tribunal da Comarca de Braga – Guimarães – Inst. Central – 3ª Secção Trabalho – J1, um processo Especial de Acidente de Trabalho - Morte com o número 245/15.9T8GMR, ou seja, os ora 2º, 3º e 4º Autores não foram partes no mesmo processo de acidente de trabalho e muito menos foram titulares/beneficiários de qualquer pensão ou indemnização por morte do seu falecido pai.
10) Os autores fundam a sua pretensão nos presentes autos e apoiam o seu pedido, como tal, relativamente a todos os Réus, no instituto jurídico da responsabilidade civil, seja em termos de responsabilidade civil por factos ilícitos (artºs 483º e segs., do C.C. e sobretudo artigo 493º do C.Civil - Danos causados por coisas, animais ou actividades perigosas), seja em termos de responsabilidade civil objetiva, fundada no risco (artºs 499º e segs., do C.C.).
11) Os beneficiários em sede de acidente de trabalho (cfr. artigo 57º da LAT) não são os mesmos que em sede de responsabilidade civil extracontratual (cfr. art. 496º C.Civil).
12) Subsidiariamente e para a hipotese de ter ocorrido o vício processual de erro na forma de processo, ou seja, a pretensão dos Autores não ter sido deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas,
13) O mesmo vicio só determinará a anulação de todo o processo, (como excepção dilatória) e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada (artºs. 193º, nºs 1, 2 e 3; 278º, nº 1, al. b); 576º, nº 2, e 577º, al. b), todos do C P C.)
14) Nos presentes autos, a petição inicial dos autores, bem como todas as demais peças processuais subsequentes, podem ser aproveitadam para a forma de processo que eventualmente venha a ser considerada como adequada, designadamente para a remessa dos mesmos ao processo que com o n.º 245/15.9T8GMR, correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juizo do Trabalho de Guimarães- Juiz 1 (Acidente de Trabalho – Morte), e subsequente reabertura da a instância civil por acidente de trabalho para conhecimento de direitos dos ora Autores (danos não patrimoniais).
15) O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
16) De tal facto não resulta nos presentes autos uma diminuição de garantias do réus.
17) O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte deverá corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. (cfr. artigo 193º, n.º1, 2 e 3 do CPC - Erro na forma do processo ou no meio processual )
18) Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
19) O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá -lo (cfr. artigo 6º n.ºs 1 e 2 d do CPC – “Dever de gestão processual”).
20) Pelo exposto, ao abrigo do preceituado, entre outros que V.Ex.as mui doutamente suprirão, nos artigo 193º, n.º1, 2 e 3 e 6º n.ºs 1 e 2 todos do CPC, deverá ser revogada a douta sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por douto despacho que determine que se sigam os termos processuais adequados,
21) Designadamente que os presentes autos, sejam remetidos para o processo que com o n.º 245/15.9T8GMR, correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juizo do Trabalho de Guimarães- Juiz 1 (Acidente de Trabalho – Morte), devendo dessa forma a instância civil por acidente de trabalho ser reaberta para conhecimento de direitos dos ora Autores, pois que, nesses mesmos autos a única titular/beneficiária da pensão por morte do falecido D. M. foi apenas e tão só a aqui 1ª Autora na qualidade de cônjuge e não os seus filhos aqui 2º, 3º e 4º Autores, não tendo assim os direitos (danos não patrimoniais) dos ora 1º, 2º, 3º e 4º Autores sido apreciados em virtude de acidente de trabalho que vitimou o seu falecido pai e marido sobre os quais não houve formação de caso julgado.
22) A participação do acidente de trabalho foi apresentada atempadamente (13/01/2015) e deu origem ao processo de acidente de trabalho por morte do marido e pai dos Autores que com o processo n.º 245/15.9T8GMR correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juizo do Trabalho de Guimarães- Juiz 1 (Acidente de Trabalho – Morte)- tem eficácia para impedir a caducidade de uma segunda ação (a dos presentes autos) proposta na sequência do mesmo acidente, apesar de nesta serem discutidos direitos não conhecidos naquele (o evento que lhes deu origem é o mesmo).
23) Os direitos emergentes de acidente de trabalho têm natureza indisponível, como decorre do art.º 12.º da LAT aprovada pela Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro), e os processos de acidente de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes, como resulta do nº 1, alínea e) e n.º3 do artº 26º do C. P.T.. 24) O artº 79, nº 1, da LAT (Lei n.º 98/2009), estipula que o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
25) Do artº 26º, nº 4, do C. P. Trabalho também resulta que nas acções emergentes de acidentes de trabalho a instância se inicia com o recebimento da participação do acidente (ou seja em 13/01/2015)
26) Por isso, o momento a atender para efeito da caducidade do direito da acção não é o da data da propositura da acção respeitante à fase contenciosa do processo, mas sim o da data da participação, que marca o início do processo e da sua fase conciliatória – artº 99º, nº1, CPT, o que no processo de acidente de trabalho por morte do seu pai e que correu termos pelo Tribunal da Comarca de Braga – Guimarães – Inst. Central – 3ª Secção Trabalho – J1, um processo Especial de Acidente de Trabalho - Morte com o número 245/15.9T8GMR ocorreu em 13/01/2015.
27) Nada obsta a que a instância civil por acidente de trabalho possa ser reaberta para conhecimento de direitos que, por qualquer razão, não tenham sido apreciados numa acção que já tenha tido lugar, em virtude de determinado acidente de trabalho e sobre os quais não haja formação de caso julgado.
28) A participação do acidente de trabalho foi apresentada atempadamente (13/01/2015) e deu origem ao processo de acidente de trabalho por morte do marido e pai dos Autores, que com o processo n.º 245/15.9T8GMR correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juizo do Trabalho de Guimarães- Juiz 1 (Acidente de Trabalho – Morte) tem eficácia para impedir a caducidade da segunda acção proposta na sequência do mesmo acidente, apesar de nesta serem discutidos direitos não conhecidos naquele (o evento que lhes deu origem é o mesmo).
29) O dever de reparação dos danos não patrimoniais, em casos de acidentes resultantes da falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos da lei geral – artº 18º, nº 2, da LAT -, concretiza-se numa indemnização de danos que não vem especificamente prevista na Lei n.º 98/2009, mas antes noutras fontes normativas gerais, designadamente nos artºs 483º, nº 1, e 562º do C.Civil, ou seja, no instituto jurídico da responsabilidade civil, seja em termos de responsabilidade civil por factos ilícitos (artºs 483º e segs., do C.C. e sobretudo artigo 493º do C.Civil - Danos causados por coisas, animais ou actividades perigosas), seja em termos de responsabilidade civil objetiva, fundada no risco (artºs 499º e segs., do C.C.).
30) A Douta Sentença Recorrida violou, entre outras que V.Ex.as mui doutamente suprirão, as seguintes disposições legais:
1. artigos n.ºs 483º, nº 1, e 562º do C.Civil, ou seja, no instituto jurídico da responsabilidade civil, seja em termos de responsabilidade civil por factos ilícitos (artºs 483º e segs., do C.C. e sobretudo artigo 493º do C.Civil - Danos causados por coisas, animais ou actividades perigosas), seja em termos de responsabilidade civil objetiva, fundada no risco (artºs 499º e segs., do C.C.);
2. artigo 193º, n.º1, 2 e 3 do CPC - Erro na forma do processo ou no meio processual);
3. artigo 6º n.ºs 1 e 2 d do CPC – “Dever de gestão processual”);
4. artigo 12.º da LAT aprovada pela Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro);
5. artigo 26º nº 1, alínea e) e n.º3 do C. P.T..

.... DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, DEVENDO O TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, AO ABRIGO DO PRECEITUADO, ENTRE OUTROS, NOS ARTIGO 193º, N.º1, 2 E 3 E 6º N.ºS 1 E 2 TODOS DO CPC, SUBSTITUIR A MESMA POR DOUTO DESPACHO QUE DETERMINE QUE SE SIGAM OS TERMOS PROCESSUAIS ADEQUADOS, DESIGNADAMENTE QUE OS PRESENTES AUTOS SEJAM REMETIDOS PARA O PROCESSO QUE COM O N.º 245/15.9T8GMR CORREU TERMOS PELO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA, JUIZO DO TRABALHO DE GUIMARÃES- JUIZ 1 (ACIDENTE DE TRABALHO – MORTE), DEVENDO DESSA FORMA A INSTÂNCIA CIVIL POR ACIDENTE DE TRABALHO SER REABERTA PARA CONHECIMENTO DE DIREITOS DOS ORA AUTORES, POIS QUE, NESSES MESMOS AUTOS A ÚNICA TITULAR/BENEFICIÁRIA DA PENSÃO POR MORTE DO FALECIDO D. M. FOI APENAS E TÃO SÓ A AQUI 1ª AUTORA NA QUALIDADE DE CÔNJUGE E NÃO OS SEUS FILHOS AQUI 2º, 3º E 4º AUTORES, NÃO TENDO ASSIM OS DIREITOS (DANOS NÃO PATRIMONIAIS) DOS ORA 1º, 2º, 3º E 4º AUTORES SIDO APRECIADOS EM VIRTUDE DE ACIDENTE DE TRABALHO QUE VITIMOU O SEU FALECIDO MARIDO E PAI E SOBRE OS QUAIS NÃO HOUVE FORMAÇÃO DE CASO JULGADO.

CONTRA-ALEGAÇÕES DOS RR (SÍNTESE) – propugnam pela improcedência da apelação. Em suma alegam que em consequência do acidente que vitimou o marido da 1ª autora e pai dos demais autores já correu termos acção especial de acidente de trabalho onde interveio a ora 1ª autora, a qual chegou a acordo com a seguradora laboral, que assumiu ser a entidade responsável, tendo aquele sido judicialmente homologado. A ora 1ª autora nunca alegou qualquer circunstância relativa à existência de violação de regras de segurança no trabalho. Os pedidos dos AA teria de ser formulados nessa acçao, dado que o acidente laboral é a base do presente litígio e a própria lei de acidentes de trabalho ressalva a possibilidade de ressarcimento de danos não patrimoniais. O facto de os 2º, 3º e 4º AA não serem beneficiários não é relevante para a aferir a forma correcta do processo. Atenta a especificidade da acção especial, os actos praticados na acção comum não podem ser aproveitados. Ademais, a instância de acidente de trabalho não pode ser reaberta porque tal não tem respaldo legal e contraria o efeito de caso julgado. Deve manter-se a decisão recorrida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os vistos e o recurso foi apreciado.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)): erro sobre a forma do processo e suas consequências, mormente saber se é possível o aproveitamento dos actos praticados.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO (DE FACTO E DE DIREITO)

A- Os factos a considerar são os mencionados no relatório.

B- DIREITO

Está em causa saber se os autores ao utilizaram o processo comum para reclamar os seus direitos indemnizatórios fizerem uso da forma correta ou se, ao invés, deveriam ter recorrido à acção especial emergente de acidente de trabalho, prevista nos artigos 99º e ss, CPT.
O erro na forma do processo é um vício processual (nulidade) decorrente do uso pela parte de uma inadequada forma tramitacional – 193º CPC.
A lei prevê processos especiais e o processo comum. O processo especial aplica-se “nos casos expressamente previstos na lei”. O processo comum aplica-se aos casos a que não corresponda processo especial - 48º/3, CPT e 546º, CPC.
Portanto, o processo comum é residual. Deve ser usado quando ao caso não corresponda processo especial segundo um princípio de subsidiariedade, vigorando a regra da tipicidade de formas processuais.
A forma é um conjunto sequencial de actos e procedimentos que devem obrigatoriamente ser observados.
A intenção da lei não é o culto da forma, o processo tem uma mera função instrumental. O conjunto de procedimentos que caracterizam as formas processuais especiais devem ser percebidos à luz dos direitos substantivos que servem. As formas processuais existem para efectivar os direitos e as obrigações previstos nos regimes legais substantivos.
É suposto que a um determinado pedido corresponda a tramitação mais apropriada e que melhor se coadune a decidir a pretensão.
Facilmente se alcança, por exemplo, que em matérias mais técnicas a tramitação inclua perícias/assessorias técnicas, como acontece no processo de despedimento colectivo. Ou, ainda, que determinadas formas de processo estejam imbuídas de características de oficiosidade, atenta a natureza pública dos interesses que estão em jogo, como é o caso dos processos de menores e, também, consabidamente, o caso dos acidentes de trabalho. O que gera, por vezes, formas de processo com uma regulamentação mais minuciosa e menos livre, impondo às partes, não só regras a cumprir em momento próprio, mas também regimes de preclusão se as não observarem.
Feita a introdução, no caso há que distinguir a actuação processual da 1ª autora (viúva) da actuaçao processual dos 2º, 3º e 4º autores (filhos).
A primeira, na qualidade de viúva, tem o estatuto de beneficiária do direito às prestações específicas de reparação por acidente de trabalho e, como tal, interveio no processo especial destinado à sua efectivação, que correu termos no tribunal de trabalho.
Os demais autores, filhos de idade superior a 18 anos, não se apresentaram no referido processo como beneficiários do direito a reparações infortunísticas – 57º e 60º da Lei 98/2009, de 4-09 (doravante designada de nova LAT, aplicável aos acidentes, como os dos autos, posteriores a 1-01-10).
Esta diferença irá ditar diferentes soluções.

Quanto ao erro na forma de processo no que se refere à primeira autora beneficiária:

A acção emergente de acidente de trabalho é um processo especial previsto na lei adjectiva laboral - 21º/3 e 99º e ss CPT.
A sua tramitação é profundamente sui generis, em muito distinta do comum das acções. Mormente, porque o impulso processual inicial não cabe às partes, a acção não se inicia com o articulado petição inicial, numa primeira fase é dirigida pelo Ministério Público, pode nem sequer chegar a atingir uma fase contenciosa, pode nem chegar a ter partes propriamente ditas, nem articulados, nem audiência de julgamento.
Importa saber o que cabe neste processo e a que se destina.
Constata-se ser este o instrumento destinado a efectivar o direito substantivo à reparação de danos que provoquem a redução da capacidade de ganho ou morte do trabalhador em resultado de acidente de trabalho, de que são titulares o sinistrado e determinados familiares que a lei denomina de beneficiários (1º, 2º, 8º nova LAT).
A reparação por acidente de trabalho tem subjacente o reconhecimento da necessidade social de um sistema que tutele a situação do trabalhador e família, economicamente dependentes da sua prestação de trabalho e que ficam privadas da sua fonte de rendimento, por força de acidente que provoque morte ou incapacidade física.
Como tal, foi instituído um sistema privado em que, nos casos de trabalho dependente, o empregador/empresário é o primeiro responsável pela reparação e encargos do trabalhador ao seu serviço. Assumindo os riscos resultantes da actividade económica que explora e de que beneficia, com obrigação de transferência dessa responsabilidade para uma seguradora, reforçando-se assim as garantias do trabalhador em receber as prestações a que tem direito (7º, 79ª nova LAT).
Contudo, o acidente pode ter diversas causas e radicar, assim, em diferentes fontes de responsabilidade civil, sendo, consequentemente, também diferentes os sujeitos da obrigação de reparação.
O regime regra subjacente à responsabilidade do empregador é o da responsabilidade pelo risco (2) assente nas teorias de risco económico e da autoridade, conforme se infere da própria extensão do conceito de acidente de trabalho (8º e 9º NLAT)
Neste regime, as prestações a que o credor (trabalhador/família) tem direito são unicamente as especificadas na lei de acidente de trabalho, designadamente pensões por morte ou por incapacidade permanentes, indemnizações por incapacidade temporária, prestações médicas ou medicamentosas, subsidio de funeral- 23º NLAT. São também estabelecidos limites máximos aos montantes a atribuir, incluindo tabelas de pensões e indemnizações abaixo dos danos reais.
Ou seja, o direito à reparação por acidente de trabalho baseada no risco tem um “carácter tarifário e limitado” (3).
Não são cobertos todos os prejuízos patrimoniais. Ficando de fora outros danos, designadamente os lucros cessantes de outras actividades laborais que o sinistrado possa desenvolver para outrem que não aquele ao serviço de quem se acidentou.
Também não são cobertos os danos não patrimoniais, como por exemplo o dano decorrente da perda do direito à vida e os danos não patrimoniais próprios dos familiares.
No regime desta fonte de obrigação (risco) subjaz uma tentativa de equilíbrio entre a necessidade de compensar o trabalhador/beneficiário, que em razão de incapacidade física/morte fica sem meios de subsistência, e as obrigações do empregador que só é responsabilizado porque tem uma organização económica onde se insere o trabalhador dependente, mas em que em mais nada contribui para ao acidente.
A este direito à reparação baseado no risco corresponde, assim, do ponto vista adjectivo/processual, uma pretensão/pedido que não poderá incluir outros danos que não sejam exclusivamente os “tarifados” na lei de acidentes de trabalho.
Do ponto de vista dos sujeitos processuais, apenas poderão figurar, do lado activo, o sinistrado ou os beneficiários e, do lado passivo, apenas o empregador substituído pela seguradora (por força do seguro), ou só o empregador caso não tenha transferido totalmente essa responsabilidade, ou ambos, caso haja apenas transferência parcial.
Contudo, a responsabilidade extracontratual pelo risco pode concorrer com a responsabilidade extracontratual por culpa do empregador (subjectiva) (4), ou até do empregador e dos seus representantes, ou mesmo com a culpa de outro trabalhador ou de terceiros estranhos à relação laboral (5). São casos de obrigações solidárias (6) em que, a acrescer à garantia dada pelo risco, poderão ser vários outros os responsáveis caso se prove a ocorrência/concorrência de culpas.
Donde, várias hipóteses se podem desenhar, dispondo os titulares do direito indemnizatório de diversos caminhos processuais à sua disposição.
Sublinhe-se que a própria lei de acidentes de trabalho prevê tais situações, não se limitando a regular apenas a responsabilidade pelo risco do empregador/seguradora.
Face ao invocado na acção, interessa a hipótese da reparação por responsabilidade civil subjectiva (culpa) do empregador e seus representantes, decorrente da inobservância das regras de segurança no trabalho.

O artigo 18º da NLAT dispõe que:

“1-Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante, ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária ela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” - 18º/1, NLAT.

A ideia de que nestes caso o ressarcimento abrange todos os danos patrimoniais e não patrimoniais é confirmada no nº 4, do mesmo artigo 18º, NLAT:
(“4-No caso previso no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária…”(sublinhado nosso)
Dos normativos decorre que se a causa do acidente de trabalho for baseada na culpa do empregador e “representantes”, o titular do respectivo direito indemnizatório, a acrescer às prestações típicas decorrentes do risco laboral, pode exigir em tribunal indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e pode exigi-los de todos os responsáveis solidários.
Em que processo então?
Os recorrentes parecem partir do pressuposto de que no processo de acidente de trabalho só são exigíveis as “prestações típicas”. E que a 1ª autora beneficiária seria livre de formular as pretensões que entendesse. E que, as não expressamente formuladas, o poderiam ser a todo o tempo e noutro lugar.
Veremos que não é bem assim.
A forma do processo é aferida em função do pedido formulado e não pela qualificação da relação jurídica ou enquadramento legal que a parte lhe confere. Não há que confundir “a questão de fundo com a questão de forma” (7), sendo indiferente sob este ponto de vista os normativos legais invocados para servir de base à acção. Olha-se para a causa de pedir, mas para melhor compreender o pedido, e sem esquecer que aquela é constituída pelo núcleo essencial de factos e não pelo direito invocado.
Vêm estas observações a propósito de os autores se focalizarem no facto de virem pedir indemnização que, segundo a sua conformação jurídica, não se fundaria num acidente de trabalho, mas sim na responsabilidade civil extracontratual, por culpa ou risco civil, dos artigos 483º e ss CC. Como se referiu, o enquadramento jurídico que os AA fazem não releva.
Nos autos, os autores formulam o pedido de que: “devem ser todos os Réus, considerados responsáveis pelo acidente que vitimou o falecido D. M.”.
Seguidamente, pedem ainda diversas quantias indemnizatórias. Numa parte a título de dano morte (496º/2, CC). Noutra parte a título de danos não patrimoniais próprios decorrente da morte de familiar, marido e pai dos AA (496º/4 CC). Finalmente, noutra parte, a título de danos patrimoniais pela perda de rendimentos futuros oriundos do trabalho (pedido exclusivo da 1ªA, viúva).
A causa de pedir (factos em o pedido se alicerça) é o evento acidente que, no caso, consistiu no rebentamento de uma caldeira, que vitimou mortalmente D. M. quando se encontrava a trabalhar sob a autoridade e direcção da 1ª ré, sendo os outros 2º e 3º RR seus “representantes” ou contratados, respectivamente chefe de manutenção e responsável e coordenador do departamento de segurança e saúde no trabalho.
A expressão “representante” da entidade empregadora tem sentido lato. Compreende todos os que “…de algum modo, actuam em representação daquela entidade seja porque detêm um mandado específico para tanto, seja porque age, sob as ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa” (8). Não se cuida aqui do representante jurídico da pessoa colectiva, nem dos seus órgãos sociais. Trata-se “antes das situações em que um empregador admite um terceiro a exercer os poderes de autoridade e direcção aos quais o trabalhador se vinculou por contrato de trabalho, abrangendo os casos em que ocorre “delegação dos poderes de direcção noutro membro da empresa por força da normal hierarquia de funções dos seus membros;….” (9)
Ora, é o que acontece nos autos com os 2º e 3º réus chefe de manutenção e responsável e coordenador do departamento de segurança e saúde no trabalho da 1ª ré.
Todos os demandados têm relação com a organização do trabalho, não são terceiros estranhos à relação laboral. O acidente terá sido causado, segundo os autores, por falta de observância de regras de segurança por parte destas três entidades.
Trata-se, portanto, de um típico acidente de trabalho em que é invocada responsabilidade agravada, podendo responder pelo acidente várias entidades, tais como empregador, seu representante ou entidade por ele contratada.
Estamos em pleno no domínio da previsão do supra referido artigo 18º da LAT, a que processualmente corresponde, pois, no direito adjectivo o processo especial previsto nos 99º e ss CPT.
Este acidente de trabalho de que cuidamos e do qual resultou morte, desencadeia, aliás, obrigatoriamente (como desencadeou) um processo especial emergente de acidente de trabalho- 88º e 90º da NLAT.
Sempre se dirá que a lei pretendeu que os casos de acidentes de trabalho com consequências mais graves (vg morte, ou com resultado de incapacidades permanentes) fossem obrigatoriamente participados a fim de oficiosamente, sob a égide do Ministério Público, se dar inicio ao processo de acidente de trabalho.
O que nos conduz à compreensão de que a acção emergente de acidente de trabalho tem por traços característicos essenciais o carácter oficioso do processo e a sua natureza de interesse público. O que se projecta no seu regime com uma tramitação muito particular, marcada pela imperatividade do seu regime e pela inadmissibilidade de renúncia aos direitos conferidos pela lei substantivas, não sendo admissíveis acordos contrários a esse regime – 12º NLAT.
O seu carácter oficioso manifesta-se no facto de o processo se iniciar com o recebimento de participação, sendo dirigido numa primeira fase pelo Ministério Público, subtraída ao impulso de uma parte, cabendo aquele a promoção de todas as diligências probatórias que se afigurem necessárias – 99º CPPC.
O caracter atípico manifesta-se sobretudo no facto de a lei prever duas fases distintas. A conciliatória que é obrigatória, seguida da fase contenciosa que é facultativa e que só sobrevirá se as partes não chegarem a acordo na fase prévia sobre os aspectos essenciais do litígio, mormente sobre a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho e sobre as entidades que se responsabilizam pela reparação dos danos.
O processo é assim rigidamente marcado por etapas subsequentes. A primeira fase, se bem-sucedida, termina por acordo judicialmente homologado e tranca a segunda fase que não chega a ter lugar – 114º e 117 CPC.
A primeira fase visa uma rápida autocomposição do litigio, pese embora fazendo sempre recair sobre o Ministério Púbico um dever de confirmação da veracidade dos elementos do processo e das declarações das partes para efeitos de proposição de acordo ao juiz (10) – 104º e 114º CPT.
Em especial, no que ao caso interessa, ao Ministério Público incumbe investigar e requisitar inquérito urgente quando” houver motivos para presumir que o acidente ou as suas consequências resultaram da falta de observação das condições de segurança e saúde no trabalho” ou que “foi dolosamente provocado” – 104º/2/c/d, CPT.
Finalmente, é o Ministério Público que promove os termos do acordo obedecendo a um principio de legalidade, conforme aos elementos probatórios fornecidos/recolhidos e as normas legais imperativas, ou que, ao invés, apresenta a petição inicial (ou advogado do autor se a acção prosseguir para essa fase) -109º, 113º, 114º/2, 116º, 119º CPT.
À tentativa de conciliação são chamados todos os interessados. Ou seja, o sinistrado ou beneficiários legais e as entidades empregadoras e/ou seguradoras, conforme os elementos constantes na participação, ou outras entidades consoante as declarações prestadas, incluindo os representantes, empresa contratada ou utilizadora de mão-de-obra – 108º CPT
Caso haja conciliação há obrigatoriedade legal de no auto constar, além da identificação dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que são atribuídos e descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos direitos e obrigações – 111º CPT.
Mais, a lei expressamente consagra um dever de os interessados tomarem posição expressa sobre cada um destes factos estando habilitados a fazê-lo, sob pena de condenação em litigância de má fé – 112º/2, CPT.
Tudo para dizer que não está, assim, na disponibilidade dos intervenientes, mormente dos beneficiários, não tomar posição expressa sobre contra quem querem fazer valer os seus direitos, quais os direitos que reclamam, de quem, ou se atribuem, segundo os dados de que dispõem, o acidente a culpa ou falta de observação das regras de segurança por parte da entidade empregadora ou outrem.
Aliás, tal posição é indispensável porquanto só assim se definem os direitos do sinistrado/beneficiários. Não podemos olvidar que o direito de ressarcimento do sinistrado/beneficiários em caso de actuação culposa do empregador/representantes é muito superior ao que resultaria das regras gerais de responsabilidade objectiva (18º LAT).
Assim, os intervenientes, todas eles, têm o dever de nos termos expostos tomar posição expressa sobre o que entendem ser os seus direitos e responsabilidades, o que passa também por clarificar se o sinistro teve causa no risco ou teve causa na culpa de alguém.
Do regime de acidente de trabalho, regulado ao pormenor, resulta uma ideia de concentração neste processo especial de todas as questões relacionadas com a caracterização do acidente de trabalho e determinação da entidade responsável e em que moldes, com a consequente preclusão de reabertura destas questões. Em obediência aos referidos princípios da oficiosidade, da irrenunciabilidade dos direitos específicos conferidos pela lei de reparação de acidentes de trabalho e da sua natureza pública– 12º e 78º NLAT.
Se no caso concreto fossem trazidos ao processo indícios de violação das regras de segurança pelo empregador/representantes e demais entidades ligadas à organização do trabalho referidas na lei de acidente de trabalho (18º NLAT), o magistrado do Ministério Público teria de pautar a condução do processo por regras diferentes daquelas pelas quais se pautaria se estivesse indiciado um acidente com base no risco. Porque as prestações laborais são maiores. Porque os responsáveis e o tipo de obrigações são diferentes.

Veja-se então o que consta da tentativa de conciliação, cuja cópia se encontra nos autos:

Em 12-01-2015 ocorreu a tentativa de conciliação onde compareceu a beneficiária viúva, ora 1ª autora, acompanhada de mandatário, Dr. J. C., o mesmo que patrocina a autora na presente acção, a seguradora Y Sa e a empregadora ora 1ª ré, acompanhada de mandatária, Dra. A. R., que também tem procuração nos presentes autos. Ali consta que as partes chegaram a acordo, nos seguintes termos:
A viúva beneficiária, ora 1º autora, declarou que o seu marido em 9-01-2015, quando trabalhava para a ora 1º ré entidade empregadora como electricista na industria têxtil pela retribuição ali constante foi vitima de acidente que considera de trabalho, o qual terá ocorrido quando o seu marido se encontrava na cave da firma para proceder a uma reparação e repentinamente rebentou um depósito de condensados. O marido foi hospitalizado e morreu no dia seguinte. Reclama pensão anual e vitalícia, subsidio por morte, despesas de funeral e de transporte, pelos valores constantes no auto.
Nesse acordo, foi reconhecida a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, a lesão e o nexo causal com a morte, a retribuição transferida, aceitando a seguradora assumir a responsabilidade total com base no seguro de acidente de trabalho. Em consequência a seguradora aceitou pagar à autora pensão anual e vitalícia, subsidio por morte, despesas de transporte e despesas de funeral, o que a ora 1ª autora aceitou, conciliando-se.
A entidade empregadora estava presente e consta no auto que declarouUma vez que a entidade seguradora assume agora toda a responsabilidade infortunística emergente do acidente dos autos, nada mais tem a declarar, requerendo eu seja dispensada da ulterior tramitação dos autos”.
O acordo foi homologado em 29-10-2105.
Do exposto resulta que a ora 1ª autora era beneficiária legal, interveio no processo emergente de acidente de trabalho e ali teve oportunidade de formular pedido de ressarcimento de todos os danos. Não o fez.
A autora tinha obrigação legal de ali tomar posição sobre tal questão porque, nos termos supra ditos, isso influía no regime das prestações laborais a que teria direito e que, essas sim, são indisponíveis.
Nada consta que tenha impedido a 1ª autora de reclamar os seus direitos com base em responsabilidade agravada e, bem assim, de fazer prosseguir os autos para a fase contenciosa se a empregadora não assumisse os pedidos reclamados.
Ao contrário, a autora beneficiária aceitou e sem qualquer reserva, a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho com base no risco laboral a cargo da seguradora, apesar de, inclusive, ali se encontrar presente a empregadora de quem nada exigiu ou reclamou ou sequer ressalvou. Fê-lo, aliás, assistida por mandatário, de resto o mesmo causídico que agora a continua a patrocinar.
Ademais a empregadora declarou expressamente na tentativa de conciliação que nada tinha a objectar, em face da assunção do risco pela seguradora. Terminando os autos por acordo, devidamente homologado.
Donde se conclui que a acção especial de acidente de trabalho seria a forma processual adequada para a 1ª autora beneficiária exercer o seu direito à reparação por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais.

Veja-se no sentido exposto:

Acórdão do STJ de 9-02-2000, proc. Nº 1188/97, onde, para além das prestações típicas por acidente de trabalho, se peticionou indemnização por danos não patrimoniais; e o acórdão da RP de 8-03-1999, www.dgsi.pt, em cujo sumário consta:
“II-há erro na forma de processo, o que acarreta a nulidade de todo o processo, pelo facto de recurso ao processo comum com fundamento em responsabilidade civil por culpa da entidade patronal na produção do acidente que ocasionou a morte do sinistrado. III - A questão da culpa da entidade patronal na produção do acidente é obrigatoriamente averiguada na fase conciliatória do processo especial por acidentes de trabalho onde os eventuais direitos têm de ser reclamados perante a entidade patronal, e apenas subsidiariamente à seguradora, sem agravamento”.

Das consequências do erro na forma do processo relativamente à primeira autora:
Assumindo-se que a forma de processo adequada seria a especial de acidente de trabalho, poderão os actos praticados ser aproveitados e convolados, em nome da economia processual e da adequação formal (193º/1, CPC), como subsidiariamente defendem os AA?
Na decisão recorrida entendeu-se que não, dada a grande disparidade entre as duas formas de processo.
Efectivamente, no que respeita à 1ª autora, a resposta só poderá ser negativa, sendo, além da diferente tramitação, diversas as razões que podem ser chamadas à colação e até aventadas nas alegações.
Em primeiro lugar, a petição inicial não poderia ser “convertida” em participação (a forma de iniciar o processo especial) e ser distribuída ab initio enquanto tal. Para além de em rigor nenhum acto praticado se poder aproveitar dada a grande diferença tramitacional, a isso se oporia o mais elementar senso jurídico. Não há como “participar o que já foi participado” e que já deu origem a processo, por sinal já findo por conciliação.
Em segundo lugar, põem a hipótese de ser “reiniciado” o processo especial de acidente de trabalho nº 245/15.9T8GMR, Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juizo do Trabalho de Guimarães- Juiz 1.
Refira-se que tal decisão só poderia ser tomada pelo respectivo titular, não cabendo no poder do tribunal recorrido determinar a reabertura doutro processo.
Estariam os recorrentes a pensar na prática algo comum de remessa a esses autos de certidão com a menção não comprometedora “para os efeitos tidos por convenientes”?
Se sim, também isso se afigura inadequado e inútil.
O processo de acidente de trabalho está findo para estes efeitos. Terminou por acordo judicialmente homologado ainda na sua fase conciliatória.
Como supra referimos, a propósito da cadência deste processo, a fase contenciosa só se desencadeia caso se frustre a fase anterior da conciliação. O que acontece quando há divergência sobre a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, ou sobre a causalidade entre acidente e lesão, ou sobre quem são as entidades responsáveis, ou sobre o montante da retribuição ou sobre a natureza e grau de incapacidade – 112º CPT. Nada disto aconteceu.
Pelo que a remessa da petição inicial não poderia ter o condão de reiniciar o processo, traduzindo-se em acto inútil que só iria criar “caos processual”. A fase contenciosa para discussão desses aspectos, mormente o apuramento de responsáveis, está vedada. O processo de acidente de trabalho terminado por conciliação homologada apenas comporta determinados incidentes que ao caso não se aplicam, mormente as revisões de incapacidade para o trabalho.
Há uma terceira ordem de razões a invocar. Que é impeditiva do aproveitamento dos autos, seja qual for a forma de processo, ainda que se equacionasse ser correcta a forma comum.
É o caso julgado ou autoridade de caso julgado, como referem os RR.
Defendem os AA que só a beneficiária viúva interveio no processo de acidente de trabalho e que somente ali peticionou os específicos direitos emergentes de acidente de trabalho. Que não reclamou os outros direitos que ora reclama. Que não há caso julgado
Contudo, sabemos que no acordo homologatório consta a seguradora como única responsável pela reparação dos danos e com base no risco.
O acordo homologatório tem força de caso julgado não versando sobre a relação processual, mas sim sobre a relação material controvertida, consagrando direitos e obrigação para as partes. O efeito de caso julgado material atribuído às sentenças homologatórias é pacificamente mencionado pela doutrina (11).
Assim sendo, para se desvincular do acordo homologatório teria a autora de, previamente, destruir o seu valor, obtendo a respectiva anulação judicial e a revisão da sentença homologatória - 291º/2 do CPC.
O caso julgado material é um efeito da sentença/despacho que decide sobre o mérito da causa. Significa que a decisão se tornou definitiva e, portanto, imodificável - 619º CPC.
O caso julgado material tem força dentro e fora do processo e impede que outro tribunal “possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada” (12).
Veda a prolação de nova decisão que verse sobre a mesma questão e que seja discutida entre as mesmas partes. Visa evitar que sejam proferidas decisões repetidas ou contraditórias, o que afetaria os valores de certeza e segurança jurídica com prejuízo para os tribunais e para a paz jurídica (13).
A força obrigatória do caso julgado “desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado” (14).
A função negativa refere-se à exceção de natureza processual de caso julgado propriamente dita. Significa a inadmissibilidade de uma segunda acção e de nova decisão de mérito. Proíbe-se a repetição de causa sobre idêntica questão, a que corresponde o brocardo non bis in idem. A exceção de caso julgado é rigorosa, sujeita a malha apertada. Requer a verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir- artigo 581º do CPC.
A função positiva identificada pela expressão “autoridade do caso julgado” refere-se aos reflexos que uma primeira decisão pode projectar numa outra. Este efeito positivo implica que a solução compreendida na primeira decisão seja vinculativa em outros casos a ser decididos, em objectos processuais conexos ao objecto já decidido e em face de uma relação de prejudicialidade.
Ou seja, julgada certa questão em acção que correu entre determinadas partes esta “… impõe-se necessariamente em todas as acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que, incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante da relação material controvertida na acção posterior. A atribuição de valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade supõe ou exige que o fundamento da decisão transitada condicione a apreciação do objecto de uma acção posterior “ (15).
Também Rui Pinto refere que a autoridade de caso julgado, implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior. Obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. A autoridade de caso julgado destina-se a evitar a prolação de decisões posteriores que sejam juridicamente incompatíveis com a primeira (16).
Finalmente, a autoridade do caso julgado material abrangerá, para além do que é diretamente decidido na parte dispositiva da sentença, também as questões que sejam antecedentes lógicos necessários ao dispositivo do julgado.
Poderá ser discutível se, em face do caso concreto, estamos perante a excepção de caso julgado, ou de autoridade ou efeito preclusivo de caso julgado.
Constata-se a identidade de causa de pedir na acção especial de acidente de trabalho e nesta acção comum. Na verdade, ambas as acções têm origem na mesma relação jurídica material ou núcleo essencial de factos, que é a ocorrência material de um acidente de trabalho gerador de responsabilidade civil extracontratual complexa.
Constata-se a identidade de partes no que à 1ª autora se refere e aos três ora demandados, pese embora os 2º e 3º réus não tenham sido chamados à acção especial de acidente de trabalho.
É verdade que, por regra, o caso julgado não atinge terceiros, mas apenas os sujeitos que puderam exercer o contraditório naquele anterior litígio e nele participaram. Contudo, este princípio sofre excepções, designadamente quando a lei o preveja.
Recorda-se que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica e não física- 581º/2, CPC.
Ora, é o caso dos 2º e 3º réus, enquanto devedores solidários principais, ao lado do 1º réu empregador. Relativamente a estes haverá, precisamente, uma extensão subjectiva do caso julgado por força de lei: “O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que não se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor” – 522º do CC. Foi o que os RR fizeram.
Já a identidade de pedido merece dúvidas.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – 581º/3, CPC.
Está em causa a identidade do objecto e não propriamente a identidade física ou material do pedido.
No dizer de Alberto dos Reis é útil uma acepção lata de pedido “Muitas vezes há que conjugar e combinar o objecto com a causa de pedir para se apurar….” Mais referindo que o pedido é “providência jurisdicional solicitada pelo autor” (17).
Para funcionar a excepção de caso julgado é necessário pois que com a segunda acção se tenha em vista fazer reconhecer o mesmo direito que se quis fazer reconhecer com a primeira.
Poder-se-á, assim, perfilhar uma conceção mais lata de pedido e entender-se que numa e noutra causa a ora 1ª autora pretende obter o mesmo efeito jurídico, porque o objecto do seu direito é ser indemnizada pelos danos sofridos em virtude do referido acidente de trabalho (18).
Considerando-se então que “o caso julgado abarca o deduzido e o dedutível “ e que o“ caso julgado abrange não só o que foi efectivamente deduzido, mas, também, o que poderia ter sido deduzido e o não foi. Na segunda acção não pode a parte alegar factos, formular pedidos ou apresentar defesas que deveria ter apresentado e alegado na primeira acção, mas que, por qualquer razão, o não fez, abarcando, assim, o caso julgado, não só o que foi objecto de discussão no processo, mas também tudo aquilo que a esse objecto respeitando tivesse o autor ou o réu o ónus de submeter também à discussão” – conforme o mesmo acórdão da RC de 26-02-109, onde se cita doutrina sobre o conceito de pedido mais abrangente ( pretende-se o mesmo efeito jurídico e ficciona-se como pedido “o dedutível”).
Se assim for, chegamos à conclusão de que no, que se refere à pretensão da primeira autora, ocorre a excepção de caso julgado, havendo identidade de causa de pedir, partes e pedido.
Se optarmos por uma noção de pedido/pretensão mais restritiva, não sendo o pedido idêntico porque mais alargado, porque se pede mais, então caímos na previsão do efeito preclusivo ou da autoridade do caso julgado. Da resenha jurisprudencial que fizemos parece ser este o caminho maioritário, para o qual propendemos.
Contudo, o resultado é igual. Não se pode conhecer dessa matéria de novo. Há absolvição da instância.
Nesta segunda hipótese, a autoridade de caso julgado projectar-se-á (quanto à entidade responsável e quanto ao que é indemnizável) nesta segunda acção em que a 1ª autora pretende discutir, de novo, quem é responsável e se a obrigação de indemnizar é maior. Questão prévia já assente. Que impede nova indagação.
Não tendo a autora beneficiária reclamado no processo próprio da empregadora indemnização a título de culpa não o poderá agora fazer seja em que forma de processo for, seja nesta forma de processo que ora se nos apresenta, seja noutra.
A jurisprudência tem entendido em casos semelhantes que ocorre um efeito preclusivo do direito de, em nova demanda, se discutir os pressupostos culpa da empregadora e de se formular pedidos de indemnização por outros danos patrimoniais e não patrimoniais. Tendemos a concordar com esta fundamentação, por nos parecer que a excepção de caso julgado propriamente dita esbarra na identidade de pedido (na nova acção pedem-se outras indemnizações).
Mas são diversas as justificações jurisprudenciais (as mais frequentes acima tratadas), desde sistemas de preclusão processual, meios procedimentais adequados, excepção de caso jugado, autoridade de caso julgado, excepção inominada, falta de interesse em agir (consoantes as circunstâncias do caso e arguições das partes) (19).
É assim de manter a decisão recorrida quanto à primeira autora.

A forma do processo relativamente aos 2º, 3º e 4ºs rés, filhos do sinistrado:

A situações destes autores é diferente porque eles não são beneficiários do direito à reparação infortunística. Não foram intervenientes na fase conciliatória, nem como tal chamados à tentativa de conciliação – 100º/1, CPT.
Teoricamente admitimos ser dupla a solução processual possível quanto à forma de os familiares não beneficiários exercerem o direito à indemnização por culpa do empregador/representantes, a depender das circunstâncias processuais do caso.
Se os familiares não beneficiários puderem reclamar os seus direitos indemnizatórios no processo especial de acidente de trabalho, será essa a acção adequada.
Isso pressupõe que a acção avance para a fase contenciosa nos termos supra referidos, que os beneficiários ali intervenientes não tenham aceite que o acidente ocorreu pelo risco do trabalho, que esteja controvertida a culpa do acidente e a identidade dos responsáveis.
Sendo controvertidos tais aspectos, a relação material controvertida na acção especial passa a respeitar a vários sujeitos que não só os beneficiários.
Os filhos passam, portanto, a ter legitimidade substantiva e processual para intervir na acção especial de acidente de trabalho e para reclamar danos não patrimoniais pela perda do direito à vida e por dano moral próprio (496º CC). Têm interesse directo em demandar, a qual é expresso pela utilidade derivada da procedência da acção – 30º/1, CPC.
Nesse caso “…no processo especial de acidente de trabalho devem ser demandados todos os co-obrigados, por todos os correspondentes credores” (20) (sublinhado nosso).
As vantagens são evidentes. Concentra-se o litígio nesta acção e evita-se o risco de desarmonia de julgados derivado da existência de pluralidade de acções.
Contudo, pode dar-se o caso de os familiares não puderem reclamar o direito indemnizatório na acção de acidente de trabalho.
O que pode acontecer por vários motivos.
Desde logo quando não haja beneficiários, porquanto, não existindo titulares do direito à reparação de danos infortunísticos, o processo arquiva-se (21) – 100º/4, CPC. Sem que seja possível fazer prosseguir a acção para os familiares reclamarem indemnização por danos.
Também pode acontecer que, existido beneficiários estes se conciliem com a seguradora que assume o pagamento com base no risco e seguro, findando os autos por acordo judicialmente homologado, sem transitar para a fase contenciosa.

Sabemos ser este o caso dos autos.

Os 2º, 3º e 4º autores, não beneficiários, não foram partes no processo especial de acidente de trabalho.
Não tiveram essa possibilidade porque o processo não prosseguiu para a fase contenciosa. Situação que a ter ocorrido lhe permitiria intervir, ou desde o início em cumulação subjetiva com a 1ª autora figurando ao seu lado na parte activa ou, supervenientemente, por via de incidente de intervenção principal.
O caso julgado ou a autoridade de caso julgado ou outras excepções que possam derivar do acordo judicialmente homologado que obriga a 1ªautora, não é oponível aos 2º, 3ºe 4º autores na sua qualidade de terceiros.
Estes autores familiares do sinistrado não têm assim restrições para ver apreciado o seu direito de indemnização.
A todo o direito tem de corresponder uma acção que seja adequada a fazê-lo reconhecer em juízo - 2º/2, CPC. Sob pena de violação do direito constitucional de acesso ao direito e à justiça.
Não o podendo exercer em acção especial de acidente de trabalho terão de o fazer em acção de processo comum.
Pelo que se determina o prosseguimento dos autos quanto a estes autores.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do CPT e 663º do CPC, acorda-se;

a) em não se conhecer da arguição de nulidade da sentença, por falta de objecto;
b) em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão na parte em que absolveu os réus da instância relativamente aos 2º, 3º e 4º AA, determinando-se o prosseguimento da acção relativamente aos mesmos e mantendo-se a decisão recorrida na parte em que absolve os réus da instância relativamente à 1ª autora.
Custas a cargo dos recorrentes e dos recorridos, na proporção de 25% para os primeiros e 75% para os segundos.
Notifique.
8-10-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I. O processo especial emergente de acidente de trabalho é a forma processual que deve ser utilizada pela beneficiária viúva para peticionar indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais com base na culpa do empregador e seus representantes. Ocorre erro na forma do processo se a beneficiária utilizar a forma comum.
II. Se a beneficiária viúva na tentativa de acidente de trabalho aceita que a seguradora é a única responsável com base no risco e pelas prestações “tarifadas”, tendo tal acordo sido judicialmente homologado, fica-lhe vedado a possibilidade de em nova acção, seja ela qual for, exigir a reparação dos demais danos não cobertos.
III. O que acontece, quer por força das especificidades adjectivas e substantivas da lei de acidentes de trabalho e do respectivo processado, com fases próprias e regras de preclusão, quer por efeito do caso julgado inerente ao acordo judicial.
IV. Aos familiares não beneficiários a quem não foi permitido intervir na acção de acidente de trabalho deve ser facultado o recurso à acção comum, porque o acordo da beneficiária viúva não lhes é oponível e a todo o direito deve corresponder uma acção – 2º/2, CPC.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso




1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Concepção comumente aceite pelos autores, com excepção do Professor Meneses Leitão que sufraga o cariz assistencial ou previdencial.
3. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “A reparação de danos Emergentes de acidentes de trabalho”, in Temas Laborais, Estudos e Pareceres, Almedina, p. 39.
4. Caso em que o verdadeiro devedor é o empregador, pese embora nas relações externas responda também a seguradora, sem prejuízo de a responsabilidade desta estar limitada à prestação que seria devida com base no risco e, também, sem prejuízo do direito de sub-rogação que lhe assiste – 79º/3, NLAT.
5. Artigos 17º e 18º da NLAT.
6. Solidariedade própria ou imprópria, consoante concorram culpas várias em que todos respondem, quer nas relações externas, quer nas internas, ou consoante algum seja apenas só “garante/comitente” (risco), respondendo nas relações externas, mas já não nas internas, onde gozam de direito de sub-rogação podendo exigir o que se pagou ao co-devedores solidários.
7. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Volume, 1945, p. 472.
8. Carlos Alegre, “Acidentes de trabalho e doenças profissionais”, 2ª ed., 102/3.
9. Luís Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: entre a clarificação e a inovação na efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, Prontuário de direito do Trabalho, nº 88/89, p. 129/130.
10. Tendo de emitir parecer inclusive se for junto acordo extrajudicial e, ainda assim, previamente verificar a justa valoração dos factos e correcta aplicação da lei.
11. Por exemplo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, 3ª ed., p. 750.
12. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 703
13. Como refere Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, p. 448.
14. Rui Pinto, “Excepção e autoridade do caso julgado, algumas notas provisórias”, revista Julgar, novembro de 2018, edição online.
15. Ac. RC de 26-02-2019, www.dgsi.pt
16. Rui Pinto, “Excepção e autoridade do caso julgado, algumas notas provisórias”, revista Julgar, novembro de 2018, edição online, em especial p. 33.
17. CPC anotado, volume III, 3ª ed., p. 106 e 107.
18. Tal como foi entendido no Ac. RC de 26-02-2019, www.dgsi.pt.
19. No sentido da preclusão de direito emergentes de acidente de trabalho não discutido no momento próprio: RL acórdão de 3-05-2017 (acção de acidente de trabalho que terminou também por homologação de acordo e o sinistrado em acção comum pretendeu demandar a empregadora por violação de regras de segurança); 4-07-2012 (sinistrada que, estando assente por acordo que eram responsáveis com base no risco a seguradora e empregadora – na parte de salário não transferido-, veio posteriormente no acidente de trabalho solicitar indemnização por danos morais, a par de incidente de revisão de incapacidade)e ainda 3-02-2010 e 13-07-2016; RP de 8-11-2010 (acção de acidente de trabalho que terminou por homologação de acordo e os beneficiários accionaram nova acção com base em responsabilidade subjectiva); e 21-10-2013 (beneficiária que se conciliou com base no risco na acção de acidente de trabalho e intentou nova acção de acidente de trabalho para exigir, entre o mais, indemnização por danos não patrimoniais com base na culpa agravada); 7-09-2015 (sinistrada que, após se conciliar em acção de acidente de trabalho, em acção comum demandou a empregador para exigir, entre outras, indemnização, por danos não patrimoniais); RG de 21-04-2016 (julgou-se procedente a excepção inominada na sequencia de acordo homologado na acção de acidente de trabalho, o que impede, no entender da Relação, que a instância se renove e as partes intentem nova acção para reclamar outros direitos); RC de 25-10-2019 e de 26-02-2019 acima já citado; RE de 9-03-2016 (no sentido de que em acção conexa não é possível discutir-se se o acidente ocorreu por falta de observação das regras de segurança, pese embora no caso a acção de acidente de trabalho termine por sentença após julgamento).
20. Luís Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: entre a clarificação e a inovação na efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, in Prontuário do Direito do Trabalho nº 88/89, Jan-agosto 2011, p. 143.
21. Sem prejuízo da sua reabertura após um ano, mas apenas para efectivação dos direitos do FAT-100º/6, CPT.