Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5753/21.0T8GMR.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRECLUSÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
BENFEITORIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DAS RÉS IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Quanto à eficácia do caso julgado, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
- Na referida função negativa, é exigida a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir, nos termos do art. 581º do CPC, mas na aludida função positiva, não é exigível essa tríplice identidade.
- A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.
- A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis o n° 2, do artigo 1273° do Cód. Civil, faz para o regime do enriquecimento sem causa vale tão-só para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do artigo 482°.
- O valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias ou úteis a que o possuidor tem direito, por as ter custeado e não as poder levantar sem detrimento da coisa, nos termos do artigo 1273º nº 2 do Código Civil, deverá ser limitado à medida do enriquecimento em concreto ou do empobrecimento, consoante a que for inferior, sendo o empobrecimento considerado em concreto ou em abstracto, consoante o que for mais elevado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO (que se transcreve)

AA, BB e CC intentaram contra DD e EE a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que sejam os Réus condenados a:

a) Reconhecer que foram os pais das Autoras quem, no Campo ..., fez a construção e posteriores obras de alteração da casa que compõe o prédio urbano, inscrito na matriz de ... sob o artigo ...03, descrito nos n.ºs 4 e 7 da Petição Inicial pagando todos os custos da construção e obras de alteração;
b) Reconhecer que o custo da construção e das obras de alteração, actualizado de acordo com as taxas de inflação, importa em € 108.188,05;
c) Reconhecer que o acréscimo do valor que a construção e as obras de alteração trouxeram ao denominado “Campo ...”, importa em € 63.255,20;
d) Pagar à herança de FF e de GG, representada pelas ora Autoras e irmã, o valor de € 63.255,20, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel identificado no n.º 2 da Petição Inicial, ou, subsidiariamente, por aplicação do instituto do enriquecimento sem causa;
e) Pagar juros de mora, calculados sobre aquela quantia de € 63.255,20, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, as Autoras, juntamente com sua irmã, HH, são as únicas, legítimas e universais herdeiras de FF e GG, falecidos em ../../2013 e ../../2021, respectivamente.
A mãe das aqui Autoras, GG, e suas irmãs, II, JJ e KK, foram comproprietárias de diversos imóveis, entre os quais, o prédio rústico, denominado “Campo ...”, situado no lugar ..., freguesia ....
Por alturas de 1970, aquelas II, AA e KK autorizaram que os pais das Autoras construíssem uma casa no citado “Campo ...”, a qual se trata de um edifício de cave e rés-do-chão, destinado a habitação e arrumos, com duas divisões na cave e quatro divisões (três quartos e uma sala), cozinha, despensa e casa de banho no rés-de-chão, com a área coberta de 83 m2, com um pequeno jardim murado à frente, o qual tinha nas traseiras umas escadas de acesso à cozinha, com um lanço.
Foi naquele edifício que os pais das Autoras sempre instalaram a sua casa de morada de família, pois sempre ali viveram, desde que, em 1980, regressaram de ..., daí que, também, o tenham dotado de todas as infraestruturas, tais como electricidade, água, saneamento e calcetamento do acesso.
Sucede que as comproprietárias KK e AA vieram a instaurar uma acção de divisão de coisa comum, na qual a Ré mulher, em 28 de Maio de 2002, licitou o prédio rústico onde a referida casa se encontrava implantada, o qual lhe foi adjudicado por sentença de 6.11.2002.
Em finais do ano de 2006, os pais das Autoras ainda procederam à realização de obras de alteração da casa, designadamente, substituição da canalização, substituição da instalação eléctrica, substituição de portas interiores e exteriores, substituição de janelas e persianas, substituição da louça sanitária, azulejo e tijoleira da casa de banho, polimento e envernizamento do taco, construção de um novo muro, encimado com grade, e colocação de novo portão de entrada, pagando todas as despesas com a realização da obra, compra de materiais, honorários de projectistas e engenheiros e do próprio empreiteiro.
Posteriormente, os Réus pediram a entrega do prédio, no âmbito do proc. n.º 609/20..., sendo que a decisão aí proferida, datada de 16.11.2015, declarou os mesmo proprietários desse prédio e condenou as aqui Autoras, mãe e irmã, a entregar a casa e terreno de logradouro supra descritos, no prazo de 30 dias.
Com as obras e edificações incorporadas pelos pais das Autores no prédio dos Réus, aqueles despenderam as quantias de Esc. 300.000$00 (ou € 1.496,39 €) e € 20.000,00, respectivamente, tendo as mesmas aumentado o valor do referido prédio em € 63.255,20, tanto assim que, há cerca de 1 ano, os Réus acabaram por a destinar a casa ao mercado do arrendamento, pela renda de 420,00 € mensais.
A construção da casa de habitação no Campo ... constitui, pois, uma benfeitoria útil e, como o seu levantamento causa detrimento ao prédio onde se encontra implantada, têm os Réus de indemnizar a herança de FF e de GG, representada pelas aqui AA. e irmã, pelo valor das mesmas, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Mais requereram a intervenção principal, do lado activo, de HH, por se tratar duma situação de litisconsórcio necessário activo, prevista no artigo 33.º, do Código de Processo Civil.
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Os Réus contestaram, invocando as excepções peremptórias de preclusão decorrente da autoridade do caso julgado e de prescrição e impugnando os fundamentos da acção, alegando que:
As eventuais obras realizadas no dito prédio foram efetuadas sem a autorização dos legítimos proprietários e sem o respetivo licenciamento, sem o respetivo alvará de construção, sem para o efeito estarem autorizados pela entidade administrativa – Câmara Municipal ..., pelo que eram ilícitas e ilegais, jamais podendo as Autoras ter direito à compensação peticionada pelas mesmas.
Além disso, muitas das pretensas obras alegadas pelas Autoras, já nem sequer existem e outras já sofreram a normal deterioração pelo uso, desde a realização da respetiva despesa até à data da entrega/restituição, com a consequente diminuição do seu valor, tendo os Réus, entretanto, efetuado obras avultadas no dito prédio e que aumentaram, e muito, o seu valor patrimonial.
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Por despacho de 5.11.2021 foi admitida a requerida intervenção principal provocada, do lado activo, de HH.
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As Autoras exerceram o contraditório relativamente às excepções invocadas pelos Réus na sua Contestação, pugnando pela respectiva improcedência.
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Em 16.05.2022 foi proferido despacho saneador, o qual julgou improcedentes as excepções peremptórias invocadas pelos Réus na Contestação e absolveu os Réus da instância relativamente ao pedido formulado pelas Autoras na alínea b) da Petição Inicial, por verificação da excepção dilatória de falta de interesse em agir.
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Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

- “Nestes termos e face ao exposto, julgo procedente a acção e, em consequência:
a) Declaro que foram os pais das Autoras, AA, BB, CC e HH, quem fez a construção referida no ponto 4 dos Factos Provados e as posteriores obras de alteração referidas nos pontos 21 a 23 dos Factos Provados, que integram o prédio referido no ponto 30 doas Factos Provados, pagando todos os custos da construção e obras de alteração;
b) Declaro que o acréscimo do valor que a construção e as obras de alteração trouxeram ao referido prédio, importa, pelo menos, em € 63.255,20;
c) Condeno os Réus, DD e EE, a pagar às Autoras, na qualidade de herdeiras de FF e de GG, o valor de € 63.255,20, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel identificado no ponto 30 dos Factos Provados, acrescida dos juros de mora, vencidos desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 63.255,20, à taxa legal de 4% ao ano.”
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Inconformadas com a sentença dela vieram recorrer as RR., formulando as seguintes conclusões:

i. DO DESPACHO SANEADOR:

a) Caso julgado e/ou força e autoridade de caso julgado/preclusão da defesa

1- A lei processual civil define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado – arts. 619º, nº1, e 628º, ambos do CPC.

2- Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”).

3- A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida.

4- A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

5- Objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sore a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.

6- Do ponto de vista subjetivo, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram, embora se possa projetar, conforme o caso, na esfera jurídica de terceiros.

7- Temporalmente, o caso julgado é limitado ao encerramento da discussão em 1ª instância, implicando a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões que, apesar de anteriores àquele momento, não foram – podendo ter sido – suscitadas no processo com decisão transitada. A referência temporal do caso julgado consubstancia, deste modo, um momento preclusivo.

8- Correlacionada com o caso julgado, mas dele independente, surge a figura da preclusão decorrente das normas constantes dos artigos 564.º, alínea c), e 573.º do CPC, nas quais se institui o réu no ónus da oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes.

9- Há uma dialética entre o ónus da concentração e da preclusão, o qual demanda que sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado.

10- Em regra, a preclusão emerge da omissão da prática de um ato no momento legal ou judicialmente fixado, dizendo-se, por isso, que a preclusão é temporal. Mas também se divisam casos em que a preclusão resulta da não realização do ato no processo adequado, ainda que respeitando o prazo para a sua prática, o que se tem denominado preclusão espacial, designadamente em matéria de efeitos da citação, quando o artigo 564.º, alínea c), do CPC determina que a citação do réu o inibe de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor.

11- Revertendo ao caso dos autos verificamos que, correram entre os ora Réus, ali Autores, e os ora Autores (e seus antecessores) ali Réus, diversas ações, designadamente, os processos nº 73/2000, que correu pelo ... Juízo Cível de ...; nº 405/05.... – ... Vara Mista de ...; nº 609/20..., Instância Central ... – ... Secção – J....

12- Considerando a instauração de tais ações de reivindicação, em que as Autoras (e seus antecessores) eram então Réus, e em cuja reconvenção invocavam a propriedade por usucapião e acessão imobiliária sobre o mesmo prédio, poderiam e deveriam igualmente exercer o direito a que ora se arrogam, fundado no instituto do enriquecimento sem causa a título subsidiário, pois conheciam todos os seus elementos constitutivos.

13- Com efeito, deveriam as Autoras (e seus antecessores) nas ditas ações terem deduzido toda a defesa possível, inclusive, o pedido de indemnização ora peticionado.

14- Como preceitua o art. 489º, nº 1, do CPC, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão.

15- Assim, cabia às Autoras, Rés nas ditas ações, em face da factualidade que já era conhecida na ocasião em que apresentaram as suas contestações naquelas ações, invocar o direito às benfeitorias em sede de reconvenção.

16- Qualquer direito que as Autoras pudessem (eventualmente) ter de benfeitorias extinguiu-se quando nas ditas ações, optaram por apenas pedir reconvencionalmente o direito de propriedade por usucapião e acessão imobiliária, não tendo cumulado nesse pedido – em cumulação objetiva subsidiária – o pedido de pagamento das benfeitorias.

17- Com esse procedimento, entendem os Réus/recorrentes, que as Autoras /recorridas renunciaram tacitamente ao exercício do direito às benfeitorias.

18- Não temos dúvidas de que que os Autores vieram reeditar uma relação material controvertida que foi definitivamente julgada nas outras ações supra melhor identificadas, acrescentando-lhe novos argumentos em sua defesa, ocorrendo uma relação de prejudicialidade entre as ações aqui em confronto.

19- Se os Autores omitiram parte da sua defesa no momento próprio (quando deduziram reconvenção naqueles outros processos), fica precludido o direito e o fazer mais tarde no processo ou em outros processos, pois tem a ver com a estratégia de defesa a gizar no momento.

20- Assim, verifica-se a preclusão do direito de defesa que os Autores/recorridos pretendem fazer valer nesta ação, preclusão esta que está já coberta pela autoridade do caso julgado.

Contudo e sem prescindir,

b) Da prescrição

21- No caso de assim não se entender, sempre se dirá que, o direito à indemnização e restituição por enriquecimento sem causa já prescreveu.

22- Contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, o prazo de prescrição aplicável é do art.482º do CC, ou seja, três anos e não o de vinte anos.

23- Com efeito, o alegado direito das Autoras já poderia ter sido exercido a partir do términus das ações, supra melhor identificadas, mormente, da sentença de 6.11.2002, da ação 73/2000, da decisão do STJ, datada de 16.04.2013 da ação nº 405/05...., e após a citação das AA. para contestarem a ação nº 609/20..., sentença que transitou em julgado em 21.12.2015, momentos em que as AA. tiveram conhecimento do direito que lhes compete e da pessoa do responsável e em que lhes foi reclamada a entrega do imóvel, tendo decorrido mais de 19, 8 e 6 anos.

24- No caso em apreço, a presente ação do enriquecimento sem causa, foi intentada em 03.11.2021, pelo que, o prazo de três anos sobre a data do trânsito em julgado já havia decorrido quando a mesma foi intentada.

25- Assim, a exceção de prescrição deve ser julgada procedente.

ii. Da sentença

26- A finalidade da lei, ao conferir ao possuidor o direito de levantamento das benfeitorias úteis (jus tollendi) quando não haja detrimento para a coisa, consiste em evitar o locupletamento e, ao mesmo tempo, prejuízos ao titular do direito sobre coisa. Havendo detrimento, o titular do direito é obrigado a indemnizar o possuidor. Esta mesma solução se aplicará ao caso da impossibilidade material do levantamento das benfeitorias, sob pena de locupletamento do titular do direito.

27- Nos termos do artº 479º, nºs 1 e 2, a indemnização fundada no enriquecimento sem causa deve corresponder ao valor daquilo que o titular do direito sobre a coisa obteve à custa do empobrecido, não podendo exceder a medida do locupletamento à data em que o enriquecido foi citado para a restituição ou teve conhecimento da falta de causa para o enriquecimento (artºs 479º, nºs 1 e 2, e 480º).

28- Como refere a jurisprudência e doutrina tradicional, o possuidor só tem direito ao menor dos dois valores: custo real das benfeitorias e o valor objetivo atual;

29- Pois que a medida dessa diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias na data da restituição e o valor da mesma coisa com as benfeitorias na mesma data corresponde ao valor que o enriquecido obtém à custa do empobrecido (art. 479º nº1 CC).

30- A medida do enriquecimento (e do correlativo empobrecimento) é, portanto, dada pela diferença, reportada esta ao momento em que a restituição deveria ter lugar, entre o valor (hipotético) que o prédio teria sem quaisquer benfeitorias e o valor (real e objetivo) que tem com as mesmas benfeitorias.

31- Este enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias decorrente de despesas realizadas por outrem gera, portanto, a obrigação de restituir o valor que essas despesas acrescentaram».

32- No caso em apreço, resulta provado o valor da benfeitoria realizada – 21.496,39€ (1.496,38€ + 20.000,00€) -, resultando ainda que o valor da parcela de terreno onde a mesma se encontra implantada é de 1.393,11€.

33- Acresce que, também resultou provado que o valor da construção em Abril de 2016 é de 65.636,00€ (pese embora as Autoras apenas tenham peticionado o montante de 63.255,20€, valor a que o Tribunal está adstrito), pelo que é fácil de concluir que os Réus enriqueceram apenas na respetiva diferença, ou seja, em 61.862,09€ (63.255,20€-1.393,11€).

34- Ao condenar os Réus a pagar às Autoras o montante de 63.255,20€ (valor que as Autoras peticionaram e que o Tribunal não pode condenar em quantidade superior), não está a decidir corretamente, pois nem sequer está a deduzir ao valor da construção o valor do terreno.

35- Assim, têm as Autoras o direito a receber dos Réus a sua quota-parte do custo das benfeitorias que realizaram, considerando-se que o seu empobrecimento total corresponde ao montante que com elas gastaram (21.496,39€), por ser este o menor dos dois valores.

36- Neste sentido, jurisprudência - Ac. do STJ, de 22.03.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 336/13.0TBTVD.L1.S1, onde se lê que, na «determinação do valor indemnizatório, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 479., n.º 1, por força do artigo 1273.º, n.º 2, do CC, a medida de restituição deve ser estabelecida na base de dois limites: o custo da benfeitoria, correspondente ao empobrecimento de quem a suportou e o enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada, correspondente à valorização incorporada.
Tal não significa que a medida de enriquecimento não possa equivaler ao custo da das benfeitorias; mas pode ser inferior, nunca podendo ser superior a esse custo».

37- O douto despacho saneador e a douta sentença, decidindo como decidiram, violaram, frontalmente, o disposto nos artigos 489º, nº1, 564º c), 573º, nº1, 580º, 581º, 619º, nº1 e 628º todos do CPC e artigos 479º, 482º e 1273º do CC.

38- Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogue o douto despacho recorrido, julgando procedentes a exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado/preclsusão do direito e exceção de prescrição, ou se assim não se entender, condenar os Réus a pagar às Autoras, pelas benfeitorias úteis realizadas no imóvel o montante de 21.496,39€, por ser o menor dois dois valores a ponderar, com as legais consequências.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em
consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgando procedentes a exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado/preclsusão do direito e exceção de prescrição, ou no caso de assim não se entender, condenar os Réus a pagar às Autoras, pelas benfeitorias úteis realizadas no imóvel o montante de 21.496,39€, por ser o menor dois dois valores a ponderar, com as legais consequências, Assim decidindo, farão Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.
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Houve contra-alegações, nelas se pugnando pela total improcedência da apelação.
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Colhidos os vitos legais cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar:
- Se ocorre caso julgado ou autoridade do caso julgado, com preclusão do direito das AA.
- Se ocorre a excepção da prescrição;
- Se, caso não se verifiquem as apontadas excepções, a presente sentença deve ser revogada, julgando-se a mesma apenas parcialmente procedente.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
           
a) Factualidade considerada provada na sentença:

1- As Autoras, juntamente com sua irmã, HH, são as únicas herdeiras de FF e GG, falecidos em ../../2013 e ../../2021, respectivamente.

2- A mãe das Autoras, GG, e suas irmãs, II, JJ e KK, foram comproprietárias de diversos imóveis, entre os quais, o prédio rústico, denominado “Campo ...”, situado no lugar ..., freguesia ..., com a área de 6.700 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98 de ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...7.

3- Em 17 de Agosto de 1970, aquelas II, AA e KK declararam autorizar que os pais das Autoras construíssem uma casa no citado “Campo ...”.

4- A casa referida em 3 trata-se de um edifício de cave e rés-do-chão, destinado a habitação e arrumos, com duas divisões na cave e quatro divisões (três quartos e uma sala), cozinha, despensa e casa de banho no rés-de-chão, com a área coberta de 83m2, com um jardim murado à frente, com a área de 1m2.

5- O qual tinha, nas traseiras, umas escadas de acesso à cozinha, com um lanço.

6- A construção desse prédio foi licenciada ao falecido FF, pelo Alvará de Licença de Construção n.º ...12, emitido em ../../1970.

7- Tendo, em 28 de Julho de 2011, sido emitido o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...1, também em nome de FF.

8- O edifício referido em 4, bem como uma área descoberta de 300 m2, foram inscritos na respectiva matriz urbana sob o artigo ...03 e descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...60 de ..., na sequência da Ap. ...02, pela qual os pais das Autoras inscreveram em seu nome a aquisição da propriedade dos mesmos, por usucapião, descrição predial que foi inutilizada em 3.07.2013, na sequência de cancelamento da referida inscrição.

9- Foi naquele edifício que os pais das Autoras sempre instalaram a sua casa de morada de família, pois sempre ali viveram, desde que, em 1980, regressaram de ....

10- Daí que também o tenham dotado das infraestruturas de abastecimento de electricidade e de água, saneamento e calcetamento do acesso.

11- Por escrito particular por todos assinado, os pais das Autoras, bem como II, JJ e KK declararam acordar na divisão dos prédios que detinham em compropriedade.

12- Por isso, os pais das Autoras sempre se convenceram que o “Campo ...” lhes seria adjudicado.

13- As comproprietárias KK e AA vieram a instaurar uma acção de divisão de coisa comum, Proc. ...00, que correu seus termos pelo ... Juízo Cível do Tribunal da comarca ....

14- O que fizeram contra a mãe das aqui Autoras e contra a Ré mulher, na qualidade de única herdeira da comproprietária II.

15- Nesse Proc. ...00, a Ré mulher, em 28 de Maio de 2002, licitou o prédio rústico denominado “Campo ...”, referido em 2.

16- Nos autos referidos em 14 foi proferido despacho pelo qual foi indeferida reclamação aí apresentada pela aqui Ré mulher, na qual esta requeria a avaliação da casa de habitação construída no prédio referido em 2, nesse despacho se consignando que “não tinha o Sr. Perito que avaliar o prédio urbano construído no imóvel, porque estes, nestes autos, não é objecto da divisão de coisa comum que se pretende realizar”.

17- Na acção de divisão de coisa comum referida em 14 foi proferida sentença em 6.11.2002, já transitada em julgado, tendo o prédio rústico denominado “Campo ...” sido adjudicado aos aqui Réus.

18- Em 25 de Outubro de 2002, os pais das Autoras, no ... Cartório Notarial ..., perante três testemunhas, declararam ser, com exclusão de outrem, donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de casa de cave e rés-do-chão com logradouro, com a superfície coberta de 83m2 e descoberta de 300m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do poente com caminho público e dos restantes lados com FF, omisso na Conservatória e inscrito na matriz predial sob o artigo ...03 em nome do outorgante marido, por lhe ter sido doado há mais de 20 anos, sem qualquer título, pela pai da aí outorgante mulher, LL, já falecido.

19- Os Réus, em Abril de 2005, intentaram contra os pais das aqui Autoras uma acção que, com o n.º 405/05...., correu seus termos pela ... Vara Mista de ..., onde peticionavam a declaração de nulidade ou inexistência da referida escritura e a condenação dos aí réus a reconhecerem que os aí autores tinham direito a adquirir a casa daqueles, com a área de 83 m2, construída no interior do Campo ..., mediante o pagamento de € 20.000,00.

20- Os então réus apresentaram contestação com reconvenção, onde, além do mais, pediram a condenação dos aí autores a reconhecerem-nos como donos e legítimos possuidores do prédio urbano referido em 18, por o terem adquirido por usucapião.

21- No decurso da acção mencionada em 19, mais precisamente em finais do ano de 2006, os pais das Autoras ainda procederam à realização de obras de alteração da casa, licenciadas por Alvará de Licença Administrativa n.º 1644, emitido em ../../2006.

22- Essa obras consistiram em substituição da canalização, substituição da instalação eléctrica, substituição de portas interiores e exteriores, substituição de janelas e persianas, substituição da louça sanitária, azulejo e tijoleira da casa de banho, polimento e envernizamento do taco, construção de um novo muro, encimado com grade, e colocação de novo portão de entrada.

23- Sendo que, à semelhança do que aconteceu em 1970, pagaram todas as despesas com a realização da obra, compra de materiais, honorários de projectistas e engenheiros e do próprio empreiteiro.

24- Por sentença de 15.03.2012, proferida na acção n.º 405/05...., foi decidido o seguinte:
“a) julgar a acção parcialmente procedente, declarando que a escritura de justificação notarial referida em I.3. contém declarações falsas e, em consequência, declarar nula tal escritura e ordenar o concelamento da inscrição e do registo de aquisição efectuado, na Conservatória do Registo Predial, com base nessa escritura, mediante a inscrição G-1 e com a Ap. ...02 sob o prédio n.º ...02, absolvendo os Réus do mais que vinha peticionado;
b) condenar os Autores a pagar aos Réus a quantia de € 50.278,08 (cinquenta e nove mil, duzentos e setenta e oito euros e oito cêntimos), a título de indemnização pela benfeitoria realizada pelos Réus no Campo ... ou ... e julgar, no mais, improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver os Autores dos pedidos reconvencionais”.

25- Inconformados com o decidido, os aí autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 20.11.2012, julgado improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

26- Visando a revogação do acórdão referido em 25, os aí autores apresentaram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual decidiu absolver os aí autores do pedido reconvencional.

27- No processo referido em 14, todas as instâncias deram como provados, entre outros, os seguintes factos:
1. O prédio rústico, situado no lugar ..., freguesia ..., desta comarca, denominado Campo ... ou da ..., com a área de 6.700 m2, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98/... e inscrito na matriz sob o artigo ...7º, a favor dos Autores, pela inscrição “G” – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.).
2. Os Autores adquiriram tal prédio por lhes haver sido adjudicado na acção de divisão de coisa comum, que correu termos pelo ... Juízo Cível desta comarca ... sob o n.º 73/2000 – alínea B. dos F.A..
3. Os RR., por escritura do justificação notarial, outorgada no ... Cartório Notarial ..., em 25 de Outubro de 2002, a fls. 81 a 82 v., do Livro n.º ...1, na presença das testemunhas identificadas, declararam ser, com exclusão de outrem, donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de casa de cave e rés do chão com logradouro, com a superfície coberta de 83 m2 e descoberta de 300 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar de poente com caminho público e dos restantes lados com FF, omisso na Conservatória e inscrito na matriz predial sob o artigo ...03 em nome do Réu marido – alínea C. dos F. A..
(…)
9. A casa referida em 3. está construída dentro do prédio identificado em 1 - resposta ao artº 1º da B.I.
(…)
14. II, KK e JJ autorizaram que os Réus construíssem uma casa no Campo ... ou ... e que os Réus aí mandaram edificar uma casa de cave e rés-do-chão, com um pequeno jardim murado à frente, em 1970 - resposta ao artº 16º da B.I.
15. Esse edifício tem, no rés do chão, 3 quartos, sala, cozinha, despensa e sanitário e nas traseiras tem umas escadas com um lanço que vão terminar no referido “Campo ... ou ...”, por onde sempre se processou o acesso à loja do mesmo edifício existente na cave e que tem uma porta - resposta ao artº 1º da B.I
16. Os Réus construíram a identificada casa expensas suas - resposta ao artº ...7º da B.I.
17. Em 1983, os Réus fizeram inscrever o prédio referido em 3. nas Finanças, dele pagando as respectivas contribuições - resposta ao artº 19º da B.I.
18. Tendo detido e fruído materialmente, desde 1970, o edifício referido em 14. e 15., colhendo os seus rendimentos e dele retirando todas as utilidades e suportando todos os encargos e contribuições a ele inerentes - resposta ao artº 20º da B.I.
19. Ininterruptamente, com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém - respostas aos artºs 21º e 23º da B.I.
20. Os Réus pensaram que o Campo ... ou ... seria para eles - resposta ao artº 24º da B.I.
21. Os Réus foram autorizados a construir a casa no aludido Campo (…) - resposta ao artº ...5º da B.I.
(…)
23. A casa referida em 3. tem uma área de implantação de 80,08 m2 e uma área de construção de 121,66 m2 - resposta ao artº 29º da B.I.
24. A casa referida em 3. tem um valor actual de € 61.200,00 - resposta ao artº 31º da B.I.
25. O prédio identificado em 1. Tem o valor actual de € 67.900,00 - resposta ao artº 32º da B.I.
26. Em 1971, quando a construção da aludida casa foi concluída, valia € 1.255,64 – resposta ao artº 33º da B.I.. 27. Nessa ocasião, o campo valia € 1.393,11 – resposta ao artº 34º da B. I.

28- Consta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido em 26 o seguinte:
os RR. - reconvintes não formularam qualquer pedido de condenação dos AA. – reconvindos no pagamento de qualquer indemnização: tão só o reconhecimento da respectiva titularidade do direito de propriedade sobre determinado prédio urbano, por via da respectiva aquisição originária, por usucapião, bem como reconhecimento da respectiva aquisição originária, por acessão industrial imobiliária, sobre o logradouro do mesmo prédio.
Assim, vedada estava ao Ex.mo Juiz da 1ª Instância a condenação dos AA. - reconvindos no pagamento de qualquer indemnização aos RR. – reconvintes, que não o peticionaram, ainda que subsidiariamente, para a hipótese de improceder a correspondente pretensão alicerçada nas sobreditas causas de pedir”.

29- Correu termos, pela Instância Central ..., ... Secção Cível, J..., acção declarativa comum com o n.º 609/20..., em que os aqui Réus pediram o reconhecimento da propriedade do prédio referido em 2, que a casa e terreno de logradouro referidos em 18 são parte integrante desse prédio e a condenação das aqui Autoras, bem como da mãe e da irmã destas, a restituírem aos primeiros, devoluta de pessoas e coisas, a referida casa e o referido terreno de logradouro.

30- Por sentença proferida no processo referido em 29, datada de 16.11.2015 e transitada em julgado, foi declarado declarou que os aqui Réus são proprietários do “Campo ...”, formado por uma parte urbana e por uma parte rústica, sendo a urbana composta por uma casa de dois andares, com a área coberta de 83 m2 e descoberta de 300 m2, inscrita na matriz sob o artigo ...03, e foram condenadas as aqui Autoras, mãe e irmã, a entregar a casa e terreno de logradouro supra descritos, no prazo de 30 dias.

31- A construção da casa de habitação referida em 4 foi levada a cabo pelos pais das Autoras, FF e GG em 1970.

32- Com a construção referida em 31, os pais das Autoras despenderam a quantia de Esc. 300.000$00, correspondente a € 1.496,39, e com as obras referidas em 21 a 23 despenderam € 20.000,00.

33- O valor da construção, em Dezembro de 2022, com todas as suas infraestruturas, é de € 76.000,00, sendo de € 65.636,00 em Abril de 2016.

34- A construção edificada pelos pais das Autoras aumentou o valor do “Campo ...” na medida referida em 33.

35- O levantamento dessa construção causa detrimento ao prédio onde se encontra implantada.

36- O custo necessário para a execução das respectivas obras, com todas as suas infraestruturas, em Dezembro 2022, seria de € 97.356,00.

37- As obras realizadas pelos pais das Autoras já sofreram deterioração pelo uso, considerado no valor referidos em 34.

38- Tendo os Réus demolido as escadas de acesso à cozinha e seus patamar e gradeamento, bem como removido e tapado a porta de acesso do exterior a essa divisão.

39- Os Réus colocaram 14 focos embutidos no tecto, colocaram novos móveis de cozinha, substituíram a porta referida em 38 por uma janela com vidro duplo e edificaram um muro de suporte e vedação com 12 metros de comprimento e 1,5 metros de altura.

40- As obras referidas em 39 têm um custo actual, incluindo materiais, mão de obra e IVA, de, respectivamente, € 700,00, € 750,00, € 400,00, e € 800,00.

b) Factos não provados:

- Artigo 10.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “por volta de 1985”.

- Artigo 14.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “pretendendo, já, apoderar-se do prédio contruído pelos pais das Autoras”.

- Artigo 42.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “que à data de 1970, não excedia Esc. 279.293$48, ou € 1.393,11 €”.

- Artigo 43.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “€ 63.255,20 (59.278,08 €, actualizados por via da taxa de inflação), sendo que o valor do terreno é de € 72.455,59 (67.900,00 €, actualizado por via da dita taxa)”.

- Artigo 44.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “há cerca de 1 ano, os Réus acabaram por a destinar ao mercado do arrendamento, pela renda de 420,00 € mensais”.

- Artigo 49.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “€ 108.188,05 (84.808,47 € + 23.379,58 €)”.

- Artigo 32.º da Contestação – Na parte em que se diz “As (…) obras realizadas no dito prédio foram efetuadas sem a autorização dos (…) proprietários”.

- Artigo 33.º da Contestação – “E sem o respetivo licenciamento, sem o respetivo alvará de construção, sem para o efeito estarem autorizados pela entidade administrativa – Câmara Municipal ...”.

- Artigo 1.º do Requerimento com a ref.ª ...83, de 19.05.2022 – Na parte em que se diz “Alteraram e renovaram a electricidade e a pichelaria do interior da casa (…) colocaram cozinha nova e os seus apetrechos (…) Janelas novas (…) Muros (…) e estacionamento para veículos”.

- Artigo I do Requerimento com a ref.ª ...96, de 25.05.2022 – “A entrega do imóvel, descrito nos n.ºs 4 a 7 da petição inicial, foi efectuada em data que não podem precisar, mas que situam em finais do mês de Abril de 2016”.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do caso julgado e/ou força e autoridade de caso julgado/preclusão da defesa

Alegam os Recorrentes que no caso dos autos verificamos que, correram entre os ora Réus, ali Autores, e os ora Autores (e seus antecessores) ali Réus, diversas ações, designadamente, os processos nº 73/2000, que correu pelo ... Juízo Cível de ...; nº 405/05.... – ... Vara Mista de ...; nº 609/20..., Instância Central ... – ... Secção – J...; que considerando a instauração de tais ações de reivindicação, em que as Autoras (e seus antecessores) eram então Réus, e em cuja reconvenção invocavam a propriedade por usucapião e acessão imobiliária sobre o mesmo prédio, poderiam e deveriam igualmente exercer o direito a que ora se arrogam, fundado no instituto do enriquecimento sem causa a título subsidiário, pois conheciam todos os seus elementos constitutivos; que deveriam as Autoras (e seus antecessores) nas ditas ações terem deduzido toda a defesa possível, inclusive, o pedido de indemnização ora peticionado; que como preceitua o art. 489º, nº 1, do CPC, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão. Assim, cabia às Autoras, Rés nas ditas ações, em face da factualidade que já era conhecida na ocasião em que apresentaram as suas contestações naquelas ações, invocar o direito às benfeitorias em sede de reconvenção; que qualquer direito que as Autoras pudessem (eventualmente) ter de benfeitorias extinguiu-se quando nas ditas ações, optaram por apenas pedir reconvencionalmente o direito de propriedade por usucapião e acessão imobiliária, não tendo cumulado nesse pedido – em cumulação objetiva subsidiária – o pedido de pagamento das benfeitorias,  que com esse procedimento, entendem os Réus/recorrentes, que as Autoras /recorridas renunciaram tacitamente ao exercício do direito às benfeitorias.
Concluem, assim, que se verifica a preclusão do direito de defesa que os Autores/recorridos pretendem fazer valer nesta ação, preclusão esta que está já coberta pela autoridade do caso julgado.
O Tribunal a quo, em sede de despacho saneador, apreciou tal matéria exceptiva, julgando improcedente a excepção em causa.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art. 580º, nº1, do CPC, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que à não admite recurso ordinário, há lugar à execpção do caso julgado.
Por sua vez, o art. 581º do CPC, prevê que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Assim, para haver caso julgado, é necessário existir a identidade de sujeitos, a identidade de pedidos e a identidade de causas de pedir.
Revertendo para o caso vertente, flui a conclusão de que não se verifica essa tríplice identidade.
Todavia, parte da jurisprudência e doutrina vem considerando que a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, nesta acepção, não se exige essa tríplice identidade. Justificam esse entendimento pela necessidade de evitar que um tribunal possa definir uma concreta situação controvertida de forma válida, de modo contraditório e incompatível com outra anterior transitada em julgado.
A este respeito, passamos a citar algumas considerações do Ac. do STJ, de 30.03.2017 que, citando também outros autores refere:
- (…)”Segundo a noção dada por Manuel de Andrade[8], o caso julgado material:
«Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»

Para o mesmo Autor[9], o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:
a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;
b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.

Nas lúcidas palavras daquele Autor:
«O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.
Vê-se, portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)» (…)”.

E acrescenta-se nesse acórdão:
- “No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina[10] quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.
Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[11]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[12]” (…).
Relativamente aos efeitos da autoridade do caso julgado, citamos, entre outros, o Ac. do TRP de 11.10.2018 , que entende que (…)“a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC (sublinhado nosso)”. Mais acrescenta que (…)”por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo, abrangendo os fundamentos de facto e de direito que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo” (…).

Por sua vez, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, pg. 354, diz a propósito que:
«(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»
Comungando deste entendimento, consideramos que em tais casos, não é exigível a referida tríplice identidade.
Acresce que, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, entendemos, na senda da referida jurisprudência, que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. Neste sentido, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579, afirma que «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
Voltando ao caso vertente, conforme se sustenta na sentença recorrida, resulta dos autos que as acções antes propostas reportaram-se a uma divisão de coisa comum (do bem em causa nos autos – a 73/2000) e à reivindicação do prédio (as 405/2005 e 609/14). Não foi pedida, em nenhuma dessas acções – nomeadamente na que correu termos sob o nº 405/05.... -, designadamente a título subsidiário, uma indemnização por benfeitorias. Foi, aliás, essa a razão pela qual a sentença de primeira instância, junta a fls. 47 ss. dos autos, foi parcialmente revogada nessa parte: o juiz de primeira instância considerou que os ora autores, ali réus, teriam direito a receber uma indemnização de € 59.278,58, na medida em que custearam a construção da moradia, construção essa que, não tendo embora permitido a afirmação do direito de propriedade com base na acessão industrial imobiliária, deveria ser enquadrada no regime das benfeitorias; a segunda instância confirmou essa decisão(fls. 62 ss.); o STJ entendeu, diversamente, que a condenação no pagamento das benfeitorias não prescindia de um pedido expresso, ainda que a título subsidiário (fls. 70 ss.).

Saliente-se que na acção que, com o n.º 405/05...., correu seus termos pela ... Vara Mista de ..., ficou expresso na parte decisória do Acórdão do S. T. J., o seguinte:
- “(…) os RR. - reconvintes não formularam qualquer pedido de condenação dos AA. – reconvindos no pagamento de qualquer indemnização: tão só o reconhecimento da respectiva titularidade do direito de propriedade sobre determinado prédio urbano, por via da respectiva aquisição originária, por usucapião, bem como reconhecimento da respectiva aquisição originária, por acessão industrial imobiliária, sobre o logradouro do mesmo prédio.
Assim, vedada estava ao Ex.mo Juiz da 1ª Instância a condenação dos AA. - reconvindos no pagamento de qualquer indemnização aos RR. – reconvintes, que não o peticionaram, ainda que subsidiariamente, para a hipótese de improceder a correspondente pretensão alicerçada nas sobreditas causas de pedir.”. Ou seja, o pedido de indemnização por benfeitorias em nenhum momento foi objecto do litígio. Nem, mesmo, no Processo em que os aqui Apelantes pediram a entrega do prédio (Proc n.º 609/20..., que correu seus termos pela Instância Central ..., ... Secção Cível, J...).
Com efeito, nessa acção (P. 609/14....), onde são autores os ora réus, DD e EE, e são rés, entre outras, as ora autoras (AA, BB e CC), verifica-se que os ora réus pediam aí o reconhecimento de que o logradouro que ali identificam integra o prédio rústico onde foi construída a moradia cujo valor aqui se reclama a título de benfeitoria.
O logradouro em questão era uma parcela, apenas, tendo sido atribuído o valor de € 5.000,01 a essa acção. E, como nota o Tribunal a quo. se é certo que aí chegou a ser aventada a possibilidade de reclamar benfeitorias (as mesmas que aqui se pedem), não é menos certo que, como resulta de decisão proferida nesse processo e junta a estes autos, a reconvenção foi julgada inepta nessa parte, pelo que não chegou a haver apreciação que visasse tais benfeitorias.
É esse pedido de benfeitorias que os autores vêm agora formular.
Ora, da análise das causas de pedir e pedidos dessas acções e da causa de pedir e pedidos da presente acção, constata-se que não existe identidade de pedidos, nem poderá afirmar-se que qualquer das decisões anteriores impede a declaração do direito aqui reclamado, por haver prejudicialidade lógica.
Por isso, está arredada a existência da alegada excepção de caso julgado oponível à presente acção, isto é, que obste ao conhecimento do mérito da causa (cfr. art. 576º, nº 1 e 2, 577º al. f), 580º e 581º do Cód. Proc. Civil).
E, assim sendo, improcede a apontada excepção.
De resto, a autoridade do caso julgado, tal como acima se caracterizou e decorrente do decidido naquela primeira ação, não se encontra posta em causa na presente acção. Pelo contrário, ela (autoridade) foi tida em consideração no enquadramento factual efectuado na petição inicial destes autos e no respectivo pedido, assim como na sentença recorrida. Por isso, inexiste violação da autoridade do caso julgado.
Relativamente à alegada preclusão do direito dos AA., invocam-na os Recorrentes com base no estatuído no artigo 573.º do CPC, quanto à oportunidade de dedução da defesa, nomeadamente o seu nº 1, que dispõe que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
Também aqui entendemos, como na decisão recorrida, que aquela não se verifica.
Sobre a noção de preclusão, Miguel Teixeira de Sousa, in “Preclusão e caso julgado”, ensina que esta pode ser definida como “a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização.”
Conforme se afirma no Ac. desta Relação, de 23.05.2019, proc. 257/17.8T8MNC.G1, citando, além do mais, o referido autor, a preclusão funda-se na existência de um ónus da parte: “é porque a parte tem o ónus de praticar um ato que a omissão do ato é cominada com a preclusão da sua realização.” A preclusão não é o mesmo que a caducidade e a prescrição, porque tem natureza essencialmente processual: impõe-se quando a parte não praticou determinado ato num processo pendente, se, podendo fazê-lo em determinado momento e não o tendo sido feito, a lei atribui valor a essa omissão, não permitindo que possa ser realizado depois.
Após ocorrer a preclusão da prática do ato num processo pendente a cujo efeito a lei estende aos demais, torna-se também, e por isso mesmo, inadmissível a prática do ato num outro processo.
Ora, se a lei impõe o princípio da concentração da defesa (artigo 573º nº 1 do Código de Processo Civil), já não impõe que na proposição da ação o Autor invoque todas as causas de pedir que fundamentam o seu pedido, nem tão pouco que faça todos os pedidos que determinada situação fática lhe pode conceder; tem é que “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.
Neste sentido também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2017 supra citado, mencionando ainda jurisprudência coincidente: “Com efeito, a posição do Autor e do Réu a este propósito pode não ser simétrica. Já CASTRO MENDES observava “sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo” e acrescentava que “De jure condito (…) é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir”.
Em consequência este autor conclui no artigo que supra se citou, no que aqui mais nos interessa: “No processo civil português, a imposição de um ónus de concentração constitui a exceção para o autor e a regra para o réu. Em princípio, o autor não fica impedido de propor uma outra ação se a primeira tiver terminado com uma absolvição da instância pela falta de um pressuposto processual (cf. art. 279.º, n.º 1) ou com uma decisão de improcedência. Em contrapartida, o réu não pode contestar fora da ação pendente o preenchimento de um pressuposto processual ou o pedido formulado pelo autor, ou seja, para o réu vale um ónus de concentração de toda a defesa na ação pendente (e, mais em concreto, na contestação: cf. art. 573.º, n.º 1).”
Decorre do exposto que o preceito legal previsto no art. 573º, nº 1, do CPC não é directamente aplicável ao caso sub judice.
Com efeito, os aqui AA. estariam sempre, como reconvintes naquele processo nº 405/05...., na posição de “autores” da contra-acção, pelo que não é exigível que o autor concentre todas as possíveis causas de pedir e respectivos pedidos na acção proposta.

Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 08.06.2017 (Proc.º n.º 214/14.6T8BJA.E1.S1.), citado pelos Recorridos:
“I. O direito a benfeitorias, ainda que emergente da relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art.º 266.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
II. A não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos do caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no artigo 573.º do mesmo Código, dado, neste caso, não se tratar dum meio excetivo intrínseco ao direito à restituição da coisa.”.
Improcedem nesta parte as conclusões do recurso.
*
Da prescrição

Alegam os Recorrentes que o direito à indemnização e restituição por enriquecimento sem causa já prescreveu, por ter decorrido o prazo de prescrição aplicável, que é o previsto no art.482º do CC, ou seja, três anos; que o alegado direito das Autoras já poderia ter sido exercido a partir do términus das ações, supra melhor identificadas, mormente, da sentença de 6.11.2002, da ação 73/2000, da decisão do STJ, datada de 16.04.2013 da ação nº 405/05...., e após a citação das AA. para contestarem a ação nº 609/20..., sentença que transitou em julgado em 21.12.2015, momentos em que as AA. tiveram conhecimento do direito que lhes compete e da pessoa do responsável e em que lhes foi reclamada a entrega do imóvel, tendo decorrido mais de 19, 8 e 6 anos; que no caso em apreço, a presente ação do enriquecimento sem causa, foi intentada em 03.11.2021, pelo que, o prazo de três anos sobre a data do trânsito em julgado já havia decorrido quando a mesma foi intentada.
Neste conspecto a sentença recorrida entendeu que que não se verifica a excepção de prescrição, apoiando-se para o efeito no Ac. do TRG de 10.09.2013, Proc. Proc. 533/11.3TBAVV-A.G, Rel.: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO, que considera que «[o] direito a obter o valor das benfeitorias que o possuidor pretenda obter com base no disposto no n.2 do artigo 1273º do Código Civil está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos estabelecido no artigo 309º (norma geral) e não ao prazo especial de três anos estabelecido no artigo 482º (…)», sendo que, considerando a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 474º do CC), «(…) o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição». A sentença recorrida cita também no Ac. TRE de 11.04.2021, Rel.: MÁRIO COELHO, onde se afirma que «[O] direito à indemnização das benfeitorias necessárias e úteis, nos termos do artigo 1273.º do Código Civil, está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos».
Concordamos inteiramente com o aqui decidido.

O artigo 1273.º do Cod. Civil dispõe o seguinte:

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

E o art. Artigo 482.º do CC prevê que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”
Da conjugação de tais normativos decorre que a remissão para as regras do enriquecimento sem causa prevista no nº 2 do art. 1273º do CC cinge-se tão-só ao cálculo do valor das benfeitorias, nada se prevendo quanto à aplicação do regime prescricional do instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 482º do CC ao direito de exigir o valor das benfeitorias.
Vale isto por dizer que o prazo previsto no citado artigo 482º é inaplicável ao direito de crédito peticionado.
Como referem Pires de Lima e A. Varela, trata-se de «um direito de natureza creditória, sujeito, como tal, ao prazo ordinário de prescrição. A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis, o nº 2 do artigo 1273º faz para o regime do enriquecimento sem causa vale apenas para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do artigo 482º (neste sentido, acórdão do S.T.J., de 15 de Janeiro de 1981, BMJ nº 303, pág. 236 e seguintes)». Ob. cit., pág. 43.
Assim sendo, considerando que o prazo de prescrição aplicável ao caso é o previsto no art. 309º do CC (de 20 anos), somos a concluir que não se encontra prescrito do direito à indemnização pelas obras e benfeitorias em causa nos autos.
Improcedem também nesta parte as conclusões do recurso.
*
Do valor da indemnização

Sobre o valor das benfeitorias a que os AA. têm direito, alegam os Recorrentes que, no caso em apreço, resulta provado o valor da benfeitoria realizada – 21.496,39€ (1.496,38€ + 20.000,00€) -, resultando ainda que o valor da parcela de terreno onde a mesma se encontra implantada é de 1.393,11€; que também resultou provado que o valor da construção em Abril de 2016 é de 65.636,00€ (pese embora as Autoras apenas tenham peticionado o montante de 63.255,20€, valor a que o Tribunal está adstrito), pelo que é fácil de concluir que os Réus enriqueceram apenas na respetiva diferença, ou seja, em 61.862,09€ (63.255,20€-1.393,11€); que ao condenar os Réus a pagar às Autoras o montante de 63.255,20€ (valor que as Autoras peticionaram e que o Tribunal não pode condenar em quantidade superior), não está a decidir corretamente, pois nem sequer está a deduzir ao valor da construção o valor do terreno. E, concluem os Apelantes, têm as Autoras o direito a receber dos Réus a sua quota-parte do custo das benfeitorias que realizaram, considerando-se que o seu empobrecimento total corresponde ao montante que com elas gastaram (21.496,39€), por ser este o menor dos dois valores.
A sentença recorrida declarou que o acréscimo do valor que a construção e as obras de alteração trouxeram ao referido prédio, importa, pelo menos, em € 63.255,20; e condenou os Réus, DD e EE, a pagar às Autoras, na qualidade de herdeiras de FF e de GG, o valor de € 63.255,20, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel identificado no ponto 30 dos Factos Provados, acrescida dos juros de mora, vencidos desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 63.255,20, à taxa legal de 4% ao ano.
Vejamos.
O Tribunal a quo considerou e bem que, no caso, estão em causa benfeitorias úteis que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa e que a sua realização dá lugar à compensação do benfeitorizante, calculada de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.
Este entendimento não é questionado pelos Apelantes.
Nesta matéria, a divergência manifestada pelos Recorrentes reside no cálculo do valor da indemnização a que os AA. têm direito.
Como acima se dissemos, o artigo 1273.º nº 2, do Cod. Civil dispõe que quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Este instituto está regulado no artº. 473º, do C.C. que dispõe que «Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou» (nº. 1) e que «A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou» (nº. 2).

Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., pags. 427/431), a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:
. haja um enriquecimento; este enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas;
. o qual careça de causa justificativa (quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, a haja entretanto perdido); o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consinta;
. e tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. O benefício obtido pelo enriquecido deve resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido tendo de existir um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro.
Tem-se acrescentado um outro requisito ainda: que a vantagem económica do enriquecido deve ser obtida imediatamente à custa do empobrecido já que a deslocação patrimonial para o enriquecido tanto pode ocorrer por via direta ou por via indireta, pelo que se vem entendendo que se deve exigir que entre o ato gerador do prejuízo do empobrecido e a vantagem conseguida pela outra parte não deve existir qualquer ato jurídico – veja-se Ac. da Rel. de Coimbra de 02/11/2010 (dgsi.pt).
Assim, é necessário que a vantagem de um (enriquecido) e o prejuízo do outro (empobrecido) estejam em imediata conexão e que aquela e este derivem do mesmo facto; assim, o autor da prestação só pode dirigir-se contra aquele a quem, com base numa causa jurídica suposta, inexistente ou desaparecida, prestou, não contra um terceiro a quem não prestou –Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, II, pag. 54.
Sobre esta temática, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
- (…) ”Sucede que, quer o enriquecimento, quer o empobrecimento, podem ser entendidos em abstracto – ou, noutra terminologia, em termos “reais” – ou em concreto – em termos “patrimoniais”.
Assim, F. M. Pereira Coelho, op. cit., págs. 24 a 26, contrapondo o uma concepção “real” a uma concepção “patrimonial” do empobrecimento e do enriquecimento, explica: “Chamamos (…) dano real ao valor objectivo do prejuízo sofrido pelo lesado ou empobrecido; dano patrimonial à diferença para menos no património deste (…). No primeiro caso, faz-se uma avaliação abstracta do prejuízo, em que justamente se abstrai da especial aplicação que o lesado ou empobrecido teria dado aos bens objecto da lesão ou intervenção, da possível relação entre esses e outros bens do seu património, etc.; no segundo caso procede-se a uma avaliação concreta que precisamente toma em conta essas circunstâncias. / Não é só o dano, porém, que pode conceber-se destes dois modos, senão também o enriquecimento. Este corresponderá, numa concepção real, ao valor objectivo da vantagem real adquirida; numa concepção patrimonial, ao saldo ou diferença para mais no património do enriquecido”.
Por sua vez, A. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, VIII, 2.ª Edição, Almedina, 2023, págs. 251 e 252, referindo-se à distinção entre enriquecimento ou empobrecimento em abstracto e em concreto, esclarece que:
“o enriquecimento em abstrato: corresponde ao valor do quid que tenha passado do património do empobrecido, para o do enriquecido; (…) o enriquecimento em concreto: equivale à vantagem patrimonial efetiva sentida pelo enriquecido (…) o dano ou empobrecimento em abstrato: traduz o valor do quid que saiu do património do empobrecido (…) o dano ou empobrecimento em concreto: exprime a desvantagem global sentida pelo empobrecido”.
Este último autor fornece um exemplo bem ilustrativo dos termos da distinção: um livro, com o valor de € 100,00, passa da biblioteca de A para B, sem causa justificativa. O enriquecimento em abstracto de B e o empobrecimento em abstracto de A será de € 100,00. Todavia, quando esse livro saia de uma colecção ou complete uma colecção – imagine-se, numa hipótese que qualquer jurista bem compreende, que se trata um volume do Tratado de Direito Civil da autora de MM –, facilmente se compreende que o património de A – que fica com o Tratado incompleto – ou de B – que, desse modo, consegue reunir a totalidade dos volumes – será, respectivamente, será negativa ou positivamente afectado em medida superior à que resulta da consideração isolada do valor do livro em questão.
Deste modo, facilmente se constata que os valores do enriquecimento concreto ou patrimonial e do empobrecimento concreto ou patrimonial não são sempre e necessariamente coincidentes, podendo também divergir do valor do enriquecimento ou empobrecimento em concreto ou real.
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o enriquecimento e o dano constituem os limites – ou duplo limite – da obrigação de restituir decorrente do regime do enriquecimento sem causa, a qual tem por medida o menor desses valores, conforme também decorre do art.º 379.º, n.º 1, do Código Civil, quando alude a “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido”.
Como refere F. M. Pereira Coelho, op. cit., págs. 41 e 41, “A acção ou pretensão de enriquecimento sem causa não supõe apenas o enriquecimento do devedor da obrigação de restituir e a falta de causa desse enriquecimento; nas exposições dos autores menciona-se ainda a existência de um empobrecimento do credor, como pressuposto e limite daquela obrigação de restituir. (…) Que o dano ou empobrecimento deste seja pressuposto da obrigação de restituir o enriquecimento sem causa resultará do art. 473.º, n.º 1, que só obriga a restituir quem se enriquece sem causa «à custa de outrem»; que seja limite da mesma obrigação, concluir-se-á do princípio geral do art. 479.º, n.º 1, segundo o qual a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende «tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido», não sendo o devedor, pois, obrigado a restituir todo o «obtido», mas só o que haja «obtido à custa» do credor. É esta a justificação legal da exigência de um dano ou empobrecimento do credor da obrigação de restituir, e, em termos gerais, a justificação racional dessa exigência também é fácil de dar. Trata-se (…) de estabelecer a ligação ou contacto entre a vantagem adquirida pelo devedor e o património do credor, de dar a este legitimidade para receber o crédito a que a obrigação de restituir corresponde”.
Existe, contudo, divergência quanto ao modo como tais valores devem ser considerados – se em abstracto ou em concreto – e articulados entre si.
Assim, I. Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 1989, págs. 189 e 191, defende que o que releva é a situação do património dos interessados, parecendo inclinar-se para uma consideração dos valores do enriquecimento e do empobrecimento em concreto.
Já F. M. Pereira Coelho, op. cit., págs. 36 a 49, aceitando que o valor do enriquecimento que releva é o valor concreto ou patrimonial, depois de ponderar as situações ditas de “enriquecimento por intervenção” – em que o locupletamento resulta de uma actuação do próprio enriquecido, que pode apenas gerar um lucro para este, sem qualquer dano concreto para o empobrecido; e em que o primeiro autor citado nega estarem verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa, vide, Direito cit., pág. 185 –, considera que o valor do empobrecimento deverá ser considerado em termos reais ou em abstracto.
Argumenta este autor – op. cit., págs. 42 e 43 –, contra a consideração do empobrecimento em concreto, que:
“Em primeiro lugar, o resultado, a que logicamente ela nos conduz na questão do lucro por intervenção, de que pertence ao interventor todo o lucro excedente ao dano concretamente sofrido pelo titular do direito não parece satisfatório, (…) O sujeito que extraiu e vendeu areia do prédio alheio, no caso do ac. do S. T. J. de 3 de Abril de 1964, nada teria de pagar ao proprietário que, tendo a corrente do rio depositado outra areia em lugar daquela, não sofrera afinal qualquer dano «patrimonial». Quem se instalasse no mês de praia em casa alheia igualmente nada teria que dar ao dono da casa, desde que se mostrasse com segurança que este não a utilizaria durante esse mês. Quem editasse obra literária alheia, explorasse patente ou modelo de outrem ou se servisse do nome ou da imagem de alguém para fins de publicidade também nada teria de pagar, sempre que o titular do direito não fizesse o aproveitamento ou exploração económica do respectivo bem por qualquer motivo. E quem fumasse uma caixa de charutos de outrem, mesmo que fosse habitualmente fumador de charutos e, assim, o consumo que fez lhe tivesse poupado despesas, não seria obrigado a restituir o seu enriquecimento se, efectivamente, o dono dos charutos de certeza os deixaria, porque os achava detestáveis. Ora estas soluções não parecem justas.
Não parecem justas nem estão de acordo, em segundo lugar, com a função do enriquecimento sem causa (…). A acção de enriquecimento sem causa não visa remover o dano do património do credor, mas o enriquecimento do património do devedor. E, assim, não sendo essencialmente uma acção de indemnização do dano, compreende-se que o empobrecimento do credor não lhe interesse senão até onde seja necessário (…) para estabelecer ligação ou contacto entre a aquisição do devedor e o património do credor, para legitimar a transferência ou deslocação do enriquecimento para o património do empobrecido. Ora, não está dito que a existência de um dano concreto do empobrecido seja a única via por que tal ligação ou contacto possa estabelecer-se, que apenas quando e na medida em que haja uma «diferença» no património do empobrecido se legitime a transferência ou deslocação para esse património do enriquecimento do devedor”.
Por isso, segundo defende – op. cit., págs. 44 e 45 –, o enriquecimento será obtido “à custa” do empobrecido “quando lhe «pertencia» ou estava «reservado» para ele, em face do «conteúdo de destinação» do direito ou bem jurídico violado”, explicando – idem, pág. 47 – que o direito do enriquecimento sem causa dirige-se “a uma simples protecção estática dos direitos ou dos bens, (…) pretende reagir contra modificações juridicamente não sancionadas na sua ordem de atribuição ou destinação. O que suscita aqui uma reacção da lei é a circunstância de determinado valor se achar no património de A, quando o lugar dele não é aí mas no património de B. Sendo assim, porém, o que importa é só que em face daquela ordem de atribuição ou destinação dos bens seja o património de B o lugar do valor que está no património de A, o que importa é só que este valor seja atribuído ou destinado por lei ao mesmo B”.
A doutrina maioritária – Cfr., Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, págs. 197 a 205, J. M. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 9.ª Edição, Almedina, 1998, 529 a 533, e M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, Almedina, 2020, págs. 511 a 512 – aceitando também o limite constituído pelo enriquecimento em concreto, utiliza uma formulação ligeiramente distinta de defendida por J. M. Pereira para a definição do segundo limite, embora também assente no empobrecimento em abstracto.
Assim, segundo o primeiro dos autores citados, op. cit., págs. 202 e 203:
 “A fixação do montante do enriquecimento, nos termos atrás expostos, não nos dá, desde logo, a medida da restituição, pois o enriquecimento funciona apenas como limite máximo da obrigação de restituir: esta não tem por objecto tudo aquilo que se obteve, mas sim «tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido».
A restrição introduzida por esta última parte da expressão legal obriga-nos a relacionar o enriquecimento com a esfera do empobrecido, por forma a apurarmos se ele foi todo obtido a expensas do lesado – hipótese em que deverá ser integralmente restituído –, ou apenas em parte – hipótese em que só deverá ser restituída a parcela correspondente.
Muitas vezes, na verdade – sobretudo nos casos de uso ou consumo de bens alheios – o lucro da intervenção resulta de uma complexa série de elementos causais, nem todos precedentes da esfera do empobrecido. Para esse lucro poderão também ter concorrido factores próprios do enriquecido, tais como as suas qualidades pessoais, bens da sua titularidade, etc. Há assim que determinar qual a parte do enriquecimento que deve ser imputada à deslocação, qual a contribuição relativa que os bens usurpados tiveram na produção do acréscimo patrimonial, pois só nessa parte se poderá dizer que o enriquecimento foi obtido à custa de outrem, lhe pertencia, segundo a correcta ordenação jurídica dos bens”.
A. Menezes Cordeiro – op. cit., págs. 256 a 258 –, numa posição depois seguida por J. Ribeiro de Faria, in Direito das Obrigações, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2020, pág. 398, e, aparentemente, Ana Prata, in Código Civil Anotado, Coord. de Ana Prata, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 658, defende, por sua vez, um triplo limite para a obrigação de restituir.

Escreve aquele autor:
“Pode suceder que o empobrecido tenha, no terreno e mercê da ocorrência, sofrido um dano concreto superior ao dano abstrato dado pela doutrina do duplo limite, simples ou melhorada com o conteúdo da destinação.
E pode ainda suceder que, nessa eventualidade, o enriquecido tenha faturado um enriquecimento real superior a qualquer um dos referidos danos. Nessa altura, limitar a obrigação de restituir ao dano em abstrato levaria a que o empobrecido mantivesse um dano real e o enriquecido em enriquecimento também efetivo, sempre obtido à custa daquele.
Cabe rendermo-nos à evidência: os limites são, de facto três: deve ser restituído o enriquecimento concreto (1.º limite) até ao dano em abstrato (2.º
limite) ou em concreto (3.º limite), consoante o que se mostre mais elevado”.
Por fim, L. Menezes Leitão – Cfr., O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Almedina, 2005, págs. 867 a 902, e Direito das Obrigações, Volume I, 16.ª Edição, Almedina, 2022, págs. 458 a 473 –, defende que o objecto da obrigação de restituição não pode ser definido em termos gerais, sendo diversas as soluções consoante a categoria de enriquecimento em questão, sendo certo que, na situação de “enriquecimento por despesas” – a que se reconduz a realização de benfeitorias úteis em coisa pertencente ao enriquecido –, entende que, “havendo boa fé do enriquecido, a aplicação do limite do enriquecimento, para efeitos do art. 479.º, n.º 2, deverá tomar em conta a planificação subjectiva do enriquecido, não se considerando haver um enriquecimento efectivo se o incremento de valor não tem para ele qualquer utilidade” – Cfr., O Enriquecimento cit., pág. 901.
Anote-se, ainda, que a maioria da doutrina defende o enriquecimento ou empobrecimento patrimoniais ou concretos como resultante da comparação entre a situação em que se encontram os patrimónios do enriquecido ou do empobrecido e situação hipotética em que os mesmos se encontrariam se o facto constitutivo da obrigação de indemnizar ou restituir não se tivesse verificado – Cfr., F. M. Pereira Coelho, op. cit., págs. 24 e 25, Rui de Alarcão, op. cit., págs. 198 e 199, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, pág. 466, J. M. Antunes Varela, op. cit., pág. 531, M. J. Almeida Costa, op. cit., pág. 493, J. Ribeiro de Faria, op. cit., pág. 398, Ana Prata, op. cit., pág. 656 e 657.
Já A. Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 259, entende que o enriquecimento sem causa “trabalha, no terreno, com situações reais. Isso implica afastar cenários subjetivos ou hipotéticos, que nos levavam a comparar, em vez de patrimónios (reais) antes e depois do enriquecimento, um património real antes do enriquecimento e um património hipotético depois dele, património esse no qual fosse possível inserir o produto de causalidades anómalas (ainda que, porventura, demonstráveis) ou de decisões totalmente individuais. Não temos qualquer base legal que nos leve a transferir, para o enriquecido (ou para o empobrecido) riscos que não tenham a ver com a causalidade normal”.
Tudo ponderado, afigura-se que a exigência de um triplo limite, defendida por A. Menezes Cordeiro, é a que permite a solução mais adequada de todas as situações hipotéticas, na medida em que acautela a eventualidade de o empobrecido sofrer um prejuízo patrimonial concreto superior ao empobrecimento em abstracto.
Assim, a restituição a que o enriquecimento sem causa dá lugar deverá ser limitada à medida do enriquecimento em concreto ou do empobrecimento, consoante a que for inferior, sendo o empobrecimento considerado em concreto ou em abstracto, consoante o que for mais elevado.
Já quanto ao modo de determinar a medida do enriquecimento ou do empobrecimento patrimoniais ou em concreto, afigura-se mais adequada a orientação da doutrina maioritária, por mais conforme com a teleologia do instituto do enriquecimento sem causa, permitindo acorrer a situações de enriquecimento por poupança de despesas dificilmente quantificáveis nos termos propostos por A. Menezes Cordeiro.
Cabe ainda salientar que o valor a restituir não deve ser apurado por referência ao momento da deslocação patrimonial para o enriquecido ou da intervenção deste; deve, ao invés, ser um valor actualizado até um dos momentos referidos nas alíneas do art.º 480.º, do Código Civil – Cfr., neste sentido, I. Galvão Telles, op. cit., pág. 190, F. M. Pereira Coelho, op. cit., pág. 40, Rui de Alarcão, op. cit., págs. 199 e 200, Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 466, e também no Volume III, 2.ª Edição, pág. 43, J. M. Antunes Varela, op. cit, pág. 530, M. J. Almeida Costa, op. cit., págs. 513 e 514, J. Ribeiro de Faria, op. cit., pág. 396, Ana Prata, op. cit., pág. 658, Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2023, págs. 266.
Como explica I. Galvão Telles, op. e loc. cit., “O momento decisivo para se fixar a medida da restituição é aquele em que se dá um dos seguintes factos (atendendo-se naturalmente ao ocorrido em primeiro lugar): ser o enriquecido citado judicialmente para a restituição ou ter conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento (art. 479.º, n.º 2, e art. 480.º). Ora, até se produzir algum desses factos, pode designadamente o valor do enriquecimento alterar-se, ou para mais ou para menos. No caso por exemplo de benfeitorias, concebe-se que elas se valorizem ou desvalorizem”.
E, debruçando-se expressamente sobre a obrigação de indemnizar o possuidor por benfeitorias úteis que não possam ser levantadas, referem Pires de Lima e Antunes Varela, no já citado Volume III do Código Civil Anotado, pág. 43, explicam, que a mesma “deve ser considerada uma dívida de valor e, como tal, actualizada em função da depreciação que o valor da moeda entretanto tenha sofrido (…). Se, por exemplo, o possuidor de um prédio rústico gastou, em 1970, 20 contos com a exploração de águas subterrâneas ou com uma plantação de árvores que nele fez, e o proprietário vier, antes do decurso do prazo da usucapião, reivindicar o imóvel, deverá indemnizar o possuidor, até ao limite do valor daquelas benfeitorias (benfeitorias úteis), do montante que, à data da reivindicação, seria necessário para as realizar. Só assim se evitará um locupletamento injusto do titular do direito à custa do possuidor. Entre a data da realização das benfeitorias e a data em que é reclamada a respectiva indemnização pode mediar um longo período e o possuidor deve receber o valor real que despendeu para conservar a coisa ou para lhe introduzir melhoramentos” – realces nossos.
É também este o entendimento seguido pela jurisprudência dos tribunais superiores – Cfr., Ac. da Relação de Lisboa, de 18.01.2011, CJ, 2011, t. I, pág. 99, e Ac. da Relação de Coimbra, de 27.09.2011, CJ, 2011, t. IV, pág. 24.
Aplicando, então, os princípios acima enunciados ao caso dos autos, importa ter em consideração, em primeiro lugar, que o momento relevante para a determinação do valor a restituir é, em face do disposto nos artigos 479.º, n.º 2, e 480.º, al. a), do Código Civil, o da citação realizada nos presentes autos – ou seja, 13.12.2021 –, uma vez que não foi alegado nem se demonstrou se e em que momento os Réus tiveram conhecimento da falta de causa do enriquecimento – o mesmo é dizer, da obrigação de restituir o valor das benfeitorias.

Encontra-se provado que:
“Com a construção referida em 31, os pais das Autoras despenderam a quantia de Esc. 300.000$00, correspondente a € 1.496,39, e com as obras referidas em 21 a 23 despenderam € 20.000,00 (…);
O valor da construção, em Dezembro de 2022, com todas as suas infraestruturas, é de € 76.000,00, sendo de € 65.636,00 em Abril de 2016 (…);
A construção edificada pelos pais das Autoras aumentou o valor do “Campo ...” na medida referida em 33 (…);
O levantamento dessa construção causa detrimento ao prédio onde se encontra implantada (…);
O custo necessário para a execução das respectivas obras, com todas as suas infraestruturas, em Dezembro 2022, seria de € 97.356,00 (…);
As obras realizadas pelos pais das Autoras já sofreram deterioração pelo uso, considerado no valor referidos em 34 (…);
Tendo os Réus demolido as escadas de acesso à cozinha e seus patamar e gradeamento, bem como removido e tapado a porta de acesso do exterior a essa divisão (…);
Os Réus colocaram 14 focos embutidos no tecto, colocaram novos móveis de cozinha, substituíram a porta referida em 38 por uma janela com vidro duplo e edificaram um muro de suporte e vedação com 12 metros de comprimento e 1,5 metros de altura (…);
As obras referidas em 39 têm um custo actual, incluindo materiais, mão de obra e IVA, de, respectivamente, € 700,00, € 750,00, € 400,00, e € 800,00” - Cfr., os pontos 32 a 40 dos Factos Provados.
O empobrecimento das Autoras – enquanto herdeiras, já que, por via da sucessão mortis causa, ingressaram na titularidade das situações activas e passivas que integravam o património de seus pais –, quer em concreto, quer em abstracto, corresponde ao valor despendido com a construção e obras subsequentes, actualizado à data da citação efectuada nestes autos, segundo os índices de preços no consumidor divulgados pelo INE, ou seja, € 83.242,75.
Já quanto ao enriquecimento dos Réus, há que deduzir ao custo actual da construção existente, a desvalorização resultante da antiguidade e do uso, bem como os valores incorporados pelos próprios Réus, uma vez que só desse modo obtemos a medida do enriquecimento concreto, conforme acima exposto.
Face ao resultado da prova pericial, tal valor corresponde a € 74.350,00, cabendo notar que não existe variação do valor da construção entre a data da citação e a data do relatório pericial, já que o coeficiente de desvalorização de 2021 para 2022, fixado pela Portaria n.º 340/2023, de 8 de Novembro, é igual a 1.
Deste modo, concluindo-se que o valor do enriquecimento em concreto é inferior ao valor do empobrecimento, quer em concreto, quer em abstracto, seria aquele primeiro que caberia aos Réus restituir.
Todavia, como as Autoras apenas peticionaram o valor de € 63.255,20, é esse o valor a restituir, uma vez que o Tribunal não pode condenar em quantidade superior à que foi pedida, atento o disposto no art.º 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”

Concordamos inteiramente com estas considerações jurídicas da sentença. No mesmo sentido se pronunciou, entre outros, o Ac. desta Relação de 23.05.2019, Proc. 257/17.8T8MNC.G1, onde se sumariou que:
1- O valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias ou úteis a que o possuidor tem direito, por as ter custeado e não as poder levantar sem detrimento da coisa, nos termos do artigo 1273º nº 2 do Código Civil, corresponde ao menor de qualquer um dos seguintes valores: o custo que o possuidor suportou com tais benfeitorias, por um lado, e o acrescento que as benfeitorias trazem ao património do enriquecido, por outro.
2- Assim, a diferença entre a situação atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se as benfeitorias não tivessem sido realizadas, é apenas um dos limites a que se recorre para o cálculo do valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias e úteis que não podem ser levantadas.
3- Para o apuramento do valor a atribuir por tais benfeitorias há que atender a outro limite: o valor do dispêndio, prejuízo ou custo suportado pelo possuidor na realização dessas benfeitorias, em concreto ou abstrato, conforme o que for superior, desde que dentro do valor do enriquecimento, por só assim se poder satisfazer o interesse deste instituto, impedindo a deslocação patrimonial que se funda no injusto enriquecimento de uma pessoa à custa do empobrecimento de outra.
Consequentemente, também concordamos com o cálculo do valor da indemnização efectuado na sentença recorrida.
Com efeito, apesar de o valor da indemnização a receber pelas AA. dever ser o menor de entre o valor despendido com a construção e obras subsequentes e o valor que as mesmas acrescentaram ao imóvel, a verdade é que, pelas razões supra expostas, jamais poderá coincidir com os 21.496,39 € despendidos pelos pais da Autoras, como alegam os Recorrentes. Pois, este valor não leva em consideração a significativa erosão sofrida, em virtude do fenómeno inflacionário, o qual, por isso, deve ser corrigido por via da compensação legal da desvalorização monetária, entretanto, sofrida, tal como foi feito na sentença.
Pelo exposto, somos a concluir pela total improcedência da apelação e confirmação da decisão e sentença recorridas.
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Sumário:

- Quanto à eficácia do caso julgado, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
- Na referida função negativa, é exigida a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir, nos termos do art. 581º do CPC, mas na aludida função positiva, não é exigível essa tríplice identidade.
- A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.
- A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis o n° 2, do artigo 1273° do Cód. Civil, faz para o regime do enriquecimento sem causa vale tão-só para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do artigo 482°.
- O valor a ressarcir pelas benfeitorias necessárias ou úteis a que o possuidor tem direito, por as ter custeado e não as poder levantar sem detrimento da coisa, nos termos do artigo 1273º nº 2 do Código Civil, deverá ser limitado à medida do enriquecimento em concreto ou do empobrecimento, consoante a que for inferior, sendo o empobrecimento considerado em concreto ou em abstracto, consoante o que for mais elevado.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão e sentença recorridas.
Custas pelos Recorrentes.
TRG, 29.02.2024

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: José Manuel Flores
Amália Santos