Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | SANDRA MELO | ||
Descritores: | PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL OU POR CONFISSÃO CONTRATO NULO POR FALTA DE FORMA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/20/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | .1-As restrições à prova por confissão ficta relativamente aos factos que só documentalmente podem ser provados, previstas nos artigos 364º do Código Civil e 568º, alínea d) do Código Civil, não se aplicam à prova de contratos nulos por falta de forma, porquanto nestes caso não se pretende demonstrar que ocorreu uma declaração negocial qua tale, não se pondo em causa a finalidade pretendida com tais limitações legais. .2- Com a proibição da valoração desse tipo de prova, bem como a prova testemunhal, para considerar a declaração negocial, quando por disposição da lei ou estipulação das partes, a mesma houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, pretende-se salvaguardar o valor que a lei e as partes pretenderam conferir aos documentos, não permitindo que estas, mediante o recurso a um meio de prova menos confiável, contornem tais exigências, o que não ocorre quando se pretende obter a declaração de nulidade de um contrato por inobservância da forma escrita. 3-Porque é impossível que o juiz, ao proferir a sentença ou decisão, conheça de todas as matérias que eventualmente possam ser abordadas em função de um caso concreto, atenta a vastidão do Direito, só se lhe impõe que conheça as que estão controvertidas nos autos e aquelas que a lei mande específica e concretamente emitir pronúncia naquele momento, pelo que não ocorre nulidade da decisão quando esta não aprecia uma questão, ainda que de conhecimento oficioso, que lhe não foi colocada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Apelante e Ré: M. L., C.C. n.º …, residente na Rua …, Vila Real, Apelado e Autor: M. C., N.I.F. n.º …, residente na Rua … Vila Real Autos de: apelação (em ação declarativa, sob a forma de processo comum) I- Relatório O Autor peticionou a condenação da Ré a: .a) Reconhecer que a Ré outorgou com o Autor vários contratos de empréstimo no valor global de € 25.000,00 (vinte e cinco mil) e que lhe foram entregues; .b) Reconhecer-se devedora da quantia de € 22.250,00 euros, .c). Reconhecer que a Ré se comprometeu a devolver tal quantia e que o não o fez na totalidade; .d) Restituir ao Autor a quantia de € 22.250,00; .e) Pagar a Ré a quantia que resultar a titulo de juros desde Agosto de 2017,incluisé, até integral e efetivo pagamento; g) A ver declarado nulo e de nenhum efeito os empréstimos, com a consequência resultante do vicio de forma, a devolução do capital mutuado. Alega, em súmula, que ao longo do ano 2010 concedeu à Ré vários empréstimos, que se cifram num total de 25.000,00 €, sendo que cada um ultrapassou os 2.500,00, € e que esta se comprometeu a devolver tais quantias entre o ano de 2013 a 2015, o que não aconteceu. Não obstante esse incumprimento, Autor e Ré, em 2017, acordaram no pagamento dos empréstimos em prestações mensais e sucessivas, remontando a Julho de 2017, mas até hoje a Ré apenas devolveu cerca de 2.500,00 €. A Ré foi válida e regularmente citada. Não apresentou contestação. Foi proferida sentença, na qual se decidiu “a) Condenar a ré M. L. a pagar ao autor M. C. a quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde 22/09/2017 e até integral e efetivo pagamento; b) Condenar a ré M. L. no pagamento das custas da acção – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 535.º, n.º 1, do C.P.C.” É desta decisão que a Ré apela, apresentando (com uma ligeira alteração no ponto 2, alínea b), com correção de lapsos de escrita) as seguintes conclusões: 1ª - Mediante a sentença recorrida, foi a recorrente condenada de preceito, em consequência de – por razões fortes que, todavia, não podem ser carreadas para os autos - não ter deduzido contestação. 2ª – Seja como for, é confusa e inconcludente a narrativa dos factos levados à p.i., maxime a dos seus itens 1º, 3º, 5º e 8º, sobre os quais importa relevar que se mostram ali omitidos os minimamente indispensáveis à legal integração da causa de pedir, e do pedido, na ótica por que o A. enveredou, designadamente, porque: a) O A. não identifica a pessoa a quem diz ter efetuado, a pedido da ré, os vários empréstimos e por diversas ocasiões a que alude, não referiu expressamente quem foi que contratou o empreiteiro, nem se sabendo quem é que se socorreu de quem, para que o A., “acedesse a emprestar o que necessário fosse para que a ré cumprisse”. b) Sendo, aliás, de presumir que o Rdo não se referia à Recte, por ter sido com ela que vivera, em comunhão de facto na casa de habitação por si referida sem a identificar, durante cerca de 17 anos, mais precisamente até 2017, ao contrário, portanto, do tal empreiteiro, esse, sim, “seu amigo”, a quem diz ter pago o conserto da casa, só assim fazendo sentido a parte final do 5º item da p.i., onde o A. diz tê-lo feito “para que a Ré cumprisse”, sem que na p.i. se esclareça “o quê”, “com quem”, “quanto”, “como”, “quando”,“onde” e porquê”. 3ª – Oblitera-se que, sendo tais empréstimos nulos, por vício de forma, a prova dos mesmos, ex vi do 394º do CC, estar-lhes-ia sempre vedada por testemunhas, pela singela razão de que só pode provar-se aquilo que, efetivamente, existe e tais empréstimos nunca existiram, para além de que nada existe nos autos que permita concluir que os valores alegados na p.i. tenham sido entregues à A. em virtude de um qualquer contrato,e, na afirmativa, que tipo de contrato. 4ª – É, pois, de presumir que entre o A. e a Ré não se celebrou qualquer contrato, de mútuo oneroso ou qualquer outro em que o A. tivesse emprestado à Ré uma qualquer importância em dinheiro, em géneros ou em serviços, pagos ou não, direta ou indiretamente, ao tal empreiteiro. 5ª - É certo que a falta de contestação, cominadamente pelo art. 567º-1 do CPC, equivale a ter como confessados os factos articulados pelo A., só assim não sucedendo quando a vontade das partes - por força do disposto no art. 568º -c) e d) do mesmo código - for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter e se trate de factos para cuja prova se exija na lei documento escrito 6ª- E muito particularmente, como é o caso, quando se trate de demonstrar a existência de atos e de situações cuja validade substantiva, entendeu o legislador fazer depender da forma e de determinados documentos, como sucede no caso dos autos e noutras circunstâncias semelhantes, designadamente, com os negócios formais e com o estado das pessoas. 7ª - A não ser assim, seria fácil a quem quisesse contornar a obrigação de provar a existência de quaisquer contratos cuja validade a lei sujeite à forma legal, como, v,.g., os de compra e venda, através de confissão do interessado, tal como sucede nos contratos de mútuo, cuja validade e eficácia, ex vi legis, está dependente da forma legal prevista na lei, in casu, do cit. art. 1143º do CC, sendo que o contrato de mútuo oneroso terá sempre de conter os elementos previstos e no 1142º do cit. Código. 8ª - É hoje um lugar comum ver os litigantes, nas lides em que os contratos devem cumprir a forma prescrita na lei, e não cumprem, sendo, por isso, nulos, refugiarem-se no art. 289º-1 do C.Civil, sendo certo, porém, que tal normativo só pode ancorar tal pretensão quando e só se o não contestante já tiver antes reconhecido a a obrigação contratual que lhe é imputada por um qualquer meio idóneo ou documento dotado da atinente força probatória. 9ª - Documento que não tem de revestir-se da mesma força exigida por lei para garantir a validade e eficácia dos destinados à outorga dos negócios formais, aí se incluindo os contratos de mútuo previstos nos arts 1142º e 1143º do CC, o que, embora não supra a nulidade de que os mesmos continuam a enfermar, sempre deles poderá resultar, se for caso disso, e não é, aceitação e/ou consentimento tácitos por parte de ambos os contraentes. 10ª- Acresce que não é suficiente a mera entrega ou depósito de dinheiro para concluir pela existência de um contrato de mútuo (ou qualquer outro), já que a mesma pode ter como causa diversa fonte de obrigação, sendo facto que também têm de estar assentes, e não estão, factos relativos à assunção da obrigação de restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade, que, no caso vertente, não se mostra provado. 11ª - Sendo precisamente o caso dos autos, do que o Mmo Juiz a quo não chegou a aperceber-se, mostrando-se, pois, a douta sentença recorrida incursa na nulidade prevista no art. 615º-1.d) do CPC - com referência ao disposto nos arts 9º,1142º e 1143º do CC, e 607º-4 e 5, e 608º, estes do CPC - por não conhecer, oficiosamente, aliás, de questão que lhe cumpria ter conhecido. Nestes termos e noutros melhores de direito que Vossas Excelências não deixarão de suprir, deverá revogar-se a douta sentença recorrida e substituir-se por outra que julgue a ação improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos que o A. deduziu contra si.” Não foi apresentada resposta. II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou sejam de conhecimento oficioso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma. Face teor das conclusões importa verificar: 1--- se a sentença é nula por omissão de pronúncia, por não conhecer oficiosamente de questão que lhe cumpria ter conhecido; 2--- Se a petição inicial não continha os factos necessários para a integrar a causa de pedir e se a sentença os deu como provados. 3---Se ocorreu alguma violação de proibição de prova III- Fundamentação de Facto A sentença vem com a seguinte matéria de facto provada e não provada: Matéria de facto provada: 1. No ano de 2010, a pedido desta, o autor concedeu à ré diversos empréstimos que perfazem o valor global de € 25.000,00 e cujo valor parcelar foi superior a € 2.500,00. 2. A ré entregou ao autor o montante de € 2.500,00. 3. O autor procedeu ao envio à ré de carta, recebida em 22/09/2017, mediante a qual lhe exigiu o pagamento da quantia emprestada. Matéria de facto não provada: Inexistem factos não provados, com relevo para a boa decisão da causa. IV- Fundamentação de Direito 1--- Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil. O Recorrente remete para o disposto nos artigos 9º,1142º e 1143º do Código Civil e 607º-4 e 5, e 608º, estes do Código de Processo Civil, afirmando que a sentença não conheceu de questão que lhe cumpria ter conhecido, visto que não verificou que é vedada a prova por testemunhas da existência do contrato, por o mesmo ser nulo. Fazendo um pequeno introito, cumpre, antes de mais, salientar que a nulidade da sentença (ou dos despachos) diz apenas respeito às cirúrgicas situações aludidas no artigo 615º do Código de Processo Civil. Atinge as decisões em causa por razões de natureza mais formal, sem averiguar da sua razão, legalidade ou bondade. Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e até violação de caso julgado (neste último sentido, cf. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 15.2.2007, no processo 07P336, sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt). Assim, não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença e conduzir à revogação da mesma, nem abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença pode padecer. Por outro lado, porquanto se estipula no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a sua consequência resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso. Isto posto, voltemos aos pormenores da situação que nos ocupa. É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam. Mas essas questões, cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações ou factos: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados). Como tão bem se resume no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017, no processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1(1): “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.” Remete a Recorrente para a violação de norma que impede que se atenda a determinado meio de prova e falta de apreciação dessa matéria. Importa nesta sede, não verificar se procede a defesa da Recorrente quanto à impossibilidade de dar como provado o encontro de vontades (a analisar infra), mas se a falta de referência da sentença sobre esse assunto, que não fora sequer levantado nos articulados (na petição inicial, visto que nenhum outro foi apresentado) consiste em nulidade por falta de pronúncia. Ora, esta matéria é apenas um argumento que o Recorrente agora trouxe ao processo, que não cabe dentro das questões imediatas que foram levantadas pelas partes ou que a lei manda que o tribunal se pronuncie. Como é bom de ver, é física e materialmente impossível que o juiz, ao proferir a sentença, conheça de todas as matérias que eventualmente possam ser abordadas em função de um caso concreto, atenta a vastidão do Direito, pelo que este apenas está obrigado a conhecer as controvertidas, bem como aquelas que a lei mande especificamente que sejam objeto de específica pronúncia naquele momento. Ora, as questões agora levantadas pelo Recorrente não só se mostravam controvertidas nos autos, como também em regra o não são, pelo que não se justificava, sequer, que o juiz as apreciasse. Como de forma tão límpida se explicou no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 03/20/2014, no processo 1052/08.0TVPRT.P1.S1, que mantém atualidade: “I - Não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou.” Nenhuma nulidade se verifica nesse aspeto. * 2--- Se a petição inicial não continha os factos necessários para a integrar a causa de pedir e se a sentença os deu como provados. Apesar das confusões que o Recorrente imputa à petição inicial, certo é que, lida a mesma, se mostram evidentes os factos ali vertidos: o Autor efetuou a pedido da Ré vários empréstimos em 2010 que atingiram o valor global de 25.000,00 €, os quais não foram reduzidos a escrito (artigo 1º), a ré levou a cabo obras de remodelação da casa e no decurso das obras viu-se sem dinheiro (artigos 2º e 4º da petição inicial) e socorreu-se do Autor, seu amigo, que acedeu em efetuar-lhe tais empréstimos (artigo 5º da petição inicial), cada um em valor superior a 2.500,00 € (artigo 6º da petição inicial). A Ré comprometeu-se a devolver-lhe tais quantias entre o ano de 2013 e 2015, mas não o fez (artigo 7º da petição inicial). Mais descreve ainda acordo posterior, também não cumprido. (artigos 8º e 9º da petição inicial). Assim, a narrativa dos factos da petição inicial não se mostra, nem confusa, nem inconcludente, sendo claro que foi à Ré, a pedido desta, que o Autor efetuou tais empréstimos, por diversas ocasiões. É certo que a sentença foi muito parca ao verter os factos alegados e não contestados na matéria de facto provada, apesar de ter afirmado que “perfilha o entendimento que quando os juízos de valor contidos na alegação se reportam a um conceito jurídico difundido (v. g. emprestar, renda, pagar e pagamento a prestações), poderão figurar nesses termos, tomados no sentido comum, desde que não exista dissenso das partes a esse respeito, o que se constata ocorrer com o emprego da expressão “empréstimo”, a qual, sendo um conceito jurídico é também um vocábulo usualmente utilizado para expressar a realidade sob apreciação, não deixando dúvidas quanto ao seu significado». Quanto ao acordo de vontades e entrega das quantias alegados e não contestados apenas fixou que “No ano de 2010, a pedido desta, o autor concedeu à ré diversos empréstimos que perfazem o valor global de € 25.000,00 e cujo valor parcelar foi superior a € 2.500,00.” Tem toda a razão a Recorrente quando afirma que “não é suficiente a mera entrega ou depósito de dinheiro para concluir pela existência de um contrato de mútuo (ou qualquer outro), já que a mesma pode ter como causa diversa fonte de obrigação”. O artigo 1142º do Código Civil dispõe que o mútuo é o contrato pela qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade. No presente caso, ainda se pode entender (embora se não mostre expressamente escrito) que se deu como provado, na fundamentação fática, que o Réu entregou tais quantias à Ré ou a alguém a seu mando, obrigando-se esta a devolvê-lo com a referência ao “empréstimo”, nos termos explanados na sua motivação. Como se viu, a causa da entrega do dinheiro foi, no entanto, alegada, como se viu, quando se afirma na petição inicial “Comprometendo-se em devolver a quantia no ano de 2013 a 2015, o que não aconteceu” e “Não obstante esse incumprimento, Autor e Ré em 2017, acordaram no pagamento dos empréstimos em prestações mensais e sucessivas.” É certo que, face ao conceito da lei, que separa, na sua previsão, o empréstimo da obrigação de devolução de outro tanto, pode não ser pacífico que na fundamentação de facto a menção ao empréstimo continha também a ideia que a Ré se obrigou a restituir ao Autor tais quantias. No entanto, a sentença remete expressamente para o sentido comum e aqui é claro que o mesmo importa a assunção da obrigação de devolução. Assim, considera-se que na sentença não se diz apenas que a pedido da Ré o Autor lhe concedeu tais empréstimos, mas também que esta assumiu tais empréstimos, pretendendo assumir a inerente obrigação de devolução. Emprestar significa em linguagem comum “Confiar temporariamente algo, sob condição de ser devolvido”. (2) (“Condição” esta, que neste contexto vulgar, não pode ser lida no sentido técnico-jurídico). Assim, contrariamente ao que sustenta o apelante, está provadas a entrega do dinheiro e a afirmação, por parte de quem as pediu e beneficiou dessa entrega, de que restituiria as quantias recebidas, as quais preencheriam a previsão do artigo 1143º do Código Civil, não fosse a nulidade de forma. Mesmo que se entendesse que a menção à assunção da obrigação de devolução da quantia pela Ré não cabe no conceito de empréstimo nos termos em que o define a própria sentença, remetendo para o seu sentido comum (entendendo nós que face à explicação ali dada se pode fazer neste caso tal extensão), certo é que, tal facto, como se viu, largamente alegado, deveria ali constar (autonomizado ou não), por alegado e não impugnado. Assim, este tribunal sempre deveria acrescentá-lo oficiosamente, nos termos do artigo 662º nº 1, in fine e 607º nº 4, parte final, este ex vi artigo 663º nº 2, todos do Código de Processo Civil, (3) visto que estes determinam que o juiz tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo e que “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito” (artigo 568º, alínea d) do Código de Processo Civil). Remete esta última afirmação para a última questão levantada pela Recorrente. 3---Da inoperância da revelia para factos em que se exija documento escrito A tal se refere o artigo 568º, alínea d) do Código de Processo Civil, o qual está intimamente relacionado com o artigo 364º do Código Civil, referente à exigência legal de documento escrito, o qual determina que “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.” Por seu turno, no sentido de impedir a prova testemunhal nestes casos vai também o artigo do 393º nº 1 do Código Civil, (a mesma remete para o artigo 394º do Código Civil) “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”. A Recorrente entende, assim, que não podiam ser dados como provados, por confissão ficta, os factos relativos às declarações negociais em que se traduziu o mútuo verbalmente celebrado, porque o seu valor exigia a forma escrita. Embora se compreenda a limpidez do raciocínio, o mesmo não colhe. Ao pretender-se provar a celebração de um contrato nulo por forma não se visa demonstrar que foi reproduzida a declaração de vontade de celebrar um negócio a que se atribui valor contratual. A parte não se propõe provar que ocorreu uma declaração de vontade juridicamente vinculativa do seu emitente, mas, antes pelo contrário, pretende demonstrar que esta vinculação não teve lugar, por falta de forma. Por outro lado, a razão de ser desta proibição de prova reside no facto de haver que proteger a validade dos documentos escritos: seria perigoso admitir que um meio de prova tão frágil e inseguro como a testemunhal ou uma posterior declaração de uma parte pudesse contrariar a força que é legalmente dada a documento. A admissibilidade da prova testemunhal de acordos contra ou para além do conteúdo do documento, ou sem suporte documental quando este é legalmente exigido, abriria a porta para que qualquer contraente, recorrendo a um meio de prova mais frágil escapasse ao que se obrigara ou deveria obrigar por escrito válido, retirando dessa forma a eficácia aos documentos e à sua exigência. Da mesma forma, com a proibição da valoração da prova testemunhal ou confissão (entre simuladores) para considerar a declaração negocial quando por disposição da lei ou estipulação das partes, a mesma houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, pretende-se salvaguardar o valor que a lei e as partes pretenderam conferir a tais documentos, não permitindo que as mesmas contornem tais exigências, mediante o recurso a um meio de prova menos confiável, superando todas as vantagens que se pretendem obter com a exigência de forma especial, que passam, também, pela ponderação que é inerente à exigência de maior solenidade na celebração do contrato. (4) Assim, não se aplicam as restrições probatórias aplicáveis à prova das declarações negociais aos casos em que as afirmações proferidas pelas partes apenas valem como forma de apurar o que determinou uma transferência patrimonial e em que se pretende demonstrar que apesar de terem sido proferidos certos dizeres ou tomados certos comportamentos, estes não valem enquanto declarações de vontade juridicamente vinculantes, por vício de forma. Não se pretende demonstrar que ocorreu uma declaração negocial qua tale, mas que foram proferidas declarações que não podem valer como tal. Estas restrições de prova não são, pois, extensíveis à demonstração da celebração de contratos nulos. Neste sentido é reiterada a posição dos nossos tribunais, citando-se, a título de exemplo, o recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/11/2019 no processo 4013/15.0T8LRS.L1-7, que explica de forma acutilante “A questão que se coloca é, pois, como efetuar a prova de um contrato nulo” citando Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 3ª edição revista e atualizada, 1986, Volume II, pág. 683, em anotação ao artigo 1143º, “As razões justificativas do carácter formal do contrato - tiradas da extrema falibilidade da prova testemunhal - levariam, em último termo, a impedir a produção de testemunhas para prova da entrega de dinheiro e sua consequente restituição ao abrigo da nulidade do contrato. Não se trata, porém, duma consequência forçosa, necessária do regime estabelecido. Concebe-se perfeitamente que a lei considere bastante a sanção da nulidade do contrato (sem prejuízo da prova testemunhal da entrega da coisa mutuada), para garantir a observância da forma visada. Aos efeitos da nulidade do mútuo é aplicável o disposto no artigo 289.º, n. 1, e não a doutrina do enriquecimento sem causa (art. 474.º)”. Nesse sentido, também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 SET. 2007 no processo 07B1963 (https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/341898/ ), o acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 11-18-2010, no processo 536/07.2TBFAF.G1 com ampla doutrina e jurisprudência. V- Decisão Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em: --- julgar improcedente a presente apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil) Guimarães, 2020-02-20 Sandra Melo Conceição Sampaio Fernanda Proença Fernandes 1. (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano) 2. cf "emprestar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008- 2020 3. Cf neste sentido, além de vasta jurisprudência da qual se salienta, pela sua modernidade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/18/2018 no processo 9549/15.0T8LSB.L1.S1. Omesmo ocorria quando existia a seleção da Especificação e, depois, da Matéria de Facto Assente como decorre, entre outros do explicito nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/16/2009, no processo 5095/05.8YXLSB.L1-7. Também se exemplifica com doutrina atual: Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 246. 4. De qualquer forma esta norma contém exceções, entre elas se compreendendo os casos em que existe um princípio de prova por escrito; a perda do documento que permitia a prova e os pressupostos do abuso de direito. |