Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23201/17.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RP2018101123201/17.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º283, FLS.227-239)
Área Temática: .
Sumário: I - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC.
II - Por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 23.201/17.8T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, B…, C… e D…, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra E…, S.A, pedindo a condenação da Ré no seguinte:
- (a) a reconhecer que na sentença proferida no proc.17851/15.4T8PRT foi indicada a empresa congénere e associada da Ré – E1…, S.A. –, em vez da própria Ré, estando aquela impossibilitada de cumprir a sentença desde logo quanto à reintegração das Autoras no seu local de trabalho e não foi adjudicado a si como decisão daquela sentença, mas à própria Ré;
- (b) a reconhecer que a transferência do local de trabalho F…, S.A., em maio de 2015, foi de facto feita para a própria Ré e não para aquela sua congénere e associada;
- (c) a reintegrar as Autoras no seu posto e local de trabalho com as funções correspondentes às suas categorias, com todos os direitos de antiguidade e com as retribuições mínimas que recebiam da F…, S.A. até ao fim de abril de 2015, atualizadas por força dos aumentos dos salários mínimos verificados posteriormente;
- (d) a pagar às Autoras as retribuições vencidas até ao presente, no valor de 12.206,88€, 10.456,88€ e 10.456,88€, respetivamente para a 1ª, a 2ª e a 3ª Autoras;
- (a) a pagar as retribuições que se vencerem desde agora (novembro de 2017) até ao trânsito em julgado;
- (f) a pagar os juros moratórios à taxa legal de 4%, calculados sobre cada uma das retribuições pedidas desde o respetivo vencimento até ao integral pagamento.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial, que a Ré foi constituída por deliberação de 4 de Julho de 2012, levada a registo a 05 de Julho de 2012, e tem por objeto a prestação de serviços de “higiene, e controlo de ambiente, criação e manutenção de espaços verdes, recolha e transporte de resíduos sólidos identificados a destino próprio, comércio de equipamento e consumíveis afins à atividade”.
Tem e sempre teve como administrador único, G…; e, tem como fiscal único H…, Sociedade de revisores oficiais de contas, cujo suplente é I….
Em 1994, com a natureza inicial de sociedade por quotas e transformada em sociedade anónima em 2009, tinha sido criada a sociedade com nome idêntico ao da Ré – “E1…”. Esta sociedade tem o NIPC ………. e com o mesmo CAI principal, ……-.., a mesma sede da Ré, na Rua … n.º …, …, escritório …, …. - … …..
E, tinha inicialmente o mesmo objeto, ipsis verbis, “higiene, e controlo de ambiente, criação e manutenção de espaços verdes, recolha e transporte de resíduos sólidos identificados a destino próprio, comércio de equipamento e consumíveis afins à atividade”, objeto este a que foi aditado em 2016 o seguinte: “limpeza técnicas e industriais, gestão e detenção de participações sociais em empresas de limpeza técnicas e industriais”.
Na sua administração figura, juntamente com outros dois familiares, o mesmo administrador, G…; tem o mesmo fiscal único – H…, Sociedade de revisores oficiais de contas, e o mesmo suplente.
As Autoras, na sua simplicidade e boa fé, com a instrução básica, dizem e estão convencidas que a sua entidade empregadora sempre foi e é “E1…”, nunca se tendo apercebido de diferenças entre a Ré e a aludida segunda empresa com o mesmo nome, até porque os seus superiores hierárquicos, os responsáveis pelo pessoal e os serviços administrativos da Ré foram e são sempre os mesmos.
Alegam os fatos constitutivos da relação laboral, a violação dos deveres contratuais, por parte da Ré, no tocante ao pagamento de retribuições devidas e à ocupação efetiva, designadamente, recebendo-as como suas trabalhadoras, por efeito de transmissão nos termos da cláusula 17.ª do CCT publicado no n.º 22, de 29.03.2004.
Prosseguem, alegando que face à confusão criada nas Autoras, estas intentaram a ação judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, juízo do trabalho do Porto – J3, no processo 17851/15.4T8PRT, em que demandaram a referida F…, S.A., bem como a E1…, S.A.
Os referidos factos constituíram a causa de pedir na ação que correu termos sob o n.º 17851/15.4T8PRT, Juízo do Trabalho da Comarca do Porto, J3, em que demandaram a sociedade E1…, S.A.. Nessa ação foram julgados provados os fatos aqui alegados e condenada esta última sociedade a “reconhecer que as Autoras (…) são suas trabalhadoras, a pagar-lhes os valores respetivos (…), valores a que se adicionam juros legais desde a citação até integral pagamento, condenando-a ainda a pagar os créditos laborais vencidos e vincendos até transito em julgado da presente decisão”.
Notificadas da sentença, as Autoras escreveram uma carta à Ré, manifestando a disponibilidade (..) para retomar o trabalho de imediato, aguardando instruções para o efeito e, reclamando, em consequência, as retribuições que se continuam a vencer.”
A Ré nada respondeu. Nessa sequência aperceberam-se do lapso que haviam cometido. A conduta da Ré não primou pela boa fé, pois sempre soube e escondeu que a sua designação estava incorreta no Tribunal, figurando a sua gémea S.A.
A “E1…, S.A.” não tem qualquer património conhecido nem se sabe onde continue a prestar a atividade de que obtenha rendimentos penhoráveis. Por isso, as Autoras estão impossibilitadas de demandar com êxito a “E1…, S.A.” em sede de execução, restando-lhes exercer o seu direito contra a aqui Ré.
Recebida a petição inicial o tribunal a quo determinou a junção ao presente processo de certidão dos articulados, do despacho saneador e da sentença proferida no processo n.º 17851/15.4T8PRT com nota do respetivo trânsito em julgado. E, na consideração se estar perante caso julgado formal, excepção de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no art.º 3º, n.º 3, do C.P.C. convidou-se as autoras a pronunciarem-se, querendo, sobre a questão levantada.
As autoras vieram apresentar requerimento defendendo a inexistência de caso, alegando, no essencial que apenas a causa de pedir é idêntica, assim não acontecendo com as partes e pedidos.
I.2 Subsequentemente foi proferida decisão encerrada com o dispositivo seguinte:
- «Nos termos legais e fatuais expostos declaro a autoridade de caso julgado da sentença proferida no processo n.º 17851/15.4T8PRT, que correu termos no Juízo do Trabalho da Comarca do Porto- J3, com sede no Porto e, em consequência, absolvo a Ré E…, S.A. da presente instância.
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Custas a cargo das Autoras.
Valor da ação: €33.120,64.
Registe e notifique.
(..)».
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Argumentam as recorrentes para fundamentarem a discordância com o decidido, o seguinte:
- O local de trabalho onde exerciam as funções inerentes às suas categorias profissionais foi transferido para a Ré E…, S.A., a qual, por força da cl. 17 do CCT aplicável, ficou obrigada a cumprir todos os deveres da entidade empregadora;
- Nem a Ré nem qualquer outra entidade colocaram em dúvida a referida transferência dos contratos de trabalho para a Ré demandada na presente ação;
- O facto de ter havido um lapso ou erro em ação judicial antecedente, na qual foi demandada uma terceira empregadora, que nada tem a ver com a referida transmissão do local de trabalho ou unidade económica e, por isso, com os contratos individuais de trabalho em causa, muito embora possa ter agido de má-fé, escondendo a verdadeira Ré, não extinguiu aqueles contratos individuais de trabalho das Autoras, nem os direitos deles decorrentes, nem tão pouco as respetivas obrigações que decorrem para a Ré demandada na presente ação, direitos e obrigações que, aliás, esta não colocou em causa, até porque não foi citada ou chamada à demanda.
- as Autoras/Recorrentes têm direito à reintegração no seu posto de trabalho e às correspondentes retribuições, estas devidas desde a transmissão do local de trabalho ou unidade económica em causa, o que justamente reclamam à Ré na presente ação.
- O juiz bem poderia e deveria, no caso de ter fundadas dúvidas, ter lançado mão dos poderes que lhe confere o art.º 27 e 54 n.º 1 do CPT, convidando as Autoras, se fosse caso disso, a completar e a corrigir os articulados.
- Não se descortinando qualquer fundamento legal que legitimasse a indeferimento da ação, logo à nascença;
- não se está perante uma situação de caso julgado ou “autoridade de caso julgado”: as partes de uma e outra ação são distintas, quanto às Rés, os pedidos são diferentes e as causas de pedir também não são propriamente iguais.
Adianta-se já acompanhar-se o essencial da fundamentação da decisão recorrida e, consequentemente, o sentido do decidido.
Ainda que procurando evitar repetir o já afirmado pelo tribunal a quo, passamos a justificar aquela asserção.
Nos termos do n.º1, do art.º 619.º do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Por seu turno, o art.º 621.º, do mesmo diploma, dispõe que “[A] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: (..)”.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado em primeiro lugar que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial, dispondo o art.º 621.º n.º1 “[H]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
A excepção de caso julgado, como meio de defesa por excepção facultado ao Réu [art.º 577.º al. f), CPC], constitui um dos aspectos em que se reforça a força e autoridade do caso julgado, o seja, da decisão transitada em julgado (art.º 621.º, CPC).
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa em dois processos, ocorrendo quando o primeiro processo tenha findado por decisão transitada em julgado (art.º 580.º n.º1, CPC).
Designa-se por caso julgado material porque a decisão que lhe serve de base recai sobre a relação material ou substantiva em discussão. O caso julgado material cobre a decisão proferida sobre o fundo de mérito da causa e tem força obrigatória não só dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, mas também fora dele (art.º 619.º 1, CPC).
A força e a autoridade atribuídos à decisão transitada em julgado visa evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito (..)”. A excepção de caso julgado assenta na força e autoridade da decisão transitada, destina-se ainda a prevenir o risco de uma decisão inútil, já que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar (art.º 625.º), o que significa que a instauração do segundo processo, ou a nova arguição da questão no mesmo processo, “(..) representaria um gasto inútil de tempo, de esforço e de dinheiro, além de constituir um perigo para o prestígio da administração da justiça, que cumpre naturalmente prevenir” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1983, pp. 309/310].
Releva ainda assinalar, como elucida Alberto dos Reis, que o caso julgado exerce duas funções, uma positiva e outra negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, tendo a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade, servindo de base à execução. Exerce a segunda através da excepção de caso julgado. Porém, “(..) autoridade de caso julgado e excepção de caso julgado não são duas figuras distintas; são antes, duas faces da mesma figura. O facto jurídico «caso julgado» consiste afinal nisto: em existir uma sentença, com trânsito em julgado, sobre determinada matéria. Ora bem, esta sentença pode ser utilizada, numa acção posterior, ou pelo autor ou pelo réu (..). Temos, pois, que o caso julgado pode ser invocado pelo autor ou pelo réu; invoca-o o autor quando faz consistir nele o fundamento da sua acção: invoca-o o réu quando se serve dele para deduzir excepção. Mesmo quando funciona como excepção, por detrás desta está sempre a força e autoridade de caso julgado” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição – reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 93].
Mas conforme elucida o acórdão desta Relação de 30/04/2013 [processo n.º 993/08.0TJVNF.P1, Desembargadora Márcia Portela, disponível em www.dgsi.pt], “A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, ps. 770-771). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…)”.
Como se sintetiza no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010 [Proc.º n.º 392/09.6 TBCVL.S1, Desembargador Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt]:
- «I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC».
Por fim, como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21-03-2016 [proc.º 210/07.6TCLRS.L1.S1, Conselheiro Álvaro Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt], impõe-se ainda referir ser “(..) entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.».
Revertendo ao caso, a sentença recorrida apoiou-se, no essencial, no acórdão desta Relação de RP de 21-11-2016 [Proc.º n.º 1677/15.8T8VNG.P1, Desembargador Jorge Seabra, disponível em www.dgis.pt], lendo-se no respectivo sumário, na parte que aqui releva, o seguinte:
I - O caso julgado constitui uma excepção dilatória, que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de repetir ou contradizer uma decisão anterior – arts. 577º, al. i)-, e 580º, n.º 2, do CPC.
II - A excepção de caso julgado tem em vista o efeito negativo de obstar à repetição de causas, implicando a tríplice identidade a que se refere o artº 581º do CPC -, ou seja a identidade de sujeitos, pedido e a causa de pedir.
III - A autoridade de caso julgado visa o efeito positivo de impor a força vinculativa da decisão antes proferida [e transitada em julgado] ao próprio tribunal decisor ou a qualquer outro tribunal (ou entidade) a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia em face do «thema decidendum» na acção posterior.
IV - A autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações entre acções, já não de identidade jurídica (própria da excepção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre acções, de tal ordem que julgada, em termos definitivos, uma certa questão em acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão ou objecto da primeira causa, se impõe necessariamente em todas as acções que venham a correr termos, ainda que incidindo sobre objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior.
Pode dizer-se que o entendimento seguido neste aresto é consonante com o que deixámos antes afirmado, apoiando-nos na doutrina e jurisprudência citada.
No caso é certo que não há total identidade de partes, visto aqui ser demandada a sociedade E..., S.A, quando no processo n.º 17851/15.4T8PRT, que correu termos no Juízo do Trabalho da Comarca do Porto- J3, as autoras demandaram – como 2.ª Ré – a sociedade E…, S.A..
É também certo que não há inteira identidade de pedidos, em concreto, em razão de nesta acção as Autoras pedirem a condenação da Ré E…, S.A:
(a) a reconhecer que na sentença proferida no proc.17851/15.4T8PRT foi indicada a empresa congénere e associada da Ré – E1…, S.A. –, em vez da própria Ré, estando aquela impossibilitada de cumprir a sentença desde logo quanto à reintegração das Autoras no seu local de trabalho e não foi adjudicado a si como decisão daquela sentença, mas à própria Ré;
- (b) a reconhecer que a transferência do local de trabalho F…, S.A., em maio de 2015, foi de facto feita para a própria Ré e não para aquela sua congénere e associada;
Contudo, quanto ao mais, os pedidos, ainda que não seja coincidente a redacção, visam o mesmo fim, mais precisamente:
i) a condenação da Ré a receber as autoras como trabalhadoras, com todos os seus direitos, transmitidas por efeito da cláusula 17ª, do CCT aplicável;
ii) a condenação da Ré a pagar-lhes as retribuições vencidas desde a data da transferência;
iii) a condenação da Ré a pagar-lhes as retribuições vincendas.
No tocante à causa de pedir, são as próprias autoras a reconhecerem que os factos que alegam para sustentar a aplicação da cláusula 17.ª do CCT aplicável e, logo, reclamarem o direito a verem transmitidos os respectivos contratos de trabalho para a aqui Ré, são os mesmos que constituíram a causa de pedir na ação que correu termos sob o n.º 17851/15.4T8PRT, Juízo do Trabalho da Comarca do Porto, J3, em que demandaram a sociedade E1…, S.A..
Mais, como também reconhecem, nessa açção foram julgados provados esses mesmos factos aqui alegados e condenada a Ré E1…, S.A.. a “reconhecer que as Autoras (…) são suas trabalhadoras, a pagar-lhes os valores respetivos (…), valores a que se adicionam juros legais desde a citação até integral pagamento, condenando-a ainda a pagar os créditos laborais vencidos e vincendos até trânsito em julgado da presente decisão”.
Por conseguinte, como decorre da decisão recorrida, o que está aqui em causa é a autoridade do caso julgado, isto é, o efeito positivo da decisão proferida no processo n.º17851/15.4T8PRT, Juízo do Trabalho da Comarca do Porto, J3, impondo-se como pressuposto indiscutível da decisão que se pretende obter através da presente acção, dada a relação de prejudicialidade que se verifica existir entre os respectivos objectos: “o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
Dito de outro modo, por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida naquele processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo.
Ora, como flui do que se deixou explanado, é precisamente isso que a autoridade do caso julgado visa obstar, relembrando-se que para a sua verificação não é exigível que haja plena identidade entre as partes, causa de pedir e pedidos.
E, se dúvidas houver, veja-se que os pedidos aqui formulados e não coincidentes como os apresentados no proc.º 17851/15.4T8PRT tem justamente por finalidade pôr em causa a autoridade do caso julgado firmado por aquela decisão:
(a) a reconhecer que na sentença proferida no proc.17851/15.4T8PRT foi indicada a empresa congénere e associada da Ré – E1…, S.A. –, em vez da própria Ré, estando aquela impossibilitada de cumprir a sentença desde logo quanto à reintegração das Autoras no seu local de trabalho e não foi adjudicado a si como decisão daquela sentença, mas à própria Ré;
- (b) a reconhecer que a transferência do local de trabalho F…, S.A., em maio de 2015, foi de facto feita para a própria Ré e não para aquela sua congénere e associada;
Neste quadro, não vimos razões para discordar da sentença recorrida quando conclui que “A autoridade de caso julgado daquela sentença, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, designadamente mediante a condenação de Réu diverso”.
Uma última nota a propósito do argumento das recorrentes, dizendo que “[O] juiz bem poderia e deveria, no caso de ter fundadas dúvidas, ter lançado mão dos poderes que lhe confere o art.º 27 e 54 n.º 1 do CPT, convidando as Autoras, se fosse caso disso, a completar e a corrigir os articulados”.
Recorrendo às alegações para melhor se perceber o raciocínio subjacente, lê-se o seguinte:
- «Não sendo admissível que o juiz a quo tenha formulado um juízo prévio no sentido de que não assistia às Recorrentes o direito a exigir o cumprimento do seu contrato individual de trabalho nos seus aspetos essenciais de direito à ocupação efetiva e direito às retribuições, condição da sua própria subsistência, porque tal juízo prévio raiaria o absurdo e seria obviamente digno de censura, desde logo em sede deste recurso, bem poderia e deveria, no caso de ter fundadas dúvidas, ter lançado mão dos poderes que lhe confere o art.º 27 e 54 n.º 1 do CPT , convidando as Autoras, se fosse caso disso, a completar e a corrigir os articulados, visando o fim essencial do processo, que é a efetiva realização da justiça, e que, repete-se, passa necessariamente pelo seu direito ao cumprimento e respeito do seu contrato de trabalho que inegavelmente subsiste”.
Com o devido respeito, as recorrentes estão a fazer uma leitura enviesada da decisão ou a procurar arranjar argumentos forçados. O Tribunal a quo não formulou qualquer “juízo prévio”, sobre os direitos materiais das autoras. A decisão tem natureza exclusivamente processual: apreciou-se a existência da autoridade de caso julgado e conclui-se pela sua verificação, proferindo-se a decisão necessária e consequente. Nada mais.
Não havia qualquer fundamento para aplicação do disposto nos invocados artigos 54.º e 27.º do CPT. Aliás, nem as autoras explicam como chegam a esse ponto, limitando-se a dizer que se o juiz tivesse fundadas dúvidas deveria convidá-las “a completar e a corrigir os articulados”, quando resulta com clareza da decisão que o Tribunal a quo não as teve.
Concluindo, improcede o recurso.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente.

Custas a cargo das autoras, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 11 de Outubro de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira