Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
723/20.8T8BRG.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: PROVA PERICIAL
FORÇA PROBATÓRIA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA AUTORA IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A prova pericial visa auxiliar o julgador na decisão das questões que se encontram subtraídas ao seu domínio técnico-científico, por o seu esclarecimento estar dependente do recurso a outras áreas do saber ou da técnica.
II- O art.º 467º nº 3 do CPC determina que “As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta” (Lei nº 45/2004, de 19-08).
III- Ao determinar a entidade por quem devem ser realizadas as perícias médicas, (Instituto Nacional de Medicina Legal/Gabinetes Médico-legais) o legislador teve comprovadamente em conta que se trata de uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo a quem a elas recorre um elevado padrão de qualidade científica.
IV- Quanto aos danos de natureza não patrimonial, se dos factos alegados para fundamentar a indemnização peticionada - que considerava justa para ressarcir/compensar os seus sofrimentos -, a A apenas logrou provar parte deles, é razoável e coerente que se tenha fixado uma indemnização proporcional à quantia peticionada, com relação aos danos efetivamente sofridos (com respeito, ademais, pelo princípio da limitação do pedido, consagrado no art.º 609º nº 1 do CPC).
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Elisabete Moura Alves
2º Adjunto: José Manuel Flores
*
AA, viúva, com o NIF nº ...20, residente na Av. ..., freguesia ..., ..., ..., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra EMP01... - Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no Largo ..., ..., ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe:

“a)- A quantia de € 199.352,11 (…) relativa aos danos patrimoniais, por ela sofridos, desde a data do acidente até ao momento da instauração da presente acção, assim como os que vai continuar a sofrer até ao fim da sua vida;
b)- A quantia de € 30.000,00 (…), relativa aos danos não patrimoniais por ela sofridos, desde a data do acidente até ao momento da instauração da presente acção;
c)- Os juros de mora, que sobre tais quantias, que se vencerem, a contar da sua citação; e
d)- As indemnizações correspondentes aos danos patrimoniais e não patrimoniais que vai continuar a sofrer, por via das lesões sofridos no acidente em mérito, e das sequelas definitivas que lhe vierem a ser fixadas em exame médico a realizar na sua pessoa, cuja dimensão, grau ou valor, neste momento, não conhece, a liquidar em execução de sentença…”.
*
Alega para tanto, em síntese, que sofreu um acidente de viação no dia 5 de setembro de 2017, sob a forma de atropelamento, em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-QJ, segurado na ré, conduzido por BB, sob as ordens e direção de CC, seu proprietário, tendo a culpa do acidente sido exclusivamente do condutor do QJ, cuja responsabilidade a ré aceitou.
Mais alega que sofreu vários danos com o acidente, patrimoniais e não patrimoniais, que descreve, e dos quais pretende ser ressarcida.
*
Citada, veio a ré Contestar a ação, dizendo que não enjeita a sua responsabilidade pelo pagamento à Autora da indemnização devida pelos danos por ela realmente sofridos em consequência do acidente descrito na petição, pagamento que nunca recusou.
Considera, no entanto, a indemnização reclamada exagerada e injustificada, pelo que ela terá de ser substancialmente reduzida, face ao pedido formulado.
Pede, a final, que seja a ação julgada (provada e procedente) de acordo com a prova a produzir.
*
Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“… Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade, condeno a  R. a pagar à A. a quantia total de 63.225,16€ (sendo 25.250,00€ a título de danos não patrimoniais, e 37.975,16€ a título de danos patrimoniais, correspondendo 20.000,00€ ao dano biológico), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento quanto aos danos patrimoniais. Quanto aos danos não patrimoniais,  são devidos juros desde a presente decisão. Absolvo a R. do mais peticionado.
Custas pelas partes na proporção dos respectivos decaimentos…”.
*
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“A. A matéria do Ponto 43 da matéria dada por provada deve ser alterada, devendo passar a ter a seguinte redacção: 43.- Atentas as sequelas supra descritas a A. careceu de ajudas técnicas permanentes até ../../2022, e a partir dessa data, de ajuda de terceira pessoa não especializada, por 3 horas diárias, PORQUANTO, NENHUMA ALTERAÇÃO OCORREU NO ESTADO CLÍNICO DA RECORRENTE, QUE DISPENSASSE A PRESTAÇÃO DOS APOIOS DE QUE NECESSITAVA Tanto que, Foi dado por provado que:

1. - No mês de Julho de 2019, a Autora encontrava-se na Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ..., onde a A. permaneceu desde alta hospitalar até final do mês de Julho de 2019, onde lhe era prestada a assistência de que carecia “ajuda nas AVD’s, fisioterapia e gestão do regime terapêutico e alimentar”.
2. - Tais tratamentos tinham um custo mensal de cerca de € 1.500,00, valor que, tal como quase todas as demais despesas decorrentes do acidente em causa, foi totalmente suportado pela ora Ré.
3. - Porque tal custo não quis a ora Ré continuar a suportar, foi a Autora obrigada a regressar a sua casa. 
 B.  IGUAL CONCLUSÃO SE PODE TIRAR,  Porquanto:
1. - Não existe nos autos qualquer facto, do qual decorra que, tendo a Autora, por via das lesões e sequelas que sofreu no acidente, após ter saído do Hospital, necessidade da assistência de que carecia - “ajuda nas AVD’s, fisioterapia e gestão do regime terapêutico e alimentar” - na Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ..., deixou de ter tal necessidade.
2. - O que resulta dos factos dados por provados é que, porque tal custo não quis a ora Ré continuar a suportar, foi a Autora obrigada a regressar a sua casa, sendo essa razão, de ordem económica, e não qualquer outra que tivesse a ver com o estado de saúde da Autora, que determinou o fim do referida assistência.

C. A IGUAL CONCLUSÃO SE CHEGA:
1. - Pela análise dos exames médicos realizados pelo Instituto de Medicina Legal ..., juntos aos autos, apenas o que foi realizado em 10.05.2022, refere que a Autora, carece de auxílio de 3ª pessoa não especializada, em 3 horas diárias.
2. - Por, desde a data do acidente até essa data - 10.05.2022 – nenhum dos exames médicos referir “não especializada”, nem “3 horas diárias”.
3. - Pela análise do Relatório Médico – Doc. ... – junto com a P.I., GDAC -, elaborado em 15.05.2019, ou seja, a cerca de 2 meses de a Autora ter sido “corrida” – 31.07.2019 - da Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ... - documento que não foi impugnado -, escreveu-se o seguinte: Página 2 (a meio): Exame objectivo: Membro inferior direito - … verticaliza-se com dificuldade com instabilidade dinâmica. Marcha de pequenos passos, base alargada, necessitando de auxílio de terceira pessoa para a marcha. Página 2 (no final): Necessidades Permanentes – Atendendo às dificuldades que apresenta na marcha, com necessidade de supervisão, e em actividades de vida diária, como a higiene pessoal e vestuário da metade inferior do corpo necessita de auxílio de terceira pessoa em horário parcial.   Página 4:  Dependência de 3ª pessoa - Sim. - Vestir - Sim. -  Higiene - Sim.  Trabalhos domésticos - Sim 
4. - Pela análise do exame médico, realizado no I.M.L., em 06.05.2021, donde não consta que a Autora necessita – apenas - de ajuda de 3ª pessoa não especializada, 3 horas diárias, constando, isso sim, que a Autora se desloca em cadeira de rodas e a sua força muscular está reduzida ao grau 4, numa escala de 0 a 5. Item “Exame Obectivo” - “Estado Geral”: -“A examinada é dextra e apresenta marcha desloca-se em cadeira de rodas.”-“Força muscular (grau 4 em 5).
D. O facto dado por provado em “52.- Produtos, que consumia, oferecia a seus filhos e vendia, ocasionalmente, a vizinhos.”,  Deve ser alterado e passar a ter a seguinte redacção:  “52.- Produtos que consumia, oferecia a seus filhos e vendia na Praça ... e, ocasionalmente, a vizinhos”, PORQUANTO:
1. - Isso mesmo resulta de parte do depoimento da testemunha, DD (10:29 – 10:41) – Fls. 6 e 7. 
2. Isso mesmo resulta também de parte do depoimento da testemunha EE (10:42-10:55) - – Fls. 7 e 8.
3. - Tais depoimentos não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova.
4. - O consumo e a venda de produtos, por quem sempre trabalhou na agricultura, por sua própria conta, a tempo inteiro, são factos que decorrem da normal actividade produtiva de quem a exerce, facto do conhecimento comum.
5. - Conforme resulta dos factos dados por provados em 49, 50, 51 e 52, a Recorrente executava todo o tipo de tarefas, inerentes à vida, sem necessidade de ajuda de quem quer que fosse.
6. - Conforme resulta do facto dado por provado em 53, a Recorrente após o sinistro (…) não mais conseguiu executar as tarefas que antes desenvolvia na agricultura.
E. Os factos a seguir transcritos, que foram dados por não provados, devem ser alterados, devendo passar a integrar o elenco dos factos dados por provados,
1.- Que em virtude das lesões que o sinistro lhe causou careça a A. de uma pessoa para dela cuidar entre as 20h e as 8h, todos os dias. 
2.- Que os trabalhos que realizava a A. na agricultura e na criação de animais de capoeira representavam um valor/rendimento mensal bem superior ao do salário mínimo nacional.
3.- Que, a esse título, a Autora sofreu, desde a data do acidente – 05.09.2017 - até ao momento da instauração da acção , uma perda de rendimento/lucro cessante, do valor global de € 16.800,00 – vinte e um mil e seiscentos - euros, assim calculados:  - Ano de 2017 - Meses de Setembro a Dezembro = € 600,00 x 4 = € 2.400,00.  - Ano de 2018 -  Meses de Janeiro a Dezembro = € 600,00 x 12 = € 7.200,00.  - Ano de 2019 - Meses de Janeiro a Novembro = € 600,00 x 12 = € 7.200,00.  Total = € 7.200,00 + € 7.200,00 + € 7.200,00 = € 16.800,00.
4.- Que fruto do evento tenha a A. que recorrer ao centro Social para obter as refeições; 
5.- Que a quantia que despende a esse título, é superior àquela que despenderia se confecionasse a sua alimentação;
6.- Que vai a Autora (…) continuar a ter despesas medicamentosas, assistência médica, transportes, fraldas, decorrente do sinistro, etc,
7.- Que tem condições a A. para durar até aos 90 anos de vida.
8.- Que a A. beneficiava de um rendimento médio mensal de, pelo menos, € 600,00, PORQUANTO:
1. - É pacífico que antes do acidente, a Autora trabalhava, executava todo o tipo de tarefas, inerentes à vida, sem necessidade de ajuda de quem quer que fosse.
2. - Tal facto dado por não provado, colide com factos dados por provados, a saber:
49.- Antes do sinistro e apesar de contar 81 anos de idade, a Autora ainda trabalhava alguns terrenos de sua propriedade, deslocava-se para todos os lados, a pé, era uma pessoa muito dinâmica, com autonomia total, sem necessidade alguma de ajuda de terceiras pessoas. 
50.- Nos terrenos colhia todo o tipo de hortícolas - batatas, cebolas, alhos, feijão, tomate, pepinos, cereais e, com a ajuda de terceiros, também produzia vinho. 
51.- Paralelamente, criava ainda animais de capoeira – galinhas, patos, perus, coelhos e porcos. 
52.- Produtos, que consumia, oferecia a seus filhos e vendia, ocasionalmente, a vizinhos, 
3. - É também pacífico que - Facto 53 dado por provado.
53.- Após o sinistro a A. não mais conseguiu executar as tarefas que antes desenvolvia na agricultura. 
F.  IGUAL CONCLUSÃO SE RETIRA,  PORQUANTO
1. - Consoante resulta dos documentos juntos aos autos e dos factos dados por provados:
a)- No mês de Julho de 2019, a Autora encontrava-se na Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ..., onde a A. permaneceu desde alta hospitalar até final do mês de Julho de 2019, onde lhe era prestada a assistência de que carecia “ajuda nas AVD’s, fisioterapia e gestão do regime terapêutico e alimentar”.
b)- Tais tratamentos tinham um custo mensal de cerca de € 1.500,00, valor que, tal como quase todas as demais despesas decorrentes do acidente em causa, foi totalmente suportado pela ora Ré.
c)- Porque tal custo não quis a ora Ré continuar a suportar, foi a Autora obrigada a regressar a sua casa. 
d)- Não existe nos autos qualquer facto, de natureza clínica, do qual decorra que, tendo a Autora, por via das lesões e sequelas que sofreu no acidente, após ter saído do Hospital, necessidade da assistência de que carecia - “ajuda nas AVD’s, fisioterapia e gestão do regime terapêutico e alimentar” - na Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ..., deixou de ter tal necessidade.
e)- A Autora não deixou de ter necessidade de tal apoio, quando em 31 de Julho de 2019, não teve outra solução, senão a de regressar a sua casa e passar a ser assistida por 3ª pessoa. 
f)- Foi tal razão, de ordem económica, imposta pela Recorrida, e não qualquer outra que tivesse a ver com o estado de saúde da Autora, que determinou o fim da assistência de que a Recorrente carecia e carece.
 G. À MESMA CONCLUSÃO DE CHEGA:
1. - Da análise dos exames médicos realizados pelo Instituto de Medicina Legal ..., juntos aos autos, apenas o que foi realizado em 10.05.2022, refere que a Autora, carece de auxílio de 3ª pessoa não especializada, em 3 horas diárias.
2. - Da verificação de que desde a data do acidente até essa data - 10.05.2022 – nenhum dos exames médicos refere “não especializada”, nem “3 horas diárias”.
3.  - Da análise do dito Relatório Médico – Doc. ... – junto com a P.I., GDAC -, elaborado pelos serviços clínicos, que servem a Ré Seguradora, em 15.05.2019, ou seja, a cerca de 2 meses de a Autora ter sido “corrida” – 31.07.2019 - da Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ... - documento que não foi impugnado -,  
H.
1.- A sentença recorrida ignorou o peso probatório de depoimentos de testemunhas com conhecimento directo dos factos, transcritos de fls. 6 até 25, das Alegações.
2.- Tais depoimentos nada têm de improváveis, ilógicos ou contrários à realidade do dia-a-dia das nossas gentes.
3.- Tais depoimentos não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova.
4.- Parte da motivação é desmentida pela realidade do tempo já passado desde a data do acidente 05.09.2017,
I. DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS, acima transcritos, e que não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova, DA REALIDADE do nosso meio rural, DO AUMENTO DO CUSTO DE VIDA, mormente dos chamados bens essenciais, DAS POLÍTICA DO IVA 0 e DA REALIDADE DO TEMPO JÁ PASSADO, desde a data do acidente até ao momento, RESULTA QUE:
1.- Em virtude das lesões que o sinistro lhe causou, após o acidente – 05.09.2017 -, a Autora carece de uma pessoa para dela cuidar, durante 24 horas.
2.- Os trabalhos que a Autora realizava (…) na agricultura e na criação de animais de capoeira, representavam um valor/rendimento mensal  superior ao do salário mínimo nacional. 
3. - A esse título, a Autora sofreu, desde a data do acidente – 05.09.2017 - até ao momento da instauração da acção, uma perda de rendimento/lucro cessante, do valor global de € 16.800,00 – vinte e um mil e seiscentos - euros, assim calculados:  - Ano de 2017 - Meses de Setembro a Dezembro = € 600,00 x 4 = € 2.400,00.  - Ano de 2018 - Meses de Janeiro a Dezembro = € 600,00 x 12 = € 7.200,00.  - Ano de 2019 - Meses de Janeiro a Novembro = € 600,00 x 12 = € 7.200,00.  Total = € 7.200,00 + € 7.200,00 + € 7.200,00 = € 16.800,00.
4.- Fruto do evento tem a A. que recorrer ao Centro Social para obter as refeições. 
5.- A Autora vai continuar a ter despesas medicamentosas, mais concretamente de anti-inflamatórios e de pomadas, para lhe atenuar as dores.
6.- Tem condições a A. para durar até aos 90 anos de vida. 
7. – A A beneficiava de um rendimento médio mensal de, pelo menos, € 600,00.
J. - Se antes do acidente a Autora trabalhava, executava todo o tipo de tarefas, inerentes à vida, sem necessidade de ajuda de quem quer que fosse, se deslocava para todos os lados, a pé, era uma pessoa muito dinâmica, com autonomia total, sem necessidade alguma de ajuda de terceiras pessoas.
- Se tendo a Autora sido vítima de um violento acidente, não mais conseguindo executar as tarefas que antes desenvolvia na agricultura,  IMPORTA CONCLUIR QUE:
- Se a Autora, com 81 anos de idade, vítima de um acidente muito violento, mesmo castigada com as lesões e as sequelas dele decorrentes, já chegou aos 87 anos e 5 meses, sem acidente teria condições para chegar aos 90 anos, ou mais.
L.  - NA MOTIVAÇÃO ESCREVEU-SE o seguinte:- Relativamente à expectável esperança de vida da A. até aos 90 anos, trata-se de mera futurologia, sendo certo, que neste ponto, há um facto inquestionável:- que já superou a A., em vários anos, a esperança de vida média das mulheres.
Tal Motivação é desmentida pela realidade do tempo passado, PORQUANTO
1. - Resulta da contagem do tempo, que desde a data do acidente – 05.09.2017, em que a Autora contava 81 anos de idade (nasceu em ../../1936), se passaram até ao presente momento, mais de 6 anos e 4 meses, tendo agora a Autora 87 anos e 5 meses.
- Parece, por isso, que não estaremos a falar de futurologia.
2. - Se a esta realidade juntarmos o depoimento da testemunha FF (11:11 – 11:22) - Fls. 23, 24 e 25 – temos que concluir que, afinal, não se trata mesmo de futurologia. 
3. - Se tivermos, finalmente, em consideração, que a Autora, após ter sido vítima de um acidente de viação muito violento, que lhe causou profundas lesões e sequela, ainda resiste viva e mentalmente sana, cantando cantigas com a pessoa que dela cuida, reconhecendo perfeitamente seus filhos, comendo bem, tudo como resulta dos anos, poderíamos afirmar que, não fora o acidente, ultrapassaria os 90 anos, com semelhante saúde mental.
M.  Alterada a matéria de facto, nos termos agora peticionados, devem as indemnizações fixadas pela sentença recorrido ser objecto de correcção, por forma a corresponderem ao peticionado em sede de Petição Inicial.
N. Os factos dados por provados, transcritos no Item VI – Págs 28 a 30 -, são factualidade bastante para que a indemnização, arbitrada pelo Tribunal Recorrido seja corrigida para os peticionados € 30.000,00, por ser a mais  justa e adequada para ressarcir a Autora dos damos morais por ela sofridos.
P. A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 483º, 493º, 494º, 562º, 563º, 564º e 566º do C. C. e 607º do CPC.
TERMOS EM QUE, Deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que fixe as indemnizações peticionadas pela ora Recorrente, como é de JUSTIÇA”.
*
A recorrida apresentou Resposta ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes:
- A de saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto;
- Em caso afirmativo, se deve ser alterada a decisão em conformidade, condenando-se a ré nos valores indemnizatórios peticionados pela A; e
- Se mesmo perante a matéria de facto provada, deveria ser fixada indemnização a título de danos morais, nos valores peticionados pela A.
*
Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos (que renumeramos dos pontos 45 ao 46):
“1. No dia ../../2017, pelas 19,30 horas, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação, sob a forma de atropelamento, em que foram intervenientes os veículos e pessoas a seguir identificadas:
a) Ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-QJ, conduzido por BB, sob as ordens direcção, interesse, ao serviço do seu proprietário, CC.
b) A Autora, enquanto peão. o qual consistiu num atropelamento 
2. O local onde ocorreu o acidente é uma recta,
3. A qual tem uma largura de 10 metros e 300 metros de comprimento,
4. O acidente ocorreu sensivelmente a meio dessa referida recta.
5. O veículo automóvel circulava no sentido ....
6. A Autora atravessava a dita Rua ..., da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do identificado veículo automóvel,
7. Travessia que fazia, utilizando a passadeira que ali existe,
8. Bem podendo ser avistada/vista pelo dito condutor, desde uns 100 metros antes do local onde veio a ocorrer o acidente,
9. Já que inexistia outro trânsito de veículos que lhe dificultasse a visão,
10. E ainda porque o tempo estava de sol, a estrada seca e havia boa visibilidade.
11. Quando assim caminhava, já na hemi-faixa de rodagem direita da estrada, atento o sentido de marca do veículo automóvel, foi a Autora embatida pelo parte frontal do dito veículo ..-..-QJ.
12. Cujo condutor imprimia ao veículo velocidade de cerca de 80 Km’s/hora,
13. Deixando um rasto de travagem marcado na via, com 29 metros de comprimento.
14. Após o que atropelou violentamente a Autora, projectando-a no chão, pensando, naqueles longos momentos, que iria morrer ali naquele local e naquelas trágicas circunstâncias.
15. Confrontado, posteriormente, com o facto de o Autor ter atropelado a Autora, o condutor do veículo automóvel referiu à autoridade policial, que tomou conta da ocorrência, o seguinte: “ia à minha frente um veículo automóvel, 20 metros, passou e a Srª apareceu de repente na minha frente, ainda tentei travar, mas não consegui evitar o acidente, não pude ir para a faixa contrária.”
16. No local do acidente, a estrada é ladeada de casas de um e de outro lado, estando a velocidade, por isso, limitada a 50 Km’s/hora, 17. Assinalada, a cerca de 100 metros do local do acidente, por um sinal existente do lado direito da estrada, tendo em conta o sentido de marcha da dito automóvel.
18. A referida passadeira estava também sinalizada por um sinal de trânsito, colocado a cerca de 100 metros do local onde ocorreu o acidente, tendo em conta o redito sentido de marcha do veículo automóvel. 
19. A A. nasceu a ../../1936 ( tinha 81 anos na data aludida em 1.)
20. Após o acidente, a Autora foi conduzida, de ambulância do INEM para o Hospital ..., onde foi assistida, recebendo os primeiros tratamentos, realizando exames complementares de diagnóstico, ali ficando internada durante mais de 2 meses.
23. Onde lhe foram confirmados os seguintes ferimentos/lesões, conforme consta da documentação clinica junta aos autos a fls. 15v e ss  48 e ss:
a)- Traumatismo crânio-encefálico (TCE), com hemorragia sub-aracnoideia e focos de contusão frontal esquerda (traumatismo conservador).
b)- Ferida corto-contusa na região occipital, cotovelo e antebraço direito (limpeza e sutura).
c)- Fractura da bacia, ramo ilio-púbico esquerdo e fractura da asa do sacro à direita (tratamento conservador).
d)- Fractura cominutiva dos ossos da perna direita.
24. Ali foi submetida a uma intervenção cirúrgica à perna direita, para redução fechada da fractura da tíbia e perónio, com fixação interna e aos tratamentos que constam da documentação clinica junta com a petição inicial fls. 15v e ss e 48 e ss, cujo teor aqui de dá por reproduzido..
25. Por via de tais lesões teve a Autora necessidade de fazer tratamentos de fisioterapia.
26. Por outro lado, verificou-se que o Hospital ... não podia mantê-la internada,
27.  Dali tendo saído em 7 de Novembro de 2017.
28.  A Autora foi colocada em ..., numa instituição denominada “Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa casa da Misericórdia de ...”, na ...,
29. Onde entrou em 7 de Novembro de 2017, ali continuando a fazer fisioterapia, em sessões várias.
31.Em posterior consulta, realizada nos serviços de ortopedia do Hospital ..., foi-lhe indicado não poder fazer carga sobre o membro inferior direito.
32. Em nova consulta, realizada no Hospital ..., no dia 19.06.2018, verificou-se que as fracturas dos ossos da perna direita não estavam consolidados,
33. Sendo-lhe marcada nova consulta para Setembro de 2018, onde compareceu.
34. A Autora foi sujeita a vários exames complementares de diagnóstico.
35.Como consequência directa e necessária do embate em causa nos autos a A. apresenta as seguintes sequelas:
- crânio: cicatriz eucrómica na região parietal direita, horizontal, medindo cerca de 2cm de comprimento, não dolorosa à palpação;
- membro inferior direito: presença de três cicatrizes nacaradas, verticais ,localizadas na face anterior da perna, uma mais medial e outra mais lateral, ambas com 1,5cm de comprimento, e uma intermédia com 5,5cm de comprimento. 
Hipotonia muscular das coxas, diferença de perímetros, medindo cerca de 10cm acima do polo superior da rótula, inferior a 1cm.
Joelho – limitação da mobilidade do joelho a 90º bilateralmente, défice de extensão à direita de 20º.
Presença de tumefação subcutânea compatível com exteriorização de material de osteossíntese ( que a A. referiu aos no INML não querer resolver)
Tornozelo: dorsiflexão 0º-15º ( 0-20º à esquerda), flexão plantar 0-15º ( 0-20º à direita.
36. A data de consolidação médico-legal das leões ocorreu a  25.9.2018.
37. Foi-lhe fixado em 386 dias o período de défice funcional temporário total;
38. Sofreu um quantum doloris de grau 5 em 7.
39. Está afectada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos.
40. Não foi considerada repercussão permanente na actividade profissional, uma vez que estava reformada à data do evento.
41.  A. ficou com um dano estético permanente de grau 3 em 7.
42.  A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2 em 7.
43. Atentas as sequelas supra descritas a A.  carece de ajuda de terceira pessoa não especializada, por 3 horas diárias.
44. À data em que foi submetida ao exame médico legal – 2.5.2022 -  a A. estava consciente, orientada, colaborante, com bom estado geral,  estando a idade aparente em harmonia com a idade civil. 
45. Na Unidade de Longa Duração e Manutenção Santa Casa da Misericórdia de ..., onde a A. permaneceu desde  alta hospitalar até final do mês de Julho de 2019, foi-lhe prestada a assistência de que carecia “ ajuda nas AVDs, fisioterapia e gestão do regime terapêutico e alimentar” – ver teor da informação clinica de fls. 18v..
45-A. Tendo  custo mensal de cerca de € 1.500,00, valor que, tal como quase todas as demais despesas decorrentes do acidente em causa, foi totalmente suportado pela ora Ré.
45-B. À excepção da quantia de 728,16€ referente ao período entre 7.11.2017 e 30.11.2017, na unidade de ...,  paga pela A. – ver  factura de 21.
45-C. E da quantia total de de 997,00€, com transportes efectuados pelos bombeiros – ver Facturas/recibos de fls 22 a 31.  45-D. Porque tal custo não quis a ora Ré continuar a suportar, foi a Autora obrigada a regressar a sua casa,
45-E. O que aconteceu no dia 31 de Julho de 2019.
45-F.   Desde então, passou a Autora a ser ajudada pelos seus filhos e a pagar a quantia mensal de € 1.000,00 a uma terceira pessoa que lhe presta ajuda/assistência entre as 20 horas de cada dia e as 8 horas do dia seguinte – ver declarações de fls. 55v e ss. 45-G.As refeições são-lhe fornecidas pelo Centro Social e Paroquial de ..., concelho ....
45-H. No ano de 2019 pagou  a tal instituição a quantia de 161,39€ ( entre agosto e dezembro) – ver Faturas de fls. 32 a 35.
46. Os filhos da A. não residem perto da mãe.
47.  Mas visitam-na diariamente.
48. A A. toma anti-inflamatórios para as dores e aplica pomadas.
49. Antes  do sinistro e apesar de contar 81 anos de idade, a Autora ainda trabalhava alguns terrenos de sua propriedade, deslocava-se para todos os lados, a pé, era uma pessoa muito dinâmica, com autonomia total, sem necessidade alguma de ajuda de terceiras pessoas.
50.  Nos terrenos colhia todo o tipo de hortícolas - batatas, cebolas, alhos, feijão, tomate, pepinos, cereais e, com a ajuda de terceiros, também produzia vinho.
51. Paralelamente, criava ainda animais de capoeira – galinhas, patos, perus, coelhos e porcos.
52. Produtos, que consumia, oferecia a seus filhos e vendia, ocasionalmente, a vizinhos.
53. Após o sinistro a A. não mais conseguiu executar as tarefas que antes desenvolvia na agricultura.
54. A A. continua a queixar-se de muitas dores, sente-se triste e frustrada por não conseguir já realizar as tarefas que antes realizava.
55. A A. estava já reformada à data do sinistro.
56. Antes do sinistro sofria  a A. de doença degenerativa osteoarticular do ráquis e das mãos.
57.Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...82,  a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ..-..-QJ, estava transferida para a R., mostrando se em vigor à data aludida em 1.

Factos não provados:

- que a A. apresente outras sequelas decorrentes do sinistro além das elencadas nos factos provados;
-  que com muita dificuldade, logrou a Autora obter colocação no “Centro Social Paroquial de ...”, na freguesia ..., concelho ..., o onde permanece das 8,30 horas até às 17,30 horas, de cada dia, de 2ª a 6ª feira,
-  que a Autora mantém, ainda hoje, em virtude do sinistro em causa nos autos,  consultas e tratamentos, na especialidade de ortopedia, no dito Hospital Escala, na cidade ..., que vai manter durante o resto da sua vida.
-  que em virtude das lesões que o sinistro lhe causou careça a A. de uma  pessoa para dela cuidar entre as 20h e as 8h, todos os dias. 
- que nos últimos anos, antes do sinistro,  a produção de vinha rendeu à A.  cerca de 5 pipas por ano.
- que os trabalhos que realizava a A. na agricultura e na criação de animais de capoeira representavam um valor/rendimento mensal bem superior ao do salário mínimo nacional.
- que , a esse título, a Autora sofreu, desde a data do acidente – 05.09.2017 - até ao momento da instauração da acção , uma perda de rendimento/lucro cessante, do valor global de € 16.800,00 – vinte e um mil e seiscentos - euros, assim calculados:
Ano de 2017
Meses de Setembro a Dezembro = € 600,00 x 4 = € 2.400,00.
Ano de 2018
Meses de Janeiro a Dezembro = e 600,00 x 12 = € 7.200,00.
Ano de 2019
Meses de Janeiro a Novembro = € 600,00 x 12 = € 7.200,00.
Total = € 7.200,00 + € 7.200,00 + € 7.200,00 = € 16.800,00.
- que fruto do evento tenha a A. que recorrer ao centro Social para obter as refeições;
- que a quantia que despende a esse título, é superior aquela que despenderia se confecionasse a sua alimentação;
- que vai  a Autora vai continuar a ter despesas medicamentosas, assistência médica, transportes, fraldas, decorrente do sinistro etc,
- que a  Autora gastou a quantia de € 20,00 – vinte - euros, na obtenção da sua certidão de nascimento.
- que  tem condições  a A. para durar até aos 90 anos de vida.
- que o seu pai faleceu com 92 anos de idade e, mais recentemente, 2 dos seus irmãos faleceram  com 92 e 94 anos.
- que a A.  beneficiava de um rendimento médio mensal de, pelo menos, € 600,00.
-  que vive a A. em profunda tristeza e desolação, sofrimento enorme, passa inúmeras noites de insónias, de choros, de pensamentos de morte, choros de raiva e vive  inconformada com a sua sorte,
- que sofra a A. de sintomas ansioso depressivos, perturbações cognitivas graves ou pós traumáticas decorrentes do evento em apreço nos autos.
 Quanto ao mais alegado, não foi considerado por não ter sido feita prova da sua verificação e/ou por se tratar de matéria irrelevante, de direito ou com natureza conclusiva”.
*
I- Da Impugnação da Matéria de facto:

Alega a A (nas Conclusões A, B, e C), que a matéria de facto dada como provada no ponto 43 deve ser alterada, devendo a mesma passar a ter a seguinte redação: “43.- Atentas as sequelas supra descritas a A. careceu de ajudas técnicas permanentes até ../../2022, e a partir dessa data, de ajuda de terceira pessoa não especializada, por 3 horas diárias”.
Dado que daquele ponto da matéria de facto ficou a constar (apenas) que “43.- Atentas as sequelas supra descritas, a A. carece de ajuda de terceira pessoa não especializada, por 3 horas diárias”, o que a A pretende ver acrescentado àquele número é que careceu de ajudas técnicas permanentes até ../../2022 (data do exame médico-legal realizado nos autos), e só daí em diante é que passou a necessitar da ajuda de 3ª pessoa apenas 3 horas diárias.

E baseia a sua pretensão, desde logo, nas seguintes ilações (retiradas da matéria de facto provada):
1. - No mês de Julho de 2019, a Autora encontrava-se na Unidade de Longa Duração e Manutenção da Santa Casa da Misericórdia de ..., onde permaneceu desde a alta hospitalar até final do mês de Julho de 2019, e onde lhe era prestada a assistência de que carecia “ajuda nas AVD’s, fisioterapia, e gestão do regime terapêutico e alimentar”.
2. - Tais tratamentos tinham um custo mensal de cerca de € 1.500,00, valor que foi totalmente suportado pela Ré.
3. - Porque a ré não quis continuar a suportar tal custo, foi a Autora obrigada a regressar a sua casa.
Considera assim a A que a sua situação clínica não se alterou pelo facto de ter regressado a casa; que continuou a necessitar em casa dos apoios de que beneficiava na Unidade de Longa Duração e Manutenção da Santa Casa da Misericórdia de ....
Mas a ilação tirada pela A da matéria de facto descrita não é assim tão linear: da mesma resulta apenas que sendo a A utente daquela Unidade, desde a data da alta hospitalar até ../../2019, usufruía nessa Unidade de toda a assistência que ali existia e lhe era prestada - “ajuda nas AVD’s, fisioterapia e gestão do regime terapêutico e alimentar” -, como é próprio das Unidades de Longa Duração e Manutenção existentes no país.
Efetivamente, a Unidade de Longa Duração e Manutenção (concebidas para períodos de internamento superior a 90 dias), destina-se a pessoas com doenças ou processos crónicos, com diferentes níveis de dependência, e que não reúnam condições para serem cuidadas no domicílio ou serem internadas no Hospital ..., sendo critérios de referenciação para Unidades de Longa Duração e Manutenção, “Utentes com processos crónicos que apresentem diferentes níveis de dependência e graus de complexidade, que não possam ser prestados no domicílio”.
Considera-se critério de referenciação específico para admissão nesta Unidade, a situação de dependência que apresente alguma das seguintes condições: Utente que não requeira cuidados médicos e de enfermagem permanentes; Utente que, por patologia aguda e/ou crónica estabilizada, necessite de cuidados de saúde e apresente défice de autonomia nas actividades da vida diária, com previsibilidade de internamento superior a 90 dias; Utente com patologia crónica de evolução lenta, com previsão de escassa melhoria clínica e funcional” (consulta da internet no respetivo site das ...).
Ora, por aqui já se vê, que nem todos os utentes direcionados para as Unidades de Longa Duração e Manutenção (os chamados Cuidados Continuados) têm uma dependência total de cuidados especializados, não resultando também dos autos que a A estivesse nessa situação – de dependência total daqueles cuidados –, enquanto utente daquela Unidade e durante todo o tempo em que ali permaneceu (de 7.11.2017 a 31.7.2019).
Caberia assim à A alegar e provar essa realidade, mas sobretudo alegar e provar que após ter regressado a casa (em Julho de 2019), necessitou dessa ajuda permanente de terceira pessoa, até à data que refere (até ../../2022), a qual se nos afigura, aliás, meramente aleatória, apenas baseada na data em que foi realizado o relatório pericial junto aos autos, nada sendo alegado pela A em termos clínicos e de saúde, que nos permita aferir da razão de ser dessa baliza temporal.
Não pode a recorrente ignorar desde logo, que toda a documentação clínica existente nos autos – desde a data do acidente - foi presente à sra. perita médica aquando da realização da perícia (como decorre da tramitação dos autos e de todo o relato clínico que é feito no relatório pericial), sendo ali considerada ademais a data da alta – a data da consolidação médico–legal das lesões – em 25.9.2018 (tendo em conta a data da alta clínica e a da consulta de ortopedia), tendo tais documentos sido analisados e ponderados para efeitos de conclusões finais do Relatório.
Como bem lembra a recorrida, a respeito do conceito da “data de consolidação médico-legal”, pode ler-se na Norma Procedimental NP-INMLCF-...03 do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Forenses, I.P., intitulada “Recomendações Gerais para a Realização de Relatórios Periciais de Clínica Forense relativos ao Dano Pós-Traumático”, que “A data de consolidação médico-legal situar-se-á no momento que se constatou clinicamente que as lesões deixaram de sofrer uma evolução regular medicamente observável – seja pelo facto de terem estabilizado definitivamente, seja porque não são suscetíveis de sofrer modificações senão após um longo período de tempo – não sendo necessários mais tratamentos, a não ser para evitar um agravamento, e em que é possível apreciar a existência de sequelas (isto é, uma alteração permanente a nível da integridade física ou psíquica).” 
Ora, essa data – da consolidação médico-legal das lesões da A –, vem devidamente assinalada no Relatório pericial.
Assim, relativamente ao período de Incapacidade Total – de défice Funcional Temporário Total (ITT), a sra. Perita fixou esse período, desde a data do acidente (5.9.2017) até ../../2018 – data da alta clínica (num período de 386 dias), tendo valorizado a Incapacidade Permanente Parcial da A a partir dessa data (da alta) em 20 pontos, levando já em consideração os valores constantes da Tabela Nacional de Incapacidades, e o valor global da perda funcional decorrente das sequelas - e o fato de elas serem causa de limitações funcionais importantes com repercussões na independência da examinada, tornando-a dependente de ajudas técnicas/3ª pessoa.
Ora, como se vê, foi após a ponderação de todas as vertentes analisadas (ITT e IPP), que se conclui no relatório pericial, no ítem dedicado às “Dependências Permanentes de Ajudas” (corresponde à ajuda humana apropriada à vitima que se tornou dependente, como complemento ou substituição na realização de uma determinada função ou situação de vida diária), que ficou a constar que a A carece de Ajuda de terceira pessoa não especializada, 3 horas diárias.
*
Dos relatórios médicos existentes nos autos também não retiramos a conclusão de que a A, fruto do acidente, tenha ficado a necessitar de ajudas permanentes de terceira pessoa.
Efetivamente, nenhum dos relatórios médicos juntos aos autos refere que a A, fruto do acidente de que foi vítima – e fora do período de internamento, que decorreu de 5.9.2017 a 7.11.2017 - , tenha ficado absolutamente dependente de cuidados técnicos permanentes.
O que colhemos de todos os relatórios médicos analisados, é que a A sofreu várias lesões com o acidente, sobretudo a nível da perna direita, à qual foi submetida a uma intervenção cirúrgica ainda durante o período de internamento (em 29.9.2017), tendo ficado com sequelas dessa lesão, sobretudo com dificuldades na marcha, e com necessidade de apoio na realização de algumas tarefas na sua vida diária.
Isso mesmo resulta desde logo do primeiro relatório médico GDAC (Relatório de Avaliação do Dano Corporal), elaborado em 15.05.2019 - após a data da alta clínica da A, que ocorreu em Janeiro de 2018 (junto pela própria), do qual consta que a A “verticaliza-se com dificuldade com instabilidade dinâmica, necessitando de auxílio de terceira pessoa para a marcha, atendendo às dificuldades que apresenta na marcha, com necessidade de supervisão. Em atividades de vida diária, como a higiene pessoal e vestuário da metade inferior do corpo, necessita de auxílio de terceira pessoa em horário parcial”.
E o exame médico-legal realizado no IML em 06.05.2021 (o primeiro exame realizado naquela entidade, na sequência da prova pericial requerida pela A), quando refere que a Autora se desloca em cadeira de rodas e a sua força muscular está reduzida ao grau 4 numa escala de 0 a 5 (que consideramos relativamente pequena), não contraria a versão do primeiro relatório médico, vindo o mesmo a ser confirmado depois, pelo exame médico (e respetivo relatório pericial) do IML de ..., de 10.05.2022, o qual refere que a Autora carece de auxílio de 3ª pessoa não especializada, mas apenas em 3 horas diárias (e no qual se baseou o tribunal recorrido para dar como provado o facto vertido no ponto 43 da matéria de facto).
Aderimos, assim, integralmente à motivação constante da decisão recorrida, na qual se afirmou que “Relativamente às consequências (lesões e sequelas) que do evento em causa advieram para a A., aos tratamentos a que esteve sujeita, levamos em conta a documentação clínica junta, e bem assim, o relatório médico-legal, de onde resultam as sequelas e incapacidades que ficou a padecer, como consequência directa e necessária do evento em causa nos autos, notando-se que a perícia é clara em atestar que carece a A. apenas de 3h diárias de ajuda não especializada.  Ou seja, coligida a prova, e apesar de contar a A. com a testemunha FF, todos os dias entre as 20h e as 8h, de modo algum, fruto do evento em causa nos autos se impõe que tal ocorra, sendo antes, uma escolha, uma opção da A. e dos seus filhos, mas que não decorre como uma necessidade adveniente do sinistro e das sequelas que do mesmo resultaram para a A.”
Como se disse, baseou-se o tribunal recorrido no exame médico-legal (e respetivo relatório pericial) realizado à A em 10.5.2022 – efetuado na sequência do primeiro exame médico, realizado em 6.5.2021 (no qual se concluiu pela necessidade de realização de exames complementares de diagnóstico à A), e do qual resulta, sem qualquer margem de dúvida, que a A. mantém alguma autonomia na sua vida diária, necessitando apenas de auxílio de 3ª pessoa 3 horas por dia (para tomar banho, e para fazer as limpezas da casa).
E não vemos como discordar do juízo técnico efetuado pelo perito médico-legal do IML de ..., pois estamos perante uma perícia médica, que deve ser solicitada (por lei) a uma determinada entidade, especializada na matéria, e que nos oferece total credibilidade.
*
Como resulta desde logo do art.º 388º do Código Civil, “a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial”.
A prova pericial visa pois auxiliar o julgador na decisão das questões que se encontram subtraídas ao seu domínio técnico-científico, por o seu esclarecimento estar dependente do recurso a outras áreas do saber ou da técnica. A opção pela prova pericial visa dotar o julgador dos elementos que a simples imediação entre si e o objeto da prova não permitem apurar.
Ora, consabidamente, a Avaliação do dano Corporal em Direito Civil suscita questões de natureza técnico/científicas para as quais o tribunal (e os Advogados) não têm a necessária preparação, razão pela qual se trata de uma prova pericial (requerida pelas partes ou ordenada oficiosamente pelo tribunal), que pela sua específica natureza, “escapa” aos conhecimentos do tribunal – daí a sua realização por peritos especializados na matéria –, e que apenas poderá ser infirmada por outra prova mais credível.
Acresce que nos termos do art.º 467º nº 3 do CPC “As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta” (diploma que era, à data da realização das perícias, a Lei nº 45/2004, de 19-08).
Ora, é manifesto que a norma legal, ao determinar a entidade por quem devem ser realizadas as perícias médicas (Instituto Nacional de Medicina Legal/Gabinetes Médico-legais), teve comprovadamente em conta que se trata de uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo a quem a elas recorre, um elevado padrão de qualidade científica. O Instituto Nacional de Medicina Legal é consabidamente a Instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias, no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos, que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (Ac. do Tribunal Constitucional nº 133/2007, de 27.02.2007; Ac. desta RG de 13-3-14; e Ac. RP de 21-02-2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
É certo que nos termos do artigo 389º do Código Civil, “a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
No entanto, a livre apreciação da prova pericial pelo julgador, na área do direito civil, como tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, não se confunde com apreciação arbitrária, ou mesmo discricionária da prova, significando antes a ausência de critérios fixos nessa apreciação, que deverá apenas subordinar-se a critérios de racionalidade, de bom senso, tendo ainda por base regras de experiência comum com suporte nos elementos objetivos vertidos no processo.
Ora, perante a análise do relatório pericial elaborado, não temos qualquer motivo sério – nem dados objetivos -, para discordar do juízo técnico que foi efetuado pela sra. Perita do IML sobre as sequelas de que a A ficou a padecer, e de que tipo de ajuda externa tem necessitado (desde a data da alta) e vai continuar a necessitar para as conseguir minimizar – e que é, a nosso ver compatível, com o tipo de lesão de que ficou a padecer.
Aliás, se bem analisamos o referido relatório (questionado embora pela recorrente), ele é baseado essencialmente nas “Queixas” da A., a qual referiu à sra. perita médica que tem dificuldade em tomar banho, necessitando de ajuda de outra pessoa; que tem dificuldade em deambular, necessitando de se apoiar em bengala ou em alguém por dores na perna, com necessidade de parar para alívio sintomático; e que sente dores ao nível do joelho direito, com necessidade de tomar medicação (embora apenas em SOS). Mais referiu, que no que respeita aos atos da vida diária, que tem dificuldade nas tarefas de casa, necessitando de ajuda de outra pessoa, nomeadamente para o banho e a limpeza da casa, pois que a comida, para o almoço e o jantar, vem de um lar, e que consegue vestir-se, comer, e lavar a cara sozinha.
É certo que a sra. Perita deixou consignado no relatório medico, que a A se apresentou aos exames em cadeira de rodas, empurrada pela filha (facto que já havia acontecido aquando do exame médico de 6.5.2021, e a que a recorrente confere grande realce nas suas conclusões de recurso), mas tal não é contraditório com o descrito na parte anterior do relatório, afirmado pela própria – de que tem dificuldade em deambular, necessitando de se apoiar em bengala ou em alguém por dores na perna, com necessidade de parar para alívio sintomático –, factos que foram ponderados pela sra. perita quando afirmou, no final do relatório, que a A necessita apenas de apoio diário de 3ª pessoa durante 3 horas.
E não vemos como desautorizar essa conclusão.
Como se afirmou no acórdão da RC de 31.05.2011 (disponível em www.dgsi.pt), “não dispondo o juiz de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia (…), salvo casos de erro grosseiro, não estará em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito (…). Será, talvez, ao nível dos dados de facto que servem de base ao parecer científico, que o juiz se acha em posição de pôr em causa o juízo pericial”.
Por isso se afirma que à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Deste modo, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica.
Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva, dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida (Acs. desta RG, de 24/04/2012 e de 1.10.2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se afirma no Ac. RE de 06.07.1993 (também disponível no mesmo sítio) “O julgador não pode funcionar ele mesmo como perito, afastando deliberadamente o parecer contido no relatório dos peritos, substituindo-lhe, sem o fundamentar, outros elementos de convicção”. O mesmo se passa no Ac. RL de 11.03.2010 (também disponível em www.dgsi.pt.), onde se dissertou que “O que está na base do princípio (da livre apreciação da prova pericial) é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe, a observância das regras de experiência e critérios da lógica”.
*
Ora, tomando como base estas regras e princípios (aceites, cremos que de forma unânime, pela jurisprudência de todos os tribunais superiores), consideramos que a recorrente não logrou “abalar” a força probatória da prova pericial realizada, nomeadamente indicando quaisquer outros meios de prova (pericial ou outros), a serem atendidos por este tribunal de recurso, para a infirmar.
Aliás, como dissemos acima, todos os relatórios médicos (incluindo o junto aos autos pela própria A) convergem no mesmo sentido: de que a A, embora com limitações, não ficou com total incapacidade para as tarefas da sua vida diária; apenas para as mais penosas (e mais perigosas em termos de risco de queda, para pessoas idosas em geral), que é o tomar banho e fazer as limpezas em casa.
Assim sendo, nada temos a objetar à confirmação daqueles factos, dados como provados pelo tribunal recorrido no ponto 43, pelo que consideramos ser de manter a redação daquele ponto.
*
Discorda também a recorrente da redação dada ao facto provado em 52, do qual consta o seguinte: “Produtos que consumia, oferecia a seus filhos, e vendia, ocasionalmente, a vizinhos.”,  pretendendo a A que do mesmo passe a constar o seguinte:  “52.- Produtos que consumia, oferecia a seus filhos e vendia na Praça ... e, ocasionalmente, a vizinhos.”
Baseia a recorrente a sua pretensão no depoimento da testemunha DD, o qual terá referido, a instâncias do seu ilustre mandatário, que a A “…fazia vendas naquela zona (…) normalmente, e à praça aqui a ...”, o mesmo se passando com a testemunha EE, que também terá afirmado ao tribunal que a A. “parte vendia, a outra parte era para ela”, confirmando a afirmação do seu ilustre mandatário de que “…as pessoas que trabalham na agricultura, é o “ganha-pão” delas e vendem as coisas exatamente aos vizinhos e a quem compra, para ganhar dinheiro, para ter dinheiro para a vida.”
E de facto, auditados tais depoimentos, a testemunha DD referiu a venda de produtos pela A na Praça .... Mas tratou-se de uma referência isolada a tal ocorrência, não se podendo da mesma extrair a conclusão que essa atividade – de ir vender à Praça ... – revestisse caráter assíduo, como uma atividade regular, não se podendo afirmar com segurança, que a A fizesse da venda dos produtos que cultivava uma venda regular (e da qual retirava a quantia mensal alegada de € 600,00).
Aliás, a venda de produtos na Praça (em ... ou em qualquer lugar de mercado no nosso país), é, consabidamente, uma atividade regulamentada (como se pode verificar da consulta do Regulamento camarário de ... sobre a venda no mercado), sendo necessário ter lugar próprio de venda, com pagamento das respetivas taxas camarárias – facto que a A não demonstrou e que poderia/deveria ter feito.
Daí que se tenha dado como provado o que mais consistentemente ficou apurado, e que é o que resulta das regras da experiência comum: que a A nos terrenos que cultivava colhia todo o tipo de hortícolas e criava animais de capoeira (artigos 50 e 51), produtos que consumia, oferecia a seus filhos, e vendia ocasionalmente a vizinhos (art.º 52); não que procedesse à venda de tais produtos na Praça ..., pelo que consideramos ser também de manter o facto descrito em 52.
*
Insurge-se ainda a recorrente contra a decisão da seguinte matéria de facto (dada como não provada), considerando que a mesma deveria integrar o elenco dos factos provados:

“1.- Que em virtude das lesões que o sinistro lhe causou careça a A. de uma pessoa para dela cuidar entre as 20h e as 8h, todos os dias.
2.- Que os trabalhos que realizava a A. na agricultura e na criação de animais de capoeira representavam um valor/rendimento mensal bem superior ao do salário mínimo nacional.
3.- Que, a esse título, a Autora sofreu, desde a data do acidente – 05.09.2017 - até ao momento da instauração da acção, uma perda de rendimento/lucro cessante, do valor global de € 16.800,00 – vinte e um mil e seiscentos - euros, assim calculados: 
- Ano de 2017 - Meses de Setembro a Dezembro = € 600,00 x 4 = € 2.400,00.  - Ano de 2018 -  Meses de Janeiro a Dezembro = e 600,00 x 12 = € 7.200,00.  - Ano de 2019 - Meses de Janeiro a Novembro = € 600,00 x 12 = € 7.200,00.  Total = € 7.200,00 + € 7.200,00 + € 7.200,00 = € 16.800,00.
4.- Que fruto do evento tenha a A. que recorrer ao centro Social para obter as refeições;
5.- Que a quantia que despende a esse título, é superior aquela que despenderia se confecionasse a sua alimentação;
6.- Que a Autora vai continuar a ter despesas medicamentosas, assistência médica, transportes, fraldas, decorrente do sinistro, etc,
7.- Que tem condições (…) para durar até aos 90 anos de vida.
8.- Que a A. beneficiava de um rendimento médio mensal de, pelo menos, € 600,00”.  
*
Relativamente ao primeiro facto dado como não provado - “1.- Que em virtude das lesões que o sinistro lhe causou careça a A. de uma pessoa para dela cuidar entre as 20h e as 8h, todos os dias” – ele constitui o reverso do facto dado como provado em 43, também impugnado pela recorrente, e já devidamente analisado acima, pelo que consideramos desnecessário voltar a cuidar do mesmo.
Ainda relacionado com as sequelas do acidente, também não ficou demonstrado nos autos “Que a Autora vai continuar a ter despesas medicamentosas, assistência médica, transportes, fraldas, etc.,  decorrente do sinistro…”, despesas que teriam necessariamente que constar do relatório pericial junto aos autos (ou de outro relatório médico), o que não aconteceu.
*
Quanto aos demais factos não provados, relacionados com a alegada perda de rendimentos da A com a atividade agrícola por si desenvolvida antes do acidente, considerou o tribunal recorrido que nenhuma prova foi aportada aos autos quanto à sua verificação, sendo certo que também consideramos, contrariamente ao defendido pela recorrente, que não lhe bastaria alegar e provar que antes do acidente trabalhava, executava todo o tipo de tarefas, inerentes à vida, sem necessidade de ajuda de quem quer que fosse; e que antes do sinistro, e apesar de contar 81 anos de idade, a Autora ainda trabalhava alguns terrenos de sua propriedade, onde colhia todo o tipo de hortícolas e criava animais de capoeira, produtos que consumia, oferecia a seus filhos e vendia, ocasionalmente, a vizinhos.
Haveria a A de provar ainda (como alegou) que retirava da atividade agrícola por si desenvolvida, os alegados € 600,00 mensais, com perdas totais de € 16.800,00, o que não logrou fazer.
Como bem se fez notar na decisão recorrida “…nesta parte, não logrou a A. demonstrar que antes do sinistro auferisse anualmente estas quantias, notando que contava já a A na data  do sinistro com 81 anos, o que nos faz duvidar que lograsse obter esta rentabilidade,  isto por mais dinâmica e activa que se mantivesse, ademais,  nenhum elemento probatório a nível documental foi aportado que comprovasse que auferisse a A estes rendimentos/estes benefícios, desde logo, se  assim fosse, ou seja, se anualmente como alegado  retirasse rendimentos de 7200,00€ com esta actividade, certamente, tal estaria reflectido em sede de IRS. É certo, que a A. cultivava as suas terras, dela retirava alimentos, criava animais, tudo para seu consumo e dos seus filhos, vendendo esporadicamente, alguns produtos a vizinhos, portanto, era uma prática de mera subsistência, não estando minimamente demonstrado que perdeu  7200,00€ anuais (600,00€ mensais) (…). No entanto, sempre ao nível do dano biológico consideraremos e ponderaremos o facto de desde o sinistro a A. não mais ter podido/conseguido desenvolver estes trabalhos e obter os ganhos que daí lhe advinham (produtos que consumia, que dava aos filhos e que ocasionalmente vendia)…”.
Nenhum reparo temos assim a fazer à decisão da matéria de facto nesta parte, mesmo após termos auditado os depoimentos das testemunhas GG, DD, e EE, os quais não foram capazes de afirmar ao tribunal, com segurança, qual quantia mensal que a A retirava dos trabalhos agrícolas que desenvolvia, referindo-se todos eles apenas ao salário hipotético mensal de um profissional (jornaleiro) que a A tivesse necessidade de contratar para realizar os trabalhos agrícolas que ela fazia antes do acidente, o que não é compaginável com uma agricultura de subsistência, que demanda apenas trabalhos esporádicos, feitos por uma senhora de 81 anos de idade, e já com problemas de saúde graves à data do acidente (doença degenerativa osteoarticular do ráquis e das mãos).
*
Relativamente a despesas (extra) com alimentação, que alegadamente a A tem de suportar por causa do acidente (factos 4 e 5) - e que o tribunal considerou como não demonstradas -, temos de concordar com o raciocínio lógico que foi feito pelo tribunal recorrido, baseado na prova produzida, mas também nas regras da experiência, que apontam nesse sentido: “apesar de alegado, não demostrou a A. que tenha frequentado ou frequente Centro de Dia, outrossim, as testemunhas que nos trouxe, explicaram que lhe são levadas as refeições pelo Centro Paroquial, no entanto, também,  quanto a esta despesa mensal da A., que apenas aparece comprovada por referência ao ano de 2019, não está demostrado que seja consequência  do evento em causa nos autos, note-se que a A., se não fosse o sinistro teria que alimentar-se, e ainda que confecionasse a sua alimentação sozinha –  e não está demonstrado que não consiga fazer agora, no relatório pericial alude-se apenas a dificuldades na limpeza da casa e para o banho – incorria em gastos, electricidade, água, aquisição dos alimentos, a par do custo de produção daqueles que cultivava, sendo que dividindo a quantia mensal paga pela A.,  pelo fornecimento das refeições por 30 dias, chegamos a um valor diário de pouco mais de 5,00€, razão pela qual, e porque não está demonstrado ou sequer alegado que tal situação represente um acréscimo em relação à quantia que a A. despenderia para confecionar as refeições por si mesma, e mais, não estando demonstrado  que não as consegue confecionar, também essa despesa não está provada como sendo consequência do sinistro, não se podendo olvidar, que estamos perante uma senhora com 81 anos à data do evento, contando presentemente já com 87 anos, sendo perfeitamente normal, que nestas idades as pessoas que vivem sozinhas, como a A.,  recorram a estes serviços independentemente da ocorrência de um evento como o que aqui está em apreço…”
E o mesmo se passa com o que é dito na motivação sobre a expectável esperança média de vida da A. (até aos 90 anos), que também subscrevemos: “…trata-se de mera futurologia, sendo certo, que neste ponto (…) já superou a A., em vários anos, a esperança média de vida das mulheres…”.
*
Concluímos assim do exposto que nenhum reparo merece a decisão da matéria de facto, a qual deve ser mantida na íntegra.
*
II- Dos Danos Morais:

Discorda também a A. da indemnização que lhe foi atribuída na decisão recorrida a título de danos morais, alegando que peticionou a quantia de € 30.000,00, tendo-lhe o tribunal recorrido atribuído apenas, a tal título, a quantia de € 22.500,00. 
Considera que tendo em conta os factos dados por provados, o valor fixado é injusto, incapaz de ressarcir a recorrente dos danos morais que efetivamente, sofreu.

Vejamos se assim é:
Alegava a A na petição, para fundamentar o valor peticionado de € 30.000,00 a título de indemnização por danos morais, os factos por si descritos nos artºs 14, 19, 22 a 39, 48 a 51, 57, 58, 65, 66 e 76 daquela peça processual, conjugados tais factos com os alegados nos artºs 51 a 56 da mesma peça processual, os quais, segundo a A, foram e eram causa, ainda na data da p.i., de muitas dores, grandes angústias, profunda tristeza e desolação, sofrimento enorme, inúmeras noites de insónias, choros, pensamentos de morte, choros de raiva e inconformidade com a sua sorte.
*
Ora, como resulta da matéria de facto (provada e não provada) – com a qual a A se conformou, no que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos -, ficou por demonstrar que a A tenha ficado internada no Hospital ... 3 meses (apenas 2); que por via das lesões e sequelas decorrentes do acidente, a Autora tenha ficado totalmente incapaz para a prática dos atos da vida diária (apenas parcialmente); que as sessões de fisioterapia realizadas na Unidade Local de Longa Duração da Santa Casa da Misericórdia de ... deixassem a A totalmente esgotada e com dores; que como consequência direta e necessária do embate, a A apresente lesões (e sequelas) no ombro; que mantenha consultas e tratamentos, na especialidade de ortopedia, no Hospital Escala, na cidade ..., que vai manter durante o resto da sua vida; que após o acidente, a Autora tenha passado a ser uma pessoa totalmente dependente da ajuda de terceiras pessoas, nomeadamente que careça de uma  pessoa para dela cuidar entre as 20h e as 8h, todos os dias (apenas parcialmente); que a A vive em profunda tristeza e desolação, num sofrimento enorme; que passa inúmeras noites de insónias, de choros, de pensamentos de morte, choros de raiva e que vive  inconformada com a sua sorte; e que sofra de sintomas ansioso-depressivos, perturbações cognitivas graves ou  pós traumáticas decorrentes do evento em apreço nos autos. 
Ou seja, dos factos alegados pela A para fundamentar/justificar a indemnização peticionada, de € 30.000,00 (alínea b) do pedido formulado), que considerava justa para ressarcir/compensar todos os seus males/sofrimentos, a A apenas logrou provar parte deles, como se deixou dito acima, pelo que se nos afigura razoável e coerente, que se tenha fixado uma indemnização a título de danos morais, proporcional à quantia peticionada com relação aos danos efetivamente sofridos.
Como se refere no recente Ac. do STJ de 31.01.20122 (citado pela recorrida e disponível em www.dgsai.pt) “…os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição”.
Ora, muito relevante para fundamentar essa ideia de proporção, de adequação e de relativa previsibilidade – mas sobretudo respeitando o princípio do pedido consagrado no art.º 609º nº1 do CPC -, é o facto, realçado na Motivação da decisão recorrida, de que “…a dimensão do  abalo do ponto de vista psíquico,  que vinha alegada, não ficou demonstrada,  sendo certo, que apesar de triste e frustrada, a A. não vive em profunda tristeza e desolação, sofrimento enorme (…) inúmeras noites de insónias, de choros, de pensamentos de morte, choros de raiva e  vive  inconformada com a sua sorte, como conclui o exame psiquiátrico: “não  sofre a A. de sintomas ansiosos depressivos, perturbações cognitivas graves ou pós traumáticas decorrentes do evento em apreço nos autos.”matéria de facto alegada e não demonstrada, e com a qual a A se conformou.
*
Subscrevemos por isso o que ficou a constar da decisão recorrida sobre a matéria, de que “…os danos de natureza não patrimonial são os danos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado e apenas podem  ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, que funciona como uma satisfação. Dispõe o artigo 496.º n.º 1 do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; caso em que o montante da indemnização será ficado equitativamente pelo tribunal. 
No caso concreto, resultou provado que, na sequência do acidente, a demandante sofreu várias lesões, foi-lhe fixado em 386 dias o período de défice funcional temporário total, sofreu um quantum doloris de grau 5 em 7, está afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos,  ficou com um dano estético permanente de grau 3 em 7, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é  fixável no grau 2 em 7,   carecendo de ajuda de terceira pessoa não especializada, por 3 horas diárias. A A. esteve internada no hospital por  2 meses,  onde foi submetida a cirurgia e tratamentos vários, a que se seguiu um internamento em unidade de cuidados continuados, apenas voltando para sua casa volvidos mais de 2 anos do sinistro, carecendo agora  de ajuda nas lides da casa e para tomar banho. A A. não mais pode realizar as tarefas no campo que antes realizava, vivendo agora mais triste e frustrada, devendo levar-se em conta que apesar dos seus 81 anos, ainda gozava de grande autonomia e vivacidade.
 São, portanto, vários os danos de natureza não patrimonial sofridos pela demandante, danos esses que são gravosos, pelo que são indemnizáveis nos termos legais.
Recorrendo às regras da equidade e tendo em atenção as considerações acima tecidas, considera-se adequado fixar (nos termos do n.º 3 do artigo 496.º n.º 1 e do artigo 494.º do Código Civil) em 25.250,00€, o valor a arbitrar à demandante por tais danos…”.
*
E consideramos que, de acordo com a matéria de facto dado por provada, a indemnização fixada afigura-se-nos justa e equitativa, pelo que deverá a mesma ser mantida.
*
Em conclusão, perante a matéria de facto provada (e não provada), consideramos que a decisão recorrida não poderia ser outra que não a que foi proferida.
Assim sendo, concluímos pela improcedência da apelação e pela confirmação da decisão recorrida.
*
IV- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas da Apelação pela recorrente (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
*
Sumário do Acórdão:

I- A prova pericial visa auxiliar o julgador na decisão das questões que se encontram subtraídas ao seu domínio técnico-científico, por o seu esclarecimento estar dependente do recurso a outras áreas do saber ou da técnica.
II- O art.º 467º nº 3 do CPC determina que “As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta” (Lei nº 45/2004, de 19-08).
III- Ao determinar a entidade por quem devem ser realizadas as perícias médicas, (Instituto Nacional de Medicina Legal/Gabinetes Médico-legais) o legislador teve comprovadamente em conta que se trata de uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo a quem a elas recorre um elevado padrão de qualidade científica.
IV- Quanto aos danos de natureza não patrimonial, se dos factos alegados para fundamentar a indemnização peticionada - que considerava justa para ressarcir/compensar os seus sofrimentos -, a A apenas logrou provar parte deles, é razoável e coerente que se tenha fixado uma indemnização proporcional à quantia peticionada, com relação aos danos efetivamente sofridos (com respeito, ademais, pelo princípio da limitação do pedido, consagrado no art.º 609º nº 1 do CPC).
*
Guimarães, 14.3.2024