Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5496/23.0T8VNF.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
CUMULAÇÃO AB INITIO DE PROCESSOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO ADMISSÃO PARCIAL E IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - No caso dos autos apenas é admissível recurso relativamente à contra-ordenação em que a arguida foi condenada em sanção acessória.
II - Não ocorre nulidade processual porquanto inexiste disposição legal a impor ab initio a junção de processos, sendo apenas exigível a aplicação de coima única em caso de concurso de contra-ordenações, o que, no caso, se mostra cumprido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

ARGUIDA/APELANTE: “EMP01..., Lda.”
A arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa ACT que lhe aplicou a coima única de €2.652 (dois mil, seiscentos e cinquentas e dois euros, 26 UC) e a sanção acessória de publicidade, pela prática das seguintes contra-ordenações:
a)   a prevista e punida no artigo 79º, 1 e 171º, 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (falta de transferência de responsabilidade pela reparação prevista na LAT para entidades legalmente autorizadas a realizar seguro), classificada de muito grave, na coima individual de €2.040,00 e na sanção acessória de publicidade, nos termos do art. 562º nº 1 CT;
b) a prevista e punida no artigo 202º, 1 e 2 do CT (falta de registo dos tempos de trabalho), classificada de grave, na coima individual de €612,00;
c) a prevista e punida no artigo 371º,1 a 3, 5, 372º, e 366º, 1 do CT (apenas se comunicou à trabalhadora a intenção de proceder ao seu despedimento na modalidade de extinção do posto de trabalho, não tendo sido posteriormente efectuada qualquer outra comunicação, nem cumprido o formalismo, nem posto à disposição daquela a devida compensação), classificada de grave, na coima individual de €612,00;
d) a prevista e punida no artigo e 371º, 3, 6, 554º, 2, CT (não comunicação à ACT do despedimento por extinção do posto de trabalho), classificada de leve, na coima individual de €204,00.
Alegou como fundamento da impugnação judicial que os quatro processos de contra ordenação deveriam ter sido cumulados “ab initio” num único processo, pelo que, ao não conhecer a nulidade invocada, a decisão administrativa violou o direito da recorrente a defender-se, violando o disposto no artigo 50º do Decreto-Lei nº 432/82. Conclui peticionando a revogação da decisão proferida pela autoridade administrativa.
Realizou-se julgamento (art. 40º RGCLSS[1]) e proferiu-se sentença, confirmando-se a decisão administrativa, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso apresentado por “EMP02..., Lda.” e, em consequência, mantém-se a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (cfr. artigo 8.º, n.º 7 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).”

A ARGUIDA APELOU (412º CPP por remissão do art. 50º, 4 e 51º do RPCLSS):
I – Os quatro processos de contraordenação deveriam ter sido cumulados “ab initio” num único processo.
II – Não o tendo sido, tal facto é gerador de nulidade, o qual conduz à anulação de todos os atos praticados anteriormente, nos termos da alínea d) do número 2 do artigo 120º, do Código de Processo Penal.
III – A decisão recorrida, ao confirmar a decisão administrativa, violou o disposto no artigo 50º do D.L. 433/82, pelo que deve ser revogada.
Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta. Refere que o RGCO não prevê qualquer preceito que imponha à entidade administrativa a apensação processual ab initio pretendida pela recorrente.  Impõe sim, ao abrigo do art. 19º que, em caso de concurso de contraordenações, puna o infractor com uma coima única cujo limite máximo resulte da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.  Ora, em obediência a este preceito, a autoridade administrativa, aquando da prolação da decisão, finda a fase instrutória, determinou a apensação dos quatro processos contraordenacionais e aplicou uma coima única. Desta decisão foi notificada a recorrente, a qual, pôde, nessa altura, exercer o seu direito de defesa relativamente aos quatro processos contraordenacionais. Ao invés, a recorrente limitou-se a invocar a nulidade supra descrita, objecto do presente recurso.  Nulidade essa que, como bem assinalado pelo Tribunal a quo, inexiste porquanto a recorrente teve oportunidade de apresentar a sua defesa relativamente a cada um dos processos contraordenacionais e factualidade subjacente, quando notificado da decisão administrativa, e simplesmente não o fez. O argumento apresentado pela recorrente não merece acolhimento, devendo o presente recurso improceder, confirmando-se a sentença proferida.
O recurso foi admitido.
O Ministério Público junto deste tribunal de recurso emitiu parecer propugnando pela inadmissibilidade parcial do recurso face ao valor das coimas individuais e pela improcedência do recurso restante nos seguintes termos:
“Pelo exposto, entendemos que, quanto às contra-ordenações p.p. pelo art. 202 nº 1 e 2 CT; p.p. pelos arts. 371º nº 1 a 3 e 366º nº 1 CT; e p.p. pelo art. 371º nº 3 al. b) CT, o recurso deve ser rejeitado e quanto à restante contra-ordenação não merece provimento.
A arguida não respondeu.

QUESTÕES A DECIDIR – Da admissibilidade parcial do recurso; da nulidade por falta de apensação ab initio das contraordenações.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO:

A- FACTOS PROVADOS:
1. A arguida "EMP02..., LDA" é uma pessoa colectiva, com o NIPC: ...35 e sede na Rua ..., ... ..., e local de trabalho em Avenida ..., ..., Pousada ..., ..., ...;
2. A arguida tem como actividade principal o comércio a retalho de vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados - CAE:47711.
3. A arguida apresentou no ano de 2020 um volume de negócios inferior a €500.000,00.
4. É representante legal da arguida o gerente, AA, com o NIF ...61, residente na Rua ..., ..., ..., ....
5. No dia 01/07/2021, pelas 15:40 horas, no decurso de uma visita inspectiva efectuada ao seu estabelecimento de comércio a retalho de vestuário, denominado «EMP03...» , sito na Avenida ..., na freguesia ..., do concelho ..., a arguida mantinha ao seu serviço, sob a sua direcção, responsabilidade e fiscalização, na execução de tarefas inerentes à actividade supra referida, a trabalhadora, BB, nascida em ../../1989, caixeira de 3. a , admitida em ../../2020.
A - Processo n.º ...13
6. Na sequência da visita inspectiva aludida em 5. a arguida foi notificada para apresentar, ou enviar por correio electrónico, no dia 09/07/2021 pelas 17:00 horas, neste Centro Local do ..., a documentação identificada na respectiva notificação, designadamente a apólice do seguro de acidentes de trabalho, último recibo pago e a listagem do pessoal seguro.
7. A arguida enviou posteriormente aos serviços da ACT, inicialmente, a digitalização do último recibo pago de uma apólice da EMP04..., Companhia de Seguros, S.A. (in casu, a apólice n. ...48), atinente a trabalhadores por conta de outrem e onde se identificava no elenco de pessoal seguro a trabalhadora, BB.
8. Analisada a documentação da seguradora conjuntamente com os recibos de retribuição e o registo de pessoal, o Inspector autuante constatou que o último recibo pago da sobredita apólice da EMP04..., Companhia de Seguros, S.A., mencionava um número de apólice (apólice n. ...48) que não coincidia com o número de apólice identificado nos recibos de retribuição e na ficha de pessoal da trabalhadora, BB (apólice n.º ...88).
9. Por via electrónica, até ao final do dia 10/09/2021, o Inspector autuante solicitou à arguida os esclarecimentos e o envio a estes serviços da ACT dos documentos comprovativos, ou seja, as condições particulares da(s) apólice(s) de seguro de acidentes de trabalho e todos os recibos pagos.
10. A arguida, no seu e-mail de 11/09/2021, remeteu a estes serviços da ACT as condições particulares de duas apólices, tendo frisado que «Quanto ao seguro de acidentes de trabalho, inicialmente existiu a apólice n. ...88 a partir de junho de 2020, passou a vigorar a apólice n. ...48 que, por lapso nosso, não foi alterada na ficha da colaboradora, Anexamos as condições particulares das 2 apólices».
11. Todavia a primeira apólice (apólice n. ...88), nas suas condições particulares, mencionava o dia 06/03/2020 como sendo a data do início de vigência do contrato de seguro de acidentes de trabalho, sendo certo que o contrato de trabalho da trabalhadora, BB, iniciou a sua vigência a ../../2020.
12. A arguida, apesar de previamente solicitado por estes serviços da ACT, não remeteu ao Inspector autuante todos os recibos pagos respeitantes às duas apólices em apreço.
13. Para dissipar dúvidas subsistentes, o Inspector autuante insistiu junto da arguida para, até ao final do dia 24/09/2021, esclarecer devidamente estes serviços da ACT acerca da disparidade de datas supra descrita e enviar todos os recibos pagos respeitantes às duas apólices.
14. A arguida através de e-mail de 29/09/2021, limitou-se a responder estar em contacto com a seguradora para esclarecer o sucedido, alegando que o trabalhador que terá tratado do processo já não se encontrar na empresa.
15. Todavia até à data de levantamento do auto de notícia, a arguida nada mais esclarecer os serviços da ACT ou enviou os documentos solicitados.
16. Não obstante os pedidos de esclarecimento do Inspector autuante e das oportunidades conferidas para o efeito, a arguida não demonstrou perante os serviços da ACT que a sua trabalhadora se encontrava abrangida por um seguro de acidentes de trabalho, quer desde a data da respectiva admissão quer durante toda a vigência da sua relação laboral que veio a cessar em 04/08/2021.
17. Não obstante os pedidos de esclarecimentos do Inspector autuante e das sucessivas oportunidades conferidas para o efeito, a arguida em vez de procurar assegurar o cumprimento das disposições legais aplicáveis, desinteressou-se da intervenção inspectiva e dos seus resultados.
B - Processo n. 0 272300012
18. Tendo percorrido todas as divisões daquele local de trabalho, o Inspector autuante verificou que a arguida não disponibilizou para consulta imediata, nem provou possuir, por, no decurso da visita inspectiva aludida no ponto 5., não ter sido exibido pela única trabalhadora da arguida, identificada no ponto. 5, a qual reconheceu a sua inexistência no estabelecimento o registo do tempo de trabalho, diário e semanal, prestado pela trabalhadora, com indicação do seu início e termo, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, quer fosse em suporte documental, “relógio de ponto", eventual registo informático ou outro.
19. Inquirida a trabalhadora, BB, esta declarou nunca ter recebido, até à data da visita inspectiva, quaisquer instruções da arguida, para proceder ao sobredito registo, nem nunca lhe foi disponibilizado o suporte adequado para tal finalidade. Mais declarou ser usual a prestação de trabalho suplementar e que ainda não tinha recebido o pagamento das "horas extras" prestadas em Dezembro de 2020.
20. A falta de disponibilização, imediata e no local, do registo do tempo de trabalho prestado pela trabalhadora da arguida, documento relevante para o apuramento do número de horas de trabalho, diário e semanal, prestado pelos trabalhadores, agravado pela prestação de trabalho suplementar que não foi possível apurar, inviabilizou o desenvolvimento da acção inspectiva no que concerne à consulta e controlo dos limites máximos, diários e semanais, do horário de trabalho praticado pela trabalhadora da arguida, bem como a existência de eventual trabalho para além dos períodos normais de trabalho.
C - Processo n. 0 272300014
21. A arguida, em 04/08/2021, procedeu ao despedimento por extinção do posto de trabalho da trabalhadora, BB.
22. A arguida comunicou à sua trabalhadora a intenção de proceder ao seu despedimento, na modalidade de extinção de posto de trabalho, informando-a, ainda, sobre a possibilidade de exercer os seus direitos previstos no artigo 370.º, sendo certo que tal comunicação apenas foi recepcionada pela trabalhadora em 30/07/2021.
23. Todavia, a arguida não demonstrou perante o ACT ter efectuado outra comunicação subsequente à trabalhadora, com a agravante de ter comunicado aos serviços da Segurança Social a cessação do seu contrato de trabalho, na vertente de despedimento por extinção do posto de trabalho, concretamente em 04/08/2021.
24. A arguida não demonstrou ter cumprido qualquer das obrigações previstas no art.371. 0 , n. 0 s 1 a 3, conjugado com o art.366. 0 , n. 0 1 do Código do Trabalho, nomeadamente, no que se refere a:
24.1. Comunicação, por escrito, à trabalhadora, BB da decisão final de despedimento, com menção expressa do motivo, da data de cessação do contrato de trabalho e do procedimento atinente ao montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, salvaguardando-se sempre as antecedências mínimas legalmente previstas.
24.2. Colocar à disposição da trabalhadora, BB a compensação, os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho a que legalmente tem direito e pelos quais responde o património da empresa, sendo certo que o pagamento deve ser efectuado até ao termo do prazo de aviso prévio.
25. A arguida também inviabilizou que a sua trabalhadora, BB, pudesse exercer efectivamente os direitos que legalmente lhe assistiam por força de um procedimento de despedimento por extinção do posto de trabalho devidamente tramitado, designadamente:
25.1. O direito de, nos 15 dias posteriores à comunicação da arguida, aquela trabalhadora poder transmitir-lhe o respectivo parecer fundamentado, nomeadamente sobre os motivos invocados para o despedimento ou as alternativas que permitissem atenuar os efeitos do despedimento.
25.2. O direito de, durante o prazo de aviso prévio, aquela trabalhadora poder utilizar um crédito de horas correspondente a dois dias de trabalho por semana, sem prejuízo da sua retribuição, para poder procurar um novo emprego.
26. Não obstante a advertência do Inspector autuante, a arguida limitou-se a invocar dificuldades financeiras e a confirmar perante estes serviços da ACT a falta de pagamento à sua trabalhadora da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho.
27. A arguida não cumpriu devidamente o formalismo legal imanente a um processo de extinção do posto de trabalho e, concomitantemente, incumprindo as inerentes obrigações legais, não assegurou à sua trabalhadora despedida o exercício dos direitos que legalmente lhe assistia.
D - Processo n. 0 272300015
28. A trabalhadora foi admitida em ../../2020 ao serviço da arguida e o seu contrato de trabalho cessou por iniciativa da entidade empregadora, por extinção do posto de trabalho, em 04/08/2021.
29. A arguida deveria ter comunicado a referida decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho aos serviços da ACT, com a antecedência mínima relativamente à data da cessação, ou seja, com a antecedência mínima de 30 dias, por se tratar de trabalhadora detentora de uma antiguidade igual ou superior a um ano e inferior a cinco anos.
30. Apesar de ter pleno conhecimento de uma intervenção inspectiva do ACT, na sequência de uma visita inspectiva efectuada em 01/07/2021 ao seu estabelecimento, sito na Avenida ..., ..., em ..., local de trabalho onde foi identificada a trabalhadora, BB, a arguida não efectuou a comunicação da decisão de despedimento daquela trabalhadora aos serviços da ACT.

B - QUESTÃO PRÉVIA:

A admissibilidade parcial do recurso - 50º/3 e 49º/2 regime processual aplicável às contra-ordenacções laborais e de segurança social, doravante RPACOLSS- Lei 107/2009, de 14/09:
Recorda-se que nem todas as decisões judiciais podem ser alvo de recurso. A admissibilidade de recurso contra-ordenacional para o tribunal da Relação pressupõe a aplicação de coima superior a 25 unidades de conta (2.550€) ou, independentemente desse valor, concomitantemente de uma pena acessória – art. 49º, 1, al. a), b), RPACOLSS.
Esta norma específica do regime laboral e de segurança social tem disposição paralela semelhante no regime geral da contra-ordenações (pese embora os valores das coimas sejam diferentes, o que ao caso não releva) -  art. 73º, 1, 3, do RGCO, Dec. Lei 433/82, de 27/10.
Destes regimes decorre que os tribunais de trabalho, ou os outros no regime geral, funcionam como primeira instância de recurso (impugnação judicial) das decisões proferidas pelas autoridades administrativa – 32º e 33º, RPACLSS, 55º e 59º quanto às contra-ordenações do RGCO.
Já os tribunais da Relação, em matéria contra-ordenacional, funcionam como uma instância de revista julgando em definitivo, sendo a admissibilidade de recurso mais limitada, diferentemente com o que acontece no recurso penal ou civil. Restringindo-se o âmbito das decisões que admitem recurso àquelas que sejam mais gravosas de acordo com o valor e tipo de sanção aplicada, porquanto aquelas já foram sujeitas a primeiro crivo através do recurso para os tribunais de trabalho ou outros.
Tem sido sublinhado que as limitações impostas à admissibilidade dos recursos no domínio contra-ordenacional encontram o seu cerne na diferente natureza dos ilícitos de mera ordenação social, onde está em causa a aplicação de sanções de natureza económica decorrentes de um juízo de censura social e administrativa por violação de um dever legal. Ao invés do que acontece na lógica do direito penal onde, por força da natureza ética e da gravidade das sanções impostas, preponderam princípios constitucionais de defesa dos arguidos, sendo a possibilidade de recurso mais ampla.
No caso em apreço a recorrente pretende recorrer da sentença que a condenou numa coima única de €2.652, a que correspondem as seguintes coimas parcelares individuais:  €2.040,00 e sanção acessória de publicidade (79º, 1 e 171º, 1, LAT- falta de seguro); €612 (202º, 1 e 2 CT); €612 (371º,1 a 3, 5, 372º, e 366º, 1 CT ); e €204 (371º, 3, 6, 554º, 2, CT), conforme relatório deste acórdão.
Assim, apenas a primeira decisão admite recurso nos termos referidos, já que aplicou coima que, embora em valor inferior a 25 ucs, foi acompanhada de condenação em pena acessória. Efectivamente, caso a sentença se reporte a várias infracções e apenas quanto a algumas delas se verificarem os pressupostos necessárias, apenas será admitido o recurso quanto a estas - 73º,  3, RGCO, por remissão art. 60º RPACOLSS.
É, aliás, pacífico na jurisprudência que, em caso de condenação em coima única, relevam apenas os valores das coimas e sanções individualmente aplicadas -  ac. desta RG de 10-07-2019, p.1139/18.1T9VRL.G1 e jurisprudência no mesmo citada.
Diga-se, ainda que, pese embora o sistema tenha uma válvula de escape, permitindo-se que, para além dos casos enunciados na lei, o tribunal da Relação possa aceitar o recurso a pedido do arguido ou do Ministério Público quando “… tal se afigure manifestamente necessário á melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (49º, 2, RPACOLSS, com correspondência no regime geral no art. 73º, 2, do RGCO), no caso tal não foi sequer aflorado e muito menos requerido, não havendo que o equacionar, por conseguinte.
Assim sendo, apenas se admite recurso nos termos acima exarados relativamente à primeira das contra-ordenações.
C- Nulidade por não cumulação “ab initio” num único processo”
Sustenta, também, a recorrente a existência de nulidade processual pelo motivo referido.
A nulidade em sentido amplo (nulidade e irregularidade) é um vício/consequência decorrente da violação ou inobservância das disposições da lei do processo. Ou seja, para a sua verificação é preciso que a lei processual imponha uma determinada tramitação que não foi cumprida. Subsequentemente, a nulidade do acto será de aplicar quando esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal será irregular- 118º CPP, por remissão dos artigos 60º RPACOLSS e 41º do RGCO.
Ora, no que à questão se refere (cumulação ab initio de processos), a lei apenas impõe que, em caso de concurso de contra-ordenações, seja aplicada uma coima única - 19º do referido RGCO, aplicável nos termos da remissão legal referida (19.ºConcurso de contraordenações: 1 - Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso. 2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso. 3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.)
Note-se que o RPACOLSS contém referências esparsas ao cúmulo apenas a propósito da admissibilidade do recurso e da apresentação de testemunhas, portanto sem repercussão na situação dos autos - 17º, 3 e 49º, 3.
Ora, a exigência acima referida (19º RGC) foi cumprida.
A própria arguida, nas suas alegações, refere que foi notificada, embora de início separadamente, para se pronunciar no âmbito dos processos contraordenacionais e que a entidade administrativa acabou por juntar os processos e aplicar uma coima única. Do que decorre que inexiste norma processual violada, para além de não se antever qualquer prejuízo para a arguida recorrente. O normal será até decorrerem processos separados até que, a dada altura, a ACT se aperceba e/ou a arguida o requeira, e os processos sejam juntos. Ponto é que, em caso de concurso, seja aplicada uma sanção única em obediência ao regime de cúmulo jurídico que, como sabemos, beneficia o infractor partindo do pressuposto que assim deve ser, porque no decorrer das contra-ordenações em concurso ainda não foi solenemente advertida e, assim, a sua censurabilidade será menor, pondo as coisas em termos assumidamente simples. No caso, repetimos, a arguida beneficiou deste regime, pelo que não se entende a arguição de nulidade.
A arguida cita em se abono o ac. desta RG nº 1216/15.0T8VCT.G1 de 21-01-2016, www.dgsi.pt. Trata-se de invocação despropositada. O acórdão, por um lado, não aborda a questão de junção de processos ab initio. E, por outro lado, ali a ACT não aplicou uma coima única (ignorou a existência de outros processos), ao passo que, no caso dos autos, a aplicou.

 I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em não admitir parcialmente o recurso relativamente a três das contra-ordenações conforme acima referido e, no mais, em julgar improcedente o recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando em três ucs a taxa de justiça.
Notifique.
4-04-2024
Após trânsito em julgado, comunique a presente decisão à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Vera Sottomayor


[1] Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e da Segurança Social regulado na Lei 107/2009, de 14/09.