Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
48/11.0TBVNC-G.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE BENS
NULIDADE PROCESSUAL
QUESTÃO NOVA
DIREITO DE REMIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Não há que confundir “nulidades da sentença” com “nulidades processuais”.
II – Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no nº 1 do art. 615º do CPC, possuindo um regime próprio de arguição plasmado nos arts. 615º/3, 666º e 671º/3 do mesmo diploma.
III – Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos arts. 186º e ss. e 195º e ss. do mesmo corpo normativo.
IV – O regime de arguição das nulidades processuais principais, típicas ou nominadas vem contemplado nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC, sendo que as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas -, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º -, só produzem nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame e discussão da causa, possuindo o respectivo regime de arguição regulado pelo art. 199º do mesmo diploma.
V – O direito de remição regulado nos arts. 842º a 845º do CPC é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de inventário.
VI – O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 842º do CPC, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

Nos autos de Inventário/Partilha de bens em casos especiais (1) para partilha de bens do extinto casal, em que são interessados a requerente C. B. e o requerido/ex-marido M. A., foi designado este para o exercício de funções de cabeça de casal. O processo corre por apenso a uma execução, em que é exequente D. P. e executados os ex-cônjuges M. A. e C. B., tendo esta, notificada para o disposto no art. 825º/5 do CPC vindo requerer se procedesse à separação dos bens do extinto casal.

Os autos de inventário tiveram a sua legal tramitação, tendo no dia da conferência de interessados realizada, os ex-cônjuges acordado na venda extrajudicial do imóvel que fora a casa de morada de família.

No decurso das diligências com vista à venda do imóvel em causa, foi proferido em 13-01-2021, o seguinte despacho:
Em Dezembro de 2015 foi determinada a venda do imóvel em causa pelo valor base de €126.000,00, sendo aceites propostas de valor superior a 85% daquele.
Decorridos 5 anos, com várias propostas, não cumpridas, incidentes, pedidos de espera, etc, foi agora apresentada pelo Sr EV proposta de €75.000,00.
Atento o tempo decorrido para a realização e concretização da venda pelo melhor preço; que o presente inventário para separação de meações, corre por apenso a uma execução, entende-se que a proposta apresentada é razoável, considerando que em 2015 seriam aceites propostas de €107.100,00.
Pelo exposto, decide-se aceitar a proposta apresentada pelo Sr Encarregado da Venda supra identificada, notificando-se o mesmo para encetar as diligências necessárias à formalização da venda.
Notifique

Posteriormente, em 12-02-2021, foi proferido o seguinte despacho:
Notifique a interessada, possuidora do imóvel cuja venda foi ordenada, nos precisos termos requeridos pelo Sr. Encarregado da Venda, com cominação legal de multa por falta de colaboração com o Tribunal no caso de não cumprimento do ordenado: facilitar a avaliação do imóvel e acesso ao seu interior, com aviso prévio por parte do Sr. Encarregado da Venda, a fim de viabilizar a venda já determinada.

Em 4-03-2021, é apresentado o seguinte requerimento:
I. S., filha de M. A. e de C. B., respectivamente Executado e Requerente nos presentes autos, e tendo tomado conhecimento do douto despacho de V. Exa. datado de 06/02/2021, vem, muito respeitosamente, formalizar e exercer o seu Direito de Remição sobre o bem em venda.
Para o efeito, a ora Requerente junta comprovativo de depósito do valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), conforme resulta do campo das custas judiciais do formulário de que este requerimento é anexo, bem como certidão de nascimento relativa à sua qualidade.
A Requerente protesta juntar Procuração Forense a favor da aqui signatária em 3 dias.

A que se segue em 05-03-2021, o seguinte despacho:
Reqº que antecede:
A presente acção configura um processo especial de separação dos bens comuns do ex-casal, é certo que por apenso a uma execução.
No dia da conferência de interessados realizada no dia 4/3/2015, acordaram os ex-cônjuges na venda extrajudicial do imóvel em causa. Não tendo conseguido tal desiderato, optaram os ex-cônjuges pela sua venda judicial (21/9/2015), o que veio a concretizar-se finalmente – cf. despacho de 13/1/2021.
Ora, atendendo à natureza do presente processo, que se trata de uma venda voluntária e acordada pelos ex-cônjuges, proprietários em comum dos imóveis objecto da venda, e atendendo aos fundamentos do direito de remição (cf. artigos 842º e ss CPC) que apenas opera no âmbito do processo executivo, entende-se que não assiste à requerente tal direito.
Ao presente processo apenas se aplicam as regras do processo de execução relativamente às formas da venda e do incidente de reclamação de créditos – artigo 549º, nº2 CPC.

Por outro lado:
Este «instituto incidental da remição analisa-se na faculdade de, potestativamente, determinados interessados poderem fazer-se substituir ao adjudicatário ou ao comprador, na preferencial aquisição de bens penhorados, mediante o pagamento do preço por eles oferecido» - cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05/06/2008, in www.dgsi.pt/jtrg. Quanto à natureza do direito de remição, veja-se Alberto dos Reis, in «Processo de Execução», Vol. II, pág. 477: “Analisando o art. 912 do C.P.C., verifica-se que o direito de remição é nitidamente um benefício de carácter familiar. Dá-se ao cônjuge do executado e aos descendentes e ascendentes deste o direito de adquirir para si os bens adjudicados ou vendidos, pelo preço da adjudicação ou da venda. Na sua actuação prática, o direito de remição funciona como um direito de preferência: tanto por tanto os titulares desse direito são preferidos aos compradores ou adjudicatários. A família prefere aos estranhos. Porque admitiu a lei esta preferência a favor da família? A razão é clara. Quis-se proteger o património familiar; quis-se evitar que os bens saíssem para fora da família”. Como ensina, Lebre de Freitas in, “A Acção Executiva” à luz do Código revisto, 3ª ed., pág. 281 e 282, «a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha recta do executado um especial direito de preferência, denominado direito de remição, o qual, tendo por finalidade a protecção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado».
A protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é, deste modo, o objectivo da consagração legal do direito de remição.
Ora, estando em causa uma venda acordada entre os ex-cônjuges, não há lugar ao direito de remição.
Por último, sendo certo que a requerente junta uma referência de um DUC, não faz prova efectiva do pagamento do preço da venda.
Pelo que se indefere ao requerido.
Notifique, incluindo o Sr. Encarregado da Venda.
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Notificada do transcrito despacho de 5-03-2021, a requerente I. S. veio nesse mesmo dia juntar comprovativo do pagamento do DUC em causa, que se encontrava pago desde o dia 4-03-2021, quando veio formalizar e exercer o seu Direito de Remição sobre o bem em venda.
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Inconformada com o acima transcrito despacho de 5-03-2021, veio I. S. interpor recurso de apelação, finalizando as suas alegações com a apresentação das seguintes conclusões:

I- A Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da Pandemia da doença Covid-19.
II- A citada Lei produz os seus efeitos desde 22 de Janeiro de 2021, encontrando-se nesta data ainda em vigor.
III- Nos termos do artigo 6º-B, nº11 da mesma lei, estão suspensos os atos relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial de casa de morada de família.
IV- Os autos de que se recorre dizem respeito à casa de morada de família da Recorrente.
V- Maxime, atente-se no despacho datado de 12/02/2021, o qual comina em multa a mãe da Recorrente no caso de esta não permitir a entrada de terceiros em sua casa,
VI- Tudo isto, em pleno pico pandémico, em que morriam mais de 300 pessoas por dia vitimas da SarsCov2 e com milhares de infeções a serem reportadas diariamente.
VII- Ou seja, os despachos identificados nas alegações supra promoveram, ilegalmente, atos relativos à entrega da casa de morada de família da Recorrente, violando flagrantemente o disposto na Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
VIII- Termos em que, devem ser declarados nulos e sem qualquer efeito os Despachos de 12/02/2021 e 05/03/2021 e todas as diligências decorrentes dos mesmos, designadamente, as destinadas à entrega da casa de morada de família da Recorrente.

Sem prescindir,
IX- A aqui Recorrente foi notificada, em 05/03/2021, do despacho dos autos com a referência 46569474, nos termos do qual se conclui pelo indeferimento do exercício do seu direito de remição.
X- Tal decisão recaiu sobre aquela que sempre foi e é a sua habitação/casa morada de família desde sempre.
XI- Os pais de Recorrente encontram-se divorciados desde 28/10/2010.
XII- A Recorrente, a sua mãe e o seu irmão ficaram a residir no imóvel objeto dos presentes autos após o mencionado divórcio.
XIII- Em finais de fevereiro de 2011, a mãe da Recorrente foi surpreendida por uma execução contra si e o seu ex-marido, que visava a penhora do imóvel aqui em causa.
XIV- Execução essa, cujos presentes autos são apensos.
XV- Citada para tal execução, foi a mãe da Recorrente instada a requerer a separação da sua meação.
XVI- O que fez, dando origem aos presentes autos.
XVII- Mas mais, no âmbito da dita execução veio-se apurar que a assinatura da mãe da Recorrente no título executivo não era dela, era falsa.
XVIII- Naturalmente, a mãe da Recorrente foi expurgada da dita execução, isto é, dos autos principais, correndo a mesma única e exclusivamente contra o pai da aqui Recorrente.
XIX- Assim, no decorrer destes autos acabou por ser determinada a venda judicial do imóvel em 21/09/2015.
XX- Note-se que, a execução que os presentes autos se encontram apensos impulsionou e culminou na necessidade da venda do referido imóvel.
XXI- E que, será a venda nestes autos que visará o pagamento da quantia exequenda (ainda que parcial- quota parte do ex-marido da mãe da Recorrente).
XXII- Em 27/01/2020 a Recorrente apresentou conjuntamente com o seu irmão requerimento manifestando a sua intenção em exercerem o seu direito de remissão.
XXIII- Tal requerimento, foi alvo do seguinte despacho da Exma. Sra. Dra. Juíza a quo:
“Indefere-se ao exercício do direito de remição relativamente a metade do bem objecto da venda, porquanto em causa não está uma venda judicial, coerciva, mas uma venda por acordo da totalidade do bem, pelo que o exercício do direito de remição, nas condições em que está requerido sempre estaria dependente do acordo das restantes partes, incluindo do credor interessado também na partilha e foi ordenada a formalização da venda em Novembro de 2019, sendo que nos termos do artigo 842º, nº1, al. b) e nº2 do CPC o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
In casu, os requerentes, não depositaram nem a totalidade, nem metade do valor aceite, anunciando que ainda vão recorrer a um empréstimo bancário para o efeito.
Pelo exposto, indefere-se ao exercício do direito de remição nas condições em que foi requerido.
Notifique, sendo ainda o Sr. Encarregado para vir aos autos informar o estado da formalização da venda.”
XXIV- Perante tal despacho, a Recorrente apresenta novo Requerimento em 03/02/2020 informando que obteve o acordo do Exequente para o exercício do seu direito de remição.
XXV- A que a Exma. Dra. Juíza a quo despachou da seguinte forma, “Aguardem os autos o decurso do prazo do contraditório para que o cabeça de casal se pronuncie.
Notifique pela via mais expedita o Sr. Encarregado da Venda para suspender a realização da venda até nova indicação, caso ainda não a tenha realizado e bem assim para juntar aos autos nota de honorários e despesas.”
XXVI- A Exma. Sra. Dra. Juíza a quo suspendeu a venda, aguardando que o cabeça de casal se pronunciasse, isto é, se este dava o seu acordo ao direito de remição exercido pela ora Recorrente, sua filha.
XXVII- O cabeça de casal, único a ser executado nos autos, apesar de ser pai da Recorrente, não deu o seu acordo, sob o pretexto de que o valor atribuído ao imóvel era muito baixo e apresentou um pretenso comprador para o mesmo.
XXVIII- Vilmente colocando em causa o lar dos seus filhos, no caso concreto, a Recorrente, pois nenhuma das pretensas propostas apresentadas por este foram materializadas.
XXIX- Em nenhum dos despachos anteriores a Sra. Dra. Juíza fechou a porta ao direito de remição da Recorrente, sendo que num deles inclusivamente ordenou a suspensão da venda, para contraditório do executado e cabeça de casal.
XXX- Os despachos da Exma. Senhora Dra. Juíza a quo sempre deram a entender à Recorrente que o seu direito de remição existia.
XXXI- Senão, atente-se, nos termos dos despachos da Exma. Sra. Dra. Juíza a quo:
- “o exercício do direito de remição, nas condições em que está requerido sempre estaria dependente do acordo das restantes partes, incluindo do credor interessado também na partilha”;
- “o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.”;
- “Pelo exposto, indefere-se ao exercício do direito de remição nas condições em que foi requerido.”;
XXXII- Posto isto, e perante o despacho da Exma. Sra. Dra. Juíza de 13/01/2021,
Em Dezembro de 2015 foi determinada a venda do imóvel em causa pelo valor base de €126.000,00, sendo aceites propostas de valor superior a 85% daquele.
Decorridos 5 anos, com várias propostas, não cumpridas, incidentes, pedidos de espera, etc, foi agora apresentada pelo Sr EV proposta de €75.000,00.
Atento o tempo decorrido para a realização e concretização da venda pelo melhor preço; que o presente inventário para separação de meações, corre por apenso a uma execução, entende-se que aproposta apresentada é razoável, considerando que em 2015 seriam aceites propostas de €107.100,00.
Pelo exposto, decide-se aceitar a proposta apresentada pelo Sr Encarregado da Venda supra identificada, notificando-se o mesmo para encetar as diligências necessárias à formalização da venda.
Notifique.
XXXIII- Perante tal despacho, entendeu a Recorrente, que todos os “entraves” colocados nos anteriores despachos da Exma. Sra. Dra. Juíza a quo tinham sido ultrapassados, e que finalmente poderia exercer o seu direito de remição, que acabara de nascer com a aceitação de uma proposta.
XXXIV- Isto é, já não carecia do acordo de todos os intervenientes, pois a Exma. Sra. Dra. Juíza a quo decidiu adjudicar o imóvel à proposta apresentada pelo Sr. Encarregado da Venda no montante de 75.000,00€.
XXXV- A Recorrente renova, então, o seu direito de remição nos autos, depositando a totalidade do preço em 04/03/2021, conforme documentos dos autos.
XXXVI- Inacreditavelmente, a Exma. Sra. Dra. Juíza a quo decide que
Ora, estando em causa uma venda acordada entre os ex-cônjuges, não há lugar ao direito de remição.”
Por último, sendo certo que a requerente junta uma referência de um DUC, não faz prova efetiva do pagamento do preço da venda.”
XXXVII- Questiona-se porque nunca, em nenhuma das constantes tentativas da Recorrente em remir, foi dito pela Exma. Sra. Dra. Juíza que esse direito não existia?
XXXVIII- Muito pelo contrario, foi sendo sempre criada ao longo dos autos, essa expectativa na esfera da Recorrente.
XXXIX- Pois se não havia lugar ao direito de remição porque foram suspensos os autos através do despacho de 03/02/2020?
XL- Se não existia direito de remição porque despachou a Exma. Sra. Dra. Juíza:
Indefere-se ao exercício do direito de remição relativamente a metade do bem objecto da venda, porquanto em causa não está uma venda judicial, coerciva, mas uma venda por acordo da totalidade do bem, pelo que o exercício do direito de remição, nas condições em que está requerido sempre estaria dependente do acordo das restantes partes, incluindo do credor interessado também na partilha.”
Por outro lado, verifica-se que foi ordenada a formalização da venda em Novembro de 2019, sendo que nos termos do artigo 842º, nº1, al. b) e nº2 do CPC o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito. (sublinhado nosso)
In casu, os requerentes, não depositaram nem a totalidade, nem metade do valor aceite, anunciando que ainda vão recorrer a um empréstimo bancário para o efeito.
Pelo exposto, indefere-se ao exercício do direito de remição nas condições em que foi requerido (sublinhado nosso)
XLI- Ora, perante o Despacho de 13/01/2021, e estando afastada a necessidade de acordo das partes para o direito de remição, pressuposto exigido pela Exma. Sra. Dra. Juíza a quo, através da sua decisão de 13/01/2021 que adjudicou a venda do imóvel por 75.000,00€.
XLII- No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14/07/2014, no âmbito do processo 2741/11.8TBPBL-I.C1, disponível em www.dgsi.pt, pode ler-se o seguinte:
A finalidade conspícua do direito de remição - que prevalece sobre o direito de preferência - é a protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens objecto de execução do âmbito da família do executado.”
“(…) o direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor. Homenagem justa, porque evita a desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores.”
O direito de remição pressupõe, sempre, uma venda coactiva ou forçada de bens do devedor, com a finalidade de com o produto da sua venda se dar satisfação aos credores. Mas a estes é de todo indiferente a origem do dinheiro com que vão ser pagos os seus créditos: quer o dinheiro provenha dos compradores ou antes dos cônjuges, descendentes ou ascendentes do devedor, para os credores é a mesma coisa.”
XLIII- No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/11/2018, no âmbito do processo 2387/16.4T8CBR-E.C1, disponível em www.dgsi.pt, pode ler-se sobre o direito de remissão o seguinte:
É um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens, que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência e que permite aos familiares mais próximos do executado preterir a proposta de compra apresentada por terceiros, evitando que os bens saiam da família e integrem património de estranhos.”
XLIV- Dispõe o artigo 842º do Código de Processo Civil que:
ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou partes deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
(negrito e sublinhado nosso).
XLV- Ademais, e como ensina, Lebre de Freitas, a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha reta do executado um especial direito de preferência, denominado direito de remição, o qual, tendo por finalidade a proteção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado.
XLVI- E sendo certo que na ação executiva promove-se, em geral, a realização coativa de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e excutidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda.
XLVII- Não é menos verdade que, e salvo melhor entendimento, com o presente apenso o credor vai ver satisfeito o seu direito a uma prestação.
XLVIII- Isto porque o Tribunal a quo determinou a adjudicação/venda do bem penhorado nos autos principais e objeto do presente apenso por 75.000,00€.
XLIX- Com o devido respeito, não seria lógico e compreensível que podendo a aqui Recorrente – filha do executado/cabeça-de-casal – exercer o direito de remição na execução singular, não o possa de igual modo exercer no âmbito do presente apenso de inventário, em que o bem será vendido a um terceiro desconhecido.
L- De resto, sendo o bem vendido/adjudicado, como o será, e seria seguramente na ação executiva, não há razão séria, para neste caso, não se admitir o exercício, no contexto do processo de inventário, do direito de remição, dado que tudo se passa como se a venda fosse feita em processo de execução, venda que é a condição e o requisito essencial de que depende o direito de remição.
LI- Choca o mais elementar sentido de justiça que, a venda efetuada na execução, não seja também ela considerada quando é realizada num seu apenso, por ela promovida, que visará sempre o mesmo objetivo, o pagamento da quantia exequenda.
LII- Outra interpretação que não a mencionada no ponto anterior ficará irremediavelmente ferida de inconstitucionalidade, que desde já se invoca.
LIII- Pois que fere o mais elementar sentido de justiça que a venda que ocorre no processo executivo possa ser alvo de remição e não aquela que é impulsionada, promovida e apensada à mesma.
LIV- A assim não ser considerado estaremos, desde logo, perante uma dupla violação do direito a habitação,
LV- Uma, na sua vertente mais significativa enquanto "direito económico, social e cultural", ou seja, no direito dos cidadãos deterem uma habitação adequada e condigna a realização da condição humana, em termos de preservar a intimidade pessoal, a vivência e a privacidade familiar, que o direito de remição pretende também salvaguardar.
LVI- E depois, o dever do Estado ou terceiros se absterem a não praticarem atos que possam prejudicar a efetiva realização daquele direito.
LVII- Será ainda inconstitucional porque viola a vertente do direito à proteção da família no que respeita à habitação.
LVIII- Pelo que deverá em absoluto ser admissível o exercício do direito de remição efetuado nos autos.
LIX- Impõe-se e urge, pois, declarar a nulidade do teor dos despachos datados de 12/02/2021 e 05/03/2021, por violação do artigo 6-B, n.º 11, da Lei 6-B/2021, de 1 de fevereiro e,
LX- Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se impõe, revogar o teor do despacho de 05/03/2021 do Tribunal a quo, substituindo por outro que admita e defira o direito de remição exercido pela Recorrente, repondo-se a justiça e a legalidade.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado e, em consequência, serem declarados nulos os teores dos despachos de 12/02/2021 e 05/03/2021, por violação do artigo 6-B, n.º 11, da Lei 6-B/2021, de 1 de fevereiro, bem como revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que indefere o direito de remição da Recorrente, substituindo por outro que o permita, tudo com as devidas e legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Exas. inteira Justiça.
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se relativamente à arguida nulidade.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que:
- se declarem nulos e sem qualquer efeito os Despachos de 12/02/2021 e 05/03/2021, por violarem flagrantemente o disposto na Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro;
- se reaprecie o mérito do despacho de 05/03/2021, cujo teor entende dever ser revogado e substituído por outro, que admita e defira o direito de remição exercido pela Recorrente.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A – Da nulidade dos Despachos de 12/02/2021 e 05/03/2021, por violarem flagrantemente o disposto na Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro – art. 195º/1 e 2 do Código de Processo Civil

Prescreve o art. 195º do CPC, nos seus nºs 1 e 2 e cuja epígrafe é “Regras gerais sobre a nulidade dos actos” que:

1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
Entende a recorrente que o Tribunal, ao proferir os despachos de 12/02/2021 e 05/03/2021, violou o disposto na Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, pelo que, devem os mesmos ser declarados nulos e sem qualquer efeito e todas as diligências decorrentes dos mesmos, designadamente, as destinadas à entrega da casa de morada de família da Recorrente.
Em causa está uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença [nulidade de processo é a invalidade resultante da omissão de um acto de processo prescrito na lei ou a prática de um acto de processo contrário ao por ela estabelecido ou de uma irregularidade cometida no processo que possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º/1 do CPC); já a nulidade da sentença é um vício intrínseco dela como tal tipificado na lei art. 615º/1, als. a) a e) do CPC)].
Coloca-se, pois, desde já, a questão da tempestividade da sua arguição.
Com efeito, quando na presença de uma nulidade processual, e não se verificando a situação a que alude o nº 3, do art. 199º do CPC, deve a mesma ser arguida pelo interessado perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto no art. 149º/1 do mesmo Código, que não suscitar o referido vício em sede de instância recursória.
Como é entendimento pacífico, quer na doutrina (2), quer na jurisprudência dos nossos tribunais superiores (3), e sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, os recursos visam possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas/julgadas no tribunal a quo, não se destinando eles, portanto, a conhecer de questões novas, ou seja, de questões que não tinham sido, nem o tinham que ser (porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida.
Dito de uma outra forma, e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado) à apreciação do tribunal a quo (nova, portanto).
Concluindo, no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem pois como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que não o de reexame (4).
Debruçando-nos, agora, sobre a presente situação, constacta-se que a apelante, apesar de considerar que a montante da decisão apelada foi cometida uma nulidade processual, maxime, a violação do disposto na Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, cuja prática estava vedada ao tribunal a quo, não a suscitou/reclamou porém junto da primeira instância, antes só agora a vem arguir (qual arguição/reclamação per saltum) junto do tribunal ad quem e já em sede de instância recursória de apelação.
Ora, ao enveredar pela referida estratégia como forma de erradicar eventuais nulidades processuais pretensamente cometidas em sede de tramitação dos autos em primeira instância, e não tendo junto do tribunal a quo do respectivo cometimento reclamado, ao fim e ao cabo coloca o apelante ao tribunal ad quem uma questão nova, maxime porque não submetida à apreciação do tribunal da primeira instância, e, portanto, que por ele não foi conhecida, não tendo sobre a mesma recaído uma qualquer decisão/despacho.
De resto, e a ter-se cometido a nulidade ora arguida, decorrente da prática de um acto que a lei não admita, estar-se-ia sempre perante uma nulidade secundária (5) de conhecimento não oficioso, estando a mesma dependente de arguição da parte interessada (cfr. art. 197º/1, in fine do CPC), razão porque se impunha que tivesse sido ela arguida [pois que não está a mesma - a nulidade -coberta por um despacho judicial, caso em que o meio adequado de reacção seria então a imediata interposição de recurso do mesmo despacho (6)] perante o tribunal a quo (que, in casu, não foi) e, após, do despacho que a apreciasse/decidisse, negando-a, então sim justificava-se [caso não fosse de aplicar a nova regra da irrecorribilidade a que alude o art. 630º/2 do CPC] interposição do competente recurso de apelação.
É que, em causa está a conhecida doutrina tradicional corporizada na velha máxima “dos despachos recorre-se; das nulidades reclama-se” (7).
Ao assim não agir/diligenciar, não apenas impede a recorrente que o próprio tribunal a quo, ao conhecer da reclamação de vício de nulidade que só agora aduz directamente junto do ad quem, a pudesse reparar, como, ademais, e por via oblíqua e/ou indirecta, age ainda de forma a suprimir um grau de jurisdição.
Acresce que, não sendo a recorrente parte no processo, mas um terceiro (não estava na relação processual inicial), sempre seria de prévia análise, a questão da sua legitimidade para arguir a nulidade em discussão.
Em conclusão, em razão de tudo o supra exposto, tal conduz prima facie e necessariamente à improcedência in totum das conclusões da apelante dirigidas para pretenso vício adjectivo cometido em sede de tramitação do processo (conclusões I- a VIII-).
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B – Da reapreciação do mérito do despacho de 05/03/2021, cujo teor entende dever ser revogado e substituído por outro, que admita e defira o direito de remição exercido pela Recorrente

Entende a recorrente não ter sido acertada a decisão recorrida, que findou pelo indeferimento do exercício do seu direito de remição.
De efeito, o Tribunal a quo, atendendo à natureza do presente processo, que se trata de uma venda voluntária e acordada pelos ex-cônjuges, proprietários em comum dos imóveis objecto da venda, e atendendo aos fundamentos do direito de remição (cf. artigos 842º e ss CPC) que apenas opera no âmbito do processo executivo, entendeu que não assiste à requerente tal direito, uma vez que, ao presente processo apenas se aplicam as regras do processo de execução relativamente às formas da venda e do incidente de reclamação de créditos – artigo 549º, nº2 CPC.
Quid iuris?

Entendeu o Tribunal a quo que o direito de remição apenas opera no âmbito do processo executivo, o que não é o caso, pois a presente acção configura um processo especial de separação dos bens comuns do ex-casal, é certo que por apenso a uma execução. E isto atendendo à natureza do presente processo, que se trata de uma venda voluntária e acordada pelos ex-cônjuges, proprietários em comum dos imóveis objecto da venda, e atendendo aos fundamentos do direito de remição (cf. artigos 842º e ss CPC), sendo que, ao presente processo apenas se aplicam as regras do processo de execução relativamente às formas da venda e do incidente de reclamação de créditos – artigo 549º, nº2 CPC. Concluindo que estando em causa uma venda acordada entre os ex-cônjuges, não há lugar ao direito de remição.
Ora, a interpretação que o Tribunal a quo faz do teor literal das referidas normas legais, não só não encontra respaldo doutrinal ou jurisprudencial, como não se nos afigura a mais assertiva, pois o que resulta do art. 549º/2 do CPC é, tão só, que nos processos especiais, quando haja lugar à venda de bens, se aplica o regime do processo executivo, com as necessárias adaptações (8). Não se vislumbrando a existência de qualquer especificidade da venda em processo de inventário relativamente à venda em processo executivo que determine a exclusão in totum do direito de remição. E é assim que temos visto inúmeros arestos dos tribunais superiores, onde o direito de remição opera não só na venda no âmbito do processo executivo, como também é aplicável na venda realizada no âmbito do processo de insolvência (9), bem como no processo de inventário (10). Podemos, pois, concluir, que o direito de remição regulado nos arts. 842º a 845º do CPC é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de inventário.
Logo, enquadrando-se o direito de remição no processo executivo, terá que ser no âmbito daquele direito que se terá de aferir se, in casu, a recorrente pode beneficiar do mesmo.
O direito de remição, cujo regime se encontra previsto nos arts. 842º a 845º do CPC, consiste, em linhas gerais, no reconhecimento, a determinados familiares do executado, da faculdade de adquirir os bens adjudicados ou vendidos, no todo ou em parte, pelo preço por que tiver sido feita aquela adjudicação ou venda (art. 842º do CPC) (11). Este direito é concedido ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado, com a finalidade de proteger o património familiar, para evitar que os bens penhorados abandonem esta esfera (12). Para tal, o cônjuge, ascendentes ou descendentes têm o direito de remir sobre os bens que foram adjudicados ou vendidos se, para tanto, liquidarem os mesmos valores que seriam pagos pelo adjudicatário ou pelo comprador. O legislador pretende, assim, evitar aquelas situações desviantes, em que o executado nada faz para prevenir a penhora dos seus bens, na esperança de que o preço da sua aquisição, pelos seus familiares directos, fique aquém do seu valor em dívida, prejudicando os interesses do exequente (13). Consequentemente, o direito de remição só pode ser exercido em relação à proposta de valor mais alta que seja apresentada pelo comprador ou adjudicatário, ou seja, o possível remidor não pode exercer o seu direito pelo valor base anunciado para venda, nem o pode fazer se não forem apresentadas propostas concretas de compra ou adjudicação (14). O exercício do direito de remição implica que o cônjuge do executado tenha a posição de terceiro naquela acção executiva, pelo que, se ambos os cônjuges forem executados, nenhum deles pode exercer aquele direito relativamente aos bens que foram penhorados. Pode, ainda, o cônjuge do executado usufruir deste direito processual mesmo no caso de o regime de bens do casamento, que vigore entre os cônjuges, ser o da separação de bens e, também, nas situações de separação de facto ou de separação judicial de bens (15).
Assim, in casu, existe o direito de remissão pela requerente da casa de morada de família, onde permaneceu a residir com a mãe e irmão, após o divórcio dos pais, sendo a casa de morada de família o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar, não perdendo essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado e de a casa ter assim deixado de ser, de facto, a morada da família (16). Direito que exerceu tempestivamente, depositando integralmente o preço no momento da remição, o que era condição de validade do exercício do direito [cfr. art. 843º/1, b) do CPC].
Logo, reconhecendo-se o direito de remição exercido validamente pela requerente I. S., impõe-se revogar a decisão recorrida.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Não há que confundir “nulidades da sentença” com “nulidades processuais”.
II – Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no nº 1 do art. 615º do CPC, possuindo um regime próprio de arguição plasmado nos arts. 615º/3, 666º e 671º/3 do mesmo diploma.
III – Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos arts. 186º e ss. e 195º e ss. do mesmo corpo normativo.
IV – O regime de arguição das nulidades processuais principais, típicas ou nominadas vem contemplado nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC, sendo que as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas -, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º -, só produzem nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame e discussão da causa, possuindo o respectivo regime de arguição regulado pelo art. 199º do mesmo diploma.
V – O direito de remição regulado nos arts. 842º a 845º do CPC é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de inventário.
VI – O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 842º do CPC, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decidem os Juízes desta secção cível, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, julgando-se validamente exercido o direito de remição por parte da recorrente.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 10-02-2022

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)



1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, V.Castelo - JC Cível - Juiz 1
2. Cfr. designadamente o Prof. João de Castro Mendes, in "Recursos", edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e ss.; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I , 2ª Edição, pág. 566; Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, págs. 153 a 158; Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81 e António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, págs. 103 e ss.
3. Cfr. v.g. e de entre muitos outros: os Acs. do STJ 07-07-2009 e de 28-05-2009 (proc. nº 160/09.5YFLSB), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ibidem.
5. Como bem se refere no Ac. de 2-07-2009 do TRL, disponível in www.dgsi.pt “Fora das situações enunciadas nos artigos 193º a 200º CPC, que integram as nulidades principais, dispõe o nº 1 do artigo 201º CPC, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas). As nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependente de arguição da parte interessada, como decorre da parte final do artigo 202º CPC. As nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, e do despacho que as apreciar é que cabe recurso.
6. É que, “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se, cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. II, pág. 507 e ss.
7. Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág. 183.
8. Cfr. neste sentido, Ac do STJ de 8-09-2021, proc. nº. 446/09.9TMFAR-A.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
9. Cfr. os Acs. do TRP de 11-03-2021 in proc. nº. 3448/10.9TBVCD-E.P1, do TRE de 11-07-2019 in proc. nº. 238/17.1T8ETZ-I.E1 e do TRC de 14-07-2014 in proc. nº. 2741/11.8TBPBL-I.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
10. Cfr. o Ac. do TRE de 26-01-2017 in proc. nº. 671/07.7TBSTC-C.E1, disponível em www.dgsi.pt.
11. Vd. Salvador da Costa, in “A Venda Executiva, os Direitos Reais de Aquisição e os Direitos de Remição”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 1236.
12. Vd. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º - Artigos 676.º a 943.º, Coimbra Editora, 2003, pág. 621.
13. Vd. Salvador da Costa, in “A Venda Executiva…”, ob. cit., pág. 1236.
14. Cfr. Manual de Boas Práticas – A Venda Executiva (Parte II), Câmara dos Solicitadores Lisboa, Abril de 2012, disponível no endereço eletrónico solicitador.net/uploads/cms_page_media/808/manual%20sobre%20ª %20venda%202.pdf, pág. 30.
15. Discute-se se o direito de remição deve ser atribuído ao cônjuge do executado, se este o requerer quando já existe sentença declarativa de divórcio, não transitada em julgado. Salvador da Costa defende que, nestes casos, tendo em conta que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da sentença, a decisão sobre a remição deve ser suspensa até aquele trânsito em julgado, pois o casamento entre o executado e o requerente não está dissolvido, no momento do requerimento, o que o legitima (in “A Venda Executiva…”, ob. cit., pág. 1239). Em sentido diverso, Lebre de Freitas não considera que a determinação do adquirente do bem, por um preço já previamente determinado, seja de tal forma importante que justifique a suspensão do processo, sendo que “os pressupostos do divórcio potestativo devem verificar-se à data do seu exercício, sem prejuízo de serem consideradas as alterações que ocorram até ao momento do reconhecimento do direito” (in “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 385, nota 12).
16. Cfr., neste sentido, o Ac. desta RG de 3-12-2009, in proc. nº. 4738/03.2TBVCT.G1 e disponível em www.dgsi.pt.