Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
134/18.5JAVRL.G1
Relator: CARLOS CUNHA COUTINHO
Descritores: JULGAMENTO
LEITURA DO DEPOIMENTO DO AGENTE ENCOBERTO
PERDA ALARGADA
PRESUNÇÃO DE VANTAGEM DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Regime jurídico das acções encobertas: tendo em conta o interesse público visado no regime especial nas acções encobertas, é permitida a leitura na audiência de julgamento dos autos de inquirição dos agentes encobertos levados a cabo durante a fase do inquérito, sobre o que presenciaram durante a acção encoberta;
II – Instituto da perda alargada: não é necessário provar o rendimento lícito do arguido para se poder concluir que houve uma vantagem ilícita resultante da actividade criminosa porque se presume – presunção “juris tantum” - constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento declarado.
III- Quando o Tribunal aplica o regime da perda alargada previsto no diploma acima citado, não está a condenar o arguido numa sanção penal porque ao decidir o “incidente de declaração de perda alagada”, já navega a jusante da condenação penal, não havendo qualquer violação dos princípios da presunção de inocência, do direito ao silêncio do arguido, nem da própria estrutura acusatória do processo penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
A) Relatório:

1) Nos presentes autos vindos do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., no Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo com o n.º 134/18.5JAVRL:
1.1) Foi proferido em 30/01/2023, durante a audiência de julgamento, um Despacho interlocutório que decidiu indeferir uma irregularidade invocada pelo arguido BB, “por violação do artigo 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal”;
1.2) Foi proferido em 06/02/2023, durante a audiência de julgamento, um Despacho interlocutório que decidiu indeferir uma irregularidade invocada pelo arguido BB, “por violação do artigo por violação dos artigos 56.º, 262.º, 275.º, 356.º, 357.º, 358.º e 359.º, todos do Código de Processo Penal”;
1.3) Realizada a audiência de julgamento, foi proferido um acórdão condenatório, datado de 30/06/2023, onde, além do mais, se decidiu:
(…)
d) Absolver o arguido BB da prática em co-autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas agravado previsto e punido pelo artigo 87º nºs 1 e 2 alínea c) do RJAM de que vinha acusado; 
e) Absolver o arguido BB da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de que vinha acusado; 
f) Convolar a sua conduta e em consequência, condenar o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º e à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, em conjugação com o n.º 1 do artigo 14.º e com o artigo 26.º do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; 
g) Condenar o arguido BB pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; 
Em cumulo jurídico das penas de prisão referidas em f) e g), ao abrigo do disposto nos artigos 77º do Código Penal na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão;                                                                                                                                              
h) Absolver o arguido CC da prática em co-autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de que vinha acusado; 
i) Condenar o arguido CC pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período (artigos 50º nºs 1, e 5 do C.P.)  
 j) Condenar o arguido DD pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova (artigos 50º nºs 1, e 5 e 53º do C.P.). 
m) Absolver o arguido EE da prática em co-autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM de que vinha acusado;  
n) Absolver o arguido EE da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de que vinha acusado; 
o) Convolar a sua conduta e em consequência, condenar o arguido EE pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º e às Tabelas I-A e I-C anexa ao mesmo diploma legal, em conjugação com o n.º 1 do artigo 14.º e com o artigo 26.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.  
 p) Absolver o arguido FF da prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nºs 1 e 2 alínea a) do RJAM e um crime de corrupção passiva previsto e punido pelo artigo 373º nº 1 do C.P. de que vinha acusado;  
q) Condenar o arguido FF pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do C. Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova (artigos 50º nºs 1, e 5 e 53º do C.P.) 
x) Absolver o arguido GG da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de que vinha acusado; 
y) Convolar a sua conduta e em consequência, condenar o arguido GG pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º e à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, em conjugação com o n.º 1 do artigo 14.º e com o artigo 26.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e com a imposição ao arguido, dos deveres de conduta de se manter abstinente do consumo de estupefacientes e bem assim realizar o tratamento à sua adição, se tal vier a ser julgado necessário e adequado pelas entidades competentes a procederem a tal avaliação (cfr. artigo 50º nºs 1 a 5, 53º e 54º do CP). 
dd) Julgar o incidente de declaração de perda ampliada deduzido parcialmente procedente em relação ao arguido BB e, em consequência, declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 192.287,26 (cento e noventa e dois mil, duzentos e oitenta e sete euros e vinte e seis cêntimos) e condenar este arguido a pagar esta quantia monetária ao Estado, absolvendo-o do demais peticionado pelo Ministério Público.  
ee) Julgar o incidente de declaração de perda ampliada deduzido parcialmente procedente em relação ao arguido CC e, em consequência, declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 249.213,94 (duzentos e quarenta e nove mil, duzentos e treze euros e noventa e quatro cêntimos) e condenar este arguido a pagar esta quantia monetária ao Estado, absolvendo-o do demais peticionado pelo Ministério Público.  
ff) Julgar o incidente de declaração de perda ampliada deduzido totalmente procedente em relação ao arguido DD e, em consequência, declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 25.159,99 (vinte e cinco mil, cento e cinquenta e nove euros e noventa e nove cêntimos) e condenar este arguido a pagar esta quantia monetária ao Estado. 
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2. Recursos dos Despachos interlocutórios:

Recurso do Despacho interlocutório de 30/01/2023:
2.1) Inconformado com o despacho interlocutório de 30/01/2023, veio o arguido BB apresentar recurso em /2023, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:
A) Da irregularidade prevista no art.º 123º do CPP por violação dos art.ºs 58º, n.º 5, 59 e 249º do CPP
A1) Transcreveu-se supra, no prevalecente, as vicissitudes ocorridas em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 30/1/2023, Ref. Citius n.º 37821633 e que aqui, por brevidade se dão aqui por reproduzidas. 
A2) A irregularidade suscitada pelo arguido recorrente foi indeferida pelo Tribunal Colectivo, em síntese, por a acção encoberta constituir um meio de prova autónomo, especialmente previsto no art.º 101/2001, de 25/8, não tendo os agentes encobertos actuado como órgãos de polícia criminal, pelo que não é subsumível no art.º 356.º, n.º 7 do CPP. 
A3) De seguida realizou-se um excurso teórico-jurídico acerca do estatuto processual de suspeito, do momento próprio e obrigatório para a constituição como arguido e respectivas consequências dessa omissão, que aqui se dão por reproduzidas por brevidade.
A4) Neste alinho, pela sua impressividade, citou-se João Conde Correia, in “A proibição de valoração decorrente da violação das formalidades relativas à constituição como arguido”, e-book do CEJ, Direito Penal e Processual Penal, 2012-2015, p. 87 e 89 e José Lobo Antunes in Arguido e Imputado no Processo Penal Português, pág. 184, 185 e 195; citado igualmente no Ac. do STJ de 4/1/2007, no Proc. n.º 3111/06-3º, Relator Soreto de Barros).
A5) Resulta do denominado “auto de inquirição” da testemunha “HH”, datado de 6/10/2020, prestado perante o Ministério Público, com a referência Citius n.º 417861649, a descrição de alegados encontros mantidos entre esta, a testemunha “II” e o suspeito BB, no período compreendido entre 28 de Fevereiro de 2019 e 24 de Outubro de 2019, onde terão, aparentemente concretizado negócios atinentes à compra e venda de armas e munições.
Extrai-se do mesmo, alegados comportamentos e declarações por parte do suspeito BB.
O referido auto foi lido em sede de audiência de discussão e julgamento, cfr. supra aludido.
A6) Importa referir, e de forma liminar, que o auto em questão não se insere em qualquer providência cautelar quanto aos meios de prova, não encontrando guarida no citado art.º 249º do CPP. 
A7)  Ora, antes de 6/10/2020 o então suspeito BB já deveria ter sido constituído arguido, salientando que o aí relatado versa sobre o período compreendido entre 28/2/2019 e 24/10/2019.
A8) Mais, à data da aludida inquirição (6/10/2020) já tinha sido ordenada a detenção do suspeito BB e este só não foi constituído arguido por inércia/culpa da autoridade investigadora, não podendo a falta de meios do OPC justificar o protelar dessa constituição/formalização.
A9) Não se descortina o porquê ou fundamento desse auto ter sido elaborado nessa data, e nesses termos, versando sobre eventos ocorridos há mais de um ano a não ser permitir, indevidamente, a possibilidade, de serem lidos em sede de audiência de discussão e julgamento.
A10) Por outro lado, a narração exposta no supra citado auto mais consubstancia um eventual relato, nos termos do art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25/8, violando ostensivamente o prazo aí referido na medida em que o próprio agente encoberto revela que cessou a sua intervenção em 24/10/2019, depondo quase um ano depois em sede de inquérito.
A11) E, como mera decorrência do n.º 5 do artigo 58º do CPP, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova. (Vide Ac. Da Rel. de Coimbra de 25/9/2019, no Proc. n.º 1/16.7 GAPMS.C1 e Ac. da Rel. do Porto de 16/12/2020, no Proc. n.º 6160/19.0 T8PRT.P1, in www.dgsi.pt)
A12) Conclui-se pois que no hiato temporal que mediou entre a determinação da detenção do arguido BB, 13/7/2020, e a sua efectivação, 14/10/2020, não podem ser atendidas/lidas e valoradas as declarações que este poderá ter produzido e vazadas no auto em questão, sob pena de violação do art.º 58º do CPP, pelo que ao serem estamos perante uma irregularidade, que expressamente aqui se invoca, com as atinentes consequências legais.
B – Da irregularidade prevista no art.º 123º do CPP por violação dos art.ºs 356º, n.º 7 e 357º do CPP e art.º 3º, n.º 6 da lei n.º 101/2001, de 25/8
B1) Realizou-se um itinerário densificado em sede teórico-jurídico acerca das declarações/conversas prestadas por um suspeito, ou arguido, perante órgãos de polícia criminal, sua (im)possibilidade de valoração e respectivas consequências, e que por brevidade se dão aqui por integralmente reproduzidas. (Para o efeito, e pela sua prestabilidade citou-se Germano Marques da Silva, Produção e valoração da prova em processo penal, Revista do CEJ. Lisboa. ISSN 1645-829X. 4 (1.º semestre 2006) pp. 37-54 e Vinício Ribeiro in Código de Processo Penal Notas e Comentários, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 981)
B2) O arguido só tem conhecimento de que pode remeter-se ao silêncio aquando a sua constituição como tal e sendo as denominadas conversas (ditas informais) prestadas numa fase preliminar, quando ainda é mero suspeito, existiria um desconhecimento de que aquelas declarações poderiam eventualmente ser usadas contra si se fossem reproduzidas em audiência pelo depoimento do OPC que as recebeu. 
B3) A sufragar-se a legalidade processual das propaladas conversas informais, sem o estatuto de arguido, estaria a impôr-se, “forçadamente”, a descoberta da verdade numa fase preliminar, contornando o direito ao silêncio que o arguido pode fazer valer a partir do momento da sua constituição como tal e a contornar a proibição constante do art.º 356º, n.º 7 do CPP. 
B4) A lei processual penal continua a não permitir a leitura de declarações do arguido (prestadas em inquérito), fora do âmbito do artigo 357º do CPP, e nos termos do art.º 356º, n.º 7 do CPP, referindo, este, que “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
B5) Os conhecimentos adquiridos pelos órgãos de polícia criminal no âmbito das ditas conversas informais, mesmo que antes do arguido ser constituído como tal, processualmente são inexistentes. (Assuntou-se excertos do Acórdão da Relação do Porto de 21/7/2011, no Proc. n.º 20/11.0 GASJP e identificou-se, no mesmo alinho, o Ac. da Relação de Coimbra de 4/2/2015, no Proc. n.º 52/13.1 GDFND.C1, in www.dgsi.pt)
B6) A sufragar entendimento diverso do aludido em B5) estaríamos a subverter o espírito da lei constitucional e mesmo a agir em fraude à lei ordinária se, porventura, sobrestássemos na constituição de arguido, com o mero fito de, desse modo, o arredar do benefício daquelas garantias e, dessa forma, obter provas incriminatórias contra ele.
B7) Pela sua valência citou-se José Manuel Damião da Cunha, In O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (art.ºs 356º e 357º do CPP), publicado na RPCC, ano 7, Fasc. 3, Julho Setembro de 1997, pág. 403 e seg., aduzindo-se que a jurisprudência passou a considerar inadmissíveis os depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tivessem na sua base conversas informais (Ac. RP de 18/10/2000, CJ XXV, T1, pág. 232 e seg.; Ac. STJ de 11/7/2001, CJ ACSTJ, IX, T III, pág.166 e seg.; Ac. RC 15/12/2004, CJ XXIX, T V, pág. 53 e seg.; Ac. STJ de 5/1/2005, CJACSTJ, XIII, TI, pág. 159 e seg..)
 B.8) Assim sendo, entendendo-se que as declarações do agora arguido BB, reproduzidas no auto de 6/10/2020, nessa data suspeito, consubstanciam conversas informais as mesmas não podem ser atendidas por processualmente inadmissíveis, ao abrigo do art.º 356º, n.º 7 do CPP, inviabilizando o depoimento da testemunha “HH” acerca do seu teor.
 B.9) Por outro lado, um auto de inquirição de um agente encoberto em sede de inquérito no qual narra condutas e comportamentos tipificadores de integrarem um crime por parte de um suspeito, quando este já deveria ter sido constituído arguido, tendo participado na recolha dessas declarações, independentemente a que título, integra a previsão do art.º 356º, n.º 7 do CPP, pelo que impede processualmente aquela de depor como testemunha acerca do conteúdo dessas declarações recolhidas, sendo certo que o arguido, em sede de audiência de discussão e julgamento, se remeteu ao silêncio, cfr. acta de audiência datada de 3/10/2022, com Ref. Citius n.º 37337737.
 B.10) Com efeito, as declarações do arguido aí transpostas não são de leitura permitida por não estarem reunidos os pressupostos do art.º 357º do CPP, pelo que tendo um papel activo nessa recolha estava a testemunha “HH” impedida de depor sobre as mesmas, sob pena de violação do art.º 356º, n.º 7 e 357º do CPP.
 B.11) E mesmo que assim não se entendesse sempre o aludido auto padeceria de ilegalidade uma vez que viola ostensivamente o prazo previsto no art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25/8, carecendo de qualquer valor probatório.
 B.12) Sufragar o entendimento do despacho recorrido constituiria uma forma de esvaziar de conteúdo o direito ao silêncio do arguido, violando o princípio da não autoincriminação, passando a constituir prática habitual em sede investigatória, pouco tempo antes da constituição do suspeito como arguido, a elaboração de autos onde se plasmem declarações do arguido, de eventos ocorridos há mais de um ano, para que os depoentes possam ver esses autos a serem lidos em sede de audiência de discussão e julgamento para avivamento da memória. 
 B.13) Desse modo, as declarações do arguido vazadas nesse auto não podem ser admitidas, lidas e valoradas pelo Tribunal, pelo que ao serem estamos perante um expediente processualmente fraudulento, violador das mais elementares regras de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas, consubstanciando uma irregularidade, que expressamente aqui se invoca, com as atinentes consequências legais.
 B.14) Com efeito, o despacho colocado em crise enferma de irregularidade por violação dos art.ºs 356º, n.º 7 e 357º do CPP e art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25/8.
 C) Dessarte, dado que as irregularidades enunciadas sobrevieram na audiência de discussão e julgamento, e foram tempestivamente arguidas, torna-se necessário, para a sanação dos vícios, que o Tribunal ad quem repare o despacho recorrido no sentido de expurgar o teor do depoimento da testemunha “HH” do conteúdo das declarações do arguido BB, com as subsequentes consequências legais.
2.2) Notificado do requerimento de interposição de recurso daquele despacho, o Ministério Púbico respondeu, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida.  
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Recurso do Despacho interlocutório de 06/02/2023:
2.3) Inconformado com aquele despacho interlocutório de 06/02/2023, veio o arguido BB apresentar recurso em /2023, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:
A) Da irregularidade prevista no art.º 123º do CPP por violação dos art.ºs 58º, n.º 5 e 59 do CPP
A1) Transcreveu-se supra, no prevalecente, as vicissitudes ocorridas em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 6/2/2023, Ref. Citius n.º 37854361 e que aqui, por brevidade se dão aqui por reproduzidas. 
A2) A irregularidade suscitada pelo arguido recorrente foi indeferida pelo Tribunal Colectivo, em síntese, por já se ter pronunciado acerca da questão suscitada em despacho anterior, ainda que sobre agente encoberto diverso, determinado a continuação da prestação de depoimento, aferindo em sede de acórdão da validade/invalidade das declarações do agente JJ. 
A3) De seguida realizou-se um excurso teórico-jurídico acerca do estatuto processual de suspeito, do momento próprio e obrigatório para a constituição como arguido e respectivas consequências dessa omissão, que aqui se dão por reproduzidas por brevidade.
A4) Neste alinho, pela sua impressividade, citou-se João Conde Correia, in “A proibição de valoração decorrente da violação das formalidades relativas à constituição como arguido”, e-book do CEJ, Direito Penal e Processual Penal, 2012-2015, p. 87 e 89 e José Lobo Antunes in Arguido e Imputado no Processo Penal Português, pág. 184, 185 e 195; citado igualmente no Ac. do STJ de 4/1/2007, no Proc. n.º 3111/06-3º, Relator Soreto de Barros).
A5) Resulta do denominado “auto de inquirição” da testemunha “JJ”, datado de 15/6/2020, prestado perante o Ministério Público, com a referência Citius n.º ...18, a descrição de alegados encontros mantidos entre esta, a testemunha “II” e o suspeito BB, no período compreendido entre 27 de Novembro de 2018 e 28 de Fevereiro de 2019, onde terão, aparentemente, concretizado negócios atinentes à compra e venda de armas e munições.
Extrai-se do mesmo, alegados comportamentos e declarações por parte do suspeito BB.
O referido auto foi lido em sede de audiência de discussão e julgamento, cfr. supra aludido.
A6)  Ora, antes de 15/6/2020 o então suspeito BB já deveria ter sido constituído arguido, salientando que o aí relatado versa sobre o período compreendido entre 27/11/2018 e 28/2/2019.
A7) Mais, à data da aludida inquirição (15/6/2020) já tinha sido ordenada a detenção do suspeito BB e este só não foi constituído arguido por inércia/culpa da autoridade investigadora, não podendo a falta de meios do OPC justificar o protelar dessa constituição/formalização.
A8) Não se descortina o porquê ou fundamento desse auto ter sido elaborado nessa data, e nesses termos, versando sobre eventos ocorridos há mais de um ano a não ser permitir, indevidamente, a possibilidade, de serem lidos em sede de audiência de discussão e julgamento.
A9) Por outro lado, a narração exposta no supra citado auto mais consubstancia um eventual relato, nos termos do art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25/8, violando ostensivamente o prazo aí referido na medida em que o próprio agente encoberto revela que cessou a sua intervenção em 28/2/2019, depondo quase um ano e meio depois em sede de inquérito.
A10) E, como mera decorrência do n.º 5 do artigo 58º do CPP, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova. (Vide Ac. da Rel. de Coimbra de 25/9/2019, no Proc. n.º 1/16.7 GAPMS.C1 e Ac. da Rel. do Porto de 16/12/2020, no Proc. n.º 6160/19.0 T8PRT.P1, in www.dgsi.pt)
A11) Conclui-se pois que no hiato temporal que mediou entre o auto de inquirição, 15/6/2020, a determinação da detenção do arguido BB, 13/7/2020, e a sua efectivação, 14/10/2020, não podem ser atendidas/lidas e valoradas as declarações que este poderá ter produzido e vazadas no auto em questão, sob pena de violação do art.º 58º do CPP, pelo que ao serem estamos perante uma irregularidade, que expressamente aqui se invoca, com as atinentes consequências legais.
B – Da irregularidade prevista no art.º 123º do CPP por violação dos art.ºs 356º, n.º 7 e 357º do CPP e art.º 3º, n.º 6 da lei n.º 101/2001, de 25/8
B1) Realizou-se um itinerário densificado em sede teórico-jurídico acerca das declarações/conversas prestadas por um suspeito, ou arguido, perante órgãos de polícia criminal, sua (im)possibilidade de valoração e respectivas consequências, e que por brevidade se dão aqui por integralmente reproduzidas. (Para o efeito, e pela sua prestabilidade citou-se Germano Marques da Silva, Produção e valoração da prova em processo penal, Revista do CEJ. Lisboa. ISSN 1645-829X. 4 (1.º semestre 2006) pp. 37-54 e Vinício Ribeiro in Código de Processo Penal Notas e Comentários, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 981)
B2) O arguido só tem conhecimento de que pode remeter-se ao silêncio aquando a sua constituição como tal e sendo as denominadas conversas (ditas informais) prestadas numa fase preliminar, quando ainda é mero suspeito, existiria um desconhecimento de que aquelas declarações poderiam eventualmente ser usadas contra si se fossem reproduzidas em audiência pelo depoimento do OPC que as recebeu. 
B3) A sufragar-se a legalidade processual das propaladas conversas informais, sem o estatuto de arguido, estaria a impôr-se, “forçadamente”, a descoberta da verdade numa fase preliminar, contornando o direito ao silêncio que o arguido pode fazer valer a partir do momento da sua constituição como tal e a contornar a proibição constante do art.º 356º, n.º 7 do CPP. 
B4) A lei processual penal continua a não permitir a leitura de declarações do arguido (prestadas em inquérito), fora do âmbito do artigo 357º do CPP, e nos termos do art.º 356º, n.º 7 do CPP, referindo, este, que “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
B5) Os conhecimentos adquiridos pelos órgãos de polícia criminal no âmbito das ditas conversas informais, mesmo que antes do arguido ser constituído como tal, processualmente são inexistentes. (Assuntou-se excertos do Acórdão da Relação do Porto de 21/7/2011, no Proc. n.º 20/11.0 GASJP e identificou-se, no mesmo alinho, o Ac. da Relação de Coimbra de 4/2/2015, no Proc. n.º 52/13.1 GDFND.C1, in www.dgsi.pt)
B6) A sufragar entendimento diverso do aludido em B5) estaríamos a subverter o espírito da lei constitucional e mesmo a agir em fraude à lei ordinária se, porventura, sobrestássemos na constituição de arguido, com o mero fito de, desse modo, o arredar do benefício daquelas garantias e, dessa forma, obter provas incriminatórias contra ele.
B7) Pela sua valência citou-se José Manuel Damião da Cunha, In O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (art.ºs 356º e 357º do CPP), publicado na RPCC, ano 7, Fasc. 3, Julho Setembro de 1997, pág. 403 e seg., aduzindo-se que a jurisprudência passou a considerar inadmissíveis os depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tivessem na sua base conversas informais (Ac. RP de 18/10/2000, CJ XXV, T1, pág. 232 e seg.; Ac. STJ de 11/7/2001, CJ ACSTJ, IX, T III, pág.166 e seg.; Ac. RC 15/12/2004, CJ XXIX, T V, pág. 53 e seg.; Ac. STJ de 5/1/2005, CJACSTJ, XIII, TI, pág.  159 e seg..)
B.8) Assim sendo, entendendo-se que as declarações do agora arguido BB, reproduzidas no auto de 15/6/2020, nessa data suspeito, consubstanciam conversas informais as mesmas não podem ser atendidas por processualmente inadmissíveis, ao abrigo do art.º 356º, n.º 7 do CPP, inviabilizando o depoimento da testemunha “JJ” acerca do seu teor.
 B.9) Por outro lado, um auto de inquirição de um agente encoberto em sede de inquérito no qual narra condutas e comportamentos tipificadores de integrarem um crime por parte de um suspeito, quando este já deveria ter sido constituído arguido, tendo participado na recolha dessas declarações, independentemente a que título, integra a previsão do art.º 356º, n.º 7 do CPP, pelo que impede processualmente aquela de depor como testemunha acerca do conteúdo dessas declarações recolhidas, sendo certo que o arguido, em sede de audiência de discussão e julgamento, se remeteu ao silêncio, cfr. acta de audiência datada de 3/10/2022, com Ref. Citius n.º 37337737.
 B.10) Com efeito, as declarações do arguido aí transpostas não são de leitura permitida por não estarem reunidos os pressupostos do art.º 357º do CPP, pelo que tendo um papel activo nessa recolha estava a testemunha “JJ” impedida de depor sobre as mesmas, sob pena de violação do art.º 356º, n.º 7 e 357º do CPP.
 B.11) E mesmo que assim não se entendesse sempre o aludido auto padeceria de ilegalidade uma vez que viola ostensivamente o prazo previsto no art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25/8, carecendo de qualquer valor probatório.
 B.12) Sufragar o entendimento do despacho recorrido constituiria uma forma de esvaziar de conteúdo o direito ao silêncio do arguido, violando o princípio da não autoincriminação, passando a constituir prática habitual em sede investigatória, pouco tempo antes da constituição do suspeito como arguido, a elaboração de autos onde se plasmem declarações do arguido, de eventos ocorridos há mais de um ano, para que os depoentes possam ver esses autos a serem lidos em sede de audiência de discussão e julgamento para avivamento da memória. 
 B.13) Desse modo, as declarações do arguido vazadas nesse auto não podem ser admitidas, lidas e valoradas pelo Tribunal, pelo que ao serem estamos perante um expediente processualmente fraudulento, violador das mais elementares regras de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas, consubstanciando uma irregularidade, que expressamente aqui se invoca, com as atinentes consequências legais.
 B.14) Com efeito, o despacho colocado em crise enferma de irregularidade por violação dos art.ºs 356º, n.º 7 e 357º do CPP e art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25/8.
 C) Dessarte, dado que as irregularidades enunciadas sobrevieram na audiência de discussão e julgamento, e foram tempestivamente arguidas, torna-se necessário, para a sanação dos vícios, que o Tribunal ad quem repare o despacho recorrido no sentido de expurgar o teor do depoimento da testemunha “JJ” do conteúdo das declarações do arguido BB, com as subsequentes consequências legais.

2.4) Notificado do requerimento de interposição de recurso daquele despacho de 06/02/2023, o Ministério Púbico respondeu, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida.      
1. O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões, as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2. “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido, que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
3. A intervenção de agentes encobertos está limitada para situações de criminalidade grave, organizada e sofisticada e tem assento legal.
4. A ação encoberta, devidamente autorizada, tem como desígnios a prevenção e investigação criminal e está contida na Lei nº 101/2001, de 25/8.
5. E, só são autorizadas, taxativamente, para prevenir e reprimir os crimes mencionados no artigo 2º, desta mesma Lei.
6. Não têm sustentação legal nem podem admitir-se as questões que o arguido invoca na motivação e nas conclusões do recurso, por manifestamente contrariadas pela mesma Lei nº 101/2001, de 25/8, que fundamenta e legitima a ação encoberta.
7. A leitura das declarações da testemunha “JJ” e dos restantes agentes encobertos no decurso da audiência de julgamento, ocorreu de acordo com o consignado no artigo 356º, nº3, do Código de Processo Penal, tratando-se de depoimento prestado perante autoridade judiciária competente e verificadas todas as formalidades legais ínsitas neste normativo e na Lei nº 101/2001, de 25/8.
8. E foi a leitura permitida pelo Tribunal “a quo”, após requerimento do Ministério público, nos termos que se transcrevem”:
9. “Considerando que agente encoberto JJ prestou declarações perante Autoridade Judiciária em 15-06-2020 e que entre o teor dessas declarações e aquelas que até agora prestou em audiência de julgamento há algumas diferenças, nomeadamente, no que concerne às armas, características das armas, aos locais onde se encontrou com o arguido BB e porque a memória não funciona como uma máquina que grava, e por isso há discrepâncias entre aquilo que disse perante autoridade judiciária e o que disso ora, sendo que essas discrepâncias não são voluntárias nem podem ser atribuídas à vontade da testemunha, mas considerando essas discrepâncias e, nos termos do art.º 356.º, n.º3, al. a) do C.P.Penal, requer que sejam, lidas em audiência de julgamento as declarações que prestou a 15-06-202 perante Autoridade Judiciária, por se nos afigurar que é importante essa leitura”.
10. Da leitura em audiência de julgamento das declarações que as testemunhas/agentes encobertos “KK”, “HH”,  “JJ” e “II”, tinham prestado perante autoridade judiciária, não resultaram quaisquer irregularidades ou nulidades, e, estão autorizadas pelo artigo 356º, nº3, do Código de Processo Penal.
11. Reivindicar o arguido/recorrente que os agentes encobertos deixassem de agir como agentes encobertos e constituíssem os suspeitos que estavam a investigar, como arguidos, é desconhecer completamente a ratio legis da Lei nº101/2001, de 25 de agosto, actualizada.
12. É menosprezar, de forma grave e inconsequente, a segurança pessoal e familiar dos referidos agentes.
13. A interpretação da Lei que o arguido faz, rege-se unicamente pelos interesses pessoais, e não tem base legal.
14. Não beliscou sequer, o Tribunal “a quo” qualquer preceito de direito europeu, constitucional ou criminal, e, não o foram, seguramente, os artigos 56º, 262º, 275º, 356º, 357º, 358º e 359º, do CPP, nem os artigos 29º, nº2, da CRP e artigos 57º e 58º do Código de Processo Penal.
15. Não padecem os autos de qualquer vício, irregularidade ou nulidade.
16. Foram respeitados os direitos de defesa dos arguidos, e não se olvidou o que preceitua a Lei nº 101/2001, de 25-08, actualizada, bem pelo contrário, deu-se-lhe integral cumprimento. 
17. Devem manter-se na totalidade os Doutos Despachos Recorridos por não padecerem de qualquer irregularidade ou nulidade, bem como toda a prova recolhida no âmbito específico da Lei nº101/2001, de 25 de agosto, actualizada, por terem sido observadas todas as formalidades legais e estar a ação encoberta devidamente autorizada.
*
3) Inconformados com o acórdão recorrido, foram apresentados os seguintes recursos:

Recurso do arguido CC, com as seguintes conclusões:
1. Pelas razões e fundamentos alegados em II desta motivação de recurso e que aqui se dão integralmente por reproduzidos, a decisão recorrida padece do vício previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 410 do CPP, o que se invoca.
2. Pelas razões e fundamentos alegados em II desta motivação de recurso e que aqui se dão integralmente por reproduzidos, a decisão recorrida padece do vício previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 410 do CPP, o que se invoca.
3. Pelas razões e fundamentos alegados em II desta motivação de recurso e que aqui se dão integralmente por reproduzidos, a decisão recorrida padece do vício previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 410 do CPP, o que se invoca.
4. Pelas razões e fundamentos alegados em II desta motivação de recurso e que aqui se dão integralmente por reproduzidos, não foram dados como provados, nem se verificam cumulativamente todos os pressupostos para aplicação da figura prevista na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro e cujo ónus da sua prova impendia sobre o Ministério Publico, como vem explanado, não sendo, assim, a dita figura aplicável ao arguido.
5. Pelas razões e fundamentos alegados em III desta motivação de recurso e que aqui se dão integralmente por reproduzidos a alínea c) do n.º 1, do art.º 1 e o n.º 1 do art.º 7 da lei 5/2002, quando interpretados no sentido da sua aplicabilidade a criminalidade não organizada padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não podendo, por isso, além do mais alegado, também, por aqui, o regime previsto na citada lei ser aplicado ao arguido por inconstitucionalidade dos referidos preceitos.
6. Salvo o devido respeito, pelas razões e fundamentos que vêm referidos, deverá o arguido/recorrente ser absolvido da totalidade do pedido de perda ampliada contra si deduzido.
7. Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” violou, interpretou ou aplicou incorrectamente, além de outros, o disposto nos art.º 127, 340, 410 n.º2, al. a) b) e c) , art.º 12 , 18 e 32 da Constituição da Republica Portuguesa e arts.º 1º e 7º da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro.

Recurso do arguido BB, com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto:
a) Pontos de facto indevidamente dados como provados, para os efeitos do estabelecido no artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do CPP:
Métodos Proibidos de Obtenção de Prova
Da (i)legalidade da acção encoberta – Consequências Jurídicas;
Subsidiariamente,
b) Da medida da pena no que tange aos crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º, bem como à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, e de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM – subsequente cúmulo jurídico.
Subsidiariamente,
c) Da suspensão da execução da pena de prisão.
2. Conforme emerge do Acórdão prolatado no âmbito dos autos, em 31 de Janeiro de 2024, com a Ref. Citius n.º 39190852, o arguido BB foi condenado nos seguintes termos:
A) Convolar a sua conduta e em consequência, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º e à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, em conjugação com o n.º 1 do artigo 14.º e com o artigo 26.º do Código Penal, na pena de 1 anos e 8 meses de prisão.
B) Pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM na pena de 4 anos e 6 meses de prisão
C) Em cumulo jurídico das penas de prisão referidas em A) e B), ao abrigo do disposto nos artigos 77º do Código Penal na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
D) Julgar o incidente de declaração de perda ampliada deduzido parcialmente procedente em relação ao arguido BB e, em consequência, declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 192.287,26 (cento e noventa e dois mil, duzentos e oitenta e sete euros e vinte e seis cêntimos) e condenar este arguido a pagar esta quantia monetária ao Estado, absolvendo-o do demais peticionado pelo Ministério Público.
3. No recurso, sinalizou-se a facticidade que o tribunal a quo deu como provada, bem como a pertinente motivação (que aqui se consideram descritas).
4. FACTOS QUE FORAM INDEVIDAMENTE DADOS COMO PROVADOS, para os efeitos do estabelecido no artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do CPP – os factos descritos, no Acórdão, sob os números 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7),8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18, 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), #0), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 59) 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66) e 167).
5. ERRO DE JULGAMENTO.
Neste recorte, fez-se uma digressão acerca do seguinte: pertinente vício; da prova judiciária; da avaliação das provas; e da livre apreciação da prova.
Sem prescindir sinalizou-se o seguinte,
6. A motivação do tribunal a quo conformou-se nitidamente intercisa e intercadente; com efeito, na motivação, divisa-se um desígnio cristalino de extractar apenas as parcelas (consideradas) importantes dos depoimentos dos agentes encobertos, para, dessa forma, atingir um objectivo bem direcionado e precogitado – a condenação do arguido BB.
Por tal razão, nesse percurso, foram valorados elementos de prova proibidos, com idoneidade para subverter a matéria de facto assentada.
7. No consectário desse procedimento, sem a convocação e o cotejo crítico de componentes probatórios relevantes, E ADMISSÍVEIS, o Tribunal alicerçou a sua convicção, de forma grave, na prova obtida ilicitamente e colidindo de forma frontal com preceitos legais e inconstitucionais.
8. Em conformidade, e nessa envolvência, registou-se o vício de inconstitucionalidade/ilegalidade e ilegitimidade da Acção Encoberta, QUE O TRIBUNAL VALOROU NOS MOLDES SUPRADITOS e os quais se dão aqui por reproduzidos por economia processual.
9. Nesse consectário fez-se um excurso teórico-jurídico das disposições constitucionais e legais convocáveis in casu e que igualmente se dá aqui por transcritos por economia processual.
No entanto, destaca-se o seguinte,
10. As acções encobertas são um meio de investigação a usar com parcimónia e o modo como se desenvolvem deve ser objecto de aprofundado escrutínio, pelo que o Tribunal ao lidar com a existência da acção encoberta em sede de audiência deve procurar o seu esclarecimento com a profundidade que o caso reclame. (Ac. Rel. de Lisboa de 22/3/2011, no Proc. n.º 182/09.6 JELSB, L1-5, in www.dgsi.pt)
11. Alerta-se, desde já, que inexistem nos autos quaisquer verdadeiros relatos ao abrigo do n,º 6 do art.º 3 da citada Lei n.º 101/2001, de 25/8, bem como quaisquer autorizações/validações das acções dos agentes encobertos, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo.
12. O que o arguido/recorrente vem cavalgando é a necessidade de instruir os autos dos meios processuais A FIM DE «permitir o controle da regularidade e legitimidade da actuação oculta nos seus pressupostos e no seu modo de execução e a contextualizar os elementos ou indícios recolhidos nunca podendo conter (nem substituir) o testemunho ou as declarações do agente sobre os eventos observados» (Cfr Sandra Oliveira e Silva in “A Protecção de Testemunhas no Processo Penal”, Coimbra Editora, 2007, pag 151 e nota 289.)
13. Após a prolação do acórdão em crise, não se aquilata do preenchimento dos pressupostos legais para a realização da acção encoberta, previstos no art.º 3 de Lei n.º 101/2001 de 5 de Agosto, sendo que esse juízo de indispensabilidade da junção aos autos de um relato, vários relatos ou relato (s) finais só poderia ser feito com rigor, depois de o Tribunal Colectivo aferir do seu conteúdo, COMO FOI, AINDA QUE ERRONEAMENTE.
14. A junção do relatório final elaborado pela Polícia Judiciária teve na sua génese a prolação do acórdão emanado pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 20/3/2023.
Decorre da sua fundamentação não ser legalmente admissível a consequente junção da autorização do Magistrado do Ministério Público à realização da acção encoberta dos presentes autos e a comunicação ao Juiz de Instrução, a fim de sindicar a sua legalidade ao abrigo do art.º 3º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001.
15. NO ENTANTO, ESSA ASSERÇÃO DEPENDERIA DA VIRTUALIDADE DO RELATÓRIO FINAL JUNTO PERMITIR AO TRIBUNAL AVALIAR DA EXISTÊNCIA, OU NÃO, DA AUTORIZAÇÃO LEGAL PARA VALIDAR A REFERIDA ACÇÃO ENCOBERTA.
Ora, do relato final objecto de análise não se extrai a referida legalidade, não se bastando para tal com um lacónico “foi autorizada no dia 30/10/2018, sensivelmente há dois anos atrás.”
16. Com efeito, desconhece-se quem a autorizou e em que termos, pelo que se mostra inviável o controle da sua legalidade, cfr. art.º 3º, n.ºs 3, 4 e 5 da Lei n.º 101/2001.
17. Mais, o relatório final alude a que a presente acção encoberta teve o seu início através de uma informação de serviço constante de fls. 2, elaborada por um funcionário de investigação criminal “LL”, inculcando que a mesma se iniciou antes mesmo da alegada autorização.
18. Por outro lado, constata-se que durante mais de 2 anos ocorreram várias intervenções de diferentes agentes encobertos, sem qualquer comunicação à autoridade judiciária competente, uma vez cessada aquela, violando frontalmente o n.º 6 do aludido art.º 3º.
19. O QUE FOI JUNTO NÃO PERMITE CONTROLAR A LEGALIDADE DE NADA, A MONTANTE!
20. Disse o (Agente Encoberto JJ) que fez o relato final a pedido do superior hierárquico para ser entregue no MP tendo mesmo referido que “foi esfolhando o processo de acção encoberta e fez o resumo como calhou”. – Fundamentação do acórdão recorrido, conforme transcrito supra!
21. ORA É EVIDENTE QUE O RELATO FINAL NÃO DEVERIA TER SIDO ELABORADO POR UM DOS AE MAS SIM PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA, ENTIDADE QUE TEM A SEU CARGO A DIRECÇÃO DA OPERAÇÃO. Neste sentido veja-se Isabel Oneto, em “O Agente Infiltrado, Contributo para a Compreensão do Regime Jurídico das Acções Encobertas”, Coimbra Editora, pág. 193, quando refere que “o relato há-de basear-se nas informações que o agente infiltrado vai fazendo chegar ao seu superior, eventualmente complementado por informações de outros agentes policiais que, de perto vigiem a operação. A final, poderá o agente rectificar o relato, precisando questões que possam ter sido transmitidas de forma menos clara”.
22. Para o efeito, além dos elementos balizados na motivação, foram transcritas as declarações parciais do agente encoberto JJ, prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 20/4/2023, entre as 15h e 35m e as 17h e 11m, com a Ref. Citius n.º 38168692.
23. A VALIDAÇÃO DA ACÇÃO ENCOBERTA, NO ENFOQUE DO TRIBUNAL RECORRIDO, ENTRONCARIA, COMO ENTRONCOU, NUMA MANIFESTA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS DO PROCESSO JUSTO, LEGAL, EQUITATIVO E CONTRADITÓRIO, SOB PENA DE, AÍ SIM, ESTARMOS A DESPRESTIGIAR A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA POR VIOLAÇÃO INCORRIGÍVEL DOS MAIS ELEMENTARES PILARES DO DIREITO, EM COLISÃO COM O ART.ºS 6.º DA CEDH, 18.º, 20.º, e 32.º DA CRP e 3.º, 4.º e 5.º DA LEI N.º 101/2001, DE 25/8.
24. Reitera que nem sequer estão juntos aos autos os despachos de autorização da acção encoberta proferidos pelo Magistrado do Ministério Público e de validação/comunicação ao Juiz a que se refere o artigo 3º nº 3 da Lei nº 101/2001, PRESSUPOSTOS DE QUE DEPENDE A VALIDADE DA UTILIZAÇÃO DESTE MEIO DE PROVA, SENDO CERTO QUE SE OS MESMOS INEXISTEM.
25. O QUE A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES PRETENDEU FOI, NO ÂMBITO DO CUMPRIMENTO DE DETERMINADOS FORMALISMOS, PERMITIR AO TRIBUNAL RECORRIDO AFERIR DA LEGALIDADE DOS PROCEDIMENTOS ADOPTADOS!
26. ORA, O QUE EXISTE NÃO O PERMITE, PELO QUE O TRIBUNAL RECORRIDO AO VALIDAR A ACÇÃO ENCOBERTA INCORREU NA PONDERAÇÃO DE UM MÉTODO PROIBIDO DE PROVA NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 126º Nº 2 ALÍNEA A) E 3 DO CPP, DEVIDAMENTE CONCATENADOS COM OS ART.ºS 6.º DA CEDH, 18.º, 20.º, E 32.º DA CRP E 3.º, 4.º e 5.º DA LEI N.º 101/2001, DE 25/8, ENTENDIMENTO QUE SUFRAGAMOS E QUE SE PRETENDE VER CONFIRMADO PELO PRESENTE RECURSO. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS,
27. As proibições de prova são os limites que o ordenamento jurídico coloca à própria realização da Justiça, por se entender que nem todos os meios justificam os fins. Ou seja, a busca da verdade material não se pode fazer a qualquer custo.
28. Uma vez verificada a proibição de prova, absoluta ou relativa, a consequência é a nulidade daquela prova, no sentido de não poder ser utilizado o meio de prova ou meio de obtenção de prova maculado com a proibição. (Neste sentido, Pedro Soares de Albergaria, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almedina, 3.ª edição, pág. 59)
29. Não se trata do sistema de nulidades insanáveis e sanáveis a que aludem os arts. 118.º a 122.º do CPP mas, antes, de um regime autónomo de sancionamento dos métodos proibidos de prova cujo resultado, uma vez verificada a inerente violação dos direitos e liberdades fundamentos afectados, é a não utilização do meio de prova ou de obtenção de prova trazido ao processo por meio de expedientes ou recursos não permitidos, como se nunca tivesse existido.
30. Não estamos perante uma nulidade sanável na medida em que não encontra, qualquer eco na lei, não existindo qualquer distinção no âmbito do art. 126.º quanto às consequências resultantes das proibições de prova inscritas nos seus n.ºs 1 e 2 e no seu n.º 3. O resultado é sempre o mesmo: a prova obtida através de métodos proibidos previstos no art. 126.º é imprestável para formar a convicção do julgador, não podendo ser utilizada em qualquer situação. (Assim o defende Figueiredo Dias, in Revisitação de algumas ideias da teoria das proibições de prova em processo penal (Também à luz da jurisprudência constitucional portuguesa), RLJ Ano 146.º, n.º 4000 (Setembro- Outubro de 2016), págs. 3 a 16.
31. O que aqui está em causa é a ausência total de validação e autorização por parte das autoridades judiciárias competentes sobre o respaldo legal da accção encoberta, subsequente validação intercalar da respectiva actuação, incompetência formal do subscritor do relato final e posterior escudo processual de todos os meios de prova através da mesma obtidos, maxime declarações dos agentes encobertos ao longo do processado, mormente em audiência de discussão e julgamento, e buscas e apreensões outrora realizadas.
32. A invalidade que recai sobre tal método proibido de prova e sobre a valoração daquele meio de prova se estende (efeito-à-distância) a todos os meios probatórios advenientes da acção encoberta!
33. Mostra-se, assim, inequívoco que a acção encoberta em causa ocorreu totalmente à margem de qualquer autorização legal, por não se integrar nos casos previstos na lei, ou de consentimento do arguido, estando-se também nesta perspectiva mais adjectiva PERANTE MÉTODO PROIBIDO DE PROVA, PELO QUE ESTAVA VEDADA A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL NOS MOLDES SUPRA REFERIDOS.
34. A acção encoberta foi ILEGAL, desadequada e desnecessária à prossecução dos fins de natureza processual penal visados, ocorrendo por isso uma compressão abusiva dos direitos liberdades e garantias constitucionais oportunamente aludidos.
35. A utilização de métodos proibidos de prova é suscitada e/ou apreciada em qualquer momento, mesmo após o trânsito em julgado da decisão que a admitiu, através de recurso extraordinário de revisão, e é sancionada com nulidade específica, diferente das nulidades sanáveis e insanáveis previstas nos arts. 118.º a 122.º do CPP, e que se traduz na absoluta inadmissibilidade de utilização do concreto meio de prova ou meio de obtenção de prova para formação da convicção do tribunal, bem como os daí decorrentes, e cuja valoração deve ser expurgada do acórdão recorrido, nos termos do art.º 123.º, n.ºs 1, 2, al. a) e 3 do CPP.
Sem prescindir,
36. Acrescente-se que discordamos do entendimento de que as transcrições das escutas telefónicas – prova documental – podem mesmo surgir como único meio de prova a sustentar a convicção do tribunal.
37. NADA OBSTA À VALORAÇÃO DAS TRANSCRIÇÕES DAS GRAVAÇÕES DAS CONVERSAS TELEFÓNICAS COMO MEIO DE PROVA, DESDE QUE ACOMPANHADAS POR OUTRAS PROVAS E, POR EXEMPLO, RDE’S E, TANTO QUANTO NECESSÁRIO, APRECIANDO CRITICAMENTE DECLARAÇÕES E DEPOIMENTOS, NUMA INEVITÁVEL PONDERAÇÃO CONJUNTA E CONJUGADA, SEM DESCURAR O QUE A EXPERIÊNCIA VAI ENSINANDO.
38. Ora, ainda que se entenda, no limite, que as escutas telefónicas foram obtidas validamente, sem os demais meios probatórios obtidos de forma proibida, não existe qualquer respaldo processual para condenar o arguido/recorrente pela prática do crime tráfico e mediação de armas previsto no artigo 87º nº 1 do RJAM, pelo que deve ser absolvido do mesmo!
39. O Tribunal recorrido violou os art.os 6.º da CEDH, 18.º, 20.º, 25.º, 26.º, 32.º e 34.º da CRP, 126, n.ºs 1, 2, al. a) e 3 do CPP e 3.º, 4.º e 5.º da Lei n.º 101/2001, de 25/8.
40. Subsidiariamente. No limite, perante a incidência da prova, no caso de não se conceder absoluto crédito às cogitações desenvolvidas, subsiste, pelo menos, uma dúvida insanável no atinente à responsabilidade do arguido/recorrente no que corresponde aos factos que lhes são irrogados.
41. De facto, a prova produzida, no extremo, não determinou a persuasão de que o arguido tenha praticado os factos determinantes da sua responsabilidade. Verifica-se, assim, uma dúvida insuperável no que toca à responsabilidade do arguido pelos factos – tal dúvida deveria, então, beneficiá-lo.
42. Tecnicamente, tal non liquet que se atingiu, no âmbito da prova, nesse particular aspecto, devia ter sido resolvido em benefício do arguido (nesta envolvência, foi feito um excurso jurídico acerca do princípio in dúbio pro reo).
43. Ao existirem, pelo menos, as dúvidas sinalizadas e tendo o Arguido sido condenado no Acórdão de que ora se recorre, considera-se existir violação do Princípio Constitucional da Presunção de Inocência e do princípio in dubio pro reo.
44. Nos presentes autos, foi pelo menos criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos determinantes da responsabilidade do arguido, pelo que se impõe, por esta via, subsidiariamente, a sua absolvição do crime aludido supra.
45. O tribunal a quo, condenando o Recorrente, da forma como o fez, interpretou erroneamente o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP, devendo tal preceito ser interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.
46. Todas as referências, e aclarações, balizadas impõem, pois, uma decisão diversa da recorrida. Inexiste, por conseguinte, fundamento para dar como provada a matéria de facto descrita, no Acórdão, sob os números 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7),8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18, 19), 20),21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 59) 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66) e 167).
47. Significa isso que a matéria de facto descrita no Acórdão, acima delimitada, devia ter sido dada como não provada – trata-se, por conseguinte, de matéria que foi incorretamente julgada – cf. o artigo 412.º, n. º 3, alínea a).
SUBSIDIARIAMENTE – MEDIDA DA PENA
48. Nesse âmbito, deve atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo a medida da pena ultrapassar a medida da pena. De outro lado, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e o tribunal deve atender, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
49. No âmbito das exigências de prevenção, incluem-se aqui as vertentes da prevenção geral, negativa e positiva, e da prevenção especial.
50. Os fins das penas só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa –, e não natureza retributiva.
51. Na determinação concreta da pena, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
52. No atinente às exigências de prevenção geral, a pena deve então satisfazer aqui necessidades de fortalecimento da consciência jurídica comunitária, isto é, deve visar a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sendo certo que, na órbita dos crimes aqui em pauta, se fazem sentir necessidades de prevenção.
53. No parâmetro das exigências de prevenção especial, a pena deve ser usada na sua função primordial de socialização, a fim de se obter uma maior conformação do arguido com os padrões axiológicos vigentes.
54. O arguido mostra-se inserido social, familiar e profissionalmente e a respetiva conduta consubstanciou-se num único acto (ainda que continuado, no que concerne à detenção de armas e munições), sendo certo que espartilhado numa delimitada baliza temporal.
55. Mesmo no enfoque do tribunal a quo (sendo certo que o arguido dissente dos factos dados como provados, conforme se explanou supra), entende-se que:
-As exigências de prevenção geral para os crimes em causa não se afiguram elevadas/exorbitantes;
No que concerne ao crime de tráfico e mediação de armas, embora tendo ocorrido num período alargado, o mesmo se traduziu em poucos actos, espartihado no tempo e não se podendo concluir que as transacções efectuadas envolviam quantias consideráveis.
-Já no que tange ao crime de tráfico de menor gravidade a natureza da substância em causa – canábis – e a quantidade apreendida, bem como apenas se tendo apurado uma venda, por quantia não apurada, não se traduz numa exigência de prevenção geral superlativa, bem pelo contrário.
-A prática dos ilícitos em causa remontam ao ano de 2019 e 2020, atenuando aquelas.
-A ilicitude da conduta do arguido em sede do crime de tráfico de armas afigura-se mediana e no que tange ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade afigura-se diminuta.
-Os antecedentes criminais que o arguido regista, embora contendendo com o bem jurídico tutelado por uma das incriminações, remontam a 2007 e 2008!!
-Por outro lado, o arguido BB, que tem 61 anos de idade, mostra-se integrado na Sociedade e na Família, inserido no mundo do Trabalho, sendo pessoa considerada e respeitada no seio da Comunidade em que se insere.
-O arguido encontra-se inserido em termos sociais e familiares, sendo a co-arguida MM sua companheira há muitos anos e tendo três descendentes, autonomizados e com agregados constituídos.
-O arguido regista hábitos de trabalho, desde pequeno, exercendo actividade de exploração agrícola, venda de animais e trabalhos com máquinas agrícolas na limpeza de terrenos. Em termos sociais, o arguido apresenta uma imagem favorável na rede vicinal, sendo descrito como pessoa participativa e colaborativa na vida comunitária.
-Enquanto esteve em meio prisional, o arguido manteve um quotidiano estruturado, nomeadamente, a nível laboral e recebeu periodicamente as visitas da companheira e dos filhos, os quais manifestaram disponibilidade para continuar a apoiar o arguido.
56. Subsecutivamente, por equitativa, pela prática dos seguintes crimes, pugna-se pela fixação das correspondentes penas:
- Pelo crime de tráfico e mediação de armas previsto no artigo 87º nº 1 do RJAM a pena de prisão de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses.
- Pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto no artigo 25º alínea a) do Decreto lei nº 15/93 de 22/01 a pena de prisão de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses.
- Na operação do cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, o arguido deve ser condenado na pena única do concurso em 4 (quatro) anos e 11 (onze) meses de prisão.
57. A decisão prolatada não se conforma com o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – por tal razão, o Acórdão inquina da correspondente inconstitucionalidade, que ora se invoca
58. O Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, violou o estabelecido nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal e os demais artigos indicados na condenação.
AINDA SUPLETIVAMENTE – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
59. Diante da pena assim encontrada, surge a questão de aferir se tal pena deve, ou não, ser substituída por uma pena não detentiva (na motivação do recurso, foi feito um excurso teórico relativamente às penas substitutivas e, mais concretamente, à suspensão da execução da pena).
60. A pena de 4 anos e 11 meses de prisão deve ser substituída por uma pena não detentiva – a suspensão da execução da pena, que se mostra prevista no artigo 50.º do CP.
61. No caso sub examine, incumbe, de facto, obtemperar o seguinte:
- os factos aqui em comento conformam situações episódicas, reduzidas, ainda que espartilhadas no tempo;
- o arguido mostra-se, em termos adequados, inserido social, familiar e profissionalmente;
- MM sua companheira há muitos anos e tendo três descendentes, autonomizados e com agregados constituídos.
- O arguido regista hábitos de trabalho, desde pequeno, exercendo actividade de exploração agrícola, venda de animais e trabalhos com máquinas agrícolas na limpeza de terrenos. Em termos sociais, o arguido apresenta uma imagem favorável na rede vicinal, sendo descrito como pessoa participativa e colaborativa na vida comunitária.
Enquanto esteve em meio prisional, o arguido manteve um quotidiano estruturado, nomeadamente, a nível laboral e recebeu periodicamente as visitas da companheira e dos filhos, os quais manifestaram disponibilidade para continuar a apoiar o arguido; e - de forma terminante, a circunstância de o arguido ter 61 anos de idade, de o seu registo criminal remontar aos anos de 2007 e 2008 E DE JÁ TER ESTADO PRESO PREVENTIVAMENTE, À ORDEM DOS PRESENTES AUTOS, DESDE 14/10/2020 a 13/4/2023 (2 ANOS E 6 MESES), ENCONTRANDO-SE PRESENTEMENTE EM LIBERDADE!
62. Haja vista a concatenação de tais elementos, pode afirmar-se o seguinte:
- a estabilização das expectativas comunitárias e a ressocialização do arguido não expostulam/demandam inexoravelmente a aplicação de uma pena de prisão efectiva, e subsequente cumprimento, pois articulam-se, antes, com a concessão da uma oportunidade de ressocialização em liberdade, QUE JÁ SE ENCONTRA EM CURSO;
- a aplicação de uma pena de prisão efectiva representaria uma preterição absoluta das expectativa de ressocialização do arguido, colidindo com as exigências de prevenção geral e especial, CULMINANDO NUM RETROCESSO INJUSTIFICADO/ILEGAL DAQUELA.
63. O propósito da estabilização das expectativas comunitárias, que as penas pretendem salvaguardar, e os princípios ordenadores dos fins das penas, maiormente no quadrante reintegrador do agente, ficariam, assim, turbados/solapados pela punição excessiva, correspondente à prisão efectiva de arguido integrado em termos sociais.
64. A prisão efectiva consubstanciaria uma violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, pois que seria manifestamente desproporcionada em relação aos fins de prevenção especial e geral, requisitados pelo caso concreto.
65. As considerações de prevenção especial de socialização recomendam, pois, a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de tempo correspondente à pena de 4 anos e 11 meses que deve ser aplicada, com sujeição a regime de prova.
*
Recurso do arguido FF, com as seguintes conclusões;

I. Atentos fundamentos acima expostos e mesmo apelando ao princípio constitucional “in dubio pro reo”, deverão os factos 113 ,114, 115, 121, 122, 123 e 134, assinalados e supra transcritos, ser julgados em sentido diferente daquele em que o foram pelo douto acórdão recorrido, devendo a intervenção do arguido ora recorrente ser considerada totalmente lícita;
II. Consequentemente, deve a douta decisão recorrida ser substituída por outra, em que o arguido, aqui recorrente, seja absolvido da prática do crime de abuso de poder, por falta de elementos probatórios e falta do enquadramento dos factos praticados na previsão legal do referido crime;
III. O douto acórdão recorrido coloca sobre os ombros do arguido, ora recorrente, o ónus de provar a sua inocência, demitindo o Ministério Público de demonstrar a culpa do mesmo;
IV. De facto, como se escalpelizou supra, na sua fundamentação não invoca o douto acórdão recorrido qualquer elemento de facto e/ou probatório que justifique a decisão tomada no sentido de condenar o arguido pela prática do crime de abuso de poder, pelo que temos que considerar que a convicção do Tribunal a quo não foi formada com base em provas, mas unicamente em presunções e convicções mais ou menos subjectivas, arbitrárias e impressionistas. E nem o princípio da livre apreciação da prova confere ao julgador uma liberdade de apreciação e de julgamento tão ampla e infundamentada. Portanto, o Tribunal a quo, ao assim proceder, para além de ter violado o disposto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, violou, ainda, de forma cremos que clamorosa, o princípio constitucional “in dubio pro reo”, bem como o princípio da presunção de inocência, ínsito no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
V. Não se provou que o arguido, aqui recorrente, “convencesse” os utentes dos serviços onde exercia funções para a não entrega das armas ao Estado Português. Mais se reiterando que ficou provado que o depósito ou entrega das armas não fazia parte das funções do arguido e acontecia noutra secção da Esquadra da P.S.P. de .... E, afirmando toda a consideração por perspectiva diferente, muito menos se provou que o arguido, com a sua actuação, soubesse e quisesse violar os seus deveres funcionais, no moldando habilmente os poderes conferido pela sua qualidade de funcionário, por forma a obter algum benefício para si ou para terceiro, ou ainda no sentido de prejudicar os utentes ou o Estado Português.
VI. Sendo que, além disso, não foi provado qualquer o prejuízo, ou qualquer ganho. De facto, o dolo não se pode presumir, mesmo o genérico, em qualquer das modalidades do artigo 14.º do Código Penal, assim sucedendo com mais veemência nos casos em que o tipo de ilícito exige um dolo específico, como acontece no tipo legal do crime de abuso de poder. Na verdade, a intenção específica exigida para o preenchimento do crime é um elemento subjectivo que não pertence ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, e que se não refere a elementos do tipo objectivo, quebrando a correspondência entre o tipo objectivo e subjectivo. Ora, in casu, a existir uma má utilização dos poderes funcionais pelo arguido (o que não se concede), tal resultou de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função (conforme, aliás, aquele explicitou nas suas declarações), sendo que de modo algum a alegada má utilização dos poderes funcionais foi determinada por uma intenção específica de abuso dos mesmos, à custa da violação dos deveres disciplinares.
VII. No caso concreto, o tribunal a quo, na motivação, centra a via de raciocínio e argumentação na dissuasão, pelo recorrente, da vontade dos utentes na entrega das armas, em benefício de terceiros que as adquiriam, todavia sem o necessário suporte em qualquer facto, elemento ou circunstância em que se revele por si, ou que tenha sido deduzida ou revelada pela prova produzida, pois não se quantificou se realmente existiu benefício ou prejuízo e para quem. Conforme salienta o douto acórdão recorrido, “abusa de poderes o funcionário que instrumentaliza os poderes inerentes à sua função para fins ilegítimos, ou seja, para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito, neste caso, administrativo”.
VIII. Ora, esta alegada subversão dos poderes do funcionário, ao ponto de quebrar os inerentes deveres dessa qualidade, com o fito de alcançar benefício ou causar prejuízo não foi provada.
IX. Não se aceita que a actuação do recorrente possa ter violado o dever de isenção, na medida em que este não impôs, do nada, uma situação aos utentes do seu serviço, apenas os informou das possibilidades legais quanto ao destino das armas, mais, como se verificou pela prova não produzida, não se provou que o arguido recebesse qualquer quantia monetária por cada venda que mediava nem do comprador nem do vendedor da arma. Nem se provou que o arguido a pedido de outras pessoas, na sua grande maioria armeiros, elaborasse novos livretos e manifestos de armas, a troco de dinheiro. Acresce que também não consideramos ter sido violado os deveres de sigilo e zelo – note-se que os factos se cingem a uma única situação em que a busca efectuada teve como resultado um colega do arguido, que este já conhecia, o que permitiu a divulgação da sua identidade a terceiros, sendo tal devidamente autorizado pelo visado. Pelo que se fica sem saber se esta divulgação existiria se se tratasse de um indivíduo desconhecido. Para que ocorra uma infracção disciplinarmente sancionável, torna-se necessário que se verifique uma conduta ilícita, ou seja, que o agente se comporte de modo a contrariar ou a contrapor-se a uma norma, o que claramente não aconteceu. Ou seja, para que possa ser imputada a responsabilidade disciplinar a um agente, deve sugerir-se ou sacar-se o elemento culposo da conduta ou comportamento contrário a uma prescrição legal, sendo que esta culpa se traduz numa realização ou manifestação de vontade dirigida à concretização de um desiderato que, na sua afirmação e desenvolvimento executivo, se prefigura como contrário a um dever ou a uma regra de conduta a que, funcionalmente, o agente está adstrito. Ora, o aqui recorrente não praticou qualquer acto susceptível de se subsumir numa violação de qualquer dos deveres a que está adstrito na qualidade funcionário público. Designadamente, não resultou das suas acções ou omissões qualquer facto violador dos deveres de isenção, sigilo, zelo e lealdade.
X. Tendo este actuado de forma a conseguir que as necessidades dos interesses dos utentes e bom funcionamento do serviço, no estrito cumprimento dos deveres a que está adstrito.
XI. Relevando ainda que as mediações de armas que efectuou foram pelo tribunal a quo consideradas legítimas, conforme resulta, até, da absolvição do arguido ora recorrente pela prática do crime de tráfico e mediação de armas. Pelo que, a existirem quaisquer vantagens destas transacções, têm as mesmas de ser consideradas igualmente legítimas.
XII. A actuação do arguido ora recorrente não pode ser subsumida na previsão do crime de abuso de poder, quer subjectivamente, por inexistência do dolo específico, quer porque não existiu a violação de deveres funcionais, bem como porque não existiu vantagem ilícita para nenhum dos intervenientes nos negócios. Pelo que, ao condenar o recorrente pela prática de um crime de abuso de direito, o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 382.º do Código Penal, devendo, por isso, ser alterada a douta decisão ali incita, sendo substituída por outra que absolva o arguido, ora recorrente, da prática do aludido crime de abuso de poder.
XIII. O legislador quis proteger o arguido, assegurando-lhe o direito de não poder ser surpreendido, nem confrontado, com a imputação de factos que não contava nem como os quais tinha que contar. Assim, o sujeito que é submetido a julgamento tem consciência, quer dos crimes que lhe são imputados, quer da moldura penal a que estará sujeito, caso se prove o cometimento de tais crimes. In casu, o ilustre coletivo de juízes, sem considerar a existência de factos diferentes dos da acusação, considerou que os mesmos se subsumem em crimes diversos dos constantes da acusação, designadamente no que toca ao crime de abuso de poder. Sendo que os elementos subjectivos dos crimes em apreço são dispares, pelo que os factos consubstanciadores dos mesmos terão que ser, consequentemente, considerados igualmente dispares, designadamente do ponto de vista da interpretação dos mesmos factos em sentido diametralmente diferente (atente-se, por exemplo, à questão da violação dos deveres funcionais). Pelo que teremos de considerar que, para esta subsunção diferente, terá que ocorrer uma verdadeira alteração substancial dos factos. O que é, aliás, confirmado pelo disposto na alínea f) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, onde se escreveu que “a imputação ao arguido de um crime diverso” daquele que consta da acusação configura alteração substancial. Tudo visto, a alteração da qualificação jurídica em crise configurou uma verdadeira alteração substancial dos factos, pelo que o ilustre coletivo de juízes, ao considerar que a mesma representou uma alteração não substancial, violou, entre outros, o disposto na alínea f) do artigo 1.º, na alínea c) do n.º 3 do artigo 283.º e no artigo 359.º, todos do Código de Processo Penal, bem como viola os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do processo penal. Pelo exposto, deve a referida alteração ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 120.º do Código de Processo Penal, nulidade que expressamente se invoca para os devidos e efeitos legais. E, consequentemente, deve o arguido ser absolvido da prática do crime de abuso de poder.
*
Recurso do arguido EE, com as seguintes conclusões:
1. A busca realizada aos 13/10/2020 na viatura ..., modelo ...0, com matrícula ..-..-BG, está ferida de nulidade decorrente do Art.º 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, por ter sido autorizada por quem não era, nem nunca foi proprietário da referida viatura, o aqui recorrente, sendo que, consequentemente, nunca podia tal busca ser validada, como o foi.
2. Da leitura atenta do primitivo mandado de busca e apreensão emitido a 12/10/2020 (fls 3173 – volume 9), assinado pelo ilustre Procurador da República Dr. NN, do mesmo apenas consta como local da diligência a “Oficina ...”, situada em ..., do suspeito EE” e, veja-se que em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, e quanto a este ponto em particular (ponto 107 dos factos provados), o Acórdão de que se recorre aponta o seguinte: “Em sede de alegações, a defesa do arguido EE colocou em causa a legalidade da busca ao veículo .... Cumpre salientar que não obstante o arguido EE ter referido ao Inspector aquando da busca, que o veículo sendo de sua propriedade, tinha sido vendido por si a um seu conhecido, tal versão não colheu minimamente. Em audiência, o arguido remeteu-se ao silêncio e não clarificou tais factos. Não consta dos autos qualquer prova documental ou testemunhal que permita associar a viatura ao referido conhecido do arguido, de nome OO, sendo de salientar que o inspector PP referiu que a viatura estava estacionada no logradouro da oficina do arguido ainda que se tratasse de um logradouro aberto. As fotografias juntas pelo arguido a fls. 11202 não permitem infirmar tais declarações.
De modo que se conclui que a viatura embora podendo ou não ser pertença do arguido, estava claramente na sua posse assim como a droga que se encontrava no seu interior.”.
3. Como resulta de forma clara e inequívoca das fotografias juntas pelo aqui recorrente em sede de julgamento a fls 11202, além do referido veículo se encontrar num logradouro aberto pertença da habitação, e não da oficina como aponta o “douto” Acordão, certo é, que se trata desde logo de um logradouro que tem acesso livre e totalmente aberto para a via pública, razão porque, além de se colocar em causa que apenas o mesmo tivesse acesso à mesma, a referida viatura inclusive encontrava-se aberta (do que deveria constar no auto mas perceptível nas fotos juntas em audiência) e ali deixada por um cliente para reparação e apenas esperando o competente pagamento dessa pedida reparação para a sua efectiva execução;
4. Outrossim, e com maior relevância para a nulidade aqui invocada, dúvidas não existem pois, que a referida viatura não é, nem nunca foi propriedade do aqui recorrente, como aliás resultará claro, transitado que esteja o presente Acordão e, entrega da mesma a quem consta do registo automóvel, cfr. o disposto no Acordão a fls… 348, é que, a referida viatura nunca foi efectivamente “… sua pertença…” como se imputa que terá dito aquando da busca (vj. auto de busca de fls. 3178), mas sim, numa linguagem clara, estava ali aparcada aguardando pagamento de concerto a realizar, o que é bem diferente para o assunto em apreço e, claramente resulta com que a referida busca na viatura ..., modelo ...0, com matrícula ..-..-BG, esteja ferida do vício da nulidade decorrente do Art.º 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, sendo ainda curioso, ou não, sublinhar-se a data da emissão do mandado de busca ao referido automóvel de fls… 3176, a qual, também ajudará a explicar a “surpresa” da referida apreensão e, consequente necessidade de apressadamente a mesma tornar legal, ao ponto de a mesma referir:
“… desde que não se encontrem nas suas residências e/ ou nas garagens das suas residências…”, olvidando-se contudo, que aquele local logradouro em causa é mesmo parte integrante da residência do aqui recorrente.
Noutra consonância,
5. E já concretamente concernante à apreciação da matéria de facto dada como provada, não pode pois deixar de entender-se que analisada toda a matéria de facto dada como provada e não provada exposta no Acordão de que se recorre, facilmente se percebe que o ponto de facto nº.107 dado como provado, a foi incorretamente julgado, pois que, existem concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (Artigo 412º nº 3 alínea a) e b) do C.P.P.).
6. Relativamente ao facto provado nº. 107, atente-se que, parece resultar evidente que o Tribunal “a quo” construiu uma teoria acerca da factualidade “sub judice”, na qual, imputa ao recorrente a pertença do produto estupefaciente apreendido, tudo o que, não bastasse a nulidade da busca em causa (já atrás neste recurso explanada), também não tem suficiente suporte junto da prova em julgamento produzida, de facto, nos termos do disposto no artigo 412.º n.º 3 al. b) do C.P.P., foi produzida prova em Audiência de Discussão e Julgamento, que impunha uma decisão final diversa.
7. Entende pois o recorrente, que a factualidade acima identificada pelo n.(s) 107 (dos factos provados), carece de efectiva correspondência com a prova produzida, nomeadamente, com as fotografias juntas pelo aqui recorrente em sede de julgamento a fls 11202, nas quais, facilmente se percebe que o veículo onde se encontrava o produto estupefaciente apreendido, encontrava-se aparcado num logradouro aberto pertença da habitação (e não da oficina como aponta o “douto” Acordão embora reconheça-se, junto à referida oficina), logradouro este, que tem acesso livre e totalmente aberto para a via pública, razão porque, desde logo se coloca em causa o facto de não apenas o aqui Recorrente pudesse ter acesso àquela viatura.
8. A viatura matrícula ..-..-BG, conforme é perfeitamente perceptível nas mencionadas fotos juntas em Audiência, encontra-se em degradado estado de conservação e, mais relevante do que tal, não se encontrar fechada (do que deveria constar no auto mas felizmente perceptível nas fotos juntas em audiência), é que, conforme já aqui foi transmitido, a viatura em causa foi ali deixada por um cliente para reparação (de nome OO cfr. deve constar no respectivo registo automóvel), apenas ali esperando o competente pagamento da pedida reparação para a sua efectiva execução (conclusão) e entrega.
9. Entende pois o aqui recorrente, que este ponto 107 da matéria de facto dada como provada, não tem suficiente alicerce testemunhal ou documental na prova produzida, pelo que a sentença recorrida padece do vício a que alude o Art. 410.º n.º 2 alínea a) do C.P.P..
Noutra confluência,
10. O colectivo na ponderação que fez, do uso legal do exercício do direito ao silêncio por parte do arguido aqui recorrente, decidiu o seguinte no capítulo do Acórdão epigrafado como “Da determinação da concreta medida das penas de prisão: “O julgamento decorreu na ausência do arguido que tendo comparecido na primeira sessão não prestou declarações e depois solicitou a dispensa da sua presença não denotando por isso, qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados.” (sublinhados meus), sendo que, já no capítulo da “Da substituição das penas de prisão”, acrescenta ainda que: “Considerando que o arguido se remeteu ao silêncio em audiência de julgamento, temos que aquele não denotou qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados.”.
11. Salvo o devido respeito, tal seguido entendimento é totalmente errôneo, pois certo é, que o arguido exerceu na audiência de discussão e julgamento um direito seu, consagrado no art. 61.º nº 1, alínea d) do C.P.P., sendo que, o direito ao silêncio é uma das mais importantes manifestações do direito de defesa no direito processual moderno.
12. Nestes termos, o exercício do direito ao silêncio, em nada poderá desfavorecer o arguido. Este direito legalmente consagrado, atravessa transversalmente todo o processo penal, sem que daí possa resultar qualquer prejuízo para a posição processual do arguido, tudo o que, como taxativamente se percebe das transcrições de parte do Acordão atrás realizada, em concreto, não ocorreu.
13. Da leitura atenta de todo o Acordão de que se recorre, percebe-se que o Tribunal “a quo” interpretou o silêncio do arguido/recorrente, como um assumir de todas as culpas, quase que como se dispensasse de imediato à realização da diligência de discussão e julgamento.
14. Também nesta parte, tem pois o Acordão recorrido de ser considerado nulo, por violação do princípio estruturante do nosso Processo Penal, da salvaguarda do Princípio do Direito ao Silêncio, previsto no Artigo 61.º nº 1, alínea d) do C.P.P..
15. A única presunção judicial que tem guarida no C.P.P., bem como, na C.R.P. é a presunção de inocência do arguido, presunção essa que neste ponto foi totalmente postergada, antes valendo o uso ao silêncio como inversão daquele princípio, valendo no caso dos presentes autos, um verdadeiro “in dubeo pro culpa”, tal conduta só se compreende na ânsia de obter uma condenação do arguido aqui recorrente, sem olhar a que se estavam a atropelar os mais elementares direitos fundamentais do arguido, como seja o direito ao silêncio.
16. O arguido não negou, nem confessou, remeteu-se ao silêncio pelo que falar em falta de sinais de arrependimento na razão de não se ter pronunciado sobre os factos, afigura-se-nos de muito grave e gritantemente violador dos mais elementares e estruturante princípios que norteiam um Estado de Direito.
Já concernante à medida da pena concreta aplicada,
17. O “douto” Acórdão omitiu na sua apreciação, relevantes circunstâncias anteriores e/ou posteriores à prática dos factos em apreço, nomeadamente, quanto ao comportamento posterior do Arguido e, à sua situação pessoal e laboral actual, toda ela plasmada no Relatório Social efectuado e, que se encontra junto aos autos, razão porque, salvo o devido respeito por melhor e “douta” opinião, estamos em crer que tal omissão viola o nº. 2 do Artº. 71º., do Código Penal Português.
18. Resultou suficientemente provado nos autos que o Arguido aqui recorrente valorizou e aproveitou quer o tempo em reclusão preventiva, quer todo este já largo período em liberdade até aos dias de hoje e, que pelo mesmo desde então, apresenta hábitos de trabalho em moldes regulares e, estabilidade familiar.
19. Ao que acresce, o facto de ter atravessado um período de consumo de estupefacientes (à data dos factos) e, ter hoje plena consciência das consequências negativas desse mesmo consumo, que justifica aliás, as parcas e quase insignificantes vendas de produto estupefaciente que vieram a resultar provadas em sede do Acordão de que se recorre, que mais uma vez se diga, apenas é alterado / distorcido, pela apreensão efectuada no veículo automóvel marca ... com matrícula ..-..-BG.
20. Entende pois a defesa do aqui recorrente, com todo o respeito, que quer esta realidade fáctica, quer o comportamento posterior aos factos subjacentes a estes autos deveria muito mais relevar na determinação da medida concreta da pena, o que não sucedeu no caso “sub judice”, ademais, é consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – cfr. nº. 2 do Artº. 40º. do Código Penal e, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal “a quo” não fez uma equitativa ponderação dos valores em causa.
21. Encontrar a “justa retribuição”, a “pena merecida” constitui a finalidade primeira da sanção e, no caso concreto, com a aplicação da pena de prisão efectiva de 4 anos e 6 meses de prisão, a meros 6 meses do limite máximo aplicável, entendemos que a pena concretamente aplicada largamente ultrapassou os limites impostos pela culpa do aqui recorrente, mostrando-se desadequada, desnecessária e injusta, não fosse aliás o facto, da presente condenação, independentemente de suspensa ou não, certamente resultar na revogação da pena suspensa de 4 anos de prisão aplicada no Proc. nº 42/15.1GACHV (já aqui mencionado), resultando com que, possa ter de cumprir em reclusão, subsidiariamente, 2 penas de prisão que somadas totalizariam 8 anos e 6 meses de prisão.
22. Pelas razões supra expostas, sempre deveria ter sido aplicada uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, em concreto, sempre mais afastada dos limites mínimos e máximos legalmente previstos.
Concernante à não suspensão da execução da pena de prisão;
23. No que concerne à não suspensão da pena de prisão aplicada, veja-se que, o Tribunal “a quo” apenas refere o seguinte: “Relativamente ao arguido EE, vai este condenado na pena de prisão de 4 anos e 6 meses pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Temos que o arguido está social e familiarmente inserido, e bem assim desenvolvia actividade profissional à data da sua detenção. Sucede que este arguido regista antecedentes criminais pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto lei 15/93, assim como pela prática de crime de detenção de arma proibida na pena de 4 anos de prisão suspensa por igual período e sujeita a regime de prova. Uma vez que a condenação transitou em julgado em 28/04/2017, ocorre que os factos dos presentes autos foram cometidos durante aquele período de suspensão. Considerando que o arguido se remeteu ao silêncio em audiência de julgamento, temos que aquele não denotou qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados.”, mais concluindo, dizendo que: “Não é por isso possível efectuar-se um juízo de prognose favorável em relação a este arguido de modo que se impõe o cumprimento da pena imposta de forma contínua e em estabelecimento prisional, sob pena de, de outra forma, não se confrontar o arguido com suficiente contra-motivação para resistir a novas tentações desviantes, ficando, então, aquém do limiar mínimo das exigências preventivas, mormente no domínio da prevenção geral.”.
24. O Acórdão ora recorrido, parece-nos não ter sido feita uma cabal análise ao registo criminal do recorrente e, posterior enquadramento com a prática dos presentes factos, impunha-se que o Tribunal “a quo” tivesse exposto, ainda que de forma concisa, todo o raciocínio lógicodedutivo, incluindo a necessária articulação até à aplicação concreta da pena e sua não suspensão.
25. Esta exigência de fundamentação visa também consentir a reapreciação da decisão em sede de recurso e, assim, na justa medida em que para a puder reapreciar o tribunal de recurso, tem de conhecer o modo e o processo de formação do juízo lógico nela contido que hajam sido determinativos do sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo, a respeito nomeadamente da coerência lógica, da conformidade com as regras da ciência e/ou da experiência comum.
26. O aqui recorrente, foi efectivamente antes já condenado por 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto Lei 15/93, assim como (no mesmo processo) pela prática de crime de detenção de arma proibida na pena de 4 anos de prisão suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, acontece que, à data dos factos que deram origem à presente condenação, ao contrário do processo antecedente, o aqui recorrente estava e era um consumidor de estupefacientes (do que hoje se encontra limpo).
27. Não foi efectuada uma ponderada e cabal análise de todo o percurso do recorrente, sendo-lhe vedada a possibilidade de suspensão desta pena de 4 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada, atendendo unicamente ao seu antecedente criminal e, sempre se diga que tal persistida e repetida argumentação, já utilizada também aquando da aplicação da medida concreta da pena, faz com que tudo resulte quase como numa violação do princípio “ne bis in idem”, consagrado no Artº. 29 nº. 5 da nossa Constituição da República, pois que, tal não pode ser tão decisivo e determinante em todos os relevantes pontos do Acordão deque se recorre, como o foi.
28. Na razão de todo o circunstancialismo fáctico imputado ao recorrente, o Tribunal “a quo”, poderia no uso do seu legítimo critério, e em alternativa, ter optado por uma pena bem menos penalizante, pois, no entender do arguido aqui recorrente, tal realizaria de forma perfeitamente adequada e suficiente as finalidades da punição, desde logo revelando, que o Tribunal “ad quo” não interpretou as normas constantes dos Art.(s) 40º., 50º. e 71º. do C.P. e 18º. nº. 2 da C.R.P., no sentido que as finalidades das penas são a sua reintegração na sociedade, reeducação e ressocialização, e não o sentido com que as terá interpretado, de que ao arguido aqui recorrente deverá ser aplicada tão severa punição.
29. O arguido é um indivíduo trabalhador e que tem procurado cuidar da sua vida laboral, estando numa atividade laboral regular e adequada à sua integração comunitária, sendo que, da demais matéria de facto a este respeito relevante e provada, bem poderia o Tribunal “a quo” ter tal melhor valorizado, tudo, numa perspectiva de desejada ressocialização extra muros.
30. A prevenção especial tem atrás de si uma ideia de incorrigibilidade do agente, o que, seguramente não é o caso do arguido EE, e seguindo os ensinamentos de Figueiredo Dias “Se uma tal carência se não verificar, tudo será questão, em termos de prevenção especial, de conferir à pena uma função de suficiente advertência do agente, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, ou mesmo que com ela coincida” (sublinhado meu).
31. Por certo será necessário ter em conta que do outro lado da balança, estão os interesses fundamentais de uma comunidade, mas com facilidade essa mesma comunidade entende, que mesmo sendo prevista a pena de prisão, esta, na sua aplicação/medida pode ser suspensa na sua execução, evitando-se assim, a existência de uma desproporcionalidade entre dois pontos essenciais que o regime penal Português pretende assegurar (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), sendo que, mais uma vez sublinhe-se, o Acordão recorrido não foi cego perante a importância da reintegração do agente na sociedade.
32. O Acordão de que se recorre sobrevalorizou a natureza do crime (cuja gravidade não se discute) e, acentuando a tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, não atentou, como devia, nos demais parâmetros a considerar.
33. As penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador, como, aliás, se afirma categoricamente no Preâmbulo do Código Penal, colocando-se a questão de saber se tal desiderato se alcança aqui com a efectividade da pena de prisão ou se para tanto ainda é suficiente uma pena substitutiva, como a suspensão da execução da pena.
34. O Tribunal quando aplica uma pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender (poder-dever) a sua execução, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do arguido, este juízo não deve assentar numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição (Art. 40 n° 1 do Código Penal) (cf., por ex., Ac. STJ de 8/7/98, C.J. ano VI, tomo II, pág. 25, de 24/5/2001, C.J. ano IX, tomo II, pág.201).
35. Parece evidente resultar do Acórdão ora recorrido, a existência de uma dupla/excessiva valoração da prevenção geral em prejuízo do aqui recorrente, a mesma resulta desde logo da medida da pena aplicada e, não bastante, também acentuada na não suspensão da mesma em resultado novamente e, essencialmente de critérios de prevenção geral, fazendo-se tábua rasa de tudo o mais resultante dos autos e, essencialmente, a melhor forma de atingir o fim último das penas, a desejada ressocialização.
36. Esta dupla valorização de critérios da prevenção geral absolutamente excessiva na apreciação dos Art.(s) 50º. 70º. e 71º. do C.P., constitui também uma clara e evidente violação da CRP, designadamente do princípio previsto no artigo 18º. nº. 2 da CRP, inconstitucionalidade que à cautela, e desde já, se invoca e aqui se suscita para os devidos e legais efeitos.
37. O Tribunal “a quo” não interpretou as normas constantes dos Art.(s) 40º., 50º. e 71º. do C.P. e 18º. nº. 2 da C.R.P., no sentido que as finalidades das penas são a sua reintegração na sociedade, reeducação e ressocialização, e não o sentido com que as terá interpretado, de que ao Arguido aqui recorrente deverá ser aplicada a mais severa das punições.
38. “In casu”, não parece pois de todo existir, qualquer elemento imperioso que afaste em definitivo e sem qualquer dúvida uma prognose favorável ao aqui recorrente, razão porque, entende-se que o Tribunal “a quo” não avaliou correctamente o grau da ilicitude, da intensidade do dolo e/ou negligência, das condições pessoais e económicas do agente, da conduta anterior e posterior aos factos, ou seja, da determinação da medida da pena em função da culpa e das exigências de prevenção.
39. Pelo exposto, cremos que a simples censura da ameaça de prisão decorrentes do regime da suspensão, são suficientes para acautelar as concretas necessidades de prevenção especial do caso vertente;
Termos em que,
40. Também nesta parte se deverá revogar o douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, suspendendo-se a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido, ou quanto muito sujeitá-lo a outro diversificado plano de regime de prova nos termos do Art.º 53º. Do Código Penal Português.
41. Disposições violadas: Artigos 50º., 53º. e 70º. do Código Penal e, Artigos 18º. nº. 2 e 32º. nº.1 da Constituição da República Portuguesa.
*
Recurso do Ministério Público, com as seguintes conclusões:
A. O Ministério Público vem recorrer do douto Acórdão proferido, apenas de direito;
B. O arguido BB vinha acusado e pronunciado pela prática, como co-autor com os arguidos MM, sua companheira, CC, DD, QQ, EE, GG, RR e SS, de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87. °, n.° 1, da Lei n° 5/2006, de 23-02, sendo que relativamente a este arguido BB acrescia a previsão da alínea c) do seu n.° 2 (tráfico e mediação de armas agravado);
C. O Tribunal a quo condenou-o pelo tipo simples, entendendo não se verificar a qualificativa do n.º2, alí. c) do referido art.º 87.º (o agente fizer daquelas condutas modo de vida);
D. Seguindo de perto a factualidade dada como provada, a sua fundamentação de facto e de direito, assim como a respetiva subsunção jurídica operada pelo Tribunal a quo, não podemos concordar com o afastamento desta qualificativa;
E. Relembramos que Tribunal a quo deu como provado que:
“BB (…)
Desde data não concretamente apurada, mas certamente anterior a Outubro de 2018 e pelo menos até ao dia 13 de Outubro de 2020, o arguido BB (também conhecido por “TT”), decidiu dedicar-se à venda de armas de fogo, e correspondentes munições nos termos em que se passam a descrever. (…) no Natal iria ter mais armas, oriundas da Suíça, e que tinha tabaco para vender. (…)” (sublinhado e ênfase nossos);
F. Está em causa um período de prática criminosa de mais de dois anos, que apenas foi interrompido por via da detenção dos arguidos;
G. É o próprio Tribunal a quo que dá como provado que desde data não apurada mas certamente anterior a Outubro de 2018 e pelo menos até ao dia 13 de Outubro de 2020 que este arguido, em concreto, se vem dedicando à atividade de compra e posterior venda ou cedência de armas de fogo e munições, em diversos locais, a todos os indivíduos que o contactassem para esse efeito, como forma de obter ganhos económicos. Armas e munições diversificadas, provenientes de vários países, designadamente, da Suíça e de Espanha;
H. Por outro lado, as apreensões e as transações concretizadas nos termos dados como provados pelo Tribunal a quo, são demonstrativas do tipo de armas e munições que os arguidos tinham em seu poder, guardadas nas respetivas residências e/ou espaços a que tinham acesso/utilizavam/frequentavam/usufruíam ou, a seu pedido, em outros locais, permitindo concluir, à saciedade, na nossa modesta perspetiva, quanto à existência de uma comunhão de propósitos e uma atuação concertada e orientada para a compra e venda de armas e munições, disso fazendo modo de vida;
I. “(…) Fazer desses crimes modo de vida quer simplesmente dizer: dedicar-se a essa prática como se fosse uma profissão ou um emprego, aqui se compreendendo também a situação hoje corrente de pluriemprego. De sorte que não se torna necessário, para o preenchimento da circunstância, que o agente se dedique exclusivamente a esses crimes. Pode perfeitamente a carreira criminosa em que se lançou coexistir com outros modos de vida, considerando que hoje não se ganha a vida apenas com rendimentos provenientes de uma fonte. Desde que o agente se dedique à prática de crimes de (…) como um dos seus modos de vida, (…) tanto basta para termos o preenchimento da circunstância.”  (assim decidiu o nosso Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão datado de 29-10-2008, processo n.º 1612/08-5ª, disponível para consulta in www.dgsi.pt). [sublinhado e ênfase nossos];
J. O facto de o arguido BB alegar ter meios próprios de subsistência, ou meios de rendimentos lícitos, não exclui que faça do tráfico e mediação de armas modo de vida;
K. “Para qualificar o crime não é necessário que se verifique a “profissionalidade” ou indo mais longe (…)  a “exclusividade” de ocupação para o agente se sustentar, bastando para tal a habitualidade da prática do crime para funcionar a qualificativa aqui em análise (in BMJ n.º 287, pág. 43; assim também decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão datado de 16-06-2015, processo n.º 202/10.1PBCVL.C1., disponível para consulta in www.dgsi.pt);
L. Seguindo de perto a factualidade dada como provada, verifica-se que os arguidos BB, DD, EE e GG (no que se integra no âmbito material do presente recurso), praticaram um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23-02;
M. E, no caso particular do arguido BB, da factualidade provada extrai-se, a nosso ver, o preenchimento da previsão da alínea c) do seu n.° 2: este arguido dedicou-se à atividade de compra e venda de armas de fogo e munições, pelo menos, certamente em momento anterior a outubro de 2018 e até 13 de outubro de 2020, durante mais de dois anos, sem que, contudo, fosse titular da necessária licença de uso e porte de arma ou de autorização para a detenção, venda ou cedência de armas ou munições a terceiros, fazendo dessa atividade modo de vida;
N. Ainda quanto ao arguido BB e relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, decidiu o Tribunal a quo que:
 “(…) No caso concreto, trata-se de droga com reduzido grau de danosidade, canábis. O arguido estava na posse de elevada quantidade de produto estupefaciente, nomeadamente o equivalente a 4337 (quatro mil trezentas e trinta e sete) doses, as quais destina à venda a terceiros. (…) Estava o arguido na posse de uma máquina de vácuo, da marca ...” e duas embalagens, acondicionando cem sacos de vácuo, sendo uma de tamanho 200X250 mm, e outra de tamanho 250X350 mm, assim como das quantias de € 745,00, € 29.000,00 e € 30.000,00. (…) Contudo não é possível apurar, com rigor, se essas quantias eram provenientes do tráfico de estupefacientes ou de armas ou se dos dois. Com os elementos constantes dos autos não é possível concluir pela existência de uma estrutura organizada tendente ao tráfico. Do que antecede, retiramos, então, uma imagem global do facto compatível com uma ilicitude comparativa (com o n.º 1 do artigo 21.º) consideravelmente diminuída. Nestes termos, é possível constatar uma substancial diminuição da ilicitude nos factos, o que se traduz num menor desvalor da acção e numa menor dimensão e expressão do ilícito compatíveis com a integração dos factos na previsão da alínea a) do artigo 25.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Provou-se também que o arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, conhecia a natureza e características dos produtos que vendeu e bem assim do produto que detinha, o qual destinava à venda a terceiros, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.  Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º do mesmo diploma. (…)” (sublinhado nosso)
O. Os factos dados como provados demonstram que não estamos perante uma atividade de compra e venda de produtos estupefacientes desenvolvida de forma rudimentar;
P. O crime do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, parte de uma ilicitude do facto «consideravelmente diminuída», tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações;
Q. No caso, importa considerar na sua globalidade a atuação do(s) arguido(s); o período temporal em que se desenvolveu a atividade; a elevada quantidade de estupefaciente que foi apreendido ao arguido [4337 (quatro mil trezentas e trinta e sete) doses, as quais destinava à venda a terceiros]; os objetos que lhe foram apreendidos, além de produto estupefaciente, produtos utilizados no seu embalamento/pesagem; a posse de elevadas quantias em dinheiro, que lhe foram apreendidas, € 745,00, € 29.000,00 e € 30.000,00;
R. Não estamos perante uma conduta isolada ou esporádica, mas antes perante um negócio que foi desenvolvido de forma duradoura, organizada e permanente, até ser interrompido com a detenção dos arguidos;
S. Neste quadro, na nossa perspetiva, a «imagem global do facto» encontra na moldura penal do artigo 21.º do diploma em referência uma resposta necessária, justa e proporcional, pois não se verificam, in casu, circunstâncias suscetíveis de revelar uma intensidade da ilicitude muito menor do que a pressuposta pela aludida norma, de molde a justificar uma punição que fique muito aquém da que resulta da respectiva moldura penal;
T. Atentos os factos dados como provados, entendemos que o arguido preencheu com o seu comportamento a tipicidade objetiva do crime de tráfico de estupefacientes, pois tinha consigo elevada quantidade de canábis que destinava à venda a terceiros; atuou com dolo direto, preenchendo assim a tipicidade subjetiva da referida infração; conhecia a proibição legal e não lhe assiste qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, sendo, portanto, o seu comportamento passível de censura ético-jurídica do ponto de vista criminal, devendo alterar-se a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo, e integrar-se a conduta do arguido BB no crime de tráfico [de estupefacientes], p. e p. pelo art.º 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01;
U. Quanto ao arguido FF, seguimos de perto os factos provados, nomeadamente, e com maior relevo, os factos 113., 114., 116., 118., 119., 120., 121., 122., 124., 129., 133., 135., 136., 137., 139., 142., 143., 144., 174. e 175.;
V. Transcrevemos, pela sua relevância subjetiva para o preenchimento dos tipos de crime por que o arguido FF vinha acusado e pronunciado, estes últimos factos 174. e 175.:
“(…) 174. O arguido FF agiu deliberada, livre e conscientemente, sabia que ao persuadir as pessoas a oferecerem ou venderem as armas a si ou a terceiros por sua indicação, ao invés de as entregarem a favor do Estado como pretendiam - armas essas a que tinha acesso em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, adquirindo para si tais armas ou ao mediar a sua venda assim as proporcionando a outros, dando-lhes destino diferente ao legalmente estabelecido - que violava os deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para si ou para terceiro beneficio ilegítimo e que não o podia fazer, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. (sublinhado e ênfase nossos)
175. Ao actuar da forma supra descrita o arguido FF, agiu deliberada, livre e conscientemente, ao fornecer aos armeiros informações da titularidade de armas registadas e manifestadas às quais tinha acesso por força do exercício das suas funções, bem como de lhes proporcionar a aquisição de armas gratuitamente ou a um preço inferior ao seu valor real, sabendo que agia em violação dos deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para os armeiros beneficio ilegítimo, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. (sublinhado e ênfase nossos) (…)”;
W. Ao arguido FF vinha imputada a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de tráfico e mediação de armas, agravado, p. e p. pelo artigo 87.º, n.os 1 e 2, alí. a), da Lei n° 5/2006, de 23-02, e de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373.º, n.° 1, do Código Penal
X. Dispõe aquele normativo que: “(…) 1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transação ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, adotar algum dos comportamentos previstos no artigo anterior, envolvendo quaisquer bens e tecnologias militares, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos aí referidos, é punido com uma pena de 2 a 10 anos de prisão. (…) (sublinhado e ênfase nossos)
Y. Por sua vez, o n.º2, alí. a) prevê que: “(…) 2 - A pena referida no n.º 1 é de 4 a 12 anos de prisão se: a) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão de alguma das atividades ilícitas previstas nesta lei; ou (…)” (sublinhado nosso)
Z. A enorme quantidade e diversidade de armas, munições e documentação conexa, e as múltiplas condutas descritas na factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, aliadas à especial qualidade do agente, por um lado, e ao período temporal prolongado da sua prática, por outro, só isso, por si só, faz o arguido FF autor dos crimes por que vinha acusado e pronunciado, referidos em W);
AA.Os factos dados como provados bem evidenciam a prática criminosa por funcionário com reiteração e aproveitamento/benefício ilegítimo para o próprio e/ou para terceiros, tudo decorrente das suas funções para ato ilícito;
BB.Não se diga, com todo o respeito que nos merece o Tribunal a quo, e que é muito, que a conduta do arguido neste âmbito se traduziu no “(…) normal exercício das funções (…)” e/ou que “(…) todas as transacções efectuadas ou mediadas pelo arguido FF, foram legalmente efectuadas, (…) Questão diferente seria se ele mediasse a venda (…) e o arguido se apropriasse delas e as introduzisse no mercado negro mas não foi o caso. E assim sendo, cremos que as suas condutas não se inserem objectivamente no crime de tráfico e mediação de armas, (…)”;
CC. O arguido FF exercia funções de agente da Polícia de Segurança Pública no Núcleo de Armas e Explosivos de ..., pelo que era funcionário nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 386.º, n.º 1, alínea a) do C.P.;
DD. Decidiu o Tribunal a quo: “(…) não temos dúvidas que o arguido ao actuar da forma descrita nos factos provados, nomeadamente ao persuadir as pessoas a oferecerem ou venderem as armas a si ou a terceiros por sua indicação, ao invés de as entregarem a favor do Estado como pretendiam inicialmente, armas essas a que tinha acesso em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, adquirindo para si tais armas ou ao mediar a sua venda assim as proporcionando a outros, dando-lhes destino diferente ao legalmente estabelecido, violava os deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para si ou para terceiro beneficio ilegítimo. (…)”; (sublinhado nosso)
EE.Além do crime de tráfico e mediação de armas, agravado, nos termos que aduzimos supra, o arguido FF, nos termos da factualidade dada como provada, incorreu, também, em concurso efetivo, na prática de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º1 do CP, por que vinha acusado e pronunciado;
FF. Dispõe este normativo que: “(…) 1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos. (…)” (sublinhado nosso); 
GG. É o próprio Tribunal a quo que no Acórdão proferido, na fundamentação de direito, mas para subsunção dos factos ao crime de abuso de poder, com o que não concordamos, refere “(…) Actuou o arguido com o propósito de obter para si (…) ou para terceiros (…) uma vantagem ilegítima (…)”. (sublinhado nosso);
HH. Atendendo aos factos provados mostram-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de corrupção passiva;
II. Ainda que assim se não entenda e sem conceder, também se não pode concordar com a subsunção destas condutas do arguido FF à previsão do crime de abuso de poder na forma continuada - art.º 30.º, n.º2 do C.P.;
JJ. Pois, não está demonstrada a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, tenha facilitado a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível um comportamento de acordo com a ordem jurídica;
KK.O crime continuado pressupõe uma diminuição considerável da culpa e o que se verifica no caso dos autos é precisamente o contrário;
LL. O arguido FF prevalecia-se das suas funções de agente da Polícia de Segurança Pública no Núcleo de Armas e Explosivos de ... para perpetrar os factos, muito graves, por que foi acusado e pronunciado e que foram dados como provados, parte deles já transcritos supra, sobretudo, nos pontos 114., 118., 122., 139., 174. e 175.;
MM. O que se extrai dos factos provados é um juízo de culpa agravado, e não um juízo de culpa diminuída;
NN. O arguido FF decidiu aproveitar-se do facto de exercer funções de agente da Polícia de Segurança Pública no Núcleo de Armas e Explosivos de ..., para obter para si e/ou para terceiros dividendos financeiros, relativamente a armas e munições, e também obter para si armas que lhe interessassem, em função do reduzido preço relativamente ao seu valor real;
OO. Para o efeito, mantinha contactos com armeiros e pessoas das suas relações de amizade, ou outros por estes indicados, interessados na aquisição de armas e munições, e quando os detentores de armas e munições compareciam no seu serviço, ao invés de as receber e registar a entrega, mediava a sua venda, por montante muito inferior ao seu valor real, e recebia do comprador uma verba previamente combinada;
PP.Levou por diante as suas condutas mesmo conhecendo todos os seus legais deveres funcionais e, bem assim, norma interna da PSP, que proíbe os agentes de contactos com as pessoas que se deslocam à Esquadra, para entregar armas, no sentido de as dissuadir;
QQ. Ao mesmo tempo, utilizava o acesso informático a que tinha livre acesso única e exclusivamente para o desempenho das suas funções e por causa delas, para, a pedido deles, na grande maioria dos casos Armeiros, averiguar os registos dos donos de armas, e elaborar novos livretes e manifestos de armas, a troco de dinheiro;
RR. Agiu deliberada, livre e conscientemente, ao aceitar receber dinheiro da mediação das armas e de prestar serviços a Armeiros, nomeadamente fornecendo-lhes informações da titularidade de armas registadas e manifestadas, bem como elaborar novos manifestos e licenças de armas, bem como de lhes proporcionar a aquisição de armas a um preço inferior ao seu valor real, o que fez em violação dos deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas;
SS.In casu, não se verifica circunstância exterior, suscetível de fazer diminuir a culpa, pois que tal não decorre da apurada factualidade, mas tão só uma predisposição anterior do agente para a prática dos crimes, pelo que as suas plúrimas condutas se não reconduzem à prática do crime na forma continuada  (excluído está o crime continuado);
TT. Decidiu o Tribunal a quo que “(…) estamos perante uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída (…)”, o que não podemos admitir;
UU. Os factos provados demonstram, na nossa perspetiva, uma culpa elevada e agravada e bem assim que o arguido preencheu com os seus comportamentos a tipicidade objetiva e subjetiva, em concurso efetivo, dos crimes de tráfico e mediação de armas, agravado, p. e p. pelo artigo 87.º, n.os 1 e 2, alí. a), da Lei n.° 5/2006, de 23-02, e de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373.º, n.° 1, do C.P.;
VV.Se Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, assim não entenderem, e mantiverem a subsunção jurídica dos factos imputados ao arguido FF no crime de abuso de poder, entendemos estarem em causa tantos crimes quantos os atos violadores dos deveres funcionais, tudo em conformidade com o disposto no art.º 30.º, n.º1, do C.P..
WW. o arguido EE foi absolvido da prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 do RJAM de que vinha pronunciado; também foi absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e as suas condutas foram subsumidas a um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º e à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, em conjugação com o n.º 1 do artigo 14.º e com o artigo 26.º do Código Penal;
XX.Importa considerar a factualidade dada como provada, designadamente, no que respeita às transações concretamente apuradas e, também, ao que foi apreendido ao arguido no dia 13 de outubro de 2020, com especial relevo para as 995,730 gr. de canábis (folhas/sumidades), equivalente a 2549 doses, que destinava à venda a terceiros, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei;
YY.Pelos factos provados, a que já aduzimos supra e transcrevemos parcialmente, entendemos que o arguido EE deverá ser condenado nos precisos termos por que vinha acusado e pronunciado: pela prática um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87.°, n.° 1, da Lei n° 5/2006, de 23-02, e pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A e I-C, anexas a este diploma;
ZZ. O arguido GG foi absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, de que vinha pronunciado, e viu convolada a sua conduta na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º e à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, em conjugação com o n.º 1 do artigo 14.º e com o artigo 26.º do Código Penal;
AAA. Releva, numa apreciação global dos factos dados como provados, a elevada quantidade de produto estupefaciente que o arguido tinha na sua posse, 1.100,844 gr. de canábis (folhas/sumidades), equivalente a 1254 doses, que destinava à venda a terceiros, assim como objetos afetos ao tráfico de estupefacientes, para pesagem, embalamento e acondicionamento do produto;
BBB. Entendemos, com a fundamentação densificada supra, que o arguido incorreu na prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por que vinha pronunciado;
CCC. Impugnam-se as concretas penas em que foram condenados os arguidos BB, FF, EE, CC, GG e DD;
DDD. O crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º, n.º 1, do RJAM é punível com pena de prisão de 2 a 10 anos; a circunstância agravante do n.º2, alí. c), do mesmo normativo, eleva a pena abstrata, que passa a situar-se entre os 4 e os 12 anos de prisão;
EEE. O arguido BB apresenta antecedentes criminais (duas anteriores condenações) pela prática de crime da mesma natureza jurídica face ao crime de tráfico e mediação de armas em causa nos autos;
FFF. Subsumindo as suas condutas, nos termos que propugnamos, com a fundamentação vinda de descrever, ao crime de tráfico e mediação de armas agravado, e considerando a fundamentação de direito do Tribunal a quo, temos que: a culpa deste arguido é elevada, tendo o mesmo atuado com dolo direto, a ilicitude dos factos é muito elevada considerando que se tratou da venda de diversas armas e munições envolvendo valores monetários bastante consideráveis e tendo o arguido atuado num período de tempo relativamente alargado; o arguido tinha na sua posse quantidade significativa de armas de fogo; em audiência de julgamento remeteu-se ao silêncio, o que denotou total ausência de consciência crítica e auto-responsabilização pelas suas condutas;
GGG. As exigências de prevenção geral são muito elevadas, e têm-se acentuado pela nocividade social do tráfico, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, razão porque reclama, de um modo geral, uma punição severa;
HHH. Também as exigências de prevenção especial são significativas, atendendo a que o arguido apresenta antecedentes criminais pela prática de crimes de idêntica natureza;
III. A factualidade praticada é muito grave, pelo que a pena concreta a aplicar não deverá ser inferior a 7 (sete) anos de prisão, que se reconduz a meio da moldura abstrata, o que se nos afigura proporcional à medida da culpa;
JJJ. O crime de tráfico [de estupefacientes], p. e p. pelo art.º 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01, como vimos de fundamentar a necessidade de subsunção das condutas do arguido a este ilícito, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos;
KKK. Pese embora “(…) o tipo de drogas que vendia, vulgarmente designadas como drogas leves, (…) mas estando o arguido na posse de grande quantidade de estupefaciente e visando o arguido apenas o lucro uma vez que não se apurou que aquele fosse consumidor (…)”, entendemos que o arguido BB deverá ser condenado na pena de 4 anos e 8 meses, pena concreta muito próxima do limite mínimo da pena abstrata, desde logo porque o arguido não tem antecedentes criminais pela prática deste crime;
LLL. Em cúmulo jurídico destas penas referidas em III) e KKK), compreendido entre os 7 e os 11 anos e 8 meses de prisão, entendemos ao abrigo do disposto no art.º 77.º do C.P., e tendo bem presentes as finalidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, que o arguido BB deverá ser condenado na pena única de 8 anos de prisão;
MMM. No caso do arguido FF, a culpa é muito elevada e o mesmo atuou com dolo direto; “(…) a ilicitude da conduta (…) afigura-se também muito elevada atendendo ao elevado período temporal em que praticou as referidas condutas e as concretas circunstâncias em que cometeu os ilícitos. (…)”. (sublinhado nosso); este arguido não apresenta antecedentes criminais registados; na audiência de julgamento prestou declarações, mas não confessou a prática dos ilícitos, pelo menos, não nos termos conformados pela acusação e pronúncia; 
NNN. Este arguido foi condenado na pena de prisão de 1 ano e 6 meses pela prática do crime de abuso de poder, na forma continuada;
OOO. Afastamos esta qualificação jurídica das condutas do arguido como um crime de abuso de poder e afastamos o crime continuado, pela fundamentação que aduzimos supra e para onde nos remetemos;
PPP. Considerando os factos provados, entendemos, como já afloramos supra, que o arguido praticou um crime de tráfico e mediação de armas, agravado, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.os 1 e 2, alínea a), do RJAM e um crime de corrupção passiva, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1, do mesmo diploma, por que vinha pronunciado;
QQQ. Pese embora o arguido não apresente antecedentes criminais, a culpa é muito elevada, o dolo é intenso e a factualidade praticada é muito grave;
RRR. As exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas, possuindo este tipo de crimes uma fortíssima ressonância negativa na consciência comunitária, para o que se torna imperioso salvaguardar dessa forma a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objetividade e eficácia os interesses gerais, reclamando que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante condutas tão graves como o tráfico e mediação de armas praticado por ‘funcionário’ e de corrupção passiva para ato ilícito; acrescem razões de prevenção especial, considerando a própria postura do arguido, de desvalorização dos seus comportamentos, não lhe conferindo a extrema gravidade que lhes subjaz, sem que daí se extraia o interiorizar do desvalor da ação;
SSS. Nesta medida, deverá o arguido FF ser condenado: 
- na pena de 7 anos de prisão pelo crime de tráfico e mediação de armas, agravado; e
- na pena de 3 anos de prisão pelo crime de corrupção passiva;
TTT. A moldura concreta a considerar para efeitos de cúmulo jurídico de penas compreende-se entre os 7 e os 10 anos de prisão;
UUU. Em cúmulo jurídico destas penas de prisão, entendemos, ao abrigo do disposto no art.º 77.º do C.P., que o arguido FF deverá ser condenado na pena única de 8 anos de prisão;
VVV. Quanto ao arguido EE, extrai-se dos autos que o mesmo apresenta antecedentes criminais (duas anteriores condenações) pela prática de crime da mesma natureza e praticou os factos em causa nos autos no período de suspensão da execução da pena de prisão;
WWW. Remeteu-se ao silêncio em audiência de julgamento, não demonstrando qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados;
XXX. Este arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
YYY. Pela factualidade dada como provada, a que já aduzimos supra e transcrevemos parcialmente, entendemos que o arguido EE deverá ser condenado nos precisos termos por que vinha pronunciado: pela prática de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23-02, e pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A e I-C, anexas a este diploma;
ZZZ. Ao crime de tráfico e mediação de armas corresponde uma pena de prisão de 2 a 10 anos; ao crime de tráfico [de estupefacientes], p. e p. pelo art.º 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01, corresponde pena de prisão de 4 a 12 anos;
AAAA. O arguido EE apresenta antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, praticou os factos por que agora foi condenado durante o período de suspensão da execução da pena de 4 anos de prisão em que havia sido condenado no processo comum coletivo n.º 42/15.1GACHV, pelo que deverá ser condenado, nestes autos, nas penas seguintes, que não ultrapassam a medida da culpa:
- na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pelo crime de tráfico e mediação de armas, e;
- na pena de 5 anos e 8 meses de prisão pelo crime de tráfico [de estupefacientes];
BBBB. São muito elevadas as exigências de prevenção geral e são ainda mais elevadas as exigências de prevenção especial;
CCCC. Ao abrigo do disposto no art.º 77.º do C.P., entendemos que este arguido deverá ser condenado na pena única de 7 anos e 8 meses de prisão, fixando-se a moldura do cúmulo entre os 5 anos e 8 meses e os 10 anos e 2 meses de prisão;
DDDD. O arguido CC foi condenado pela prática do crime de tráfico e mediação de armas na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
EEEE. A este crime corresponde uma pena de prisão de 2 a 10 anos;
FFFF. Entendemos, pela factualidade dada como provada e pela natureza e gravidade do crime praticado, que o arguido CC deverá cumprir a pena em que foi condenado em regime de efetividade;
GGGG. Elevam-se, sobretudo, exigências de prevenção geral; 
HHHH. No que respeita ao crime de tráfico e mediação de armas, estas finalidades têm-se acentuado pela nocividade social do tráfico, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, razão porque reclama, de um modo geral, uma punição severa;
IIII. Acrescem também razões de prevenção especial, ainda que medianas;
JJJJ. No que respeita ao arguido GG consideramos que a culpa é elevada, sendo que o dolo é direto e intenso; a ilicitude da conduta afigura-se-nos mediana atendendo ao tipo de estupefaciente que detinha para venda, nomeadamente canábis, sendo certo que detinha na sua posse quantidade já bastante apreciável de droga a qual destinava à venda a terceiros;
KKKK. O arguido não possui antecedentes criminais pela prática deste tipo de crime, mas tem averbada no seu CRC uma condenação pela prática, em 2016, de um crime de violência doméstica, em que lhe viu aplicada uma pena de substituição, que não surtiu qualquer efeito dissuasor da prática de crimes;
LLLL. São muito elevadas as exigências de prevenção geral e são elevadas as exigências de prevenção especial, tanto mais que uma condenação anterior que o arguido sofreu em pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que por crime de diversa natureza, não surtiu qualquer efeito de conformação do comportamento futuro do arguido ao Direito, nem o afastou da prática de crimes;
MMMM. Nesta medida, não vislumbramos que factualidade atenuante se poderá considerar para continuar a formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro deste arguido;
NNNN. Acresce que, o julgamento decorreu na ausência do arguido que, tendo comparecido na primeira sessão, não prestou declarações e depois esteve sempre ausente, a seu pedido, não denotando, por isso, qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados;
OOOO. Este arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de 1 ano e 5 meses de prisão;
PPPP. Pela factualidade dada como provada, com relevo substancial para a quantidade de produto estupefaciente que este arguido tinha na sua posse, e com a fundamentação melhor densificada na motivação, subsumimos a sua conduta ao crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por que vinha pronunciado;
QQQQ. Corresponde a este ilícito pena de prisão de 4 a 12 anos e, tendo subjacentes exigências de prevenção geral e especial, entendemos que o mesmo deverá ser condenado na pena de 5 anos de prisão;
RRRR. Inexiste nos autos qualquer elemento legitimador de um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do arguido, tanto mais que pese embora a natureza diversa da condenação averbada no seu certificado de registo criminal, o certo é que já beneficiou em momento anterior, por ter praticado crimes contra as pessoas, da aplicação de uma pena de substituição e, ainda assim, não se coibiu de continuar a praticar crimes, não alterando nem adequando o seu comportamento ao dever ser e ao direito;
SSSS. Não demonstrou ter interiorizado o desvalor da conduta, não demonstrou arrependimento, nem consciência da gravidade dos factos praticados, o que eleva as exigências de prevenção especial, sendo já muito elevadas, como referimos, as finalidades de prevenção geral;
TTTT. Se assim não se entender, deverá a pena de 1 ano de 5 meses de prisão em que foi o arguido GG foi condenado ser agravada para 3 anos de prisão efetiva;
UUUU. O arguido DD foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, do RJAM, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
VVVV. Salientamos que a culpa do arguido é elevada, atuou com dolo direto; a ilicitude dos factos também é elevada, considerando que o arguido vendeu armas e munições durante largo período temporal (durante cerca de 2 anos), assim como as dava a reparar/transformar ao co-arguido RR para posteriormente as vender; além de que o arguido tinha na sua posse significativa quantidade de armas e munições que destinava à venda a terceiros;
WWWW. Assume neste âmbito especial relevância o arguido - apresentar antecedentes criminais pela prática de crime desta natureza, para o que sofreu uma condenação transitada em julgado a 02-01-2017, pela prática de um crime de detenção de arma proibida e um crime de violência doméstica, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, com regime de prova, e nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima por 1 ano e 3 meses e proibição de uso e porte de armas por 2 anos e 9 meses (…)”;
XXXX. Esta condenação não surtiu qualquer efeito dissuasor no comportamento do arguido, nem o fez interiorizar a gravidade das suas condutas, e o desvalor da ação, nem afastou o arguido do crime; apesar da pena acessória de proibição de uso e porte de armas por 2 anos e 9 meses, cuja execução se prolongou na pendência destes autos, ainda assim, o arguido tinha na sua posse as armas e inúmeras munições que lhe foram apreendidas;
YYYY. São muito elevadas as exigências de prevenção geral e são ainda mais elevadas as exigências de prevenção especial;
ZZZZ. Atenta a moldura abstrata aplicável, compreendida entre 2 e 10 anos de prisão, entendemos que o arguido deverá ser condenado na pena de 4 anos e 8 meses de prisão efetiva;
AAAAA. Se assim não se entender, deverá a pena de 3 anos de 6 meses de prisão em que foi condenado ser efetiva;
BBBBB. Violou o Tribunal a quo, os artigos 30.º, n.º1, 40.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 70.º, 71.º, 26.º, 30.º, n.º 2, 77.º, 373.º, n.º 1., 382.º, todos do Código Penal, 87.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e c), do RJAM, 21.º e 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01. 
*
Aos recursos interpostos pelos arguidos BB, FF, CC e EE, respondeu o Ministério Público, concluindo pela respectiva improcedência, concluindo que:

1. O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2. “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.
3. São as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.
4. Os arguidos BB, CC e EE têm antecedentes criminais, não os tendo o arguido FF.
5. No que ao BB concerne:  A acção encoberta questionada pelo arguido não enferma de qualquer ilegalidade, ou nulidade, tendo decorrido nos termos da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, e em respeito à demais Legislação aplicável.
6. Não foram usados na investigação nem nas fases posteriores do Processo quaisquer métodos proibidos de prova.
7. Todas as provas foram avaliadas de acordo com o consignado no artigo 127º do Código de Processo Penal e não foi violado pelo Douto Acórdão qualquer preceito legal de direito europeu, constitucional ou criminal.
8. Não padece o Douto Acórdão de erro notório na apreciação da prova, p. no artigo 410º, nº2, alínea c), do Código de Processo Penal.
9. O qual “vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias”. Erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova”
10. O Tribunal “a quo” fez um exame crítico da prova, explicou de modo detalhado as provas que considerou, como e porquê as valorou, não procedendo os argumentos do recorrente.
11. O ora recorrente BB foi condenado de acordo com provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas.
12. Devem permanecer inalterados todos os factos dados como provados e não provados no Douto Acórdão, em especial deverão persistir intocados os factos, constantes dos números: 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7),8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18, 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), #0), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 59) 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66) e 167), uma vez que se baseiam em consistentes provas, todas elas legais, às quais foi adicionada a Legislação pertinente.
13. Não contrariou o Tribunal “a quo”, nem o Douto Acórdão, o disposto nos artigos: artigos 6.º da CEDH, 18.º, 20.º, 25.º, 26.º, 32.º e 34.º da CRP, 126, n.ºs 1, 2, al. a) e 3 do CPP e 3.º, 4.º e 5.º da Lei n.º 101/2001, de 25/8, ou quaisquer outros preceitos de direito europeu, constitucional ou criminal.
14. No que concerne à medida das penas reitera-se com o respeito devido, o que consta do Recurso interposto pelo Ministério Público a 11-4-2024, Referência: ...40.
15. Todavia, dir-se-á que nas circunstâncias do recorrente não é possível fazer um juízo de prognose favorável, para além do limite p. no artigo 50º, nº1, do Código Penal.
16. Não deverá ser alterado o incidente de declaração de perda ampliada nos termos que o arguido pretende, uma vez que ocorreu qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.
17. Devendo improceder o recurso.
18. Arguido CC:
19.Todas as provas foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu conjunto e não foram violados quaisquer dispositivos legais.
20. “Quanto ao vício previsto pela al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada”, in www.dgsi.pt, Proc. nº 81/12.4GCBNV.L1.S1 , STJ, 2-3-2016”
21. Não ocorre no Douto Acórdão o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelo arguido.
22. Assim como, não padece de Contradição insanável da fundamentação, veja-se p. favor o que se diz no sumário do Douto       Acórdão do STJ, em www.dgsi.pt,    proc.02/08.0GEALR.E1.S1,  24-02-2016:
III - Há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorre quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova indicados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.
23. Analisado o Douto Acórdão que o arguido impugna não se constata qualquer contradição entre factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão, não devendo surtir efeitos a tese do arguido.
24. No que tange ao "erro notório na apreciação da prova”, também invocado pelo recorrente, dir-se-á que não ocorre no Douto Acórdão e que as provas foram avaliadas segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, artigos 127º e 410º, nº2, alínea c), do Código de Processo Penal.
25. O arguido CC foi condenado com provas legais, bastantes e adequadas, não padecendo o Douto Acórdão de qualquer vício.
26. Teve em consideração o Tribunal “a quo” todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis que tinha de considerar relativamente ao arguido.
27. Deve permanecer intocado o incidente de declaração de perda ampliada nos termos que o arguido pretende, uma vez que não ocorreu qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.
28. Não violou o Douto Acórdão as previsões dos artigos 127º, 340º, 410º n.º2, al. a) b) e c) , art.º 12º , 18º e 32º da Constituição da Republica Portuguesa e artigos 1º e 7º da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro.
29. Devendo improceder o recurso do arguido.
30. Arguido FF:-O princípio do “In dubio pro reo”:
 “O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito”.
31. Sabe-se que o aludido princípio se situa ao nível da apreciação da prova e valoração da matéria de facto e é corolário do princípio da presunção da inocência e só a dúvida sobre a realidade de um facto é que deve ser decidida a favor do arguido.
32. Não tinha o Tribunal “a quo” de aplicar o princípio do “in dubio pro reo” pois não se suscitaram dúvidas fundadas, sérias, relevantes, no que concerne à prática pelo arguido dos factos dados como provados.
33. Razões pelas quais, não devem ser alterados os factos dados como provados:113 ,114, 115, 121, 122, 123 e 134.
34. Aliás, toda a matéria de facto dada como provada no Douto Acórdão, deverá persistir na íntegra, uma vez que se provou totalmente.
35. Não ocorreu nos autos qualquer alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, como pretende o arguido, nem qualquer nulidade, devendo o Douto Acórdão persistir ao contrario do que reivindica o arguido, artigo 359º do CPP.
36. Não desrespeitou o Douto Acórdão o consignado nos artigos: na alínea f) do artigo 1.º, na alínea c), n.º 3 do artigo 283.º e no artigo 359.º, todos do Código de Processo Penal.
37. Nem violou os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do processo penal, assim como não ocorre qualquer nulidade p. no artigo 120º ainda do Código de Processo Penal.
38. Devendo improceder o recurso do arguido FF.
39. Arguido EE: Não padece a busca efectuada ao veículo do arguido de qualquer nulidade ou irregularidade, tendo sucedido nos termos previstos no Código de Processo Penal, artigos 174º e seguintes.
40. A matéria de facto dada como provada no Douto Acórdão, em especial a que respeita ao arguido EE, provou-se na íntegra, não havendo razões para ser modificada.
41. Não contraria o Douto Acórdão o disposto nos artigos 50º,  53º e 70º, do Código Penal, nem o prescrevem os artigos18º. nº. 2 e 32º, nº.1. da Constituição da República Portuguesa.
42. A medida da pena: O arguido questiona a medida das penas.
43. Mas, no que tange à medida das penas parciais e única relativas ao arguido EE, remete-se com o respeito devido, para o recurso interposto do Douto acórdão a 1-4-2024, Referência: ...40.
44. Não violou o Douto Acórdão, o que asseveram os artigos 40°, n°s 1 e 2, 50°, n°s 1 e 2 e 71°, n°s 1 e 2, todos do Código Penal, nem quaisquer outros preceitos de direito europeu, constitucional ou criminal.
45. Não deverá o Douto Acórdão recorrido ser modificado por causa da argumentação constante dos recursos dos 4 arguidos.
46. As respostas aos recursos dos 4 arguidos, deverão ser coordenadas com o recurso interposto pelo Ministério Público a 11-4-2024, Referência: ...40, o qual damos aqui por integralmente reproduzido, com o respeito devido.
*
Ao recurso interposto pelo Ministério Público, responderam os arguidos:

GG, apresentando as seguintes conclusões:
1. Insurge-se e recorre o Ministério Público da condenação do arguido GG pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade na pena de um ano e cinco meses de prisão cuja execução se decidiu suspender.
2. Invoca para tanto a errada qualificação jurídica dos factos e o facto notoriamente falso do arguido não ter prestado declarações nas audiências de discussão e julgamento e de o julgamento ter decorrido na sua ausência o que configura na óptica da recorrente um comportamento passível de agravar a pena aplicada ao recorrido.
3. O recurso a que responde o recorrido, cremos, deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
4. Seja porque da factualidade dada como provada não se pode extrair que o Tribunal recorrido tenha efectuado errado enquadramento jurídico - circunstância que se deve ajuizar pelo modalidade da acção - in casu mera posse - período temporal - que se cinge à mera posse - extensão espacial - unicamente a residência do recorrido - tipo e quantidade do estupefaciente - canabis folhas e sumidades, droga “leve”, em quantidade equivalente à posse de 200 gramas de canabis resina - dano efectivo no bem jurídico protegido - in casu nenhum, atenta a inexistência de qualquer venda ou cedência a terceiros - sofistifação - inexistente.
5. Seja porque é falso que o arguido não tenha prestado declarações – vide ata do dia 03-10-2022  e página 173 do acórdão, 3º parágrafo - circunstância de denota desconformidade com o dever de zelo e objectividade a que a digna magistrada do Ministério Público deve obediência de acordo com o disposto no artigo 103º e 104º do Estatuto do MP e que nunca poderia, caso tivesse sido exercido, em obediência aos direitos mais basilares do nosso ordenamento jurídico ser motivo para o desfavorecer - artigo 61º , 343º do CPP e 32º da CRP.
6. No mais, não é compreensível ainda a alegação de que tendo o julgamento decorrido na ausência do arguido, tal circunstância seja razão para justificar punição mais severa ou desconformidade com o dever ser, na medida em que de acordo com o disposto no arguido 334º do CPP é um direito que assiste ao arguido aqui recorrido.
7. Em suma, não decorre da motivação e conclusões apresentadas qualquer vício de direito que inquine o Acórdão proferido devendo manter-se o decidido que como cuidamos de expor na motivação,
8. De facto antolha-se que o recorrido sofreu punição antecipada, injustificada e desproporcional em sede de aplicação de medida de coação privativa da liberdade que em face do que indiciavam os autos quanto a si aquando da sua detenção e tomando em consideração o que foi possível coligir em sede de inquérito se reveste de injusta.

BB, não apresentando conclusões, pediu a improcedência do recuso do Ministério Público alegando que “o Tribunal recorrido, adversamente ao pretendido pelo recorrente Ministério Público, não violou o art.º 87.º, n.º 2, al. c) do RJAM nem o art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22/1”;

DD, apresentando as seguintes conclusões:
I. Sem quebra do muito respeito devido, o recurso agora em contraminuta não assenta em razões válidas e deve, por isso, improceder.
II. Nos segmentos que vem impugnado, o douto acórdão recorrido atentos os judiciosos fundamentos ali terçados, o mesmo mostra-se inatacável, resistindo sem qualquer dificuldade às críticas que lhe endossa o Recorrente.
III. O núcleo central do dissenso manifestado pelo Ministério Público radica na medida da pena aplicada e, concomitantemente, na suspensão da execução da mencionada pena.
IV. “Em audiência de julgamento o arguido assumiu uma atitude de extrema colaboração com o Tribunal. Confessou a totalidade dos factos que lhe vinham imputados e ainda alguns que da acusação não constavam, em seu claro prejuízo. Só não confessou a co-autoria com os demais arguidos que, aliás, também não se provou. Manifestou arrependimento que nos pareceu sincero.”
V. Ora, do texto da decisão recorrida, resulta cristalino que o arguido foi aquele que desde a primeira hora, contribuiu para o apuramento da verdade material – confessando a integralidade dos factos constantes da douta acusação pública e outros que desta não constavam, mesmo em seu desfavor.
VI. É verdade que o arguido conta com uma inscrição no seu certificado de registo criminal mas, olvida-se a Recorrente, certamente por lapso,  que apesar de constar do registo criminal do arguido inscrições de antecedentes criminais, a verdade é que os mesmos são de natureza jurídica diferente dos crimes em causa nestes autos, sendo que em todos eles, as penas já foram declaradas extintas pelo cumprimento.
VII. A Recorrente olvida-se, igualmente, certamente por lapso, que os factos em causa nos presentes autos respeitam a um período relativamente ao qual já as penas sofridas pelo arguido haviam sido declaradas extintas.
VIII. Daí que, ressalvado o respeito devido, os antecedentes criminais do arguido não poderão, em todo o caso, motivar a aplicação a este de uma pena detentiva da liberdade, como pretende o Ministério Público.
IX. A este respeito, de acordo com o já citado art. 70º do Código Penal o Tribunal deve preferir a pena não detentiva à pena privativa de liberdade sempre que aquela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
X. Refere FIGUEIREDO DIAS na ob. cit. “o Tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas (…)” e “a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”. E continua: “O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação de culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.
XI. É consabido que a suspensão da execução da pena não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e reeducativa (cf. Ac. do STJ de 30-091999, Proc. n.º 578/99 - 5.ª, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 213) com vista à realização – de forma adequada – das finalidades da punição, isto é, da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, n.º 1, do CP).
XII. Como se refere no Ac. deste STJ de 10-11-1999 (Proc. n.º 823/99 - 3.ª, in SASTJ n.º 35, pág. 74): «Não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas».
XIII. E tem de ter na sua base um juízo de prognose social favorável ao arguido, isto é, que a respectiva condenação constitua uma séria advertência e um forte alerta para que não volte a delinquir, a praticar crimes: para aquele juízo de prognose deve ter-se a esperança de que o arguido, em liberdade, adira, sem quaisquer reservas, a um processo de socialização (cf., neste sentido, Ac. do STJ de 24-052001, in CJSTJ, IX, tomo 2, pág. 201). Tal juízo de prognose tem de reportar-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime (cf. Ac. do STJ de 11-05-1995,  Proc. n.º 47577 - 3.ª), e deve assentar «em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza sem que, todavia, se exija uma certeza quanto ao desenrolar in SASTJ n.º 46, pág. 54).
XIV. Deste modo para determinar a suspensão da execução da pena, o tribunal deve considerar os elementos referidos no art. 50.º n.º 1 do CP: a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. 
XV. Se, da ponderação de todas essas circunstâncias, o Tribunal concluir favoravelmente sobre o comportamento futuro do arguido, decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena serão ou não suficientes para satisfazer as supra mencionadas finalidades da punição.
XVI. E, no caso dos autos, atenta a postura mantida pelo arguido ao longo de todo o processo, no qual contribuiu ativamente para a descoberta da verdade material, associado ao arrependimento sincero demonstrado perante os factos de que vinha acusado – nenhuma dúvida subsiste de que, a simples censura do facto e a ameaça da pena serão são por si só suficientes para satisfazer as mencionadas finalidades da punição.
XVII. Isto posto, a condenação do arguido DD pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova (artigos 50º nºs 1, e 5 e 53º do C.P.) mostra-se justa e adequada a acautelar as finalidades das penas naquilo que concerne à prevenção geral e especial.
XVIII. Não sendo, por conseguinte, merecedora de qualquer censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo relativamente ao aqui arguido.
XIX. Com efeito, não se mostram violadas as disposições dos artigos 30.º, n.º1, 40.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 70.º, 71.º, 26.º, 30.º, n.º 2, 77.º, 373.º, n.º 1., 382.º, todos do Código Penal, 87.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e c), do RJAM, 21.º e 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.

FF, não apresentando conclusões, pediu a improcedência do recuso do Ministério Público.
*
4) Os recursos foram remetidos para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, a Ex.... Senhora Procuradora – Geral Adjunta, emitiu parecer:
a) No sentido de os recursos dos despachos intercalares dos Despachos de 30/01/2023 e 06/02/2023, serem julgados improcedentes, concluindo não “existirem motivos válidos para declarar qualquer irregularidade processual nos termos peticionados em ambos os recursos intercalares pelo arguido BB”;
b) No sentido dos recursos interpostos do Acórdão condenatório pelos arguidos BB, FF, CC, FF e EE, serem todos julgados improcedentes;
c) No sentido do recurso interposto pelo Ministério Público ser julgado procedente.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os arguidos BB e EE apresentaram resposta, mantendo o alegado nos respetivos recursos.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:

Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1]. Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artigo 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.

No caso dos autos face às conclusões da motivação apresentadas, entendemos que as questões a decidir são as seguintes:

a) Recurso do Despacho proferido no dia 30/01/2023:
- Saber se existe a irregularidade prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal por violação dos artigos 58.º, n.º 5, 59.º e 249.º do mesmo diploma legal;
- Saber se existe a irregularidade prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal por violação dos artigos 356.º, n.º 7 e 357.º do mesmo diploma legal e artigo 3.º, n.º 6 da lei n.º 101/2001, de 25/8.
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b) Recurso do despacho proferido no dia 06/02/2023:
- Saber se existe a irregularidade prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal por violação dos artigos 58.º, n.º 5 e 59.º do mesmo diploma legal
- Saber se existe a irregularidade prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal por violação dos artigos 356.º, n.º 7 e 357. º do mesmo diploma legal e artigo 3.º, n.º 6 da lei n.º 101/2001, de 25/8.
*
c) Recursos do Acórdão condenatório:
I – Recurso do arguido CC:
- Saber se existe na decisão recorrida o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal.
- Saber se existe na decisão recorrida o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – artigo 410.º, n.º 2, b) do Código de Processo Penal;
- Saber se existe na decisão recorrida o vício do erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º, n.º 2, c) do Código de Processo Penal;
- Saber se verificam ou não os pressupostos para aplicação da figura prevista na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (diploma que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira);
- Saber se existe interpretação violadora da Constituição da República Portuguesa, quanto à sua alegada aplicabilidade a criminalidade não organizada, por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade;
- Saber se o arguido deve ser absolvido do pedido de perda ampliada contra si deduzido.
*
II – Recurso do arguido BB:
- Impugnação ampla da matéria de facto – artigo 412.º, n.º 3, a) do Código de Processo Penal: alegada ilegalidade da acção encoberta – método proibido de prova;
- Medida concreta da pena no que tange aos crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de tráfico e mediação de armas;
- Suspensão da execução da pena de prisão.

III – Recurso do arguido FF:
- Impugnação ampla da matéria de facto – artigo 412.º, n.º 3, a) do Código de Processo Penal e violação dos princípios “in dubio pro reo” e da presunção de inocência;
- Não verificação do crime de abuso de direito: alegada inexistência do dolo específico, de violação de deveres funcionais e de vantagem ilícita;
- Alteração substancial dos factos: nulidade por alegada violação do artigo 359.º do Código de Processo Penal.

IV – Recurso do arguido EE:
- Nulidade da busca realizada aos 13/10/2020 na viatura ..., modelo ...0, com matrícula ..-..-BG;
- Impugnação ampla da matéria de facto – artigo 412.º, n.º 3, a) e b) do Código de Processo Penal
- Nulidade da decisão recorrida por violação do Princípio do Direito ao Silêncio - artigo 61.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal;
- Medida da pena concreta aplicada: omissão de circunstâncias anteriores e/ou posteriores à prática dos factos;
- Suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

V – Recurso do Ministério Público:
a) Quanto ao arguido BB:
- Saber se os factos integram a prática de um crime de tráfico de armas agravado (modo de vida);
- Saber se os factos integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
- Medida concreta da pena.
b) Quanto ao arguido FF:
- Saber se os factos integram a prática de um crime de tráfico e mediação de armas, agravado;
- Saber se os factos integram a prática de um crime de corrupção passiva, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1 do Código Penal;
-  Medida concreta da pena.
c) Quanto ao arguido EE:
- Saber se os factos integram a prática de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 do RJAM;
- Saber se os factos integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
- Medida concreta da pena.
d) Quanto ao arguido GG:
- Saber se os factos integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
- Medida concreta da pena.
e) Quanto ao arguido DD:
- Medida concreta da pena.
f) Quanto ao arguido CC:
-  Indevida suspensão da execução da pena de prisão.
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Apreciação dos recursos:

Impõe-se apreciar em primeiro lugar os recursos dos despachos interlocutórios de 30/01/2023 e 06/02/2023, tendo em conta os eventuais reflexos que a sua eventual procedência pode ter nos recursos interpostos do Acórdão condenatório.
Acresce que assentando nos mesmos fundamentos, entende-se que os recursos dos despachos interlocutórios devem ser apreciados conjuntamente.
Isto posto:

I - Recursos dos despachos de 30/01/2023 e 06/02/2023:
O Despacho de 30/01/2023 tem o seguinte teor (transcrição):
Vem, então, o arguido BB arguir uma irregularidade por violação do artº 356º, nº 7 do C.P.Penal, entre outras disposições legais, alegando que os agentes encobertos assumem nestes autos a qualidade de órgãos de polícia criminal e portanto, por terem recebido declarações por parte do suspeito BB como conversas informais sem que para tanto o tenham previamente constituído arguido, não se pode valorar essas conversas informais que os senhores agentes encobertos terão tido com o arguido, e nem sequer se pode permitir que os mesmos reproduzam essas declarações agora em audiência.
Entende o Tribunal que não foi cometida qualquer irregularidade nem nenhum outro vício porquanto a acção encoberta consubstancia um meio de prova autónomo especialmente previsto na Lei 101/2001 de 25 de Agosto que ali contém normas especiais e permite expressamente que os relatos dos agentes encobertos sejam juntos aos autos assim como permite que os mesmos sejam chamados a depor como testemunhas (cfr. artigo 4º).
Ademais, desconhece o Tribunal se estas pessoas que actuaram como agentes encobertos têm ou não a qualidade de órgão de polícia criminal. Tal não foi esclarecido, aliás actuaram com identidade desconhecida como continuam agora com identidade desconhecida, mas mesmo que o sejam, não actuaram como órgãos de polícia criminal que façam investigação nos autos o que é o pressuposto essencial para aplicação do artº 356º nº 7 do CPP.
Não temos sequer qualquer declaração corporizada no processo que tenha sido tomada por estes senhores agentes ao suspeito enquanto órgãos de polícia criminal, de maneira que não se verifica a situação do artº 356º, nº 7 do Código de Processo Penal. Não faria qualquer sentido que o agente encoberto tivesse de revelar a sua identidade para transformar o suspeito em arguido, pois se assim fosse, estar-se-ia a colocar em perigo o próprio agente encoberto e, de imediato, se comprometia o sucesso e a continuidade da acção encoberta. Se fosse como pretende o defensor do arguido BB, bastaria em todos os processos com acções encobertas o arguido se remeter ao silêncio em julgamento e estaria "descoberta a pólvora" para anular todas as acções encobertas.
Pelos motivos expostos, indefere-se a requerida irregularidade.
Notifique.
*
O Despacho recorrido de 06/02/2023 tem o seguinte teor (transcrição):
O Tribunal Colectivo já se pronunciou em despacho proferido na anterior sessão sobre o agora requerido pelo arguido, ainda que em relação ao agente encoberto ali inquirido.
Fez naquele momento o Tribunal um juízo meramente perfunctório sobre o ali arguido, juízo que mais uma vez agora mantém, dado que se crê, mais uma vez, que neste momento não há ainda condições para considerar, desde já, que esta prova não é válida e por isso se deve impedir a testemunha de prestar esclarecimentos sobre ela.
Entende por isso o Tribunal Colectivo que a testemunha deve continuar a prestar o seu depoimento sem prejuízo de em sede própria, nomeadamente em sede de acórdão, se pronunciar sobre a validade ou invalidade de tais declarações.
Notifique.
*
Vejamos.
Resulta das conclusões do recurso que o recorrente se insurge contra a leitura na audiência de julgamento dos “autos de inquirição” das testemunhas “HH”, datado de 6/10/2020, e da testemunha “JJ”, datado de 15/06/2020, actos prestados em ambos os casos, perante o Ministério Público, por os mesmos conterem “alegados comportamentos e declarações por parte do suspeito BB que apenas foi constituído como arguido no dia 14/10/2020.
Acrescenta o recorrente que “as declarações do agora arguido BB, reproduzidas no auto de 6/10/2020, nessa data suspeito, consubstanciam conversas informais as mesmas não podem ser atendidas por processualmente inadmissíveis, ao abrigo do art.º 356º, n.º 7 do CPP, inviabilizando os depoimentos das testemunhas “HH” e “JJ” acerca do seu teor”.

Vejamos:
É inquestionável que a omissão ou violação das formalidades no artigo 58.º do Código de Processo Penal para a constituição de arguido, implica «que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova” – cf. com o n.º 5.
O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer qualquer informação ou quaisquer elementos que o desfavoreçam e tem o direito a não prestar declarações, sem que do seu silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória.
Também não oferece dúvida que de acordo com o regime geral previsto no artigo 356.º, n.º 1), b) do Código de Processo Penal, só é permitida a leitura em audiência de autos de instrução ou de inquérito, que «não contenham declarações do arguido….», sendo certo também que os órgãos de polícia Criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, «não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas» - cf. com o n.º 7 daquele mesmo artigo.
Porém no caso dos autos, desde já adiantamos que entendemos não existir qualquer irregularidade, ainda que mal se perceba da razão que levou o Ministério Público, já depois de ter deduzido a acusação, ter decidido ouvir as testemunhas em causa e que tinham participado na acção encoberta determinada nos autos.

Vejamos porquê.
Em primeiro lugar há que dizer que não acompanhamos o recorrente quando dá a entender que o Ministério Público teria, de alguma forma, atrasado propositadamente a sua constituição como arguido, para, alegadamente, se poder valer das declarações alegadamente constantes dos autos na audiência de julgamento. Com efeito, não é por não ter sido constituído formalmente como “arguido” que uma pessoa não pode beneficiar das garantias de defesa inerentes a tal estatuto. Como bem refere Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina, em anotação ao artigo 57.º do Código de Processo Penal), uma coisa é a “qualidade de arguido”, outra diferente é a “constituição de arguido”, sendo que mesmo que não tenha sido formalmente constituído como arguido, não deixa de o ser “substantivamente”, pelo menos desde o momento em que contra si é deduzida acusação, como resulta do artigo 57.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, com todos os direitos inerentes, beneficiando desde então do estatuto processual de “arguido”, moldado pela presunção de inocência que decorre do artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa.
Assim, parece-nos ser irrelevante a questão de saber se no momento em que foram elaborados os autos em causa, já o recorrente devia ou não ter sido formalmente constituído como arguido, interessando apenas saber se dos mesmos constam ou não declarações do arguido que não podiam ter sido lidas na audiência de julgamento.
Estão em causa alegados encontros mantidos entre a testemunha “HH”, a testemunha “II” e o suspeito BB, no período compreendido entre 28/02/2019 e 24/10/2019, no caso do Auto de 06/10/2020 e alegados encontros mantidos entre a testemunha “JJ”, a testemunha “II” e o suspeito BB, no período compreendido entre 27/11/2018 e 28/02/2019, no caso do Auto de 15/06/2020.
Ora, nos períodos em causa, como é reconhecido pelo recorrente, estão em causa, actos alegadamente praticados pelo recorrente BB, acompanhados, é certo, de conversas, mas quando o mesmo era apenas um mero suspeito da prática de actos tipificados na lei como crime, sendo certo que na altura, mesmo que as testemunhas fossem agentes policiais, não tinham de constituir o suspeito como arguido, como parece defender o recorrente, sob pena de se frustrarem de imediato as finalidades que motivaram o recurso à acção em encoberta e de se criar um manifesto perigo para a vida e para integridade física dos agentes. Na verdade, como refere o já citado autor Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), na altura em que os agentes actuaram, estava-se ainda numa fase de averiguação da existência de crimes (graves) e de eventuais autores, sendo que em relação ao recorrente, enquanto a investigação não for além disso, “a pessoa pode prestar declarações sem ser constituído arguido, precisamente porque o nível e indícios contra si é circunstancial”. É na verdade, uma fase preliminar da investigação para ver se existe ou não crime e os seus eventuais autores, sendo certo que até se pode dar-se o caso de não se descobrirem quaisquer indícios que justifiquem o prosseguimento do processo. Como acrescenta o autor acima citado, a constituição de arguido, restringe-se “aos casos em que os indícios já são suficientemente fortes para concluir que o suspeito poderá ter praticado o crime”, pelo que se da acção dos agentes resultasse um nada em termos de prova, não se justificaria qualquer constituição de arguido ou arguidos.  
Acresce que mesmo para quem entenda que as conversas tidas com os agentes da acção encoberta, fossem já “declarações de arguido”, sempre seria de admitir o testemunho dos agentes sobre tudo o que presenciaram, nomeadamente, quanto às armas e munições, locais onde se encontravam, etç. Na verdade, como também como escreve Fernando Gama Lobo na obra citada, “face à remissão operada pelo artigo 357.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, para o artigo 356.º, n.º 7 do mesmo código, não podem os agentes de autoridade (ou quaisquer outras pessoas) depor sobre o conteúdo de declarações do arguido, cuja reprodução ou leitura seja proibida”; mas esta proibição, “restringe-se a esses precisos termos. Importa não confundir as declarações do arguido de reprodução ou leitura proibida, com o depoimento dos OPCs sobre factos”. Os depoimentos sobre as diligências efectuadas, serão sempre relevantes, na medida em que se apresentam como o resultado da investigação. Assim seria sempre permitido o testemunho e a narração de diligências de investigação pelos agentes policiais, das suas intervenções investigatórias, tais como buscas, apreensões, escutas telefónicas, reconstituições, etç. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/03/1995 (BMJ 445-279), “a lei só exclui o testemunho das entidades policiais que verse sobre o conteúdo de declarações por eles tomadas, sendo completamente descabido que as referidas entidades não pudessem depor sobre todos aqueles factos em relação aos quais o seu posicionamento não foi outro senão o de observadoras ou de intervenientes e observadoras, que, por terem neles participado, tiveram desses factos um conhecimento privilegiado”.
No entanto e mais importante para a decisão dos recursos, não pode ser ignorado o regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e investigação criminal, que prevê especialmente (e lex specialis derogat legi generali) que os agentes encobertos possam prestar depoimento quanto aos factos objecto da sua actuação, não excluindo expressamente essa possibilidade nos casos em que o arguido se remete ao silêncio na audiência de julgamento. Com efeito, resulta de forma clara do disposto no artigo o artigo 4.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto que estabelece que «oficiosamente ou a requerimento da Polícia Judiciária, a autoridade judiciária competente pode, mediante decisão fundamentada, autorizar que o agente encoberto que tenha actuado com identidade fictícia ao abrigo do artigo 5.º da presente lei preste depoimento sob esta identidade em processo relativo aos factos objecto da sua actuação». Seria eventualmente impossível aos agentes encobertos prestarem depoimento sobre factos objecto da sua actuação, sem fazer referência àquilo que os suspeitos disseram quando praticaram os factos por si percepcionados, a não ser que os suspeitos fossem mudos, o que felizmente não é o caso dos autos. O legislador ao consagrar um regime especial nas acções encobertas, não ignorava certamente o regime geral previsto no artigo 356.º, n.º 1), b) do Código de Processo Penal sobre proibição da leitura em audiência de declarações de arguidos, pelo que é manifesto que tendo em conta o interesse público visado naquele regime, entendeu consagrar um regime próprio diferente do regime geral previsto no Código de Processo Penal. 
De tudo resulta que entendemos que os autos em causa, contem apenas e tão só, o depoimento de testemunhas sobre o resultado da acção encoberta desenvolvida nos autos o que é expressamente permitido pelo artigo 4.º do regime jurídico das acções encobertas previsto na Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto. Como salientou, e bem, o Tribunal recorrido, é manifesto que no caso dos autos “não foi cometida qualquer irregularidade nem nenhum outro vício porquanto a acção encoberta consubstancia um meio de prova autónomo especialmente previsto na Lei 101/2001 de 25 de Agosto que ali contém normas especiais e permite expressamente que os relatos dos agentes encobertos sejam juntos aos autos assim como permite que os mesmos sejam chamados a depor como testemunhas (cfr. artigo 4º)”.
Acresce que como também se escreve na decisão recorrida, mesmo que os agentes encobertos tivessem a qualidade de órgãos de polícia criminal, “não actuaram como órgãos de polícia criminal que façam investigação nos autos o que é o pressuposto essencial para aplicação do artigo 356º nº 7 do Código de Processo Penal”. E a verdade é que como acrescenta ainda o Tribunal recorrido, nem sequer consta dos autos, “qualquer declaração corporizada no processo que tenha sido tomada por estes senhores agentes ao suspeito enquanto órgãos de polícia criminal”, pelo que “não se verifica a situação do artº 356º, nº 7 do Código de Processo Penal”.
As testemunhas falam sobre actos por si presenciados quando o arguido era um mero suspeito, como diz o despacho recorrido, e mau era se tinham de avisar o suspeito da acção encoberta não só porque se colocava a si mesmo em risco, como prejudicava irremediavelmente a descoberta da verdade e o combate tão necessário no que diz respeito, além do mais, ao comércio ilegal de armas em Portugal. Como salienta acertadamente o Tribunal recorrido, “não faria qualquer sentido que o agente encoberto tivesse de revelar a sua identidade para transformar o suspeito em arguido, pois se assim fosse, estar-se-ia a colocar em perigo o próprio agente encoberto e, de imediato, se comprometia o sucesso e a continuidade da acção encoberta. Se fosse como pretende o defensor do arguido BB, bastaria em todos os processos com acções encobertas o arguido se remeter ao silêncio em julgamento e estaria "descoberta a pólvora" para anular todas as acções encobertas”.
Podemos ainda dizer que mesmo no regime geral do Código de Processo Penal, nada impede que um ofendido na audiência de julgamento possa fazer referência a palavras proferidas pelo arguido antes deste estar constituído como tal e antes mesmo de existir um inquérito a decorrer contra o suspeito, como acontece nos casos de processos crime em que estão em causa crimes de violência doméstica, ameaças e outros. Nada impede que o ofendido ou quaisquer outras pessoas que tenham presenciado os factos, relatem o que ouviram ao arguido, antes deste o ser, podendo prestar declarações na audiência de julgamento, mesmo quando os arguidos se remeteram ao silêncio. Aliás, mesmo depois da constituição como arguido, também nada impede que na audiência de julgamento se ouçam testemunhas que possam ter ouvido o arguido falar estando em causa factos por ele praticados e que constituem crimes.
É verdade que, como diz o recorrente, o arguido em termos formais “só tem conhecimento de que pode remeter-se ao silêncio aquando a sua constituição como tal”, admitindo-se que no caso dos autos, o mesmo desconhecia durante a acção encoberta, quando era um mero suspeito, que o que dizia aos agentes encobertos, podia ser utilizado contra si durante a audiência de julgamento. No entanto, isso decorre da própria natureza da acção encoberta, sendo certo que se não fosse “encoberta”, não teria qualquer efeito prático para fins de prevenção e investigação criminal, frustrando-se, em absoluto, os objetivos que com ela se pretendem alcançar. Não se estaria por certo à espera que o agente encoberto, antes de agir, tivesse de avisar o suspeito de que o que viesse depois a dizer ou a fazer, poderia ser objeto de reporte à autoridade judiciária competente para fins de investigação criminal. Nesse sentido, como escreve o Ministério Público na resposta ao recurso do segundo despacho, “reivindicar o arguido/recorrente que os agentes encobertos deixassem de agir como agentes encobertos e constituíssem os suspeitos que estavam a investigar, como arguidos, é desconhecer completamente a ratio legis da Lei nº101/2001, de 25 de agosto”.
Não existe, assim, qualquer violação dos direitos de defesa do arguido que no caso dos autos até saíram reforçados porque o mesmo teve a oportunidade na audiência de julgamento, não só de contradizer o conteúdo dos depoimentos das testemunhas que actuaram como agentes da acção encoberta, como também de tomar conhecimento sobre as declarações que estes tinham prestado antes da audiência de julgamento.
Assim e como também concluiu o Ministério Público, não se vislumbra, “qualquer violação de norma nacional, qualquer preceito de direito europeu, constitucional ou criminal, e, não o foram, seguramente, os artigos 56º, 262º, 275º, 356º, 357º, 358º e 359º, do CPP, nem os artigos 29º, nº2, da CRP e artigos 57.º e 58.º do Código de Processo Penal”.
Resulta do exposto que se impõe a improcedência dos recursos dos despachos interlocutórios de 30/01/2023 e de 06/02/2023, por serem manifestamente infundados.
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II - Recursos do Acórdão condenatório:

Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do Acórdão impugnado (transcrição parcial - matéria de facto provada):

2. FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. FACTOS PROVADOS:
BB e MM 
 1. Desde data não concretamente apurada, mas certamente anterior a Outubro de 2018 e pelo menos até ao dia 13 de Outubro de 2020, o arguido BB (também conhecido por “TT”), decidiu dedicar-se à venda de armas de fogo, e correspondentes munições nos termos em que se passam a descrever. 
2. Para tal finalidade, o arguido BB delineou um plano visando os modos de obtenção das armas e munições, armazenamento e venda, tendo constatado a necessidade de apurar quem pudesse fornecer-lhe as armas. 
3. O arguido BB firmou acordo com o arguido SS para reparar, modificar e alterar as características de algumas das armas que ele lhe entregasse para o efeito. 
4. Da investigação realizada foi possível apurar algumas das vendas de armas e munições levadas a cabo pelos arguidos, que passamos a descrever.
5. Em data não concretamente apurada mas situada entre Outubro e Novembro de 2018, o “JJ” através do telemóvel de pessoa não concretamente apurada entrou em contacto com o arguido BB e questionou o mesmo se este não teria munições para uma arma Ak-47, ao que o arguido lhe respondeu que viesse a sua casa. 
6. Na sequência da conversa anterior, no dia 27 de Novembro de 2018, junto à sua residência, situada no Bairro ..., em Ribeiro ..., o arguido BB disse ao “JJ” que ainda não tinha conseguido munições para a arma “AK-47”, mas que tinha para venda imediata pistolas de calibres 6,35mm e 9mm, bem como carabinas e caçadeiras, entre outras. 
7. Relativamente às pistolas de 9mm que tinha para venda, o arguido BB referiu que eram da marca ...”, como novas, e ainda na caixa, com o número de série rasurado, no valor unitário de dois mil e quatrocentos euros (€2.400,00), e se estivesse interessado, para regressar daí a cerca de trinta minutos, porque tinha à sua espera um indivíduo não identificado, que se fazia transportar numa “...”, de matrícula espanhola. 
8. Quando o "JJ" regressou, o tal indivíduo ainda lá estava, abandonando o local volvidos cerca de cinco minutos, ocasião em que o arguido BB disse que tinha acabado de vender uma arma de fogo.
9. Então, o arguido BB dirigiu-se ao interior da sua habitação acompanhado pela sua esposa e arguida MM, transportando na mão um saco plástico de cor ..., retirou do mesmo uma caixa de plástico, acondicionando uma arma de fogo curta, calibre 9mm, da marca ...", com carregador inserido, munições, e um carregador extra, que, juntamente com uma caixa de cinquenta munições do mesmo calibre, vendeu ao "JJ", pela quantia global de dois mil e cem euros (€2,100,00), em notas do BCE. 
10. Foi o arguido BB que colocou a arma e a caixa com munições na bagageira da viatura do "JJ", dizendo-lhe que tinha para entrega imediata doze carabinas, pelo valor unitário de mil euros (€1.000,00). 
11. No dia 28 de Fevereiro de 2019, pouco tempo depois das 13 horas, o "JJ", o "HH" e o "KK" seguiram o arguido BB, que se fazia transportar numa viatura "...", matrícula ..-..-FS, de cor ..., até à "Quinta ...", onde num local rodeado por densa mata florestal, aquele abriu a mala da viatura, exibindo-lhes para venda três armas: uma caçadeira da marca "Benelli", calibre 12, de cor ..., pelo valor de mil euros (€1.000,00); uma carabina de caça, em madeira de cor ..., com mira telescópica e carregador de 57 cartuchos de calibre 7.5, no valor de mil euros (€1.000,00); uma caçadeira da marca ...", modelo ..., calibre 12, com o número de série ...15, num estojo, de cor ..., no valor de mil e quinhentos euros (€1.500,00). 
12. Então, o arguido BB vendeu ao "HH" a "...", pela quantia de mil e quatrocentos euros (€1.400,00), em notas do BCE. 
13. E vendeu ao "KK" munições -cinquenta de calibre 9mm, vinte e cinco de calibre .45, e seis de calibre 12-, pela quantia de cento e trinta euros (€130,00), em notas do BCE, que se encontravam na sua Adega privada, em .... 
14. O arguido BB disse-lhes ainda que conseguia arranjar munições para a arma Kalashnikov, e que tinha para venda imediata munições de vários calibres, e uma arma automática de calibre 9mm, mais dizendo que conseguia arranjar para venda todo o tipo de armas e munições. 
15. O arguido BB disse ao “HH” que estava interessado em adquirir grande quantidade de cocaína e que falariam deste assunto em futuros encontros, para lhe vender mais armas. 
16. No dia 4 de Abril de 2019, o “KK” dirigiu-se a casa do arguido BB mas aquele não estava em casa, sendo que após conversa com a  arguida MM, esta contactou telefonicamente o arguido para que regressasse a casa, tendo então o arguido BB se dirigido à sua residência, conduzindo uma carrinha pic cup, da marca ...”, modelo ..., de cor .... 
17. Nessa sequência, o arguido vendeu ao “KK” uma arma de fogo automática vulgo 58 metralhadora, “FBP”, com o número ...82, calibre 9mm Parabelum, e uma caixa de cinquenta munições do mesmo calibre, pela quantia global de dois mil e quinhentos euros (€2.500,00), em notas do BCE, na presença dela. 
18. O corpo da “FBP” e as munições estavam no interior da residência, dentro de um saco, e o cano e o carregador com capacidade para trinta e duas munições estavam num anexo da referida adega. 
19. Foi o arguido BB que colocou o saco com a arma montada e as munições, sob um dos bancos da viatura do “KK”, dizendo que assim era mais seguro, na eventualidade de uma operação “STOP”. 
20. Antes de se dirigirem ao aludido Anexo, portanto ainda à porta de casa, o arguido BB disse à arguida MM para ir buscar um papel que estava junto da televisão, o que ela fez, entregando-lhe, dobrado. Então, o arguido BB exibiu ao “KK” tal papel, que continha duas fotos a cores de uma arma de assalto Kalashnikov e três carregadores municiados, dizendo-lhe que estava para venda, e perguntando se estava interessado, caso em que teria de esperar cerca de um mês, e telefonar-lhe duma cabine telefónica para o número que lhe iria fornecer para o efeito. No telefonema devia perguntar «Posso ir aí almoçar?», e se a resposta fosse afirmativa, significava que já estava na posse da arma, para lhe vender. 
21. No dia 30 de Julho de 2019, na residência dos arguidos BB e MM, o arguido BB ao “KK duas caixas de cinquenta munições, de calibre 7,65mm, duas caixas de cinquenta munições, de calibre 6,35mm, e duas caixas de dez munições (cartuchos carregados), de calibre 12 (Zagalote nove bagos), que o mesmo suspeito foi buscar a local não apurado, conduzindo uma viatura de marca ...”, modelo ..., e demorando cerca de quinze minutos. 
22. Concretizado o negócio, o arguido BB disse ao “KK” que tinha para vender de imediato pistolas de calibre 6,35mm transformadas, pelo valor unitário de cento e cinquenta euros (€150,00). 
23. Então, o arguido BB dirigiu-se ao telheiro do lado direito da sua habitação, e regressou com um saco contendo seis pistolas de calibre 6,35mm, e o “KK” adquiriu-lhe uma delas, pelo referido montante. 
24. Pelas munições e pela arma, o “KK” entregou ao arguido BB a quantia de trezentos e setenta euros (€370,00), em notas do BCE. 
 25. No momento em que o “KK” pagava ao arguido BB, este perguntou-lhe se estava interessado em comprar notas falsificadas de cinquenta euros (€50,00), ao preço de vinte e seis euros (26,00) por cada nota, e a quantidade a adquirir tinha de ser no mínimo mil (1.000) notas, e que o lucro dele seria de um euro por cada nota 60 vendida, sendo que tinha contratado a aquisição de dez mil (10.000) notas falsificadas. 
26. O arguido BB disse ao “KK” para lhe telefonar no final do mês de Agosto, para saber se já tinha a Kalashnikov, as munições e as notas para vender. 
27. No dia 12 de Setembro de 2019, após telefonema da arguida MM, o arguido BB dirigiu-se a casa, conduzindo a referida carrinha ..., para se encontrar com o “KK”. 
28. O arguido BB disse ao “KK” que ainda não tinha as munições 40S&W e 45 ACP, pois só chegariam no Natal, provenientes da Suíça, nem as notas falsas, mas tinha para venda de imediato duas pistolas de 9mm, sendo uma da marca “PIETRO BERETTA” e a outra da marca ...”. E disse-lhe também que já tinha a Kalashnikov, com três carregadores, dois dos quais precisavam de ser afinados, e cem munições de oferta, estipulando o preço de 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
29. Então, o arguido BB e o “KK”, na viatura daquele, dirigiram-se à supra referida adega, e aí chegados o mesmo arguido foi até à antiga mercearia dos seus pais, onde estava a Kalashnikov, e de seguida foi atrás da mesma adega buscar os carregadores. 
30. Já em casa, o arguido BB colocou a Kalashnikov na bagageira da viatura do “KK”, e deu-lhe os três carregadores, e vinte munições. Porque não tinha consigo ainda as cem munições de oferta, o “KK” entregou-lhe a quantia de três mil e quatrocentos euros (€3.400,00) em notas do BCE, e quando tivesse as cem (100) munições, então pagava-lhe os restantes cem euros (€100,00) do preço estipulado para o negócio. 
31. O arguido BB disse ao “KK”, que se não conseguisse afinar os dois carregadores, iriam ao mecânico que lhe arranjava as armas, o que veio a acontecer. 
32. Efectivamente, no dia 10 de Outubro de 2019, o arguido BB marcou encontro com o “KK”, no Hospital ..., conduzindo aquele o “...”, e depois cada um seguiu na sua viatura até à residência do arguido SS (doravante SS), situada na Rua ..., em ..., onde o mesmo arguido abriu o portão, estacionando a sua viatura no perímetro interior. 
33. Então, o arguido BB retirou do resguardo da ventilação do motor do “...” uma caçadeira de canos paralelos desmontada, uma pistola-metralhadora, da marca ...”, três carregadores e um punho próprio para caçadeira, acondicionados em sacos e panos, para serem reparadas, como fazia habitualmente.
34. Enquanto esperavam a chegada do arguido SS, o arguido BB disse ao “KK” que ainda tinha para venda, a “PIETRO BERETTA”, em estado novo, pela quantia de dois mil e quinhentos euros (€2.500,00). 
35. Quando o arguido SS chegou, o arguido BB entregou-lhe as referidas armas e restante material. 
36. O arguido BB pagou ao arguido SS o que este lhe entregou, já arranjado, que não foi possível identificar do que se tratava, e recebeu dele a respectiva quantia em dinheiro, não concretamente apurada, que anotou num bloco de folhas. 
37. O arguido SS disse ao “KK” que, sem a “Kalashnikov”, não podia afinar os carregadores. 
38. No dia 24 de Outubro de 2019, pelas 12:20 horas, nas imediações da sua residência, o arguido BB disse ao “HH”, que estava acompanhado do “II”, que apresentou como sendo seu sócio, que tinha diversas armas para venda de imediato, nomeadamente carabinas, pistolas e munições, enfatizando ter duas pistolas de calibre 9mm, das marcas “...” e “...”, assim como caixa de cinquenta munições do mesmo calibre, escondidas em outro local. 
39.  O arguido BB foi buscar as referidas pistolas e caixa de munições a local não concretamente apurado, na viatura de marca ...”, modelo ..., matrícula ..-..-TO, de cor ... escuro, e mostrou-as ao “HH” e ao “II”, numa casa desabitada existente em frente à sua. 
40. Então, o arguido BB vendeu ao “HH” uma pistola de calibre 9mm curto, marca ...”, uma pistola do mesmo 63 calibre, marca ...”, e uma caixa de cinquenta (50) munições, também do mesmo calibre, pela quantia de três mil euros (€3.000,00), em notas do BCE. 
41. Concretizado o negócio, o arguido BB disse ao “HH” e ao “II” que, no dia 2 do mês seguinte, iria contactar com um indivíduo residente na localidade de ...-..., que reciprocamente fornecem armas e munições para venda, conforme as necessidades de cada um em função dos interesses dos respectivos clientes. 
42. No dia 21 de Novembro de 2019, pelas 11:30 horas, o arguido BB disse ao “II” para o acompanhar, entrando numa casa em construção em frente à casa dele, onde lhe exibiu uma pistola metralhadora, de calibre 9mmP, marca ...”, de cor ..., com dois carregadores, e disse que custava três mil e quinhentos euros (€3.500,00). 
43. Seguidamente, abriu uma pasta de cor ..., e contou as caixas de munições, de calibre 9mm curto (.380ACP), dizendo que tinha dez (10) caixas, ao preço unitário de setenta e cinco euros (€75,00). 
44. Referiu que no Natal iria receber outra metralhadora com as mesmas características e uma pistola da marca ...”, calibre 9mmP, com dois carregadores, praticamente nova. 
45.O “II” acabou por adquirir ao arguido BB a referida metralhadora “...”, as aludidas dez (10) caixas de munições, e 64 uma caixa de munições, de calibre 9mm Luger FMJ de 124 gr., da marca “MAGTECH”, pela quantia de três mil euros (€3.000,00), em notas do BCE. 
46. Mais referiu que no Natal iria ter mais armas, oriundas da Suíça, e que tinha tabaco para vender. 
47. Foi o arguido BB que acondicionou a arma e munições adquiridas pelo “II”, junto ao motor da viatura em que este se fazia transportar. 
48. No dia 16 de Junho de 2020, pelas 12:45 horas, na residência do arguido BB, este disse ao “II” que tinha para venda de imediato um revólver com seis polegadas, de calibre .38 especial, um outro revólver, diferente, mas do mesmo calibre, um revólver, de calibre .45, uma carabina de seis ou sete tiros, e uma espingarda caçadeira de cinco cartuchos, as quais foi buscar a um local situado atrás da residência anexa, e que se encontravam envoltas em plástico. 
49. Tratavam-se das seguintes armas: 
- Um revólver da marca ...”, modelo ..., calibre .38 special, de em inox, com número de série rasurado.
- Um revólver da marca ...”, modelo ..., calibre .22 Magnum, com número de série rasurado.
- Um revólver da marca ...”, calibre .38 especial, com número de série rasurado, e com a inscrição ...57 no tambor. 
- Uma pistola da marca “BROWNING”, calibre 9 mm curto, com o número de série ...13, com dois carregadores. 
50. Seguidamente, o arguido BB abriu uma caixa metálica, que se encontrava em cima da mesa do escritório, retirando do seu interior um revólver da marca ...”, modelo ..., com o número de série ...80, e um revólver da marca “...”, calibre .22 magnum, sem número se série, dizendo ao “II” que esta era uma oferta para ele.
51.Entretanto a arguida MM entrou na sala para recolher umas ..., sendo certo que minutos antes também já lá tinha estado presente a falar com o arguido.  
52. Das seis (6) armas exibidas ao “II”, o arguido BB disse que o valor global das cinco primeiras referidas armas e das munições era de onze mil e cinquenta euros (€11.050,00), e anotou tudo num caderno. 
53. O “II” entregou ao arguido BB a quantia de cinco mil euros (€5.000,00€) em notas do BCE, ficando em débito a quantia de seis mil e cinquenta euros (€6.050,00), a pagar em futura compra. 
54. O arguido BB carregou as cinco (5) armas adquiridas e a que ofereceu, bem como quinze (15) munições, de calibre .22 magnum, dissimulando-as num compartimento junto ao motor da viatura do “II”, sendo que, antes, no percurso, passou pela casa anexa à sua, regressando uma munição, de calibre .455, que lhe deu, dizendo que da próxima vez lhe ofereceria mais trinta (30) munições, do mesmo calibre. 
55. Antes de se despedirem, o arguido BB deslocou-se numa viatura da marca ...”, modelo ..., de cor ..., regressando alguns minutos depois, entregando ao “II” uma caixa com cinquenta (50) munições, de calibre .38 especial, “watcuter”, da marca ...”, e uma caixa com quarenta e nove (49) munições, de calibre .22 magnum, wmr hollow point, com as inscrições “...” e “...”. 
56. Em final de conversa, o arguido BB disse ao “II” que durante o mês de julho, teria para venda uma carabina, uma espingarda caçadeira de três cartuchos, e uma outra de cinco cartuchos.
57. Em data não concretamente apurada, UU solicitou ao arguido EE que lhe vendesse uma arma, e este indicou-lhe o arguido BB. Então, deslocou-se a casa do arguido BB, e este exibiu-lhe, para venda, uma pistola.   
58.VV conheceu o arguido BB, no início de 2020 e por uma vez adquiriu-lhe cerca de 30 gr de canabis por preço não concretamente apurado. 
59. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência dos arguidos BB e MM situada no Bairro ..., em ..., tendo sido apreendidos os seguintes objectos:  
- Setecentos e quarenta e cinco euros (€745,00), em notas do Banco Central Europeu, os quais se encontravam distribuídos em notas de diversos valores faciais localizadas no hall de entrada, no quarto dos arguidos, no quarto do filho dos arguidos e na carteira do arguido BB, carteira da arguida MM, conforme melhor descrito no auto de busca de fls. 3031-F cujo teor aqui se considera reproduzido para os devidos efeitos legais.    
- Uma máquina de vácuo, da marca ...”, com o número ...01;
 - Duas (2) embalagens, acondicionando cem (100) sacos de vácuo, sendo uma de tamanho 200X250 mm, e outra de tamanho 250X350 mm; 
- Uma folha quadriculada, com referências aos nomes de várias peças de armas de fogo; 
- Um papel manuscrito, com várias inscrições, nomeadamente “WW”; 
- Um cartão de visita, manuscrito com várias inscrições, nomeadamente "XX”; 
- Um cartão de visita, manuscrito com várias inscrições, nomeadamente “YY”; 
- Um papel manuscrito, com várias inscrições, nomeadamente “...”; 
- Um papel manuscrito, com várias inscrições, nomeadamente “...”; 
- Um papel manuscrito, com várias inscrições, nomeadamente “... de ...”; 
- Um papel manuscrito, com várias inscrições, nomeadamente “...”; 
- Um papel manuscrito, com várias inscrições, nomeadamente “...”; 
- Um cartão de visita, com várias inscrições, nomeadamente “...”; 
- Dois talões de depósito em numerário, do Banco 1.... em nome de BB e ZZ, respectivamente de mil euros (€1.000,00) e três mil duzentos e cinquenta euros (€3.250,00);
- Um pedido de transferência a crédito, do Banco 1..., no valor de cinquenta mil euros (€50.000,00); 
- Uma agenda do ano de 1990, manuscrita na capa, nomeadamente “...”;
- Duas (2) embalagens de cartão, contendo tabaco avulso; 
- Um estojo de cor ..., contendo um aro metálico, uma chave de rosca e duas platinas para arma de fogo curta, de cor ... e de plástico, com o símbolo de uma figura alada; 
60. No mesmo dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na viatura automóvel de marca ..., com a matricula ..-RL-.., registada em nome de AAA e habitualmente usada pelo arguido BB, tendo sido apreendidos, além da referida viatura, os seguintes objectos que se encontravam no seu interior e eram pertença de BB:   
 - Um coldre, em napa, de cor ...; 
- Uma caixa, contendo cinquenta (50) munições, da marca ...”, calibre .32 wad cutter; 
- Dois sacos plásticos, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 3011,900 gr. (três mil e onze vírgula novecentos gramas), com um grau de pureza de 7,2% THC (sete vírgula dois por cento), equivalente a 4337 (quatro mil trezentas e trinta e sete) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades).
61. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência situada na Rua ..., ..., ... de ..., onde residem BB e BBB, pais do arguido BB, tendo sido apreendidos os seguintes objectos: 
- Uma arma de fogo longa, calibre 12, com o número de série ...25... que se encontrava pendurada na parede do quarto usado pelos pais do arguido;  
- Doze (12) munições, de calibre 12 que se encontravam em cima do roupeiro no quarto usado pelos pais do arguido;  
 - A quantia de vinte e nove mil euros (€29.000,00), em notas do BCE que se encontrava dentro de uma caixa plástica de cor ... e embrulhada num saco preto na cave que serve de arrumos e que era usada pelo arguido BB.  
62. No referido dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência situada na Rua ..., ..., em ... de ..., propriedade dos pais do arguido BB, localizada no ..., composta por hall de entrada, uma sala e uma divisão destinada a cozinha, tendo sido apreendidos os seguintes objectos, pertença do arguido BB: 
- Quatro (4) caixas, da marca ...”, contendo cada uma cinquenta (50) munições, de calibre .38; 
- Duas (2) caixas, da marca ...”, contendo cada uma cinquenta (50) munições, de calibre .45; 
- Uma caixa, da marca ...”, contendo cinquenta (50) munições, de calibre .357 Magnum; 
- Nove (9) caixas, da marca ...”, contendo cada uma cinquenta (50) munições, de calibre 7,65mm/32 Auto; 
- Seis (6) caixas, da marca ...”, contendo cada uma cinquenta (50) munições, de calibre 9mm;  
- Uma arma automática, com as características da “AK 47”, com o número de série ...46; 
- Uma carabina, com o número de série ...57; 
- Uma carabina, da marca ...”, de calibre .22, com o número de série ...00; 
- Uma carabina, da marca ...”, de calibre 35REM, com o número de série ...04; 
- Um estojo para acondicionar arma de fogo. 
63. No dia 09 de Novembro de 2020 foi efectuada busca no armazém situado na Rua ..., ..., em ..., pertença de CCC, irmão da arguida MM, que se encontrava na altura emigrado em ..., estando na altura tal armazém a ser usado pelos arguidos BB e MM para guardar animais.  
64. Ali foram apreendidos os seguintes objectos, os quais se encontravam no interior de um cofre monobloco, pertença dos arguidos BB e MM:  
- A quantia de trinta mil euros (€30.000,00) em notas do BCE.  
- Um revólver, da marca ...”, com o número ...25, de calibre 38, municiado; 
- Uma pistola, originalmente de alarme, transformada, da marca ...”; 
- Uma pistola transformada, da marca ...”; 
- Uma pistola transformada, com a inscrição “...”; 
- Um revólver, de calibre 6,35mm, com a inscrição “..., ...”, com o número ...81. 
65. Em nome da arguida MM não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP.   
66.Em nome do arguido BB constavam os seguintes registos/manifestos: espingarda, calibre 12, marca “AAS” nº 2504/7, livrete nº ...18 e espingarda calibre 12, marca ...”, nº ..., livrete ...38, sendo as duas armas extraviadas desde 2007. 
 CC 
 67. Em 13 de Outubro de 2020, foram efectuadas buscas à residência de AA, no âmbito da qual foram apreendidas a arma de fogo curta, da marca ...”, com o número ...90, de calibre 22, devidamente licenciada e a carabina, da marca ...”, com o número ...22, de calibre .22., e à residência do seu pai, DDD, no âmbito da qual foi apreendida uma arma de fogo longa, de calibre 12, sem inscrições visíveis. 
68. Em data não concretamente apurada mas anterior a 13 de Outubro de 2020, AA comprou ao arguido CC a carabina da marca ...”, com o número ...22, de calibre .22. supra referida em 67 pelo preço de € 700,00. 
69. Em dia não apurado de 2019, EEE (folhas 8163) adquiriu ao arguido CC uma caçadeira de canos sobrepostos, calibre 12, pelo preço de € 250,00 mas veio depois a verificar que tal arma tinha problemas mecânicos e devolveu-lha, tendo o arguido CC lhe restituído a totalidade da referida quantia. 
70. Em dia não concretamente apurada, o arguido CC disse a FFF que tinha uma caçadeira, semiautomática, de calibre 12, para venda, por seiscentos euros (600,00€), mas este recusou comprar, por ser cara.
Em meados de 2020, FFF adquiriu ao arguido CC cinco (5) caixas de munições (cartuchos), de calibre 12, por € 10,00 (dez euros) cada caixa. 
71. Em data não concretamente apurada, o arguido GGG uma caçadeira, para vender ao “HHH” (III), mas este, depois de a experimentar, porque só disparava de um dos canos, devolveu-lha. 
Nessa sequência, veio também o arguido CC a entregar ao “HHH” (III) um carregador que pretendia vender-lhe por € 50,00 e munições que se encontravam no seu interior. Também após experimentar, o GG devolveu o carregador por não lhe servir na pistola que tinha e ficou com as munições.  
72. Em data não concretamente apurada, mas seguramente depois dos meses de Abril ou Maio de 2020, o arguido CC entregou a JJJ dois revólveres, para lhe vender, por quatrocentos euros (400,00€) cada um, mas aquele não os comprou, por serem “antigos”, e devolveu-lhos.
73. Em data não concretamente apurada, KKK viu o arguido CC na posse de uma arma de fogo.  
74. Em data não concretamente apurada mas seguramente anterior a 13/10/2020, o arguido CC entregou a LLL uma carabina sem quaisquer inscrições identificativas, aparentemente de fabrico artesanal.  
75. Em data não concretamente apurada mas seguramente há mais de 20 anos SS viu o arguido CC na posse de uma caçadeira semiautomática. 
76. Em dia não concretamente apurado dos meses de Abril ou Maio de 2020, MMM, após a morte do seu pai, vendeu ao arguido CC cinco (5) ou seis (6) revólveres por peço aproximado de € 350,00 a € 400,00 que para ele seriam “obsoletos/velharias”. 
77. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do arguido CC situada no Edifício ..., ..., ..., em ..., tendo sido apreendidos àquele os seguintes objectos:  
- A quantia de doze mil duzentos e noventa euros (€12.290,00) em notas do Banco Central Europeu;
- Um telemóvel da marca ..., com os IMEI”s ...08 e ...16, contendo o cartão SIM da rede ..., com o número ...12; 
- Um sray de defesa;  
- Um carregador de arma de fogo, para arma de calibre 6.35 mm;
- Um telemóvel da marca ..., com os lMEI”s ...53 e ...53, contendo cartão micro SIM da rede ... com o número ...36; 
78. Também no mesmo dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca ao veículo automóvel da marca ...”, modelo ..., de matrícula ..-..-UI habitualmente utilizada por NNN, companheira de OOO, tendo sido apreendida àquela NNN, o mencionado veículo e um bastão extensível, com a inscrição “...” que se encontrava no interior da viatura.  
79. No dia 23 de Novembro de 2020, foi apreendida uma balança de precisão, que se encontrava no tractor da marca “...”, com a matrícula DL-..-...
80. Em nome do arguido CC não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP.   
 DD 
 81. Há cerca de dois anos, em dia não concretamente apurado, o arguido DD pediu a PPP para entregar uma caixa de munições ao QQQ, e recebeu deste a respectiva contrapartida em dinheiro, que depois entregou ao mesmo arguido. 
82. RRR em data não concretamente apurada, contactou o arguido DD, para lhe vender munições, mas não concretizou a aquisição, por motivo de não ter ficado agradado com o preço. 
83. As cem (100) munições de calibre 22 apreendidas a SSS na busca realizada no dia 13 de outubro de 2020, foram oferecidas pelo arguido DD, cerca de uma semana antes de tal busca.  O arguido DD apareceu em casa do SSS, para lhe vender um revólver. 
84. A arma de fogo longa, da marca ...”, com o número ...33, de calibre 12, e as cento e setenta e sete (177) munições (cartuchos) do mesmo calibre, apreendidas a TTT na busca à sua residência, na referida data, tinham sido adquiridos ao arguido DD. 
85. Em data não concretamente apurada, o arguido DD, vendeu ao pai de UUU cerca de 10 ou 15 armas transformadas, por cerca de cem euros (100,00€) a cento e vinte euros (120,00€) cada uma.
86. No período temporal situado entre 2018 a 2020, em número não concretizado de vezes mas seguramente por diversas vezes, DD comprou e vendeu armas de fogo ao arguido RR e este reparou/transformou diversas armas, na sua maioria pistolas e revólveres, a pedido de DD, para este posteriormente as vender. 
87. Por cada alteração/reparação que efectuava, RR cobrava a DD cerca de € 40,00 a € 50,00. 
 88. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do DD situada na Rua ..., em ..., tendo sido apreendido àquele os seguintes objectos: 
- Uma caixa em cartão com a inscrição “... 400”, contendo vinte e três (23) cartuchos, de calibre .12, de invólucro preto, marca “...”; 
- Seis cartuchos de calibre 9mm, de invólucro azul; 
- Uma caixa de cartão, contendo dez (10) cartuchos de calibre .12, de invólucro preto, da marca “...”; 
- Uma caixa de cartão, contendo dez (10) cartuchos, de calibre .12, de invólucro preto, da marca “rottweiler”; 
- Uma caixa de cartão, contendo vinte e cinco (25) cartuchos, de calibre 16, de invólucro vermelho, da marca ...”; 
- Uma caixa em plástico, contendo vinte e três (23) munições, de diversos calibres; 
- Uma caixa de plástico, contendo quarenta (40) munições; 
- Uma caixa de cartão, contendo quarenta e nove (49) cartuchos, da marca ...”; 
- Uma embalagem, com fita adesiva preta, contendo doze (12) munições, de diversos calibres. 
- Duas embalagens de cor ..., com fita adesiva cinzenta, contendo cinquenta (50) munições, de calibre.
- Uma caixa de cartão, contendo quarenta e sete (47) munições, de calibre 9mm, da marca ...”;
- Uma embalagem de cartão de cor ..., contendo cinquenta (50) munições, de calibre .32, da marca “MAGTECH”; 
- Uma caixa de cartão, contendo trinta e três (33) munições, de calibre 6.35 mm, da marca ...”; 
- Uma caixa de cartão, contendo cinquenta (50) munições, de calibre 6.35, da marca ...”; 
- Uma caixa de cartão de cor ..., da marca ...”, contendo quinze (15) munições, de calibre .22; 
- Seis carcaças de arma de fogo, sem marca; 
- Uma embalagem, contendo vinte e cinco (25) munições; 
- Uma espingarda caçadeira, de calibre 12mm, da marca ...”, com o número de série ...11; 
- Um revólver de salva, sem marca visível, de cor ...; 
- Um revólver de salva, da marca ...”, de cor ...; 
- Uma pistola de alarme de cor ..., da marca ...”; 
- Uma pistola de alarme, da marca ...”; 
- Um torno mecânico, da marca ...”, modelo ...”; 
- Uma carteira de homem, contendo onze (11) munições, e um papel manuscrito «...41 ..., calibre 16»; 
- Duas facas de mato, na respetiva bainha, em pele de cor ...; 
- Uma faca de mato, com bainha de cor ...; 
- Uma navalha “ponta e mola”, com abertura lateral; 
- Uma navalha do tipo “ponta e mola”. com abertura frontal; 
- Um telemóvel, da marca ...”, modelo ... ...”, de cor ..., com cartão SIM, e código PIN número ...89, com os IMEI's ...52 e ...66. 
89. Em nome do arguido DD não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP.   
 - VVV 
 90. Em data não concretamente apurada, o arguido VVV exibiu, para venda, a WWW uma arma de fogo. 
91. Em data não concretamente apurada mas seguramente anterior a 13 de outubro de 2020, o arguido VVV teve na sua posse duas armas, nomeadamente uma arma de fogo longa, da marca ...”, com o número ...67, de calibre 12, registada em seu nome (Livrete de Manifesto de Armas nº ...27, emitido em ../../1996) e bem assim uma arma de fogo longa, sem marca visível, com o número ...51 e sem qualquer documento que a titulasse. 
Tais armas assim como cinquenta e oito (58) munições de diversos calibres foram apreendidas a XXX, sobrinho do arguido VVV, na residência de YYY, situada na Rua ..., em ... no dia 13 de Outubro de 2020.  92. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência e oficina do VVV situadas na Rua ..., ..., ..., ..., ..., tendo-lhe sido apreendidos os seguintes objectos:  
- Um cano estriado; 
- Quatro (4) molas helicoidais, compatíveis para percurtor e corrediça de arma de fogo; 
- Um revólver, tipo “...”, sem marca ou número de série visíveis, com um tambor de 5 câmaras, de calibre 6,5 mm; 
- Uma arma transformada, de calibre 6,35 mm Browning, da marca ...”, modelo ..., com a inscrição “635”, com carregador;
- Uma arma transformada, de calibre 6,35 mm Browning, da marca ...”, modelo ... apresentando a inscrição “... 6.35” na corrediça, com carregador; 
- Catorze (14) munições, de calibre 6,35 mm Browning, em cuvete própria; 
- Um cano estriado; 
- Duas (2) hastes metálicas, compatíveis com percutor de armas de fogo; 
- Três (3) molas helicoidais, compatíveis para percutor e corrediça de arma de fogo. 
93. Em nome do arguido VVV constavam os seguintes registos/manifestos: - espingarda, calibre 14mm, marca ...”, nº ...67, Livrete ...27; - espingarda calibre 12, marca ...”, nº ...10, livrete ...56, sendo que quanto ao tipo de licenciamento, não existiam licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP.   
  - RR 
94. Em data não concretamente apurada, ZZZ falou com o arguido RR, para lhe arranjar uma “armazita”, porque sabia que ele adaptava armas, e também se mostrou interessado em comprar-lhe umas “balazitas”. 
95. Em data não concretamente apurada, o arguido RR arranjou comprador para um revólver, Schmidt, pertença de AAAA, tendo o mesmo sido vendido por aquele Joaquim pela quantia de quatrocentos (400,00€) e tendo aquele dado ao arguido RR a quantia de € 50,00 para o compensar por ter arranjado o comprador. 
96. A arma de fogo longa, originalmente de tiro desportivo, adaptada para deflagrar munições de calibre 9mm, apreendida a BBBB no dia 13 de outubro de 2020, foi transformada pelo arguido RR o qual cobrou a quantia de € 250,00. 
97. Em data não concretamente apurada, CCCC encaminhou para o arguido RR, indivíduo não identificado, interessado na aquisição de uma arma de fogo. 
98. No período temporal situado entre 2018 a 2020, por diversas vezes embora em número não concretizado de vezes, RR reparou/transformou diversas armas, na sua maioria pistolas e revólveres, a pedido do arguido QQ. 
99. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência e oficina do RR situada na Rua ..., ..., em ... tendo sido apreendido àquele os seguintes objectos, os quais se encontravam na oficina daquele arguido situada nas traseiras da dita residência: 
- Uma arma de alarme, com a configuração de um revólver, da marca ...”, modelo ... 380”, com o número de série ...25, de calibre 9mm, de cor ...; 
- Uma arma de fogo transformada, com a configuração de uma pistola, da marca ...”, modelo ..., com o número de série ...44, de calibre 6.35mm, com o respectivo carregador vazio; 
- Uma arma de alarme, da marca ...”, modelo ..., com configuração de um revólver, calibre 6mm, sem número de série, desmontada, em processo de transformação;
- Um tambor de um revólver de alarme, de marca, modelo e origem não identificados, de calibre de 6mm; 
- Um cano, de fabrico artesanal; 
- Cinco (5) molas; 
- Um fragmento metálico, proveniente de uma corrediça de uma arma; 
- Dois (2) invólucros deflagrados, da marca ...”, de calibre 6.35mm; 
- Um invólucro deflagrado, de calibre 7,65mm; 
- Um invólucro deflagrado, de calibre .22; 
- Diversos componentes metálicos; 
- Uma carcaça de uma arma de alarme, de calibre de 8mm; 
- Uma carcaça de um carregador de uma arma de alarme, da marca ...”, calibre de 8mm, juntamente com vários componentes do mesmo; 
-  Um pedaço da parte posterior do punho de uma arma, incluindo o cão; 
- Uma tecla do gatilho e respectiva guia; 
- Dois (2) cães de uma arma; 
- Um detentor do cão de uma arma; 
- Quatro (4) molas; 
- Dois (2) pinos metálicos; 
- Uma munição, da marca “...”, de calibre 6.35mm, percutida, mas não deflagrada; 
- Uma munição, da marca ...”, de calibre 6.35mm, percutida, mas não deflagrada; 
-   Um revólver desmontado, sem números visíveis; 
- Um revólver desmontado, da marca “...”, calibre 6.35mm, sem número visível; 
- Dezanove (19) munições, da marca ...”, calibre .32 S&W, por deflagrar; 
- Um invólucro de um cartucho percutido, mas não deflagrado, de calibre 9mm FLOBERT; 
- Uma platina de madeira artesanal; 
- Um carregador desmontado, da marca ...”, de calibre 7.65mm; 
- Um tambor de um revólver; 
- Um invólucro deflagrado, da marca ...”, de calibre 6.35mm; 
- Um revólver, da marca ...”, com o número de série ...48, de calibre .38, de cor ..., e punho branco; 
- Uma arma de logo transformada, da marca ...”, modelo ..., sem número de série visível, calibre 6.35mm, com a configuração de uma pistola; 
- Cinco (5) tambores de revólver de alarme; 
- Um tambor de um revólver de fabrico artesanal; 
- Seis (6) cartuchos de caça, de calibre 9mm; 
- Uma munição, da marca ...”, de calibre 7.65mm, percutida, mas não deflagrada; 
- Dezassete (17) munições, de calibre 6.35mm, de várias marcas; 
- Uma munição, de calibre .22 magnum; 
- Quatro (4) munições, de calibre .22 LR; 
- Seis (6) cartuchos de caça, de calibre 36; 
- Uma munição, de calibre .22 magnum; 
- Dezanove (19) munições de alarme, de calibre 8mm; 
- Três (3) munições de gás, de calibre 8mm; 
- Dezanove (19) munições de alarme, de calibre 9mm; 
-  Quatro (4) munições de alarme, de calibre 8mm; 
-  Seis (6) tambores de revólver, de fabrico artesanal; 
-  Três (3) tambores de revólver de alarme; 
-   Vinte e cinco (25) molas; 
- Dois (2) canos, de calibre 6,35mm; 
- Uma peça metálica, componente de uma arma; 
- Uma munição simulada com projéctil de chumbo; 
- Duas (2) munições, de calibre 6mm FLOBERT; 
- Um invólucro percutido, mas não deflagrado, de calibre 7,65mm, 
- Seis (6) munições de calibre 7,65mm, duas delas percutidas, mas não deflagradas; 
- Três (3) munições, de calibre .32 S&W, uma delas percutida, mas não deflagrada; 
- Uma munição, de calibre .38 special, percutida, mas não deflagrada; 
- Duas (2) munições, de calibre 6.35mm, percutidas, mas não deflagradas; 
- Uma carcaça de um carregador artesanal; 
- Um revólver desmontado, sem inscrições, ostentando o número 70 no tambor, e o número 14 no punho; 
- Um tambor de fabrico artesanal; 
- Um tambor de fabrico artesanal; 
- Seis (6) tambores de armas de alarme; 
- Oito (8) molas; 
- Onze (11) munições de alarme, de calibre 9mm; 
- Quatro (4) invólucros deflagrados, de calibre 6,35mm; 
- Cinco (5) munições de gás, de calibre 9mm; 
- Duas (2) munições de gás, de calibre 8mm; 
- Trinta e duas (32) munições de alarme, de calibre 9mm; 
- Quatro (4) cartuchos de caça, de calibre 12; 
- Dois (2) cartuchos de caça, de calibre 16; 
- Quatro (4) cartuchos de caça, de calibre 20; 
- Três (3) cartuchos de caça, de calibre 32; 
-  Dezassete (17) munições de alarme, de calibre 9mm; 
-  Seis (6) adaptadores de arma de alarme, para sinais luminosos; 
-   Um cano de um revólver; 
-  Duas (2) corrediças de uma arma de alarme, partidas, e com diversos cortem;
- Uma corrediça de uma arma de alarme, partida; 
- Dois (2) tambores de revólver; 
- Dois (2) tambores de revólver de alarme; 
- Um escovilhão de limpeza; 
- Cem (100) molas; 
- Um fragmento de uma corrediça; 
- Uma mesa de um carregador; 
- Três (3) varões metálicos; 
- Um componente metálico de um punho de uma pistola; 
- Três (3) bases de carregador; 
- Onze (11) munições simuladas; 
- Vinte (20) platinas, de várias armas; 
- Uma munição, de calibre .22 LR, percutida, mas não deflagrada; 
- Uma carcaça de um revólver, da marca ...”, modelo ..., de calibre .22, partida; 
- Uma carcaça de uma arma de alarme, com o cano alterado; 
- Um fragmento de uma carcaça de revólver; 
- Uma broca partida; 
- Dois (2) tubos cortados; 
- Duas (2) teclas de gatilho; 
- Um fecho de segurança; 
- Doze (12) peças metálicas, componentes de armas de fogo; 
- Cinco (5) segmentos de varão metálico; 
- Um manual de instruções das armas de alarme, da marca ...”, correspondente aos modelos “M906 “, de calibre 9mm, e “M807”, de calibre 8mm; 
- Um mandril metálico; 
- Treze (13) molas; 
- Quatro (4) percutores; 
- Cinco (5) chapas metálicas; 
 - Um parafuso; 
- Vinte (20) molas;
- Oito (8) peças metálicas; 
- Trezentos e três (303) projécteis disparados, de vários calibres; 
- Treze (13) invólucros deflagrados; 
- Uma munição de alarme; 
- Dezasseis (16) invólucros deflagrados, de vários calibres;  
- Um fragmento da carcaça de uma arma. 
100. Em nome do arguido RR não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP.   
 - EE 
 101. Em data não concretamente apurada mas situada em Outubro ou Novembro de 2019 e durante cerca de 6 meses, DDDD adquiriu uma vez por semana ao arguido EE, cinco gramas (5 gr.) de heroína, pagando cento e cinquenta euros (€150,00) de cada vez, deslocando-se à oficina dele. 
102. Em 2019 e 2020, em datas não concretamente apuradas, EEEE deslocou-se por duas ou três vezes, à oficina do arguido EE, adquirindo-lhe canabis que estava contido em sacos de dez euros (10,00€) ou vinte euros (20,00€). 
103. Em data não concretamente apurada mas situada entre 2019 a 2020, o arguido EE cedeu quantidade não concretamente apurada de “Liamba” a FFFF.  
104. GGGG comprou canabis ao arguido EE, por três vezes, em datas não concretamente apuradas mas situadas entre 2019 a 2020, sendo 5 gramas de cada vez e tendo pago a quantia de € 35,00 por cada 5 gramas.  
105. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do EE situada na E.N. nº 103, nº 43, em ... ali lhe tendo sido apreendidos os seguintes objectos: 
- Dois cartuchos, de calibre 12. 
- Uma arma de fogo longa, da marca ...”, de calibre .12. e documentos de registo da mesma a favor do arguido, através de Licença de detenção no domicilio com o nº 16768/20... bem assim Livrete de Manifesto de Arma daquela marca com o nº ...94, ...20 e Livrete de manifesto de Arma em nome do arguido com o nº ...2 
106. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na oficina do EE, situada na E.N. nº ... ..., ali lhe tendo sido apreendidos os seguintes objectos: 
- Uma arma de fogo curta, da marca ...”, com o número ...37 em estado de usada e sem carregador; 
- Um coldre; 
- Um carregador de arma de fogo curta, da marca ...”, de calibre 6,35mm;
- Uma balança de precisão, da marca “...”; 
107. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca ao veículo automóvel da marca ...”, com a matrícula ..-..-BG pertença do arguido EE que se encontrava estacionado no logradouro da sua oficina, tendo sido apreendido para além da própria viatura, um saco plástico transparente, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 995,730 gr. (novecentos e noventa e cinco vírgula setecentos e trinta gramas), com um grau de pureza de 12,8% (THC) (doze vírgula oito por cento), equivalente a 2549 (duas mil quinhentas e quarenta e nove) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades), que se encontrava no referido veículo. 
108. Em nome do arguido EE constava o registo/manifesto da arma espingarda, calibre 12, da marca ...”, nº ...20 e Livrete de manifesto de Arma em nome do arguido com o nº ...2, tendo Licença de detenção no domicilio com o nº ...1, válida até 12/03/2023, emitida pelo Comando distrital da PSP de .... 
 - HHHH 
 109. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência da arguida HHHH, sita na Rua ..., ..., ..., ali lhe tendo sido apreendidas seis (6) munições de calibre 22. 
110. No mesmo dia foi ainda efectuada busca ao veículo automóvel da marca “...”, de matrícula ..-..-VO propriedade da arguida tendo sido encontrado e apreendido no seu interior, um saco de papel pequeno, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 0,506 gr. (zero vírgula quinhentos e seis gramas) e líquido de 0,288 gr. (zero vírgula duzentos e oitenta e oito gramas), laboratorialmente identificado como ANFETAMINA, cujo grau de pureza não foi determinado atenta a reduzida dimensão da amostra enviada para exame. 
111. No dia 19 de Novembro de 2020, foram apreendidos à arguida uma caneta pistola”, de calibre 22 e uma munição do mesmo calibre, os quais se encontravam no interior do veículo automóvel da marca “...”, de matrícula ..-..-VO. 
112. Em nome da arguida HHHH não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP. 
 - FF 
 113. O arguido FF decidiu aproveitar-se do facto de exercer funções de agente da Polícia de Segurança Pública no Núcleo de Armas e Explosivos de ..., para obter benefício ilegítimo para si ou para outras pessoas das suas relações, relativamente a armas e munições a que tinha acesso por força das suas funções, adquirindo tais armas para si ou para aqueles, gratuitamente ou mediante um preço reduzido relativamente ao seu valor real. 
 114. Para o efeito, mantinha contactos com armeiros e outras pessoas das suas relações de amizade, ou outros por estes indicados, interessados na aquisição de armas e munições. Assim, quando os detentores de armas e munições compareciam no seu serviço, ao invés de as receber e registar a entrega a favor do Estado, adquira para si ou para terceiros tais armas, gratuitamente ou mediando a sua venda àqueles, por montante inferior ao seu valor real.
115. Mesmo sabendo da norma interna da PSP, que proíbe os agentes de contactos com as pessoas que se deslocam à Esquadra, para entregar armas, no sentido de as dissuadir. 
116. Concomitantemente, utilizava o acesso informático a que tinha livre acesso única e exclusivamente para o desempenho das suas funções, para, a pedido de tais pessoas, na grande maioria dos casos Armeiros, averiguar os registos dos donos de armas de modo a proporcionar àqueles a futura aquisição das mesmas da forma supra descrita. 
117. IIII, armeiro e proprietário da Espingardaria EMP01..., adquiriu uma arma de fogo longa, da marca ...”, por € 50,00 indicada pelo arguido FF, sendo intenção inicial do proprietário entregar tal arma a favor do Estado. 
118. JJJJ, armeiro, gerente da firma, que tem por escopo a compra, venda e reparação, de armas e munições, conheceu o arguido FF na caça, e de este se deslocar à sua firma para afinar a carabina. Ao invés de recorrer à PSP ..., como vinha fazendo, passou a recorrer aos serviços do mesmo arguido, na PSP ..., a fim de lhe tratar dos processos de licenciamento de armas da espingardaria, sendo que JJJJ lhe pagou «uns almoços», deixou-o utilizar o túnel de tiro da sua espingardaria e cedeu a sua casa na ..., para ele lá pernoitar por uma vez. 
O arguido FF ofereceu a JJJJ duas armas provenientes de KKKK e LLLL (cfr. factos descritos em 121 e 139) e foi o arguido que tratou da documentação da transmissão.  
Assim, consta de fls. 5605 a declaração de compra e venda da arma espingarda ..., calibre 16Ga, numero de série ...06, constando como vendedor LLLL e como comprador JJJJ, datada de 08/01/2020, tendo a documentação sido tratada pelo arguido FF.   
E consta de fls. 5606, a declaração de compra e venda da arma espingarda Browning, calibre 12Ga, numero de série ...58, constando como vendedor KKKK e como comprador JJJJ, datada de 10/01/2020, tendo a documentação sido tratada pelo arguido FF.   
Em data não concretamente apurada, o arguido FF enviou a JJJJ fotos de armas que pretendia saber o seu valor e bem assim fotos da arma “BLASER” de calibre 300 WIN pertença de um emigrante MMMM e melhor descrita em 141 que o arguido tenha intenção de comprar. 
119. NNNN, esposa do JJJJ, confirmou a mudança de procedimentos da PSP ... para a PSP ..., «ao cuidado do agente FF», que passou um fim-de-semana na sua casa da .... Que o arguido FF estava interessado em saber o valor de uma “BLASER”. 
120. AA na sessão 2049 do Alvo ...40, de 18 de Janeiro de 2020, em conversa com OOOO, disse: 
... (AA): Eh pá eles estouram, eu eu, acredita, as caixas que me, tenho aqui um amigo na PSP que, oh pá que me vai arranjando por fora e às vezes lá vou dando um tirito ou outro…  P (Pedro): Sim
(…)
...: E fiquei aqui com uma Sig Sauer P: Sim. 
...: foi de um indivíduo, fiquei com ela por vinte euros (20€) ...: Mas é uma mosquito?
P: Uma Mosquito
(..). 
 O arguido FF foi uma vez à oficina de DDD, e AA reparou-lhe gratuitamente os riscos da sua viatura. 
121. Em Maio de 2019, KKKK dirigiu-se à PSP ..., para fazer a entrega das três armas que detinha com vista a serem destruídas sendo duas delas de fogo longas e a outra de fogo curta (pistola). 
Por sugestão do arguido FF que o questionou se não queria vender a arma, aceitou então vender uma das armas (arma de fogo longa, da marca ...”, com o número ...33, de calibre 12), tendo então o arguido FF efectuado uma chamada telefónica para PPPP, conhecido como “QQQQ” a dar notícia que estava um Senhor na esquadra ..., a entregar uma “MOSBERG”, com o número ...33, de calibre 12, e se estava interessado na compra. 
Então, PPPP dirigiu-se à PSP ..., viu a arma, e comprou-a ao vendedor KKKK pela quantia de cento e cinquenta euros (150,00€), quantia essa sugerida por PPPP e aceite por KKKK.  
122. Para compensar o facto de lhe ter arranjado comprador nos termos descritos em 121, KKKK quis compensar monetariamente o arguido FF o que aquele não aceitou, tendo então, como contrapartida, KKKK oferecido ao arguido FF uma das outras armas (arma de fogo longa, da marca “BROWNING, com o número ...31, de calibre 12) que trazia, ao que o arguido FF aceitou. 
Posteriormente, decidiu o arguido FF, então, oferecer a mesma ao armeiro JJJJ, tendo então tratado do processo burocrático inerente, designadamente a declaração de compra e venda da arma referida em 118, constando como vendedor KKKK e como comprador JJJJ, datada de 10/01/2020.   
123. No início de 2020, KKKK voltou novamente à Esquadra da PSP ..., para entregar a sua pistola 77, “Pietro Beretta, com o número ...58, de calibre 6,35mm, com vista a ser destruída.  
 A arma não foi para destruição, porque, por sugestão do arguido FF, a arma foi então oferecida por KKKK a RRRR que a aceitou, negócio realizado também na PSP ... e cuja documentação foi tratada pelo arguido FF, nomeadamente a declaração de compra e venda da arma onde consta como vendedor KKKK e comprador RRRR, datada de 17/01/2020 e junta a fls. 4161.   
124. SSSS conheceu o arguido FF na PSP ..., e disse-lhe estar interessado na compra de uma caçadeira (arma de cães), sendo que o arguido lhe sugeriu uma arma que tinha sido do seu pai e forneceu-lhe o seu número de telemóvel, para posterior eventual negócio. 
Em data não concretamente apurada mas posterior a ../../2020, quando se dirigiu à PSP ..., para ver a arma que o arguido FF lhe queria vender, SSSS não ficou agradado, e consequentemente, não realizaram a transacção.
125. TTTT solicitou ao arguido FF que lhe arranjasse uma arma de fogo longa semiautomática, que viesse a ser entregue no seu serviço na PSP ..., para abate, tendo este dito que ia tomar nota do seu pedido.
126. Em 23/03/2020, UUUU contactou telefonicamente o arguido FF referindo-lhe que estava interessado em ficar com uma arma de fogo curta que pudesse vir a ser entregue no seu serviço na PSP de
... e este chegou a falar-lhe de uma “Walther, de calibre 6,35mm”, «que um senhor iria entregar», mas não chegou a concretizar-se.
127. VVVV disse ao arguido FF que estava interessado numa arma de calibre 6,35mm, e caso aparecesse em bom estado, para entrega na PSP, ficava com ela, e este ligou-lhe em 13/01/2020 referindo que estava lá um colega da GNR com uma nova para entregar mas VVVV não teve possibilidade de se deslocar à PSP naquele dia. 
Posteriormente, em 21/02/2020, o arguido FF voltou a contactar VVVV a dizer que já tinha uma arma 6.35 e era «bonitinha, novinha» sendo que o proprietário da mesma lha oferecia e guardou-lhe a mesma na PSP sendo que quando a veio buscar e lhe disse que era necessário seguro e cofre, VVVV não a quis.
128. WWWW, quando se dirigiu à Esquadra da PSP ..., para regularizar a situação da sua arma de fogo curta, da marca ...”, de calibre 22, disse ao arguido FF que estava interessado em vendê-la e este arranjou comprador, tratando-se de AA. 
Através do arguido FF, agendaram o encontro na PSP ..., em 9 de Dezembro de 2019, ocasião em que ali compareceu WWWW e AA, tendo então WWWW recebido quantia não concretamente apurada de AA pela venda da arma e ali formalizaram os documentos necessários à sua transmissão.  
129. Em data não concretamente apurada IIII, proprietário da EMP01... referido em 117, solicitou ao arguido FF que averiguasse junto do sistema informático a que tinha acesso por força do exercício das suas funções, quem era o proprietário da arma de edição limitada “...” nº 2, uma vez que era proprietário da arma nº 1 e pretendia ficar com o par.  
O  arguido FF efectuou as pesquisas e verificou que o proprietário da referida arma era XXXX e então ligou-lhe a perguntar se não estaria interessado em vender a arma “...” nº 2 a um armeiro que pretendia adquiri-la.
Posteriormente, o arguido FF cedeu a IIII o contacto telefónico de XXXX, com autorização deste último, para que alguém da firma “EMP02...” o contactasse, o que veio a acontecer, oferecendo o IIII mil e quinhentos euros (1.500,00€) pela arma, mas XXXX não aceitou vendê-la.
130. YYYY disse ao arguido FF que estava interessado numa arma de fogo longa (carabina), caso aparecesse para entrega ao estado, por um preço razoável. 
O arguido FF disse-lhe que tinha uma e que custava seiscentos euros (600,00€), preço que não agradou ao ZZZZ, pelo que não a adquiriu.
131.No mesmo dia em que VVVV se deslocou à PSP ... para ver a arma referida em 127, também ali se deslocou AAAAA, Chefe da PSP ... e porque VVVV não quis a referida arma, tratando-se aquela de uma arma de fogo curta, da marca ...”, com o número ...91, de calibre 6,35mm, AAAAA ficou com a mesma de forma gratuita, tendo assinado a documentação relativa à sua transmissão. 
132. Em data não concretamente apurada mas anterior a ../../2021, BBBBB tinha na sua posse uma arma de fogo curta, da marca ...”, calibre 6,35mm, com o número ...77, que era do seu falecido pai e com a qual não podia ficar por não ter licença para o efeito.  Em conversa com o arguido FF, referiu que preferia dar a arma do que mandar destruir a mesma. 
Foi então que o arguido CCCCC disse a BBBBB para a manter na sua posse, que ia ver se algum colega ficaria com ela oferecida, tendo aquele enviado fotos da arma para o arguido.     
133. Em 06/10/2017 DDDDD após a morte do seu tio, EEEEE que tinha armas, para ajudar a viúva, FFFFF, deslocou-se à Esquadra da PSP ... tendo em vista proceder à entrega a favor do Estado de duas armas, nomeadamente uma pistola e uma espingarda, calibre 20.
Tendo a pistola sido entregue a favor do Estado, foi GGGGG aconselhado por uma agente da PSP que ali se encontrava a obter certidão de habilitação de herdeiros e fazer antes o depósito da espingarda, nos termos do disposto no artigo 37º do RGAM, uma vez que aquela arma se encontrava em muito bom estado.
Posteriormente, em 16/11/2017, quando se deslocou à Esquadra da PSP para fazer o depósito da espingarda, o arguido FF mostrou interesse na aquisição da mesma para um terceiro, após o que lhe ligou propondo a compra inicialmente por € 150,00 e depois por € 120,00 uma vez que lhe referiu que a arma não era tão boa como parecia, ao que o GGGGG aceitou.
Em dia não apurado, DDDDD dirigiu-se à PSP e entregou a arma a JJJJ que ali se encontrava juntamente com o arguido FF, tendo em 19/01/2018 a viúva FFFFF assinado a declaração de compra e venda, sendo que só após a assinatura dos documentos é que DDDDD verificou que o comprador se tratava de um armeiro, de nome JJJJ e referido em 118. 
134. Em 16/11/2018, HHHHH deslocou-se à Esquadra da PSP ..., e fez a entrega ao agente IIIII, para depósito temporário nos termos previstos no artigo 37º do RGAM, da arma de fogo curta (pistola), da marca ...”, com o número ...71, de calibre 7,65mm, e uma caixa com vinte e cinco (25) ou cinquenta (50) munições, do mesmo calibre. No mesmo acto entregou assento de óbito do marido e declarou ser a única herdeira do falecido. 
Posteriormente e após ter sido efectuado depósito da arma supra referido, em 06/12/2018, na Secretaria da PSP de ..., local de trabalho do arguido FF, veio a ser elaborada pelo agente JJJJJ a documentação necessária à transmissão da arma de HHHHH, na qualidade de cabeça de casal e única herdeira para o arguido FF, o que veio a merecer a aprovação da Direcção Nacional da PSP com a consequente retirada da arma do depósito e emissão do livrete manifesto de arma nº ...85 em nome do arguido (cfr. arma e livrete apreendidos ao arguido no cofre da arrecadação da sua residência e descrito em 142).   Não consta do processo de transmissão da arma a declaração de compra e venda da mesma de HHHHH para o arguido, sendo que a folhas 8143-4, relativamente a tal arma, constam minutas de declaração de compra e venda da arma de HHHHH a favor do arguido FF datadas de 28/11/2018 e que vieram a ser apreendidas pela PJ no interior do computador usado pelo arguido. 
135. Tendo KKKKK se dirigido à PSP ... para regularizar a situação de armas que detinha, ali o arguido FF lhe transmitiu o seu interesse na aquisição da sua “WINCHESTER, 30-30”, com o número ...26, e acordaram o preço de duzentos e cinquenta euros (250,00€), assinado posteriormente a documentação necessária.  
136. LLLLL conheceu o arguido FF na PSP ... onde se deslocou para tratar de assuntos relacionados com armas que detinha, e negociou com aquele uma arma de fogo longa de sua pertença, por oitocentos euros (800,00€), a qual acabou depois por transmitir ao irmão do arguido FF, de nome MMMMM, a pedido do arguido. 
137. No dia 4 de Janeiro de 2019, NNNNN deslocou-se à PSP ... a fim de saber quais os procedimentos necessários para ter na sua posse a arma longa, da marca “PIETRO BERETTA”, com o número ...33, de calibre 12, que foi pertença do falecido marido. 
Após o arguido FF a informar de que tinha de ter seguro e cofre, referiu que assim sendo não pretendia ficar com ela, antes a querendo vender, ao que o arguido lhe propôs a compra por cem euros (100,00€), tendo então naquele dia assinado a declaração de compra e venda a favor do arguido, junta aos autos a fls. 8186. 
138. Em data não concretamente apurada, OOOOO, Armeiro, começou a receber do arguido FF contactos telefónicos e fotos de armas, para as avaliar. 
139. Em data não concretamente apurada, LLLL deslocou-se à PSP ..., e fez a entrega de duas armas para “abate/destruição”, sendo uma espingarda, calibre 12 Ga, marca ..., com o nº de série ...06 e a outra uma espingarda calibre 12 Ga, marca ..., com o nº de série ...50. 
Contudo, tais armas acabaram por não ser entregues para destruição, tendo LLLL, após conversa com o arguido FF acabado por lhe oferecer as referidas armas. 
Posteriormente, o arguido CCCCC ofereceu a espingarda, calibre 12 Ga, marca ..., ao armeiro JJJJ (cfr. facto descrito em 118) e a espingarda calibre 12 Ga, marca ... a PPPPP. 
 Em data não concretamente apurada, o arguido FF enviou as declarações de compra e venda das armas datadas de 08/01/2020 para LLLL assinar, o que fez através do genro deste, QQQQQ, militar da GNR do Posto .... 
Constam dos autos com a refª citius 37512645 as declarações de compra e venda das armas, ambas tramitadas pelo arguido FF datadas de 08/01/2020. 
140. RRRRR, chefe da PSP ... em exercício de funções igualmente no Núcleo de Armas e Explosões, ministrou o Curso de Formação Técnica e Cívica para portadores de armas da classe C e D em 27 de Agosto de 2020.   
Em data não concretamente apurada mas anterior a ../../2020, num café em ... e na presença de um comissário da PSP, o referido RRRRR foi abordado pelo arguido FF, o qual lhe referiu que tinha uma pessoa amiga, MMMM, que tinha vindo do estrangeiro, e ia fazer o Curso de Formação Técnica e Cívica, para Armas da classe C e D, perguntando-lhe se lhe podia ceder previamente os documentos que iria disponibilizar no dia da formação aos respectivos formandos, tendo aquele respondido que não o poderia fazer e que a pessoa em causa deveria estudar a matéria e ir à formação.  
Da parte da tarde, o arguido FF compareceu no local da prova de tiro (Regimento de Infantaria de ...) onde MMMM iria ser avaliado, a solicitar que aquele fosse dos primeiros a ser avaliado uma vez que tinha de apanhar o avião para ..., tendo urgência na emissão do certificado, ao que RRRRR acedeu, tendo o arguido FF saído, depois, na companhia de MMMM. 
141. Em Julho de 2020, SSSSS, na altura emigrante em ..., deslocou-se à PSP ..., para se inteirar do que fazer para legalizar duas armas que pretendia trazer de ... (uma caçadeira de marca ...”, calibre 12 e uma carabina “BLASER”, de calibre 300 WIN). 
Nesse momento, o arguido FF referiu-lhe que para legalizar tais armas, SSSSS tinha de ser portador de licença de uso e porte de arma para a classe C e para a obter, tinha de frequentar o Curso de Formação Técnica e Cívica, para Armas da classe C e D, referido em 140, tendo então o arguido procedido à inscrição de SSSSS no mencionado curso.
Em Setembro de 2020, SSSSS deixou a carabina “BLASER”, de calibre 300 WIN na posse do arguido FF a fim o mesmo dar uns tiros com ela no campo de tiro de ... e regular a sua mira, sendo certo que o arguido tinha intenção de lha comprar.  
Tal arma veio a ser apreendida na casa do arguido, na sua arrecadação dentro de um cofre, em 13 de Outubro de 2020 conforme descrito em 142. 
142. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do arguido FF situada na Rua ..., em ..., tendo-lhe disso apreendidos os seguintes objectos: 
Dentro do cofre, que se encontrava na arrecadação: 
- Um Livrete manifesto de arma n° N...85, relativo à pistola da marca ...”, número ...71, calibre 7,65 mm, em nome do arguido FF; 
- Uma pistola, da marca ...”, com o número ...71, de calibre 7,65 mm, com dois carregadores, com oito (8) munições do mesmo calibre, um coldre preto, e estojo preto. 
- Um livrete-manifesto de arma ...47, relativo a uma espingarda da marca “Pietro Beretta”, com o número ...16..., de calibre 12GA, em nome do arguido FF; 
- Uma espingarda, da marca “Pietro Beretta”, com o número ...16..., de calibre 12GA, com dois cartuchos alivia molas, e um conjunto de ponteiras; 
- Um livrete-manifesto de arma ...49, relativo à espingarda da marca “Pietro Beretta”, com o número ...33..., de calibre 12GA, em nome do arguido FF; 
- Uma espingarda, da marca “Pietro Beretta”, com o número ...33..., de calibre 12GA, com dois cartuchos alivia molas. e um conjunto de ponteiras; 
- Um livrete-manifesto de arma número ...76, relativo a uma espingarda da marca “Benelli”, com o número ...40, de calibre 12 GA, em nome do arguido FF; 
- Uma espingarda, da marca “Benelli”, com o número ...40, de calibre 12 GA, com número de cano ...82, e uma munição alivia molas; 
 - Um livrete de arma número ...69, relativo a uma carabina da marca “Winchester”, com o número ...26, de calibre 30.30Win; 
- Uma carabina, da marca “Winchester”, com o número ...26, de calibre 30.30Win, com cadeado e respectiva chave, sem cartuchos; 
- Um livrete de arma número ...38-03, relativo à carabina da marca ...”, com o número ...16, em nome do arguido FF; 
- Uma carabina, da marca ...”, modelo ...”, com o número ...16, de calibre .300 WIN. MAG, com mira telescópica acoplada, da marca ...”; 
- Uma caixa metálica, de cor ..., contendo: duzentas (200) munições, de calibre 9 mm Luger, da marca “Lellier e Bellot”, divididas em quatro caixas de igual quantidade; trezentas (300) munições, de calibre 9mm Luger, da marca ... e Bellot”, divididas em seis caixas de igual quantidade; quatrocentas e cinquenta (450) munições, de calibre 9 x19 mm, FMJ 124 gr, divididas em nove caixas de igual quantidade; cem (100) munições de calibre 9 mm Luger, da marca “Winchester”, divididas em duas caixas de igual quantidade; cento e cinquenta (150) munições, de calibre 9 mm x19 Sintox Standard, da marca ...”, divididas em três caixas de igual quantidade; uma caixa de cinquenta (50) munições, de calibre 9mm Luger Sintox, da marca ...”; uma caixa de cinquenta (50) munições, de calibre 9 mm x19 DM41, da marca ...”. 
 No armário da roupa existente na arrecadação: 
- Um saco plástico, de cor ..., contendo: dezanove (19) cartuchos, de calibre 12 GA; uma caixa de cor ..., com a inscrição “...”, acondicionando três (3) cartuchos, de calibre 12 GA; uma caixa de cor ..., com a inscrição “...”, acondicionando dezassete (17) cartuchos, de calibre 12 GA; 
- Um saco plástico, de cor ..., contendo uma caixa com a inscrição “...”, acondicionando vinte e cinco (25) cartuchos, de calibre 12 GA; uma caixa com a mesma inscrição, acondicionando vinte e cinco (25) cartuchos, do mesmo calibre; 
- Uma mala pequena, de cor ..., contendo setenta e sete (77) cartuchos, de calibre 20 GA; 
 - Um saco plástico, de cor ..., contendo trinta e nove (39) cartuchos, de calibre 12 GA, e um outro saco plástico, de cor ..., acondicionando seis (6) cartuchos, de calibre 12 GA; 
- Uma caixa metálica, de cor ..., contendo um saco plástico com a inscrição “...”, acondicionando trinta e cinco (35) cartuchos, de calibre 12 GA; uma caixa, de cor ..., com a inscrição “...”, acondicionando seis (6) cartuchos, de calibre 12 GA; uma caixa, de cor ..., com a inscrição “...”, acondicionando oito (8) cartuchos, de calibre 12 GA; um saco plástico, do “...”, acondicionando quatro (4) cartuchos, de calibre 12 GA; um saco plástico, de cor ..., acondicionando setenta e um (71) cartuchos, de calibre 12 GA; 
- Um saco plástico transparente, contendo: uma caixa, acondicionando vinte e cinco (25) munições, de calibre 7,65 Browning; uma caixa, da marca “Lellier e Bellot”, acondicionando dezasseis (16) munições, de calibre .22 WMR; uma caixa, acondicionando trinta e quatro (34) munições, de calibre .22 Winchester; uma caixa, acondicionando vinte (20) munições, de calibre .300 Win. Mag., da marca “Solognac”; uma caixa, acondicionando doze (12) munições, de calibre 30.30 WIN, da marca “Federal”; uma caixa, acondicionando cinquenta (50) munições, de calibre .32 Auto, da marca “Magtech”; uma caixa, acondicionando cinquenta (50) munições, de calibre 9mm Parabellum, da marca “Industria Nacionais de Defesa E.P.”; uma caixa, acondicionando vinte (20) munições, de calibre 30.30 Win, da marca “Remington”; uma caixa, acondicionando cinquenta (50) munições, de calibre .32 Auto, da marca “Magtech”; uma caixa, acondicionando cinquenta (50) munições, de calibre 7.65, da marca “Magtech”; duas (2) caixas de chumbos, de calibre 4.5, da marca “Arlaz”; uma cartucheira, de cor castanha, com oito (8) munições, de calibre 300 WIN MAG; um carregador de HK, contendo no cinco (5) munições, de calibre 300 WIN MAG; 
- Uma caixa de madeira, com a inscrição “... - TTTTT e FF - 2-03-2002”, contendo cento e cinquenta (150) munições, de calibre .22 LR, acondicionadas em três caixas, com a inscrição “...”; cem (100) munições, de calibre .22 LR, acondicionadas em duas caixas, com a inscrição “...”; cinquenta (50) munições, de calibre .22 LR, acondicionadas numa caixa com a inscrição “...”; quarenta (40) munições, de calibre .22 LR, acondicionadas numa caixa, com a inscrição “...”; trinta (30) munições, de calibre .22 LR, acondicionadas numa caixa, com a inscrição “...”; 
- Uma caixa de cartão, com a inscrição “...”, contendo cinco (5) caixas, de cor ..., da marca ...” (quatro delas fechadas), acondicionando cento e catorze (114) cartuchos, de calibre 12 GA, e outras cinco (5) caixas, de cor ..., com a inscrição “...”, acondicionando cento e vinte e cinco (125) cartuchos, de calibre 12 GA; 
- Uma caixa de cartão, com a inscrição “...”, contendo sete (7) caixas, de cor ..., da marca ...”, acondicionando cento e setenta e cinco (175) cartuchos, de calibre 12 GA, e outras duas (2) caixas fechadas, com a inscrição “JJJJ”, acondicionando cinquenta (50) cartuchos, de calibre 12 GA; 
- Uma cartucheira, de cor ..., com vinte e quatro (24) cartuchos, de calibre 12 GA, inseridos no exterior, e nos dois bolsos da mesma, quatro (4) cartuchos, do mesmo calibre; 
- Um tripé, da marca “Primos”, modelo “Gen 3”, e porta-tripé, da mesma marca, de cor ..., com a respectiva fatura-recibo, emitido pela firma “EMP01...”, datado de 7 de outubro de 2020, no valor de cento e cinquenta e três euros (€153,00);
- Quatro (4) envelopes, contendo notas de cem (100) dólares, totalizando a quantia de trinta e quatro mil (34.000) dólares, os quais eram pertença do tio do arguido UUUUU;   
- Um envelope branco, com a inscrição “...”, contendo a quantia de mil duzentos e cinquenta euros (€1.250,00), composta por quinze (15) notas de cinquenta (50) euros, e cinco (5) notas de cem (100) euros, os quais se tratavam de ofertas de familiares ao agregado familiar (arguido, esposa e filhos) em épocas festivas; 
No balcão da garagem: 
- Um saco plástico branco, com a inscrição “...”, contendo: um saco plástico pequeno, acondicionando doze (12) cartuchos, de calibre 12 GA; um saco plástico, de cor ..., acondicionando um outro saco plástico transparente, com seis (6) cartuchos, de calibre 12 GA; uma caixa, de cor ..., da marca “Winchester”, acondicionando seis (6) cartuchos, de calibre 12 GA; sessenta e quatro (64) cartuchos, de calibre 12 GA; dois (2) cartuchos, de calibre 9 mm; 
- Uma caixa de cartão, de cor ..., contendo: setenta e cinco (75) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados em três (3) caixas, com a inscrição “...”; cem (100) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados em quatro (4) caixas, da marca ...”; quarenta e nove (49) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados em duas (2) caixas, com a inscrição “...”; quarenta (40) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados em duas (2) caixas, com a inscrição “...”; vinte e nove (29) munições, de calibre 30.06 Spring., acondicionadas em duas (2) caixas, com a inscrição “Federal”; dezoito (18) munições, de calibre 30-06 Spring, acondicionadas numa caixa, da marca “Sellier e Bellot”; cinquenta e sete (57) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados em três (3) caixas, da marca “Remington”; oito (8) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa, com a inscrição “... 2”; oito (8) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa, com a inscrição “100 ...”; catorze (14) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa, com a inscrição “... 42”; treze (13) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa, com a inscrição “...”; dezassete (17) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa aberta, sem tampa, da marca “Remington”; dezassete (17) munições, de calibre 30.06 Spring, acondicionadas numa caixa, da marca “Federal Primium”; vinte (20) munições, de calibre 30.06 ..., acondicionadas numa caixa, da marca ...”; dez (10) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa, da marca “Lellier e Bellot-SB Extra”; vinte e cinco (25) cartuchos, de calibre 12 GA, acondicionados numa caixa, da marca “Armi Bettinsoli Tarciso”; um saco plástico, de cor ..., acondicionando um cartucho, de calibre 12 GA; um saco plástico, de cor ..., acondicionando dezassete (17) cartuchos, de calibre 12 GA; um obliterador, de cor .... 
 No escritório: 
- Uma espingarda, da marca “...”, com o número ...35, de calibre 12GA, num estojo, de cor ... à data manifestada em nome de VVVVV;  
 - Dentro do referido estojo: uma fotocópia do livrete número ...73, relativo àquela espingarda; a autorização de detenção permanente número 1253/01, pertencente a VVVVV, residente em ... – ...; um envelope, de cor ..., com o nome do arguido FF manuscrito, contendo uma nota de cinquenta euros (€50,00); a licença de uso e porte de arma e carta de caçador, emitidos em nome do mencionado VVVVV; recibo de pagamento, emitido pela PSP, da segunda via de livrete de manifesto, no valor de vinte e quatro euros e oitenta cêntimos (€24,80). 
 Na arrecadação, dentro de um cofre: 
- A quantia de quatro mil trezentos e noventa euros (€4.390,00), composta por quarenta e três (43) notas de cinquenta euros (€50,00) e cento e doze (112) notas de vinte euros (€20,00), que se encontravam acondicionadas numa lata, de cor ..., com a inscrição “futebol Clube ...”, a qual se tratava de poupanças do arguido e da esposa,  
- Quinze (15) munições, de calibre 7,65 mm, que também estavam acondicionadas naquela lata. 
- Uma carabina nº ...12 de marca ..., modelo ..., calibre. 300Win. Mag. 
 No quarto: 
- Um livrete-manifesto de arma número ...04, relativo à espingarda da marca ...”, com o número ...67, de calibre 12GA, em nome de WWWWW, residente no Lugar ..., .... 
- Uma espingarda nº ...67 de marca ..., calibre 12GA, com nº de cano ...67, acondicionada numa mala de transporte de cor ..., contendo no seu interior sete ponteiras, manifestada à data em nome de WWWWW.  
 Na posse do arguido: 
- um telemóvel de marca ..., modelo ...75... contendo no seu interior o cartão Sim com o nº ...75
 143. Também no dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca no local de trabalho do arguido (Secretaria da PSP de ..., Núcleo de Armas e Explosivos) tendo-lhe disso apreendidos os seguintes objectos: 
No armário: 
- Duas (2) folhas agrafadas, com a inscrição: “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 2 de outubro de 2020, e relativo a quarenta e seis (46) processos de transmissão de armas; 
- Duas (2) folhas agrafadas, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 14 de outubro de 2020, e relativo a vinte e dois (22) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 22 de agosto de 2020, e relativo a dezoito (18) processos de transmissão de armas; 
- Duas (2) folhas, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 7 de agosto de 2020, e relativo a vinte e oito (28) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 13 de julho de 2020, e relativo a dezanove (19) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 17 de junho de 2020, e relativo a treze (13) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 5 de junho de 2020, e relativo a quatro (4) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 3 de junho de 2020, e relativo a catorze (14) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)", datado de 19 de maio de 2020, e relativo a dezoito (18) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 9 de março de 2020, e relativo a oito (8) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)", datado de 9 março de 2020, e relativo a onze (11) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 27 de fevereiro de 2020, e relativo a dezoito (18) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 31 de janeiro de 2020, e relativo a treze (13) processos de transmissão de armas; 
- Duas (2) folhas agrafadas, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 10 de janeiro de 2020, e relativo a vinte e sete (27) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)", datado de 10 de dezembro de 2019, e relativo a onze (11) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 23 de novembro de 2019, com manuscrito de 25 de novembro de 2019, e relativo a seis (6) processos de transmissão de armas;
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 18 de novembro de 2019, e relativo a dezoito (18) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)", datado de 29 de outubro de 2019, e relativo a dez (10) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 15 de outubro de 2019, e relativo a dez (10) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 20 de setembro de 2019, e relativo a dezassete (17) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 27 de agosto de 2019, e relativo a doze (12) processos de transmissão de armas; 
- Duas (2) folhas, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 25 de julho de 2019, e relativo a vinte e dois (22) processos de transmissão de armas; 
- Duas (2) folhas, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 29 de junho de 2019, e relativo a dezoito (18) processos de transmissão de armas; 
- Uma folha, com a inscrição “Alvara nº ...07 - JJJJ (Armeiro)", datado de 25 de setembro de 2019, e relativo a três (3) processos de transmissão de armas; 
- Alvará de armeiro tipo 2, com o número 024/2007, de JJJJ, datado de 29 de dezembro de 2017; 
- Uma capa, relativa ao “Armeiro JJJJ”, contendo: quatro (4) cheques, com números ...27, ...26, ...01, ...29, de JJJJ, emitidos não à ordem do IGCP, todos em branco quanto ao valor; processo de compra e venda de arma, cujo vendedor é JJJJ e comprador XXXXX, com o livrete número ...32, e post it manuscrito “arma é do YYYYY em 31/08/2020. Cofre 15, já tem 21 armas ficou de comprar novo cofre e de mandar factura através da espingardaria”; 
- Processo de compra e venda de arma, cujo vendedor é JJJJ e comprador GG, com o livrete número ...15, e post it manuscrito “ a UU já falou c/ ele. Não tem cofre"; 
- Fatura-recibo número ...51, datado de 2020-08-06, emitido pelo Armeiro JJJJ, e com o post it manuscrito “provas de cofre de clientes sem compras pendentes, obrigada”; 
- Fatura-recibo número ...50, datado de 2020-08-06, emitido pelo Armeiro JJJJ; 
- Uma pasta referente ao “Armeiro EMP01...”-IIII, contendo: três (3) cheques, com os números ...18, ...19, ...57, sem indicação de data ou valor; processo de compra e venda de arma, cujo vendedor é “EMP02... IIII e comprador ZZZZZ, com o livrete número ...58, e post it manuscrito “Esta arma ainda é do YYYYY, não existe transmissão 02/06/2020; 10/07; 24/08. Já pode ser feito” e “Esperar contacto brigada Porto”; um processo de compra e venda de arma, cujo vendedor é JJJJ e comprador AAAAAA, com o livrete número ...56, e post it manuscrito “Vai substituir a declaração do cofre em Novembro à PSP. Coimbra. Depois Avisa a UU"; um processo de compra e venda de arma, cujo vendedor é JJJJ e comprador BBBBBB, com o livrete número ...48, e post it “Aguarda conclusão N...83/2020”. 
 Na secretária: 
- Um caderno de argolas, de cor ..., com várias anotações manuscritas; 
- Um livrete manifesto de arma, com o número ...56, em nome de DDD; 
- Duas (2) fotocópias de livretes de manifesto de arma, com os números ...44 e ...05, ambos em nome de DDD; 
 - Duas (2) folhas de declaração de posse de cofre, em nome de NNNN; 
- Declaração de conformidade para cofre, da “...”, emitida para o cliente CCCCCC; 
- Fatura-recibo número ...45, emitida em nome de DDDDDD, e relativa à compra de um cofre; 
- Duas (2) notas de encomenda, da sociedade “EMP03...”, referente à compra de dois (2) cofres, emitida em nome de EEEEEE e FFFFFF; 
- Uma folha de papel, com várias anotações manuscritas; 
- Seis (6) livretes de manifesto de armas, emitidos em nome de PPPP; 
- Um dossier, com manuscritos “Entregar” e “Armeiro JJJJ”, com os documentos referentes à emissão de livretes e transmissão de propriedade de armas, concretamente: vendedor -GGGGGG- e comprador -HHHHHH-, com o livrete número ...64; vendedor -IIIIII- e comprador -JJJJJJ-, com o livrete número ...18; vendedor -... - e comprador -KKKKKK-, com o livrete número ...53; vendedor -JJJJJJ- e comprador -LLLLLL-, com o livrete número ...64; vendedor -KKKKKK- e comprador MMMMMM-, com o livrete número ...92; vendedor -NNNNNN- e comprador -OOOOOO-, com o livrete número ...86; vendedor -PPPPPP- e comprador -QQQQQQ-, com o livrete número...37; vendedor -RRRRRR- e comprador -SSSSSS, com o livrete número ...16; vendedor -TTTTTT- e comprador -UUUUUU-, com o livrete número ...25; vendedor -VVVVVV- e comprador -BBBBB-, com o livrete número ...10; vendedor -WWWWWW- e comprador -XXXXXX-, com o livrete número ...94; vendedor -YYYYYY. e comprador -ZZZZZZ-, com o livrete número ...76; vendedor -AAAAAAA- e comprador -BBBBBBB-, com o livrete número ...43; vendedor -CCCCCCC- e comprador -DDDDDDD-, com o livrete número ...52; vendedor EEEEEEE- e comprador -AAAAAAA-, com o livrete número ...11; vendedor -FFFFFFF- e comprador -GGGGGGG-, com o livrete número ...16; vendedor -HHHHHHH- e comprador -IIIIIII-, com o livrete número ...64; vendedor JJJJJJJ- e comprador -KKKKKKK-, com o livrete número ...03; vendedor -LLLLLLL- e comprador -MMMMMMM-, com o livrete número ...83; vendedor -NNNNNNN- e comprador -OOOOOOO-, com o livrete número ...33; vendedor -OO- e -comprador -PPPPPPP-, com o livrete número ...53; 
- Recibo número ...16, emitido em ../../2020, pela PSP, em nome de JJJJ, e relativo a seis (6) livretes-manifestos;
- Uma folha, com a inscrição “Alvará número ...07 - JJJJ (Armeiro)”, datado de 24 de agosto de 2020, e relativo a dezoito (18) processos de transmissão de armas; 
- Recibo número ...39, emitido em ../../2020, pela PSP, em nome de JJJJ, e relativo a trinta e cinco (35) livretes-manifestos; 
- Uma folha de declaração de compra e venda, constando como vendedor QQQQQQQ e comprador MMMMM, e livrete com o número ...25; 
- Um revólver, de calibre 6mm Flobert, da marca ...”, modelo ...”; 
- Um revólver, de calibre lefaucheux; 
- Três revólveres, sem marca, nem modelo visíveis; 
- Uma caixa, contendo cinquenta (50) munições, de calibre 6,35 mm, da marca ...”; 
- Uma caixa, contendo vinte e cinco (25) munições, de calibre 6,35 mm, da marca ...”; 
- Uma palete, com vinte e cinco (25) munições, de calibre 6,35 mm, da marca ...; 
- Uma caixa de cartão, com a inscrição “RRRRRRR”, contendo vinte e cinco (25) munições, de calibre 6,35 mm, de várias marcas; 
- Uma caixa transparente, contendo: uma munição, de calibre .380 WIN; uma munição, de calibre 30.06; uma munição, de calibre .300 WIN. MAG.; trinta e oito (38) munições, de calibre 6.35mm; seis (6) munições, de calibre .32 HR MAG.; seis (6) munições, de calibre .32 AUTO; quatro (4) cartuchos, de calibre 36 GA; um involucro, de calibre .338.; um saco de plástico, de cor ..., acondicionando quatro (4) munições, de calibre 12 GA, de várias marcas; uma caixa de munições, marca ...”, acondicionando cinco (5) munições, de calibre 12 GA.; uma caixa de munições, da marca “TRUST EIBARRES, S.A.”, acondicionando quinze (15) munições, de calibre 12 GA, de várias marcas; uma caixa de papel, de cor ..., acondicionando vinte e quatro (24) munições, de calibre 12 GA, de várias marcas e modelos; um saco de plástico transparente, acondicionando oito (8) ponteiras para espingarda. 
Numa das prateleiras do armário, dentro de uma caixa de arquivo: 
- Três folhas de listagem de processos relativos a transmissão de armas, já concluídos, do armeiro JJJJ, para particulares. 
144. Em nome do arguido FF constavam os seguintes registos/manifestos: 
- Espingarda, calibre 12 GA, marca “Pietro Beretta”, nº ...16..., livrete nº ...47; 
- espingarda, calibre 12 GA, marca “Pietro Beretta”, nº ...33..., livrete nº ...49
- espingarda, calibre 12 GA, marca “Benelli”, nº...82, livrete nº ...76; 
- carabina, calibre 300 ..., marca “Heckler & Koch”, nº ...16, livrete nº ...38; 
 - carabina, calibre 30.30Win, marca “Winchester”, nº ...26, livrete nº ...69; 
- Pistola, calibre 7,65mm ou .32Auto, marca ...”, nº ...71, Livrete N...85; 
 - SSSSSSS 
 145.As armas apreendidas em 13/10/2020 a TTTTTTT, concretamente duas armas de fogo longas (caçadeira e carabina), sendo uma da marca ...”, com o número ...41, e a outra com o número ...25, na busca à sua residência, foram por ele adquiridas ao arguido SSSSSSS, pelo preço de aproximadamente € 100,00 cada uma. 
146. UUUUUUU poliu uma parte de uma arma de fogo de características não identificadas do arguido SSSSSSS, a pedido deste. 
147. VVVVVVV presenciou o arguido SSSSSSS a tentar vender uma arma ao Fernando Gonçalves. 
Em data não concretamente apurada, o arguido SSSSSSS propôs ao VVVVVVV vender-lhe uma arma pelo preço de € 150,00 mas não chegou a fornecer-lhe a mesma. 
148. VVV, sobrinho do arguido SSSSSSS, sabedor que este se dedicava à venda de armas, falou com ele, para arranjar uma arma, para um colega.  
149. A arma de fogo curta transformada com cano para cartuchos de caça de pequeno calibre 12 Magnum apreendida a WWWWWWW em 13/10/2020, foi por ele adquirida, pouco tempo antes, ao arguido SSSSSSS, e bem assim uma caixa de munições, do mesmo calibre. 
150. Antes da arma de fogo longa, da marca ...”, de calibre 14, ter sido apreendida a XXXXXXX em 06/05/2021, o arguido SSSSSSS queria comprá-la.
151. O arguido SSSSSSS vendeu a ZZZ uma caçadeira e munições, por trezentos euros, sendo que passado duas semanas este veio a devolver a arma e as munições ao arguido porque a sua mulher não queria ter tais objectos em casa. 
152. Há cerca de 2 a 3 anos, o arguido SSSSSSS vendeu a YYYYYYY uma arma “pressão de ar”.  
153. Em data não concretamente apurada, no estabelecimento comercial “EMP04...” em ..., o arguido SSSSSSS exibiu, pelo menos por uma vez, uma saca com pistolas e revólveres para venda, facto presenciado por ZZZZZZZ.  
154. Em data não concretamente apurada, o arguido SSSSSSS exibiu a AAAAAAAA algumas armas velhas mas que segundo o arguido seriam funcionais. 
155. Em nome do arguido SSSSSSS não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP. 
 - QQ 
 156. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do arguido QQ situada na Rua ..., ... tendo disso apreendidos ao arguido os seguintes objectos:  
- Uma espingarda carabina, modelo antigo, com o símbolo da Suíça gravado na caixa da culatra, assim como o número ...54;
- Uma baioneta, com o número ...84; 
- Uma caixa com 10 (dez) munições, de calibre 7,65mm suíço; 
- Uma pistola de pressão de ar, adaptada a .22, com a gravação “...” no corpo da arma; 
- Uma caixa, contendo treze (13) munições, de calibre .22; 
- Um ralador de Canabis, em metal prateado, com o símbolo de uma folha de Canabis na tampa;
- Dois vasos contendo cada um deles um pé de uma planta de Canabis; 
 - Um frasco de vidro, com tampa hermética, e com a inscrição “...”, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 1,830 gr. (um vírgula oitocentos e trinta gramas), com um grau de pureza de 2,8% (THC) (dois vírgula oito por cento), equivalente a uma dose, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades); 
- Uma pistola, em forma de ..., para cartuchos de calibre 9mm; 
- Dois revólveres de pressão de ar, pretos, com a inscrição “...”, com os números ...69 e ...88; 
- Uma caixa com a inscrição “PT.80 ...”, contendo uma pistola de pressão de ar, de cor ...; 
- Uma caixa de cor ..., com a inscrição “...”, contendo uma pistola de alarme, de calibre 9PAK, com a inscrição “...”; 
- Vinte e cinco (25) munições de alarme; 
- Um adaptador; 
- Cinco (5) foguetes de sinalização; 
- Dois sabres, um com bainha de cor ..., e outro com bainha de cor ...; 
- Uma espingarda de pressão de ar, da marca “...”, para chumbo de calibre 4,5mm; 
- Um cabo estrangulador/serra de madeira; 
- Treze dardos, próprios para espingarda de pressão de ar;
- Uma munição, de calibre 7,64S; 
- Uma faca “...”; 
- Um revólver de cor ..., adaptado a caibre .22; 
- Um revólver, de cor ..., com as platinas do punho em plástico de cor ...; 
- Um revólver, de cor ..., de cano redondo e punho com platinas de cor ...;  - Um revólver, de cor ..., com platinas do punho em cor de marfim, e municiado com duas munições de calibre .22; 
 - Um revólver, de cor ..., com o punho em madeira, e cinco (5) munições de calibre .38; 
- Uma pistola lançadora de “very lights”, de cor ...;
- Uma soqueira, em metal, de cor ...; 
- Uma caixa, contendo cinquenta (50) munições, da marca ... 32 ...”; 
- Nove (9) cartuchos, de calibre 9mm, dois dos quais em plástico; 
- Um saco, contendo trinta e oito (38) munições, de calibre calibre .22, para tiro desportivo; 
- Dezanove (19) munições, de calibre 7,65; 
- Cinco (5) munições, de calibre .38; 
- Cinco (5) munições, de calibre 3.20;
- Oito (8) munições, de calibre 6mm ...; 
- Seis (6) munições, de calibre 6,35; 
- Quarenta e quatro munições (44), de calibre 22 curto; 
- Duas (2) munições, de calibre 9mm; 
- Onze (11) munições, de calibre 6,35 salva; 
- Nove (9) munições, de calibre 9mm salva; 
- Três (3) munições; 
- Quarenta e três (43) cartuchos, de calibre 12; 
- Uma cartucheira em pele, com trinta (30) cartuchos, de calibre 12; 
- Um cartucho sinalizador “...”, calibre 15mm; 
- Um carregador, de calibre 6,35;  - Um tambor de revólver. 
157. Em nome do arguido QQ não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP. 
 - SS 
 158. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência e oficina do arguido SS situada na Rua ..., ..., tendo disso apreendidos ao arguido os seguintes objectos: 
- Uma espingarda caçadeira, de canos justapostos, de calibre 16; 
- Uma espingarda caçadeira semiautomática desmontada, modelo ...0..., com o número de série ...37, de calibre 12; 
- Uma carabina, da marca ...”, modelo ..., de calibre 22LR; 
- Um componente de uma espingarda caçadeira; 
- Três (3) caixas, contendo um total de setenta e cinco (75) cartuchos, de calibre 32, e dois (2) cartuchos avulsos do mesmo calibre; 
- Duas (2) caixas, contendo um total de cinquenta (50) cartuchos, de calibre 36; 
- Quarenta e sete (47) cartuchos, de calibre 9mm Flobert; 
- Uma mica, contendo o original do comprovativo de entrega de arma, em nome de BBBBBBBB, emitido pela Polícia de Segurança Pública, registado com o número ...: ...87/2017, composto por duas folhas agrafadas;  - Dez (10) folhas agrafadas, referentes a fotocópias de documentos de identificação, licença de uso e porte de arma, e declaração de compra e venda de arma, em nome de CCCCCCCC e DDDDDDDD;  - Cinco (5) folhas A4, com manuscritos referentes a orçamentos de reparações de armas; 
- Um bloco de notas, de tamanho A5, com a inscrição manuscrita na capa “ARMAS PARA ENTREGAR”, e no seu interior as identificações de vários nomes, e referências a armas de fogo.
• Na bancada existente em frente ao portão de acesso: 
- Oito (8) punções metálicas; 
- Seis (6) canos de arma de fogo. 
• Na caixa metálica localizada junto às escadas de acesso: 
- Duas (2) pistolas transformadas para calibre 6.35mm, com as inscrições "...6.35"; 
 - Uma peça metálica de espingarda caçadeira; 
- Uma pistola, da marca ..., transformada para calibre 6.35mm; 
- Uma pistola “...”, transformada para calibre 6.35mm; 
- Um revólver, da marca “BROWNING”, do tipo ..., com cinco (5) invólucros de calibre 6.35mm no tambor; 
- Um revólver, da marca ...”, modelo ..., transformado para calibre .22LR; 
- Um revólver, da marca ...”, calibre .22LR; 
- Um revólver, da marca ..., calibre .22LR; 
- Um bloco de culatra de espingarda caçadeira, da marca “Benelli”; 
- Um conjunto de mecanismo de disparo de espingarda caçadeira;
-  Uma parte de mecanismo de disparo. 
• Na bancada de trabalho localizada à direita das escadas, junto à entrada da divisão composta pela área de trabalho e pela área das máquinas: 
- Uma peça metálica de espingarda caçadeira, da marca “Benelli”, com o número de série ...96; 
- Um objecto com a configuração de uma pistola, com a inscrição “BBcal(4.5mm)”. 
• No jogo de gavetas junto à bancada de trabalho principal: 
- Seis (6) cartuchos, de calibre 12; 
- Noventa (90) munições, de vários calibres; 
- Um tubo metálico cilíndrico; 
- Dois (2) objectos metálicos, com a configuração de uma carcaça de pistola; 
- Uma carcaça de uma pistola; 
- Uma corrediça; 
- Catorze (14) carregadores; 
- Quatro (4) objetos metálicos; 
- Oitenta e seis (86) munições, de calibre 9mm Parabellum; 
- Trinta e oito (38) munições, de calibre 7.65mm, 
- Três (3) invólucros, de calibre 7,65mm; 
- Trinta e nove (39) munições, de calibre .32HRM; 
-           Dezanove (19) munições, de calibre 7x64; 
-           Setenta e seis (76) munições, de calibre .22 Short; 
-           Dezoito (18) munições, de calibre .22HRM 
-           Uma caixa, contendo trinta e uma (31) munições, de vários calibres; 
-           Duas (2) caixas, contendo quarenta e oito (48) munições, de vários calibres; 
-           Quarenta (40) munições, de calibre 9mmm Flobert; 
-           Quarenta e uma (41) munições, de calibre .22 Short; 
-           Trinta e seis (36) munições, de calibre .22LR; 
-           Cem (100) munições, de calibre 6.35mm; 
-           Cinquenta (50) munições, de calibre .45; 
-           Trinta (30) munições, de calibre 9mmm Parabellum; 
-           Quarenta (40) munições, de calibre .32 SW; 
-           Cinquenta (50) munições, de calibre .22 Magnum; 
-           Uma carcaça e uma corrediça de uma pistola, da marca ...”; 
- Uma carcaça de uma pistola. 
•           Na bancada de trabalho principal: 
-           Trinta e quatro (34) cartuchos, de vários calibres; 
-           Uma pistola transformada para calibre 6.35mm, com a inscrição “...”; 
-           Dois (2) carregadores; 
-           Duas (2) platinas; 
-           Dois (2) tubos metálicos, estriados no seu interior; 
-           Um conjunto de molas; 
-           Um par de platinas; 
-           Dois (2) carregadores; 
-  Nove (9) componentes de armas de fogo; 
-  Parte de uma carcaça metálica de uma pistola; 
-  Dez (10) tubos metálicos, estriados no seu interior; 
-  Duas (2) corrediças quebradas; 
 -          Uma parte de uma carcaça de uma arma de logo; 
-           Nove (9) componentes de arma de logo; 
-           Cinco (5) peças metálicas; 
-           Um par de platinas; 
-           Nove (9) tubos metálicos de forma cilíndrica, estriados no seu interior; 
-           Sessenta (60) munições, de calibre .22LR; 
-           Sessenta (60) munições, de calibre 6.35mm; 
-           Noventa e duas (92) munições, de calibre 7.65mm; 
-           Quarenta e sete 847) munições, de calibre .32SWL; 
-           Cento e quarenta e quatro (144) munições, de vários calibres; - Uma carcaça de um revólver, da marca “BROWNING”, calibre 6.35mm, de tipo “...”, e componentes;
 - Seis (6) carregadores; 
-           Um tambor; 
-           Quatro (4) corrediças;
-           Uma pistola transformada para calibre 6.35mm; 
-           Um tubo metálico cilíndrico, estriado no seu interior; 
-           Um tubo metálico cilíndrico perfurado; 
-           Um tubo metálico cilíndrico; 
-           Um tambor; 
-           Um par de platinas; 
-           Várias peças metálicas; 
-           Catorze (14) tubos metálicos com forma cilíndrica, estriados no seu interior; 
-           Uma carcaça metálica; 
-           Um tambor; 
- Cinco (5) carcaças metálicas de pistola; 
- Seis (6) carregadores; 
- Vários componentes metálicos de armas de fogo; 
- Uma corrediça; 
-           Um tubo metálico, com forma cilíndrica, estriado no seu interior; 
-           Um par de platinas; 
-           Um tambor; 
-           Uma carcaça de revólver de tipo “...”; 
-           Dez (10) carregadores; 
-           Uma corrediça; 
-           Um par de platinas; 
-           Cinco (5) carcaças de arma de fogo; 
-           Três (3) carcaças de arma de fogo, com corrediça; 
-           Uma carcaça de revólver, da marca ...”; 
-           Um revólver, de tipo “...”; 
-           Uma carcaça de arma artesanal; 
-           Uma peça metálica de canos soldados; 
-           Um objeto com a forma de um revólver; 
-           Uma carcaça de um revólver “...”; 
-           Uma carcaça de revólver; 
-           Parte de uma carcaça de revólver com tambor; 
-           Uma pistola, da “...”, modelo “...”, transformada; 
-           Um tambor; 
-           Um percutor; 
-           Um eixo de tambor; 
-           Dezasseis (16) peças metálicas em forma de carregador; 
-           Cinco (5) tubos metálicos, com forma cilíndrica; 
-           Sete (7) carcaças de carregador; 
-           Uma pistola, da marca ...”, calibre 6.35mm; 
- Uma carcaça de uma pistola; 
- Quatro (4) tubos metálicos, raiados no seu interior; 
- Três (3) carregadores; 
- Duas (2) corrediças; 
 -          Três (3) platinas; 
-           Uma carcaça metálica em forma de pistola; 
-           Três (3) peças metálicas; 
-           Um tubo metálico, raiado no seu interior; 
-           Quatro (4) peças metálicas; 
-           Um tubo metálico; 
-           Uma peça metálica em forma de carregador; 
-           Seis (6) carcaças metálicas em forma de pistola; 
-           Cinco (5) tubos metálicos com forma cilíndrica, estriados no seu interior; 
-           Quatro (4) tubos metálicos com forma cilíndrica, estriados no seu interior; 
-           Três (3) peças metálicas em forma de carregador; 
-           Um objecto com a configuração de uma pistola automática, da marca ...”, modelo ..., com a inscrição “.... 9mm ....”. 
•           Na bancada de apoio, localizada atrás da bancada de trabalho principal, e junto à janela: 
-           Quatro (4) tubos metálicos; 
-           Nove (9) tubos metálicos, com forma cilíndrica, estriados no seu interior; 
-           Dois (2) tubos metálicos
-           Uma carcaça de uma pistola; 
-           Uma corrediça de uma pistola; 
-           Um revólver; 
-           Uma carcaça de um revólver; 
-           Componentes de uma pistola, da marca ...”; 
-           Parte de uma carcaça de um revólver; 
-           Setenta (70) munições, de vários calibres; 
-           Vinte e um (21) tubos metálicos, com forma cilíndrica, estriados no seu interior; 
-           Sete (7) tubos metálicos; 
-           Um fixador de bandoleira. 
•           Na oficina de reparação de armas -área das máquinas: 
-           Uma pistola, da marca ...”, modelo ..., com uma chave de fendas no interior do cano; 
-           Duas (2) brocas, para produzir estriados no interior dos canos; 
-           Um lambril, para reparação de danos nos canos; 
-           Uma carcaça de pistola; 
-           Um percutor; 
-           Doze (12) tubos metálicos, com forma cilíndrica 
-           Um percutor; 
-           Uma peça metálica, com a configuração de uma arma artesanal; 
-           Um objecto metálico, com a configuração de uma pistola; 
-           Um objecto metálico, com a configuração de um guarda-mato; 
-           Um objecto metálico, com a configuração de um carregador;
-           Um objecto metálico, apresentando um mecanismo de disparo. 
159. Em nome do arguido SS constavam os seguintes registos/manifestos: 
- carabina, calibre 22, marca ...”, nº ...02, livrete nº ...88, com uma autorização de licença e detenção no domicilio permanente, nº .../02, emitida em ../../2002;   
- espingarda, calibre 12, marca ...”, nº ...10, livrete nº ...14; 
- espingarda, calibre 12, marca “Pietro Beretta”, nº ...20..., livrete nº ...50; Não tendo sido localizados outros licenciamentos 
 - EEEEEEEE  
 160. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do arguido EEEEEEEE, situada na Rua ..., Lote ..., fracção ..., ..., ..., nada tendo sido apreendido. 
161. No mesmo dia, foi efectuada busca ao veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ... S, com a matrícula14-FV-40, registado em nome de FFFFFFFF, esposa do arguido, sendo que além da viatura e respectiva chave que foram apreendidos foram também apreendidos os seguintes objectos que estavam no seu interior: 
- Um revólver, da marca ...”, modelo “.38 Special”, com o número de série ...37, com o punho em borracha de cor ..., com tambor de capacidade para cinco munições, de calibre .38 longo, municiado com cinco (5) munições, de calibre .38 Special longo, da marca ..., e bem assim nove (9) munições do mesmo calibre e marca, e uma munição, também do mesmo calibre, da marca “Norma”, que se encontravam no porta-luvas do referido veículo; 
- um saco plástico, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 36,690 gr. (trinta e oito vírgula seiscentos e noventa gramas), com um grau de pureza de 0,5% THC (zero vírgula cinco por cento), equivalente a 3 (três) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades), que se encontrava na porta do condutor da mesma viatura. 
- uma balança de precisão electrónica, da marca ...”, que se encontrava sob o banco dianteiro da mesma viatura. 
162. A viatura referida em 161 era habitualmente utilizada pelo arguido EEEEEEEE.   
163. Em nome do arguido EEEEEEEE não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP. 
 - GG 
 164. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do arguido GG, situada na Rua ..., ..., ..., ..., ..., tendo sido apreendidos ao arguido os seguintes objectos:
Numa despensa anexa à cozinha: 
- Onze embalagens de plástico, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 1.100,844 gr. (mil e cem vírgula oitocentos e quarenta e quatro gramas), com um grau de pureza de 5,7% THC (cinco vírgula sete por cento), equivalente a 1254 (mil duzentas e cinquenta e quatro) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades); 
- Uma máquina de embalamento;
- Um pack de bolsas de plástico para embalamento;  

Nos quartos 
-           Uma pistola, da marca “Pietro Beretta”, de calibre 9mm short (380 Auto), com o número de série ...19..., com treze (13) munições no carregador;
 -  Um telemóvel; 
165. Em nome do arguido GG não constavam registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos pela DAE/DN/PSP. 
 - GGGGGGGG 
 166. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do arguido GG, sita no Lugar ..., ..., em ..., tendo sido apreendidos ao arguido os seguintes objectos:
-           Um triturador
-           Uma caixa, com embalagem de fito-regulador - Seis (6) embalagens de fertilizante. 
-           Dois temporizadores. 
-           Duas ventoinhas. 
-           Uma lâmpada 600W, com o respectivo suporte em alumínio. 
-           Um saco aberto de substrato de cultivo. 
-           Uma tenda, com armação em alumínio. 
-           Um produto vegetal, com o peso líquido de 186,530 gr. (cento e oitenta e seis vírgula quinhentos e trinta gramas), com um grau de pureza de 1,6% THC (uma vírgula seis por cento), equivalente a 59 (cinquenta e nove) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades); 
 -          Um produto vegetal, com o peso líquido de 1,911 gr. (uma vírgula novecentos e onze gramas), com um grau de pureza se 6,1% THC (seis vírgula um por cento), equivalente a 2 (duas) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades); 
-           Um produto vegetal, com o peso líquido de 62,871 gr. (sessenta e dois vírgula oitocentos e setenta e um gramas), com um grau de pureza de 4,4% THC (quatro vírgula quatro por cento), equivalente a 55 (cinquenta e cinco) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades). 
167. Os arguidos BB, CC, DD, QQ, RR e SS agiram deliberada, livre e conscientemente, ao procederem à venda ou reparação/transformação de armas e munições a outros indivíduos que os contactavam para o efeito, durante o indicado período de tempo, e destinavam à venda as armas apreendidas, bem conhecendo as características das armas e munições vendidas e detidas para venda, sabendo que não eram titulares de qualquer licença ou autorização legal para o efeito e que assim sendo tal lhes estava vedado por lei. 
168. O arguido VVV agiu deliberada, livre e conscientemente, no referido período de tempo ao procedeu à compra e venda de armas cujas características conhecia, sabendo que não era titular de qualquer licença ou autorização legal para o efeito e destinava à venda as armas apreendidas, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
169. O arguido SSSSSSS agiu deliberada, livre e conscientemente, no referido período de tempo, levando a cabo a compra e venda de armas, cujas características conhecia, sabendo que não era titular de qualquer licença ou autorização legal para o efeito, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.
170. Os arguidos BB e EE, agiram deliberada, livre e conscientemente, conheciam a natureza e características dos produtos estupefacientes que venderam ao longo do indicado período de tempo e bem assim do produto que detinham, o qual destinavam à venda a terceiros, bem sabendo que tal lhes estava vedado por lei. 
171. Os arguidos, GG, HHHHHHHH e GGGGGGGG agiram deliberada, livre e conscientemente, conheciam perfeitamente a natureza e características dos produtos estupefacientes que detinham e destinavam à cedência/venda o produto apreendido, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
172. O arguido GGGGGGGG era consumidor de produtos estupefacientes e destinava parte da droga que detinha ao seu consumo. 
173. O arguido EEEEEEEE que deliberada, livre e conscientemente, sabia que detinha a arma aprendida e munições, cujas características conhecia, sabendo que não tinha registo e manifesto da mesma, nem licença de uso e porte de arma, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
174. O arguido FF agiu deliberada, livre e conscientemente, sabia que ao persuadir as pessoas a oferecerem ou venderem as armas a si ou a terceiros por sua indicação, ao invés de as entregarem a favor do Estado como pretendiam - armas essas a que tinha acesso em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, adquirindo para si tais armas ou ao mediar a sua venda assim as proporcionando a outros, dando-lhes destino diferente ao legalmente estabelecido - que violava os deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para si ou para terceiro beneficio ilegítimo e que não o podia fazer, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
175. Ao actuar da forma supra descrita o arguido FF, agiu deliberada, livre e conscientemente, ao fornecer aos armeiros informações da titularidade de armas registadas e manifestadas às quais tinha acesso por força do exercício das suas funções, bem como de lhes proporcionar a aquisição de armas gratuitamente ou a um preço inferior ao seu valor real, sabendo que agia em violação dos deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para os armeiros beneficio ilegítimo, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 
- Da situação socioeconómica dos arguidos descrita no relatório da DGRSP e dos seus antecedentes criminais  
176. BB nasceu em ../../1963 e o seu processo de desenvolvimento psicossocial decorreu no seio familiar de origem, constituído pelos progenitores e pelos irmãos. 
177. Relativamente à dinâmica familiar, o arguido referiu aos técnicos da DGRSP que os progenitores subsistiam dos trabalhos de exploração agrícola, garantindo um ambiente familiar equilibrado, tanto do ponto de vista económico como relacional.
178. Neste contexto, o arguido frequentou a escola até ao 3º ano de escolaridade, ocupando o tempo restante nas actividades de exploração agrícola familiar.
179. Relativamente ao seu percurso profissional, no inicio da década de 80, do século passado, o arguido emigrou para Espanha, onde permaneceu até ao ano de 1998, tendo iniciado naquele país actividade laboral por conta própria na indústria da madeira, com funcionários a seu cargo, tratando-se de um período favorável do ponto de vista económico. 
180. Tendo regressado a Portugal em 1998, o arguido fixou-se em ..., numa das habitações dos seus progenitores e, em 2007/2008, adquiriu habitação própria, onde reside conjuntamente com a sua companheira, MM. 
181. Desta relação conjugal existem 3 descendentes, autonomizados e com agregados constituídos. 
182. O relacionamento intrafamiliar foi globalmente caracterizado como positivo, assente em sentimentos colaboração e empenho num fim comum.
183. Enquanto o arguido esteve detido, o filho AAA que se encontrava emigrado em ..., regressou a Portugal e passou a residir com a mãe, de modo a assegurar a subsistência do agregado de origem, nomeadamente, através da continuidade das actividades realizadas do pai (exploração agrícola, venda de animais e trabalhos com máquinas agrícolas na limpeza de terrenos).
184. Em meio prisional o arguido procurou manter um quotidiano estruturado, nomeadamente, a nível laboral, desde ../../2021 e recebeu periodicamente as visitas da companheira e dos filhos, os quais manifestaram disponibilidade para continuar a apoiar o arguido.
185. O arguido apresenta uma imagem favorável na rede vicinal, sendo descrito como pessoa participativa e colaborativa na vida comunitária, nomeadamente, em feiras e festas locais. 
186. O arguido BB tem averbadas no seu CRC as seguintes condenações:
-           por sentença de 12/11/2010, transitada em julgado em 27/10/2011, Proc. nº 2/08.9GCVPA, pela prática em 02/01/2008 de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 270 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, declarada extinta pelo pagamento em 18/02/2013; 
-           por acórdão de 02/04/2014, transitado em julgado em 12/05/2014, Proc. nº 34/07.4GBGMR, pela prática em 12/01/2007 de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão suspensa na sua execução declarada extinta pelo cumprimento em 12/03/2016.  
187. a 196: (…). 
197. CC nasceu em ../../1980 e o seu processo de desenvolvimento decorreu no contexto do seu agregado familiar de origem e integrou uma fratria de dois irmãos, sendo o arguido o mais velho, com uma dinâmica intrafamiliar que se caracteriza pelo equilíbrio e funcionalidade. 
198. Neste contexto, o arguido concluiu o 3º ciclo de ensino básico com uma retenção, optando pelo abandono do ensino em prol do trabalho na agricultura juntamente com os pais, até ao seu ingresso no serviço militar.
199. Após conclusão do serviço militar emigrou para a Suíça, onde permaneceu cerca de 3 anos, laboralmente activo na construção e manutenção de estradas. 
200. Em 2003 regressa a Portugal onde conclui o curso de jovem empresário agrícola.
 201. Nesse período mantém actividade na sua aldeia na recolha de pedra para posterior envio para Espanha, altura em que chegou a ter 3 funcionários a seu cargo.
202. Seguidamente permaneceu no país vizinho numa empresa de colocação de mosaicos e como cortador de madeira.
203. De regresso a Portugal manteve actividade na apanha da pedra e paralelamente continuou no negócio da família de comercialização de gado. 
204. Foi também vendedor de tractores e alfaias agrícolas.
205. À data dos factos, CC vivia com a companheira NNN e a filha desta, com cerca de 9 anos. 
206. Mantinha actividade como vendedor de tractores e alfaias agrícolas e comercialização de gado e bem assim uma sociedade com a companheira, num restaurante situado no Porto, ainda encerrado.
207. Nos seus tempos livres dedicava-se ao artesanato, nomeadamente trabalhos em madeira, acompanhava a companheira e filha desta em passeios e visitas a familiares.
208. Em termos económicos, actualmente a família subsiste do vencimento da companheira, funcionária numa loja de móveis, de cerca de 750 euros mensais, ao qual acresce o abono de família da menor cerca de 40 euros mensais. 
209. As despesas fixas são referentes ao crédito à habitação, no valor mensal de 250 euros, ao qual acrescem os consumos de água, luz e gás, no valor médio mensal de 60 euros.
210. Os valores são percepcionados pelo agregado familiar como razoáveis e capazes de assegurar as necessidades assumidas pelo mesmo. 
211. Durante o período em que o arguido esteve em prisão preventiva à ordem destes autos, a ligação do mesmo ao exterior foi mantida pelas visitas da companheira e familiares que manifestaram disponibilidade para o acompanhar e apoiar, em situação de privação de liberdade e no regresso ao meio livre.
212. Em meio prisional registou um comportamento formalmente adequado ao normativo vigente na instituição, evidenciou motivação na aquisição de competências laborais e formativas, concluiu o 12º ano lectivo, frequentou o curso de inglês e espanhol, encontrando-se laboralmente activo no bar do pavilhão.
213. No meio social de residência de características urbanas onde reside não são referenciadas problemáticas sociais relevantes por se tratar de zona residencial que serve essencialmente de dormitório, não existindo um relacionamento de grande proximidade entre os residentes.
214. O arguido CC não tem antecedentes criminais registados. 
215. DD nasceu em ../../1969 e o seu processo de socialização decorreu num ambiente familiar estável, num agregado constituído pelos progenitores e pelos seus dois irmãos mais velhos. 
216. DD abandonou o sistema de ensino após concluir o 6º ano de escolaridade, tendo de imediato se iniciado laboralmente junto do padrinho como mecânico auto, onde ficou alguns meses, tendo posteriormente iniciado funções como marceneiro para o mesmo empregador do pai, aí permanecendo alguns anos a até à falência da empresa. 
217. Posteriormente seguiu-se a integração em outras empresas da mesma área, por períodos mais ou menos longos e cujas alterações são associadas à melhoria das condições salariais, tendo trabalhado em outras áreas, nomeadamente como sapateiro e na construção civil, sendo neste último sector onde trabalhava no momento da detenção preventiva àordem do presente processo. 
218. Mais tarde concluiu o 9º ano de escolaridade em regime nocturno.
219. DD contraiu matrimonio por volta dos 23 anos, no âmbito do qual nasceram dois filhos, presentemente com 27 e 7 anos de idade, relação marcada por separações e reatamentos. 
220. Após a separação da ex-mulher, passou a viver com os pais e a trabalhar na área da construção civil.
221. À data dos factos como actualmente, DD vivia com os progenitores e com seu irmão, em habitação pertencente aos progenitores.
222. As dinâmicas e interacções familiares, foram descritas como de apoio e coesas, usufruindo o arguido de apoio por parte da família com quem reside, assim como dos filhos. 
223. A sobrevivência económica do agregado no período aproximado dos factos e actualmente é assegurada pela reforma dos progenitores no valor liquido de aproximadamente de cerca de 900 Euros mensais, laborando o irmão na Câmara Municipal .... 
224. Como despesas, o agregado apresenta as despesas referentes ao quotidiano, nomeadamente água, luz e gás, assim como em medicamentos que vai variando mensalmente. 
225. DD há cerca de três anos sofreu acidente vascular cerebral, encontrando-se no presente momento estável, contudo com necessidade de consultas periódicas e toma diária de medicação.
226. No meio social e comunitário é tido como cordial no contacto com terceiros e beneficia de uma imagem favorável, não lhe sendo atribuídas atitudes desajustadas nos seus contactos relacionais.
227. O arguido DD tem averbados no seu CRC as seguintes condenações:
- por sentença de 30/11/2016, transitada em julgado em 02/01/2017, Proc. nº 429/16.2T9PNF, pela prática em 01/03/2016 e 27/06/2009 de um crime de detenção de arma proibida e um crime de violência doméstica contra cônjuge, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão com regime de prova e nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima por 1 ano e 3 meses e proibição de uso e porte de armas por 2 anos e 9 meses e ainda na pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 6,50 substituída pela prestação de 220 horas de trabalho a favor da Comunidade, já declaradas extintas pelo cumprimento. 
228. VVV nasceu em ../../1958 e é oriundo de uma família numerosa que foi constituída para além dos progenitores, por oito descendentes e cujo processo de crescimento se caracterizou pelas dificuldades económicas e vivenciais da altura, uma vez que a figura paterna era o único elemento laboralmente activo, exercendo ocupação como mecânico de veículos motorizados.
229. a 252) (…)
253. EE nasceu em ../../1974 e é oriundo de um agregado familiar de média condição socioeconómica, caracterizada por uma dinâmica relacional estruturada, sendo o mais novo de uma fratria de 2 elementos.
254. O arguido ingressou no sistema de ensino na idade própria, tendo abandonando os estudos por volta dos 13 anos de idade, concluindo apenas o 6º ano de escolaridade, não tendo prosseguido a escolarização por desmotivação pelas actividades lectivas.
255. Após o abandono dos estudos, inicia-se no mundo laboral, passando a trabalhar na área da agricultura, junto dos seus progenitores.
256. Com 16 anos de idade autonomizou-se relativamente à família, emigrando para a Suíça, conjuntamente com a sua irmã, país onde permaneceu até por volta dos 22 anos de idade onde trabalhou com regularidade na área da restauração. 
257. Após regresso a Portugal reintegrou o agregado de seus progenitores e retomou a actividade agrícola.
258. Em 1999 contraiu matrimónio com IIIIIIII, existindo desta relação dois filhos de 18 e 16 anos de idade, respectivamente.
259. Após contrair matrimónio, o agregado emigrou para a ..., país onde permaneceu cerca de dez anos a trabalhar no ramo da construção civil.
260. Regressa definitivamente a Portugal fixando residência em ..., passando a trabalhar por conta própria no ramo da mecânica de automóveis, actividade que exercia à data da sua reclusão.
261. Em 2013 ocorreu o falecimento da sua progenitora, situação que o terá debilitado emocionalmente tendo então iniciado os consumos de substâncias tóxicas nomeadamente, cannabis, em conjunto com grupo de amigos. 
262. À data dos factos descritos na acusação, assim como à data da sua reclusão, EE coabitava com o cônjuge e dois filhos, sendo a dinâmica familiar marcada por laços afectivos sólidos entre os seus membros. 
263. Quanto a eventuais consumos de estupefacientes, o mesmo refere não necessitar de tratamento e ter consciência das consequências negativas do consumo de estupefacientes, referindo como esporádico o consumo de cannabis, na companhia do irmão e de grupo restrito de amigos. 
264. Ao longo do período de reclusão, EE adoptou um comportamento adequado, sem castigos nem punições, tendo trabalhado como faxina da rouparia.
265. A nível familiar, o presente processo não condicionou o apoio dos elementos com quem o arguido convivia, mantendo contactos com o cônjuge, filhos e outros familiares que conhecedores da sua situação processual continuaram a prestar-lhe suporte a todos os níveis, visitando-o com regularidade no EP ... onde esteve detido. 
266. No meio social, a situação processual do arguido é conhecida, contudo, não existem sentimentos de rejeição e/ou hostilização à sua presença, beneficiando de uma imagem positiva.
267. O arguido EE tem averbados no seu CRC as seguintes condenações:
 -          por sentença 08/02/2013, transitada em julgado em 13/03/2013, Proc. nº 97/11.8GABTC, pela prática em 11/08/2011, de um crime de detenção de arma proibida na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,50, extinta pelo pagamento; 
-           por sentença 20/03/2017, transitada em julgado em 28/04/2017, Proc. nº 42/15.1GACHV, pela prática em 18/08/2015, de um crime de detenção de arma proibida e um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto lei 15/93, na pena de 4 anos de prisão suspensa por igual período e sujeita a regime de prova; 
268. a 295 (…)
296. FF nasceu em ../../1975 e é oriundo de um agregado familiar de média condição socioeconómica, sendo as relações intrafamiliares avaliadas como afectivas e de interajuda, sendo o segundo de uma fratria de 3 elementos. 
297. O arguido ingressou na escola aos 6 anos de idade, tendo-se adaptado às actividades lectivas, concluindo o 2º ano na ..., com 8 anos. 
298. Naquela idade, por motivos familiares, o agregado regressou a Portugal fixando residência em ..., onde concluiu o 12º ano de escolaridade.
299. O progenitor, falecido em 2019, era motorista nos Bombeiros ... e a progenitora era responsável pelas lides domésticas.
300. Após conclusão dos estudos, FF ingressou no serviço militar, onde permaneceu cerca de 3 anos.
301. Em 1996, com 21 anos de idade, e após concurso público, ingressou na PSP, tendo sido colocado em Lisboa, onde permaneceu cerca de 3 anos.
302. Posteriormente, esteve colocado no Porto no Corpo de Intervenção, cerca de 10 anos, findo os quais efectuou uma missão no ..., durante um ano, sendo que em 2012 foi colocado em ..., situação que se mantinha à data dos factos descritos na acusação.
303. Com 27 anos de idade contraiu matrimónio com TTTTT, existindo desta união dois filhos, actualmente com 15 e 9 anos de idade.
304. O arguido ingressou no Corpo de Bombeiros Voluntários de ... em ../../1990, tendo sido condecorado com louvor medalha Grau Cobre em 1996; Grau Prata em 2001; Grau Ouro em 2006 e Grau Ouro 20 anos em 2011.
305. À data dos factos, assim como actualmente, o arguido coabitava com o cônjuge e dois filhos menores de idade, em casa própria, tipo moradia, de tipologia 4, com adequadas condições habitacionais. 
306. O imóvel encontra-se inserido em meio caracterizado por uma vila do interior, ao qual não se associam problemáticas sociais relevantes, caracterizando-se as relações sociais pela proximidade e espírito de entreajuda, mantendo com os vizinhos relações de cordialidade. 
307. Economicamente o agregado vive, exclusivamente, do vencimento do cônjuge do arguido, Técnica Superior na Câmara Municipal ..., de cerca de 1250 euros mensais, uma vez que, por força do processo disciplinar, o arguido se encontra suspenso de funções sem vencimento.
308. Como despesas fixas, o arguido tem empréstimo bancário no montante mensal de 304 euros (apresentou comprovativo), para além das despesas inerentes à manutenção da habitação (água, luz e gás) de cerca de 150 euros mensais.
309. Assim, atendendo à sua suspensão de funções sem vencimento, os valores são percepcionados como deficitários, contudo, capaz de garantir as necessidades básicas da família.
310. A família beneficia, ainda, de apoio de familiares, nomeadamente em termos de produtos do campo (batatas, hortaliças, animais para consumo doméstico entre outros).
311. No meio social de residência, FF, encontra-se bem integrado na comunidade, não existindo qualquer atitude de rejeição sociocomunitária, sendo referenciado como pessoa educada, trabalhadora e que evidencia respeito por terceiros.
312. O arguido não apresenta antecedentes criminais registados. 
313.(…) a 363) (…)
364. GG nasceu em ../../1968 e é oriundo de uma família com padrões vivenciais modestos, pais agricultores, sendo o mais novo de dois descendentes, nascidos na constância do casamento dos seus progenitores com uma dinâmica familiar ajustada e estratégias educativas referenciadas como tradicionais. 
365. O arguido integrou a escolaridade em idade regulamentar, tendo concluído o 8º ano de escolaridade com 17 anos, registando desinteresse pelo estabelecimento de ensino e aprendizagens escolares, o que se traduzia em elevado absentismo.
366. Com o abandono do estabelecimento de ensino manteve actividade no sector agrícola, colaborando com os progenitores, o que já fazia enquanto estudante.
367. Mais tarde desenvolveu actividade de motorista numa empresa de transportes de automóveis, onde permaneceu cerca de 12 anos. Com a falência da empresa, o que é reportado a 2012, ficou em situação de desemprego, retomando então o trabalho na agricultura, tanto em terrenos próprios como para terceiros.
368. Em 2020 voltou a exercer a actividade de motorista, numa empresa de transporte de farinha, função que desempenhou cerca de três meses e que foi interrompida na sequência do presente processo.
369. GG constituiu família com 19 anos, existindo desta ligação dois descendentes que contam no presente com 26 e 31 anos de idade, tendo, entretanto, se divorciado. 
370. O arguido não destacou problemas relevantes de saúde, tendo mencionado questões relativas a tensão, colesterol e problemas de tiróide, fazendo terapêutica para o efeito.
371. Na comunidade vicinal próxima, não há indicação de rejeição à presença de GG nem referidas problemáticas relevantes, o qual projecta imagem positiva, sendo descrito como cordial e educado.
372. À data dos factos, como actualmente, GG vivia sozinho na casa que foi morada de família, adquirida ainda na constância do casamento, o qual se dissolveu em 2016.
373. Actualmente estabeleceu nova relação afectiva e, pese embora não coabitem, a namorada regularmente desloca-se a casa do arguido.
374. O arguido, à data da reclusão, mantinha actividade laboral regular, como motorista na empresa EMP05....
375. Neste momento e face à ausência de rendimentos do arguido, é a irmã que reside na mesma localidade que tem assegurado as necessidades básicas deste, designadamente o seu sustento. 
376. A irmã do arguido tem-lhe propiciado o seu apoio incondicional, sendo realçada a relação intrafamiliar e os laços afectivos existentes, bem como o sentido de solidariedade e coesão, estando disponível para continuar a auxiliar no que se revelar necessário, assim como a namorada.
377. O arguido GG tem averbados no seu CRC as seguintes condenações:
- por sentença de 20/02/2017, transitada em julgado em 22/03/2017, Proc. nº 42/16.4GABTC, pela prática em 05/05/2016, de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução pro igual período e bem assim na pena acessória de proibição de contactos com a vítima por um período 2 anos, ambas declaradas extintas pelo cumprimento.  
378. a  390 (…).
- Da Perda ampliada 
 - Arguidos BB e MM 
391. BB e MM foram constituídos arguidos em 13/10/2020 e residem em união de facto há mais de 30 anos.   
392. Nos anos de 2015 a 2020, apresentaram sempre declarações de rendimentos conjuntas, como cônjuges, com o mesmo domicílio fiscal, tendo ambos conjuntamente declarado à Autoridade Tributária (de ora em diante designada por AT) rendimentos de diferentes categorias, no valor global de € 7 530,38 €, conforme quadro anexo constante da acusação pública a fls. 149 e 150, cujo teor se considera integralmente reproduzido. 
393. No período de 13/10/2015 a 31/12/2020 (data da conclusão do relatório do Gabinete de Recuperação de Activos, de ora em diante designado por GRA, sendo 2020 o último ano de informação fiscal disponível na AT), pelo GRA, foi considerado o seguinte património existente na titularidade e/ou na esfera de domínio do arguido BB, para efeitos de cálculo do património incongruente: 

Marca  
/  
Modelo
Matrícula /
Ano da 1ª  matrícula
Categoria / Tipo / Combustível  Data de registo de aquisição  Data de registo de alienação  Proprietário atual   Valor comercial atual[2]  Obs. / Encargos  
...
/  
Express 
..-..-IJ  /
1997
Ligeiro            /
Mercadorias  /
Gasóleo  
 20-04-2017  
 
-  Arguida  500,00 €  Sem encargos


[1] Avaliação meramente indicativa, sem carácter pericial, obtida em (...) 
 394. O veículo constante da tabela infra, outrora titulado pela arguida, encontra-se actualmente registado em nome de AAA, seu filho, sendo que para efeitos de cálculo da vantagem e com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, este património foi considerado pelo GRA nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 

 Marca  
/  
Modelo  
Matrícula Ano da 1ª  matrícula  / Categoria  /
Tipo             /
Combustível  
 Data de registo  de aquisição  pela arguida  Data de registo de alienação  pela arguida   Proprietário atual  Valor comercial atual8  Obs.       /
Encargos
...
/   
5 TL  
LG-..-..  1982  /  Ligeiro  Misto  /
/
 02-11-2015  
 
26-03-2021  AAA  
AAA  
AAA  
S/ avaliação disponível  
(+  de 25 anos)  
Sem encargos
 

395. Relativamente aos imóveis, o GRA considerou o seguinte património:  

Tipo          /
Morada  
Artigo  
matricial /
Fração /  
Freguesia  
Descrição
 predial    /
Fração /  
CRP  
Data
 
de registo
 
de aquisição pelo(s) arguido(s)  
Data de registo de alienação  pelo(s) arguido(s)   Valor  
Patrimonial /  
Escriturado   
Obs.          /
Encargos  
 Suporte  
documenta
l  
Urbano      /
... –
...
– ... –  ...  
1141 / ...  
 
 
369 / CRP  ...  22-09-2017  -  11.499,95 € /  
7.500,00 €  
-                   DVD-R constante de fls. 165  
Urbano      /
Lote n.º ... –
... s – ... – ... 
1187 / ... 
 
 
427 / CRP  ...  07-02-2020  06-01-2021  3.521,19 € /
50.000,00 
€ 
Em       06-01-
2021 arguido doou aos
seus filhos 
AAA         e
... 
DVD-R constante
de fls. 165 

396. Relativamente ao primeiro imóvel, adquirido em 22-09-2017, foi considerado pelo GRA para efeitos de cálculo o valor da aquisição, 7.500,00 €, pois não foi encontrado movimento a débito / transferência devedora correspondente ao valor escriturado e à data de aquisição, tendo tal análise sido estendida aos 30 dias anteriores e posteriores à data da escritura. 
Quanto ao segundo imóvel, para efeitos de cálculo da vantagem e com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, foi considerado pelo GRA nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 
397. Relativamente a património financeiro, foram contabilizados pelo GRA os movimentos a crédito registados em cada uma das seguintes contas, em cada um dos anos em análise, e já expurgadas situações de estorno, transferências entre contas analisadas dos arguidos e empréstimos bancários:

Banco  IBAN  Relação  Análise a fls.  Ativa /
Encerra da  
2015  2016  2017  2018  2019  2020  
Banco 1...  PT50 ...49
... 001  
71[3]  
Co-
titular  
108-
114  
Anexo  
A  
Ativa  1 650,00  
€  
12 070,00  
€  
6 150,00 €  7 857,20  €  48 480,91  
€  
18 952,50  
€  
Banco 1...  PT50 ...34
...  
58[4]  
Co-
titular  
115-
119  
Anexo  
A  
Ativa  0,00 €  0,00 €  38 335,84  
€  
60 275,55  
€  
50 993,44  
€  
21 802,20  
€  
TOTAL   1 650,00  
 
12 070,00  
 
44 485,84  
 
68 132,75
 
 99 474,35   40 754,70  
 

 
 
 398. Foi igualmente considerado pelo GRA para efeitos de cálculo do património incongruente o valor da quantia de € 745,00 apreendida aos arguidos e referida em 59.  
399.Desde data não concretamente apurada mas, pelo menos, desde 13/10/2015 e até à sua detenção, os arguidos BB e MM trabalharam na pecuária e na agricultura.
400.Desde data não concretamente apurada mas pelo menos, desde 13/10/2015 e até à sua detenção, o arguido BB cortou, tratou e vendeu lenha. 
401.Por cada tonelada de lenha que colhia, cortava, tratava e vendia, perfazia quantia nunca inferior a EUR. 120,00.
402.Sendo que nos anos de 2015 a 2020 vendeu aproximadamente 70 a 80 toneladas de lenha, por ano, sem emitir qualquer factura. 
403.E pelo menos, entre 2018 e 2019, foi proprietário de cerca de 40 cabeças de gado e as vendeu praticamente todas, ao valor médio de EUR. 600,00 por cabeça, sem emitir qualquer factura. 
404.Também, desde 13/10/2015 e até à sua detenção, o arguido realizou trabalhos de agro-pecuária para terceiros, para efectuar “podas”, limpezas de terrenos, cortes de mato, cultivo de sementeiras, sem emitir qualquer factura.   
405.Sendo que o arguido era contratado frequentemente por terceiros para que podasse as árvores e plantas que medravam nos seus terrenos. 
406.Por cada carga de mato o arguido cobrava € 150,00. 
407.Para a realização de tais trabalhos, o arguido possuiu ao seu serviço número não concretamente apurado de trabalhadores, mas nunca inferior a 2.  
408.Pelos trabalhos efectuados e descritos em 400 a 406 o arguido BB auferiu no período de 2015 a 2020 rendimento no valor aproximado de € 72.000,00. 
409.O filho maior do arguido, AAA, desde 2013 emigrou para ... para trabalhar como empreiteiro na área da colocação do pladur.  
410.Considerando o rendimento declarado pelos arguidos à AT no valor de € 7.530,38 e o rendimento auferido pelos arguidos e referido em 408 que se reputa no valor aproximado de € 72.000,00, o património referido em 393 a 398 no valor global de € 274.812,64, o valor do património incongruente do arguido BB é de € 192.287,26. 
            - CC 
 411.CC foi constituído arguido em 13/10/2020.   
412.No período de 13/10/2015 a 31/12/2020 (data da conclusão do relatório do GRA, sendo 2020 o último ano de informação fiscal disponível na AT), pelo GRA, foi considerado o seguinte património existente na titularidade e/ou na esfera de domínio do arguido CC para efeitos de cálculo do património incongruente: 

Tipo     de
relação
 NIPC  Denominação  Data de
início  
 Data de fim  Obs.  
É sócio   ...
...  
 EMP06..., LDA   15-05-  2019  -  Arguido titula 1 quota no valor de 3.750,00 €  
(cfr. certidão constante do DVD-R a fls. 165)  

 

Marca /  Modelo  Matrícula / Ano da 1ª  matrícula   Categoria / Tipo  / Combustível  Data de registo de aquisição  Data   de
registo de alienação
 Proprietário atual  
 
Valor comercial atual[5]  Obs.  /
Encargos  
...
/
 
ZZ-R  
600  
LX-..-..  / 1992   Motociclo  Passageiros  /
/
 03-11-2016  
 
-  Arguido  S/  avaliação disponível  
(+ de 25 anos)  
 Sem encargos   
Gasolina  


 

...  /
...  
 ..-AU-.. /  2003  Ligeiro  
Passageiros  
/
/
 04-08-2020  
 
-  Arguido  7.500,00 €  Sem encargos   
Gasóleo  
...  / 205  XX-..-..              / 1991   Ligeiro  Passageiros  /
/
 25-09-2019  
 
09-04-
2021  
JJJJJJJJ  S/ avaliação disponível  
(+ de 25 anos)  
 Sem encargos   


413.Para efeitos de cálculo da vantagem e com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, o valor deste património referido supra foi considerado pelo GRA nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 

Tipo     / Morada Artigo  matricial
Fração  
Freguesia  
/
/
Descrição predial             /
Fração /  
CRP  
Data        de
 registo de  
aquisição pelo(s) arguido(s)  
 Data de registo de
alienação pelo(s) arguido(s)  
 Valor  
 
Patrimonial / Escriturado na venda   
Obs.           /
Encargos  
Suporte documental  
Urbano  
/  
...              –
...  
– ...
–  
...  
312 /  
...  
 
 1287 /  CRP ... 04-05-2017  
 
09-09-2019   1.763,53 € /  
21.300,00 €  
Arguido adquiriu em  
2017    por usucapião  
DVD-R             de constante fls. 165  
Rústico /
...              –
...  
– ...
–   
...  
 460 /  
...  
 
 1288 /  CRP ... 04-05-2017  
 
09-09-2019   3,47     €     /
200,00 €  
Arguido
adquiriu em  
2017    por usucapião  
DVD-R             de constante fls. 165  

 
 

Rústico /
...              –
...  
– ...
–  
...  
 466 /           
...  
 
1289 /  CRP ... 04-05-2017  
 
09-09-2019   115,29  €  /
3.500,00 €  
Arguido adquiriu em  
2017    por usucapião  
DVD-R constante fls. 165  de
Urbano 
/ Rua de
...
–...
Boas – 
...
388 /            
 
 ... 
 
968 / CRP
... 
26-09-2014  28-12-2018   8.684,65 € / 
2.999,99 € 
Arguido
adquiriu em 
2014  por usucapião 
DVD-R constante
fls. 165 
de

 414.Os três imóveis supra assinalados a amarelo foram adquiridos e alienados dentro do período investigado.  
Em 04-05-2017 foram adquiridos, por usucapião, e em 09-09-2019 foram alienados pelo valor global de 25.000,00 €, conforme escritura de compra e venda constante do DVD-R a fls. 165.  
O valor indicado na escritura (25.000,00 €) é coincidente com o valor declarado fiscalmente pelo arguido em sede de IRS, quanto à alienação destes imóveis. 
Da escritura de compra e venda em causa emerge que o destino dos 25.000,00 € foi a conta bancária “...65”, do Banco 1....  
De acordo com esta entidade bancária (ver Cota a fls. 187 do Apenso), esta conta corresponde ao IBAN  ...65, titulado pela sociedade “EMP07..., Lda”. 
Em sede de análise bancária efectuada às contas tituladas e cotituladas pelo arguido, ocorreu, a este respeito, apenas uma transferência a crédito, de 06-09-2019, no valor de 18.850,00 €, com o descritivo “...”, na conta  ...78, titulada pelo arguido na Banco 2....  
A alienação destes imóveis foi registada no Quadro do Património, na coluna dos “Ativos alienados”, no ano correspondente, com o valor 6 150,00 € (resultante da diferença 25 000,00 – 18 850,00), uma vez que o restante valor de 18 850,00 € foi detectado nos movimentos financeiros já contabilizados em conta bancária, evitando-se assim, quanto a esta parte, duplicação de um mesmo valor.  
415.No que se refere ao imóvel supra assinalado a azul, o mesmo foi alienado pelo arguido dentro do período investigado (28-12-2018), pelo valor escriturado de 2 999,99 € (cfr. escritura de compra e venda constante do DVD-R a fls. 165). 
416.A este respeito, ocorrerem duas transferências a crédito, ambas em 30-11-2018, no montante global de 3500,00 €, com os descritivos “...” e “TRANSF SEPA -...”, na conta  ...78 titulada pelo arguido na Banco 2.... De acordo com a escritura em causa, os outorgantes adquirentes deste imóvel foram KKKKKKKK e LLLLLLLL. 
417.Por este motivo, e para efeitos de cálculo da vantagem, com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, o valor deste imóvel foi considerado nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 
418.Relativamente a património financeiro, foram contabilizados pelo GRA os movimentos a crédito registados em cada uma das seguintes contas, em cada um dos anos em análise, e já expurgadas situações de estorno, transferências entre contas analisadas dos arguidos e empréstimos bancários:

Banco      IBAN  Relação  Análise a fls.  Ativa /  
Encerra da  
2015  2016  2017  2018  2019  2020  

 

Banco 2...  PT50 ...
...  
...
78 (a)  
 Arguido é único titular  ...26
Anexo  A
 Ativa  6 000,00 €  1 840,00 €  35 000,02
€  
129  
738,00 €  
86 780,05
€  
27 416,85
€  
TOTAL    6 000,00 €  1 840,00 €  35 000,02
 
129  
738,00 €  
86 780,05
 
27 416,85
 

(a) Conta titulada apenas pelo arguido. Foi considerado o total dos valores creditados nesta conta. 
419.Foi igualmente considerado pelo GRA para efeitos de cálculo do património incongruente o valor da quantia de € 12.290,00 apreendida ao arguido e referida em 77.  
420.O arguido, de 13-10-2015 a 31-12-2020, declarou à Autoridade Tributária rendimentos de diferentes categorias, no valor global € 28.000,99, conforme quadro anexo constante da acusação pública a fls. 157 e 158, cujo teor se considera integralmente reproduzido. 
421.Desde data não concretamente apurada, o arguido exerceu actividade profissional até ao momento da sua detenção, quer na comercialização automóvel, quer em alfaias agrícolas, criador e vendedor de gado e ovelhas. 
422.O arguido é socio da Associação de Artesãos da .... 
423.Auferiu uma comissão de € 6.150,00 por intermediação imobiliária em 15/07/2009. 
424.Considerando o rendimento declarado pelo arguido CC à AT no valor de € 28.000,99, o património referido em 412 a 419 com excepção dos imóveis os quais foram adquiridos por usucapião (no valor de € 25.000+€ 2999,99) o valor do património incongruente do arguido CC é no valor global de € 249.213,94.  
 - DD 
 425. DD foi constituído arguido em 13/10/2020.   
426. O arguido foi casado com MMMMMMMM, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio em 2016, pelo que o património e rendimentos do ex-cônjuge do arguido não foram considerados pelo GRA para efeitos de Cálculo do Valor da Vantagem de Actividade Criminosa imputável ao arguido. 
427. No período de 13/10/2015 a 31/12/2020 (data da conclusão do relatório do GRA, sendo 2020 o último ano de informação fiscal disponível na AT), pelo GRA, foi considerado o seguinte património existente na titularidade e/ou na esfera de domínio do arguido DD para efeitos de cálculo do património incongruente: 

Marca     /
Modelo  
 Matrícula / Ano da 1ª  matrícula   Categoria / Tipo  / Combustível  Data
 
de registo
 
de aquisição pelo arguido  
Data
 
de registo
 
 de alienação pelo arguido
Proprietário atual  
 
Valor comercial atual[6]  Obs.    / Encargos
...-
... /  
...  
..-..-QM /  
2000  
Ligeiro            /
Passageiros  /
Gasolina  
 28-02-2018  
 
10-08-2021  AAA  
...  
...  
...  
S/              avaliação disponível  
(+ de 20 anos)  
 Sem encargos

[1] Avaliação meramente indicativa, sem caráter pericial, obtida em (...) 
 428. O veículo, outrora titulada pelo arguido, encontra-se actualmente registado em nome de ..., seu filho, sendo que, para efeitos de cálculo da vantagem, com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, este bem foi considerado pelo GRA nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 

Tipo     /  Morada  Artigo / matricial /
Fração  
Freguesia  
 Descrição /  predial /
Fração  
CRP  
 Data de registo  de aquisição  
pelo(s) arguido(s)  
Data de registo de alienação  pelo(s) arguido(s)   Valor  
Patrimonial
/  
Escriturado na venda   
Proprietário
atual  
 
 
Suporte  
documenta
l  



Urbano / Rua do  
Loteamento              de  
...,
 
7
 
–  
... –  
...  
...               /
...  
 ... /           
CRP  
...  
16-10-1997  16-02-2018  51.260,00 €
/  
155.000,00  
€  
NNNNNNNN
...
...  da
Silva  
DVD-R constante de fls. 165  


 429.Este imóvel foi adquirido em 1997, ainda durante a vigência do casamento do arguido com o seu ex-cônjuge. 
Em 2016 ocorreu o divórcio do casal. 
Em 16-02-2018, este imóvel foi alienado pelo valor escriturado de 155 000,00 €, cfr. escritura de compra e venda constante do DVD-R a fls. 165. 
Em virtude do divórcio, coube ao arguido metade desse valor, ou seja, 77 500,00 €, coincidente com o valor declarado fiscalmente em sede de IRS no que se refere à alienação do imóvel. 
De acordo com a escritura em causa, o preço deste imóvel foi pago da seguinte forma: em 10-01-2018, a título de sinal e princípio de pagamento, entrega de 1 cheque de 5 000,00 €; em 10-01-2018, a título de reforço de sinal, entrega de 1 cheque de 4 000,00 €; em 16-02-2018, entrega de 4 cheques, nos montantes de 49 731,09 €, 41 664,17 €, 51 777,79 € e 2 826,95 €. 
No entanto, de todos estes cheques, apenas um (de 49 731,09 €) foi movimentado nas contas tituladas e co-tituladas pelo arguido, num depósito de 16-02-2018 na conta Banco 2...  ...52, com o descritivo de movimento “Entrega Valores   ...20”. 
Por outras palavras, na análise bancária efectuada às contas do arguido foi detectada apenas parte do valor que lhe coube pela alienação do imóvel, não tendo sido identificado o valor de 27 768,91 €, correspondente à diferença 77 500,00 – 49 731,09. 
Assim, a parte do valor que foi identificada em conta bancária (49 731,09 €) não foi considerada para efeitos de Cálculo do Valor da Vantagem de Actividade Criminosa imputável ao arguido.   Ao invés, a parte do valor que não foi identificada em conta bancária (27 768,91 €) foi considerada para aquele efeito. 
430. Relativamente a património financeiro, foram contabilizados pelo GRA os movimentos a crédito registados em cada uma das seguintes contas, em cada um dos anos em análise, e já expurgadas situações de estorno, transferências entre contas analisadas dos arguidos e empréstimos bancários:


Banco  IBAN  Relação  Análise a fls.  Ativa
 
/
Encerrada  
2015  2016  2017  2018  2019  2020  
Banco 2...  PT50  
...  
...  
...  
...  
52 (a)  
Arguido é único  titular  128-
134  
Anexo  
A  
Ativa  134,83  
€  
6 994,65  
€  
7 548,37  
€  
57 693,32  
€  
550,00 €  20,00 €  
Banco 3...  PT50  
...  
...  
...  
...
31 (a)  
Arguido é único titular  
 
135-
136  
Anexo  
A  
Encerrada  0,00 €  0,00 €  0,00 €  300,00 €  0,00 €  0,00 €  
Banco 3...  PT50  
...  
...  
...  
...
05 (a)  
Arguido é único titular  
 
137-
138  
Anexo  
A  
Encerrada  0,00 €  69,75 €  0,00 €  0,00 €  0,00 €  0,00 €  
Banco 3...  PT50  
...  
...  
4552  
...
05 (a)  
Arguido é único titular  
 
139-  
142  
Anexo  
A  
Ativa  0,00 €  0,00 €  0,00 €  650,00 €  6 530,00 €  5  
581,50  
€  
Banco 3...  PT50  
...  
...  
4549  
...
05 (b)  
Arguido é representa nte  
 
...47 
Anexo  
A  
 Ativa  0,00 €  300,00 €  580,00 €  0,00 €  4 600,00 €  500,00  
€  
Banco 3...  PT50  
...  
...  
4553  
...
Arguido é representa nte  
 
...49 
Anexo  
A  
 Ativa  0,00 €  0,00 €  0,00 €  3 505,00 €  0,00 €  0,00 €  
 05 (b)           
TOTAL  134,83  
 
7 364,40  
 
8 128,37  
 
62 148,32  
 
11 680,00  
 
6  
101,50  
 

(a) Conta titulada apenas pelo arguido. Foi considerado o total dos valores creditados nesta conta. 
(b)       Conta titulada por OOOOOOOO, filha menor do arguido. O arguido intervém na conta na qualidade de representante. Foi considerado o total dos valores creditados nesta conta. 
 431.O arguido, de 13-10-2015 a 31-12-2020, declarou à Autoridade Tributária rendimentos de diferentes categorias, no valor global € 98.166,34, conforme quadro anexo constante da acusação pública a fls. 165 e 166, cujo teor se considera integralmente reproduzido. 
432.Considerando o rendimento declarado pelo arguido DD à AT no valor de € 98.166,34, o património referido em 427 a 430 no valor total de € 123.326,33, o valor do património incongruente do arguido DD é no valor global de € 25.159,99.
            (…)
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS:
 Não se provaram outros factos interesse para a decisão da causa, designadamente que: 
a) O arguido BB passou a viver apenas dos lucros das actividades de compra e venda de armas e munições, de venda de droga e de notas falsas. 
b) (…). 
c) A venda referida em 21 dos factos provados foi efectuada também pela arguida MM.  
d) Os factos descritos em 48 a 50 ocorreram sempre na presença da arguida MM. 
e) Em data não concretamente apurada, o arguido BB, através de telemóvel, entrou em contacto com PPPPPPPP, dizendo que estava interessado na compra de armas, com origem na Suíça. Já antes o arguido BB lhe tinha exibido uma arma de fogo curta (pistola).
f) Em data não concretamente apurada, QQQQQQQQ presenciou uma pessoa das suas relações, conhecido por “RRRRRRRR”, a adquirir ao arguido BB, na residência deste, uma arma de fogo curta (pistola).
g) A pistola referida em 57 era de calibre 9mm, tendo também o arguido exibido a UU um revólver que este não comprou, porque considerou elevado o preço de mil e quinhentos euros (1.500,00€) /dois mil euros (2.000,00€). Na ocasião, o arguido BB disse-lhe que também vendia “Erva” e “Heroína”.
h) Para além do facto descrito em 58, VV adquiriu “Liamba” ao arguido BB por mais vezes. 
i) Em data não concretamente apurada, SSSSSSSS presenciou o arguido BB a exibir revólveres, para venda.
j) O produto estupefaciente referido em 60, terceiro travessão, era pertença de AAA. 
k) A quantia de € 29.000 referida em 61, terceiro travessão, era pertença da mãe do arguido BB, de nome BBB. 
l) A residência referida em 62 estava naquela altura arrendada a um terceiro de nome YYYY que usava aquele espaço.
m) A quantia de € 30.000,00 referida em 64, primeiro travessão, era pertença de AAA, sendo que € 10.000,00 respeitam ao produto da venda de um veículo da marca ... efectuada por aquele a um terceiro e os restantes € 20.000,00 respeitam a um levantamento a boca da caixa por parte de AAA relativo a transferências que fez do estrangeiro para a conta dos seus pais.     
n) Em dia não concretamente apurado, o arguido CC pediu a TTTTTTTT para lhe arranjar duzentas (200) munições.
o) Em dia não concretamente não apurado, UUUUUUUU viu o arguido CC com uma arma de fogo curta (revólver).
p) Em data não concretamente apurada, o arguido VVVVVVVV viu o arguido CC na posse de algumas pistolas. 
q) Nas circunstâncias descritas em 69, EEE adquiriu ao arguido CC uma arma de fogo curta, de calibre 6,35mm, com cinco (5) munições no carregador, por duzentos e cinquenta euros (250,00€). 
Veio a verificar que tal arma tinha problemas mecânicos, devolveu-lha. 
Então, o arguido CC restituiu-lhe a quantia de duzentos euros (200,00€) e deu-lhe uma caixa de munições, de calibre 6,35mm. 
Na mesma ocasião, o arguido CC disse-lhe que arranjava tudo o que precisasse, querendo com isso referir-se a armas.  
r)         Nas circunstâncias descritas em 70, o arguido CC perguntou a FFF se não queria droga, dizendo que se dedicava ao tráfico.
s)         WWWWWWWW tinha uma arma de fogo longa, da marca “BROWNING”, de calibre 12, e em data não concretamente apurada, o arguido CC disse-lhe que, se fosse preciso, tirava os números, para que não fosse identificada a sua origem. 
t)          Em data não concretamente apurada, o arguido CC disse a XXXXXXXX que, caso estivesse interessado, tinha armas para vender.
u)         A arma referida em 73 era um revólver metalizado, que o arguido CC dizia ser um “357”.  Então, o arguido CC perguntou-lhe se conhecia quem vendesse armas.
v)         Nas circunstâncias descritas em 75, SS viu o arguido CC na posse de um revolver. 
w)        A quantia monetária apreendida e referida em 77 é pertença de NNN. 
 x)        O arguido DD, ao longo do período indicado de actividade, vendeu a UUU mais de cinquenta (50) armas transformadas, por cem euros (100,00€) cada uma.
 y)        Era referido na sua zona de residência e áreas limítrofes, que o arguido VVV comprava, vendia e reparava armas de fogo, daí ter chegado ao conhecimento de YYYYYYYY. 
z)         As cinquenta e oito (58) munições de diversos calibres apreendidas a XXX, sobrinho do arguido VVV e referidas em 91 eram pertença deste arguido VVV. 
 aa) O revólver de calibre .38, apreendido a ZZZZZZZZ, no dia 13 de Outubro de 2020, foi reparado pelo arguido RR.
 bb) Nas circunstâncias referidas em 101, DDDD adquiria a heroína ao arguido EE duas a três vezes por semana. 
Quando tinha mais dinheiro, adquiria-lhe tal quantidade, pelo referido montante, dia sim dia não.
cc) O FFFF comprava cerca de cinco gramas (5 gr.) de canabis vulgarmente designada por “Liamba”, por trinta euros (30,00€) ao arguido EE na Oficina deste, sendo que o contactava telefonicamente, usando as palavras “jantes” ou “pneus”, para evitar de falar do tipo de substância.
dd)Nas circunstâncias descritas em 104, GGGG comprou canabis, vulgo “liamba” ao arguido EE, por duas vezes, em datas não concretamente apuradas, da primeira vez cinco gramas (5 gr.) e da segunda vez vinte gramas (20 gr.), ao preço de três euros (3,00€) por grama.
ee) Era conhecida a actividade de venda de produtos estupefacientes, por parte da arguida HHHH, predominantemente a consumidores da zona de ..., nomeadamente por parte de AAAAAAAAA. 
ff)         No ano de 2019 até Julho de 2020, BBBBBBBBB adquiriu diariamente Heroína, à arguida HHHH, por ser uma das principais traficantes da zona de ..., e pelo facto de ter a melhor qualidade. 
A arguida HHHH chegava ao local previamente combinado, num “... preto”, e levava uma bolsa de plástico, onde transportava as doses de Heroína.  Pagava dez euros por cada “pacote”, mas quando só tinha oito (8) ou nove euros (9,00€), a arguida HHHH também lhe vendia. 
Habitualmente, o encontro era no “...” ou no “...”. 
gg) A arguida HHHH, mãe do menor CCCCCCCCC, várias vezes fez com que este a ajudasse na divisão das doses de estupefaciente, e a entregá-las a “clientes”, quer na residência, quer indo ao seu encontro de bicicleta, factos que o menor narrou a DDDDDDDDD.
hh) Nas circunstâncias descritas em 110 ou 111 foi apreendido o veículo automóvel ali referido.
 ii)        As armas referidas em 118 foram compradas por JJJJ a KKKK e LLLL por sugestão do arguido FF.  
jj)         NNNN confirmou que o arguido FF ao enviar as fotos da blaser a JJJJ referiu «que alguém lha iria oferecer ou vender», tenho aquela estranhado, por ser uma arma muito cara.
kk)       As munições apreendidas na Oficina de DDD eram do seu filho AA. 
ll)         A arma Sig Sauer referida em 128 foi vendida por € 100,00 e foi o arguido FF que tratou das formalidades legais.
mm) Nas circunstâncias descritas em 138 quando OOOOO se apercebeu que aquilo «já parecia negócio», uma vez que o arguido FF já o contactava todas as semanas, disse-lhe que devia preocupar-se com a sua função, e não com o interesse na transacção de armas.
nn) Relativamente a cada venda que mediava, o arguido FF recebia do comprador uma verba previamente combinada. 
oo) O arguido FF elaborou, a pedido de outras pessoas, na sua grande maioria armeiros, novos livretes e manifestos de armas, a troco de dinheiro. 
pp) O arguido FF que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao aceitar receber dinheiro da mediação das armas e de prestar serviços a Armeiros, bem como elaborar novos manifestos e licenças de armas, agia em violação dos deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 
qq) O arguido SSSSSSS disse, por várias vezes, a EEEEEEEEE que tinha armas adaptadas/transformadas, para venda, e exibiu-as. 
rr)        As armas referidas em 145 foram vendidas pelo arguido SSSSSSS pelas quantias de cento e trinta euros (130,00€) e cento e cinquenta euros (150,00€), respectivamente. 
ss)       A arma de fogo longa (caçadeira), da marca ...”, apreendida a UUUUUUU, foi-lhe oferecida pelo arguido SSSSSSS, por lhe ter restaurado umas peças da sua motorizada.  O UUUUUUU poliu várias peças de armas de fogo do arguido SSSSSSS, a pedido deste, sabendo que o mesmo vendia armas de fogo. 
tt) O arguido SSSSSSS vendeu uma pistola ao Fernando Gonçalves, o que foi presenciado por VVVVVVV. 
Há cerca de um ano e meio, o arguido SSSSSSS queria que o VVVVVVV lhe comprasse um revólver, mas era muito antigo, e então ele disse-lhe que tinha outro, pelo preço de quinhentos euros (500,00€). uu) A arma apreendida a WWWWWWW foi por este adquirida ao arguido SSSSSSS por cinquenta euros (50,00€) e a caixa de munições pela quantia de vinte e cinco euros (25,00).
Já antes o WWWWWWW tinha adquirido munições, ao arguido SSSSSSS.
vv)       É do conhecimento das pessoas, na região, nomeadamente de FFFFFFFFF, que o arguido SSSSSSS se dedica à venda de armas.
ww) Nas circunstâncias descritas em 152 o arguido SSSSSSS exibiu ainda a YYYYYYY uma arma de fogo curta, de calibre 6,35mm, para venda, mas aquele não quis comprá-la.
xx)       Nas circunstâncias descritas em 154, o arguido SSSSSSS exibiu a AAAAAAAA um revólver, de calibre 6,35mm, mas disse que já estava vendido. 
 yy) UUU adquiriu ao arguido SSSSSSS várias armas, muitas delas transformadas.
 zz) O produto estupefaciente apreendido ao arguido GGGGGGGG e referido em 166 destinava-se ao consumo exclusivo daquele.   
 aaa) Os arguidos  EE e MM agiram deliberada, livre e conscientemente, ao procederem à venda de armas e munições a outros indivíduos que os contactavam para o efeito, durante o indicado período de tempo, e destinavam à venda as armas apreendidas, bem conhecendo as características das armas e munições vendidas e detidas para venda, sabendo que não eram titulares de qualquer licença ou autorização legal para o efeito, e que assim sendo tal lhes estava vedado por lei. 
bbb) Os arguidos CC e MM agiram deliberada, livre e conscientemente, conheciam a natureza e características dos produtos estupefacientes que venderam ao longo do indicado período de tempo, bem sabendo que tal lhes estava vedado por lei. 
ccc)A arguida HHHH agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecia perfeitamente a natureza e características do produto estupefaciente que vendeu e que detinha, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
 ddd) As quantias depositadas nas contas no Banco 1... co-tituladas pelo arguido BB e pela sua mulher, também arguida MM, não lhes pertencem, por inteiro, mas antes aos seus filhos, e, em maior medida, ao seu filho maior, AAA. 
eee) Sempre que vinha a Portugal, durante esses anos, AAA procedia ao depósito de quantias em dinheiro na conta dos seus pais, entre EUR. 3 000,00 a EUR. 5 000,00 a cada 2-3 meses, quantia essa correspondente ao lucro que obtinha em ... com os trabalhos que ia executando naquele País.  
fff) Ainda, neste contexto, a conta do aqui arguido BB era utilizada pelo seu cunhado para depositar as prestações relativas à aquisição de um imóvel com recurso a mútuo bancário.
ggg) Uma vez depositadas, o arguido BB voltava a transferi-las para a instituição de crédito credora dessas quantias. 
hhh) Muitos dos depósitos na conta bancária do arguido CC são duplicação de valores, uma vez que o mesmo montante é retirado e novamente depositado. 
iii) O arguido CC recebeu quantia pecuniária em numerário proveniente de uma herança. 
*
(…)
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

 A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica, conjugada e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente da prova documental e pericial constante dos autos, os depoimentos das testemunhas e as declarações dos arguidos, tudo apreciado segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, excepto quanto aos exames periciais cujo valor probatório é o previsto no artigo 163.º do diploma legal citado, em que o juízo técnico e científico constante de tais exames se presumem subtraído à livre apreciação do julgador (prova “tarifada”).
A apreciação da prova segundo esse princípio, não se traduz em livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, correspondendo, antes, à apreciação da prova de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, objectivável e motivável. 
 Considerando o número de situações de facto em apreciação, por razões de maior facilidade e de exposição de raciocínio lógico, iremos reportar-nos a cada uma delas com referência a cada um dos arguidos. 
Todos os meios de prova que iremos referir e analisar foram conjugados com os depoimentos das testemunhas que procederam à investigação dos autos, demonstrando conhecimento dos actos nos quais participaram e que relataram em audiência de julgamento, conforme depuseram os Inspectores da PJ, designadamente GGGGGGGGG (o qual coordenou a investigação), HHHHHHHHH, IIIIIIIII, JJJJJJJJJ, KKKKKKKKK, PP, LLLLLLLLL, MMMMMMMMM, NNNNNNNNN, OOOOOOOOO, PPPPPPPPP, KKKKKKKK e QQQQQQQQQ os quais cumpriram e confirmaram também o teor dos mandados de busca às residências, viaturas e estabelecimentos dos arguidos, devidamente documentados nos autos.
Neste âmbito, importa referir, que assumiram especial relevância, na nossa análise global e concreta dos factos, as declarações dos arguidos que quiseram prestar declarações em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente os arguidos GG, DD, QQ, RR, FF, CC e GGGGGGGG.   
Também relevantes para a prova de uma boa parte dos factos constantes da acusação foram também as transcrições das escutas telefónicas, embora não o tendo sido com o relevo que a acusação lhe atribuiu. Efectivamente o Tribunal considerou o teor de muitas das escutas mas apenas e tão só para a prova de factos concretos alegados, não se bastando as mesmas por si só para a prova de imputações genéricas. As transcrições das escutas embora não assumam, por si só, um relevo auto-suficiente, a sua relevância tem sido clarificada pela Jurisprudência. 
O Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 07.01.2004, Processo n.º 03P3213, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dsgi.pt/jstj/ veio decidir que «Não constituindo as escutas telefónicas, no sentido técnico, meios de prova, através exclusivamente do conteúdo de uma conversação escutada, e sem a concorrência dos adequados meios de prova sobre os factos, não se poderá considerar directamente provado um determinado facto, que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação.
(…). A aquisição processual que a escuta assim permite (…) não poderá, enquanto tal, na dimensão valorativa da prova penal em audiência, ser considerada mais do que princípio de indicação ou de interacção com outros factos, permitindo, então, deduções ou interpretações conjugadas no plano autorizado pelas regras da experiência para afirmação da prova de um determinado facto. Os dados recolhidos na escuta, apenas por si mesmos, não podem constituir, nesta dimensão probatória, mais do que elementos da construção e intervenção das regras das presunções naturais como instrumentos metodológicos de aquisição da prova de um facto». 
O Acórdão da Relação de Guimarães de 24/04/2017 proferido no processo nº 2108/11.8AMR.G1 veio sustentar a par da sua qualificação com meios de obtenção de prova, as escutas telefónicas desde que interagindo e conexionado com outros meios de prova “Contudo, poderá esse conteúdo, desde que interaja ou se conexione com outros factos devidamente asseverados por outros meios, constituir apoio inequívoco, sem deixar margem para qualquer dúvida razoável, e, por isso, idóneo a que o tribunal considere um determinado facto como provado. O que se impõe, pois, é que, através desse (mero) instrumento metodológico de aquisição da prova constituído pelo concreto conteúdo de tais conversações, outros factos inequivocamente conhecidos, porque provados por outros meios, facultem a passagem para a aquisição de um facto desconhecido, com a intervenção de presunções naturais, mas com relativa segurança ou sem margem para qualquer dúvida razoável.”.
Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1/06/2016 proferido no processo nº1345/10.7JAPRT.P1 identificando o problema, veio sustentar “O recorrente parte de um entendimento errado do valor de uma escuta face ao nosso ordenamento jurídico, que é o de que o conteúdo da intercepção nada vale; mas não é assim. Como se decidiu no Acórdão do STJ de 31-05-2006 [Sousa Fonte] as escutas telefónicas, desde que efectuadas de acordo com as exigências legais, são meio legítimo de obtenção de prova e a transcrição das escutas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do art. 127.° do Código de Processo Penal. Mesmo que as escutas constituam o único meio de prova, o tribunal não está impedido de nelas apoiar a sua convicção. A escuta, legalmente permitida e validamente efectuada, é um meio de prova autónomo apto a provar o conteúdo da própria conversação interceptada e registada. Concluindo: as escutas telefónicas são um meio de obtenção da prova, mas as conversações recolhidas através dessas intercepções constituem um meio de prova; transcrito e inserido no processo, o conteúdo das gravações passa a constitui prova documental, submetida ao princípio da livre apreciação da prova: as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, art.º 127º do Código de Processo Penal.” no site do ITIJ.
Como síntese da orientação da jurisprudência podemos referir que as conversações telefónicas são aptas a ser valoradas pelo tribunal, em confronto com os demais elementos de prova, constituindo uma das premissas atendíveis na prova indirecta.
Ora, nos autos, interessou o cotejo das conversações transcritas com outros meios de prova, sobretudo quando através das conversações transcritas se contextualiza, quer pela prova testemunhal a verificação de transacções e negociações concretas no período em análise de armas e munições, tudo relacionado com as declarações de alguns arguidos.
Contudo, como se referiu supra as escutas por si só não são auto-suficientes. Haverá casos em que é necessário ponderar a relevância das conversações transcritas, face à dimensão típica dos delitos em discussão. Em crimes onde a tutela penal é antecipada a uma gama alargada de actos, como é o caso do delito de tráfico (que noutros crimes seriam actos preparatórios), essas conversações adquirem uma relevância acrescida como meio de prova, pois, determinadas conversações transcritas podem directamente constituir meio de prova, e não mero recurso indiciário ou de sustentação de presunções, quando os interlocutores discorrem sobre o concreto plano de actuação prévio à execução do crime que cometem adiante; como também são o caso das conversações que evidenciam o dolo dos agentes interlocutores no cometimento de certo crime, sendo que esse facto subjectivo típico é de extrema importância para a integração típica no caso de detenção de armas cujo agente visava a venda.
Contudo mesmo nestas situações é absolutamente necessário que se concretizem os factos e se a escuta só por si constituir crime então haverá que transcrever a própria escuta na acusação (o que aliás, se fez em algumas situações). Não basta enunciar genericamente as sessões das escutas e os alvos como faz a acusação no artigo 20.   
 Assim, cumpre referir que as verbalizações que constam das escutas foram aferidas criticamente, interessando, em particular, os factos que se possam extrair das conversações e que estejam alegados e constem da acusação. Aí, mais importante que afirmações ao telefone, são os factos que eventualmente se possam apurar em resultado das conversas.
Feito este enquadramento, vejamos, então, em concreto em que termos se formou a convicção do Tribunal.
Relativamente aos arguidos BB e MM, cumpre antes de mais, referir que os factos descritos em 1 a 4 se tratam somente de factos que visam enquadrar os factos que depois se passam a descrever. Tais factos foram depurados da demais factualidade genérica e conclusiva que constava da acusação, ficando apenas a constar do elenco dos factos provados, como factos de mero enquadramento.  
Relativamente ao período temporal referido em 1, cumpre referir que, em relação ao arguido BB, embora só se se tendo alegado e provado os actos concretos descritos em 5 a 64, deu-se como provado que o arguido se vinha dedicando á actividade de venda de armas e munições desde data anterior a Outubro de 2018 e até ao dia da sua detenção, ocorrida em 13/10/2020. Assim se considerou para efeitos de aferição da legalidade da acção encoberta como não provocatória, conforme já supra se explicou a título de questão prévia. Efectivamente, não obstante não se ter alegado na acusação qualquer acto concreto de venda de armas pelo arguido BB anterior à reunião com o agente JJ em 27/11/2018, é possível concluir, somente para efeitos de aferição do carácter provocatório ou não da acção encoberta, que já antes do primeiro contacto do JJ com o arguido, ocorrido entre Outubro e Novembro de 2018, que este arguido havia decidido se dedicar à referida venda de armas e que o vinha fazendo. Apenas para esse efeito de aferição da legalidade da acção encoberta se devem considerar as escutas em causa e não para a punição de actos concretos de venda de armas porque esses, como já se disse, não vêm depois concretamente alegados na acusação. É que, de facto, uma rápida análise das escutas anteriores a Outubro de 2018 constantes do anexo C permite formular essa conclusão (cfr. a título de exemplo fls. 3, 19, 20, 27, 48, 50, sendo claramente elucidativa a escuta de 20/09/2018 a fls. 97 a 101 “VM – Não…não no…olhe uma coisa, e a…e a do nove a SIG, a do nove a SIG quanto…quanto é que pode dar”, etc…)     
Para prova dos factos descritos em 5 a 56 relativos à acção encoberta valorou o Tribunal essencialmente o depoimento prestado em audiência de julgamento pelos agentes encobertos RRRRRRRRR, HH, II e JJ os quais prestaram os seus depoimentos por videoconferência desde as instalações da Directoria da PJ em Lisboa, de cara tapada e com a voz distorcida nos termos do disposto nos artigos 4º e ss. da Lei nº 93/99 de 14 de Julho (protecção de testemunhas em processo penal) e artigo 4º nº 4 da Lei nº 101/2001 de 25/08. 
Assim, para prova dos factos descritos em 6 a 10 e 11 e 14 valorou o Tribunal as declarações do AE JJ que em audiência de julgamento relatou tais factos de forma circunstanciada e pormenorizada. Para prova dos factos descritos em 11, 13, 14, 16 a 37, teve o Tribunal em consideração as declarações do AE KK. Por sua vez, para a prova dos factos descritos em 11, 12, 14, 15, 38, 39, 40, 41, foi valorado o depoimento prestado em julgamento pelo AE HH. Quanto aos factos descritos em 38, 39, 42 a 47 considerou o Tribunal as declarações prestadas pelo AE II.    
É de salientar que o Tribunal considerou igualmente as declarações prestadas pelos quatro agentes encobertos em sede de inquérito perante Magistrado do Ministério Público (cfr. refª ...18 de 15/06/2020 quanto ao JJ; refª ...17 de 06/10/2020 quanto ao II; refª ...49 de 06/10/2020 quanto ao AE HH com a rectificação de refª ...49 de 06/10/2020 e ainda refª ...26 de 16/06/2020 quanto ao KK). Tendo-se registado alguns lapsos de memória ou pequenas discrepâncias quanto a alguns aspectos pontuais nas declarações prestadas em audiência pelos agentes encobertos, foi requerida e diferida a leitura em julgamento das suas declarações ao abrigo do disposto no artigo 356º nº 3 alíneas a) e b) do Código de Processo Penal.  
Assim para a prova dos mencionados factos relativos à acção encoberta valorou o Tribunal os depoimentos prestados em audiência pelos agentes encobertos que depuseram enquanto testemunhas conjugados com as declarações prestadas pelos mesmos em sede de inquérito, os quais na sua generalidade são coincidentes. Quanto às características das armas e munições compradas pelos agentes encobertos ao arguido BB e localização das mesmas na residência do arguido BB e residências próximas daquela, valorou-se igualmente as fotografias 1 a 15 juntas aos autos pelo AE JJ com o seu depoimento de 15/06/2020 (cfr. fls. 1966 a 1976 dos autos) que foram exibidas ao KK em inquérito e igualmente aos AE em julgamento, tendo sido por eles confirmadas. Valorou-se também os exames periciais a estas armas de fls. 6736 a 6830 dos autos.   
Relativamente aos factos descritos em 5 e referentes ao primeiro contacto telefónico com o arguido BB, o qual terá despoletado a acção encoberta, tais factos foram relatados em audiência de julgamento pelo AE JJ nas declarações que prestou na 11ª sessão da audiência e posteriormente novamente na 17ª sessão. O AE relatou de forma genérica os termos em que terão sucedido tais contactos e o momento temporal em que tal terá sucedido.  
Cumpre referir que é verdade que nos seus depoimentos, os AE se recusaram a responder a algumas questões ou foram algo evasivos nas respostas concretas relativas às circunstâncias em que ocorreu a acção encoberta nomeadamente alguns pormenores dos contactos iniciais com o arguido BB, a identidade da pessoa que intermediou tal contacto, a localização concreta do local (café) em que tal ocorreu, se os AE levavam ou não escutas em todas as reuniões, a identificação dos carros ou telefones que conduziram e usaram os AE, se havia contacto simultâneo com os Inspectores da PJ que estavam a levar a cabo a investigação destes autos, etc… Contudo, é nosso entendimento que tal não se mostra suficiente para abalar a credibilidade dos seus depoimentos, uma vez que se tratam de aspectos que a serem eventualmente revelados poderiam comprometer a sua segurança e o sucesso da sua intervenção em acções encobertas eventualmente a decorrer ou futuras, pelo que é compreensível que tais aspectos não pudessem ser totalmente esclarecidos em audiência de julgamento.  
As acções encobertas integram, nos termos da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, mecanismos de resposta eficaz à prevenção e repressão das formas mais complexas da criminalidade, que ameaçam as sociedades democráticas[7] , demandando a adopção de especiais mecanismos, nos quais intervêm os chamados «homens de confiança» (gewährs ou vertrauens-männer) que entram em contacto com os potencias ou efectivos agentes do crime[8]22. As acções encobertas têm por isso natureza inteiramente confidencial e essa confidencialidade só cessa, parcialmente, nas fases em que o processo se torna público, nos termos previstos no artigo 3.º, n.º 6 e artigo 4.º, nºs 1 e 3 da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto. 
Como consta da exposição de motivos do Ministro da Justiça para a alteração do regime das acções encobertas, Diário da AR, I série, n.º 99, de 22 de Junho de 200, a “introdução deste regime deve, no entanto, ser feita com os cuidados adequados, quer para preservar as garantias de defesa em processo criminal, quer para salvaguardar a segurança dos agentes envolvidos.”
Deste modo, o regime jurídico relativo às acções encobertas deve interpretar-se à luz da tensão dialéctica necessariamente existente entre as garantias de defesa dos arguidos e a segurança dos agentes encobertos.
Não tem, por isso, o Tribunal a possibilidade de sindicar os termos de todo o processo da acção encoberta. 
Citamos a este propósito uma passagem do Acórdão do STJ de 10.03.2016 proferido no processo 326/12.0JELSB.L1.S1: “Contra o que pretendem os recorrentes não está prevista legalmente a junção aos autos de todo o expediente da acção encoberta nem tal faria sentido desde logo perante as exigências de segurança dos intervenientes na acção encoberta que se não restringe à mera identificação propriamente dita, não se levantando obstáculo intransponível aos direitos de defesa do arguido mormente ao nível do respeito pelo contraditório, prevista como está a possibilidade de junção ao processo de um relato da acção encoberta (art. 3.º, n.º 6 e 4.º, n.º 1) e, o que é decisivo sobretudo para esse exercício do contraditório, a prestação de depoimento do agente encoberto certamente quem, mercê da sua intervenção directa, em melhor situação estará para esclarecer os contornos da acção encoberta designadamente ao nível da avaliação dessa intervenção quanto a poder ser configurada como a de um agente infiltrado ou de um agente provocador permitindo depois a conclusão sobre se a prova resultante dessa intervenção é ou não prova proibida. Pelo que não se verifica qualquer limitação desproporcionada do direito de defesa dos arguidos e dos limites mínimos do princípio do contraditório, ao contrário do invocado pelos recorrentes.”
 Cremos pois que, ainda que com algumas limitações decorrentes da confidencialidade de todo o processo da acção encoberta, os depoimentos prestados pelos AE em audiência se revelaram credíveis e circunstanciados, assim servindo para formar a convicção deste Tribunal. Também em complemento do referido pelos AE valorou-se também a transcrição das gravações de conversas entre presentes (nomeadamente das conversas mantidas entre os AE e o arguido BB em algumas das reuniões) – cfr. fls. 6834 e ss. relativa à reunião de 04/04/2019, fls. 6854 e ss. relativa à reunião de 12/09/2019, fls. 6879 e ss. relativa à reunião de 10/10/2019, fls. 6934 e ss. relativa à reunião de 21/11/2019, 6946 e ss. quanto à reunião de 16/06/2020.   
Além destes elementos temos também junto aos autos o relato final da acção encoberta o qual se mostra junto com a refª ...25 de 29/03/2023. Tal relato sendo um mero resumo das diversas intervenções dos AE elaborado por um desses AE, não pode assumir grande relevância probatória. Tal relato pouco ou nada acrescenta face aos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelos AE que aliás foram na sua generalidade coincidentes com o teor do referido relato final. O relato final serviu, pois, apenas com um mero complemento ao depoimento dos AE mas sem grande significância na formação da convicção do Tribunal.     
Para prova do facto descrito em 57, valorou o Tribunal o depoimento prestado em audiência pela testemunha UU o qual confirmou que efectivamente contactou o arguido BB o qual lhe foi sugerido por alguém cuja identidade já não se recorda a fim de lhe comprar uma arma das “pequenitas” para sua defesa pessoal uma vez que é feirante e já tinha sido anteriormente assaltado. Referiu que o arguido lhe exibiu então uma pistola mas que a mesma tinha o gatilho partido não tendo chegado a adquirir a mesma. Ora nessa parte o depoimento da testemunha não colheu por não se revelar minimamente verosímil ou consentâneo com as regras da experiencia comum. Não faz qualquer sentido a testemunha procurar o arguido para adquirir uma arma para sua defesa pessoal por antes ter sido assaltado e aquele lhe exibir uma pistola disfuncional para venda. Aliás note-se das conversas tidas por esta testemunha com o arguido (cfr. sessões 612, 676, 706, 1047, 7320 e 10493) a mesma nunca se queixou de qualquer produto defeituoso que aquele lhe tenha vendido e denota-se que a testemunha teve mais do que um encontro com o arguido. Não seria verosímil que aquele lhe tivesse exibido uma arma disfuncional e a testemunha o continuasse a contactar. Cumpre referir que se nas primeiras transcrições a testemunha não parece identificada, na transcrição da sessão nº 7320 já se identifica a voz masculina como sendo a testemunha e o número de telemóvel é o mesmo das demais transcrições. Mas sempre se diga que mesmo que se provasse que a pistola não tinha gatilho funcional haveria, na mesma, ilícito criminal dada a susceptibilidade de a mesma vir a ser reparada. Quanto ao facto de ter sido o arguido EE a indicar à testemunha o arguido BB, apesar de em julgamento a testemunha ter referido não se recordar de quem lhe teria indicado o “TT”, tal facto retira-se da transcrição das escutas telefónicas relativas às sessões nºs 612 e 676.  
Para prova do facto descrito em 58, valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha VV em audiência de julgamento, o qual confirmou ter efectivamente adquirido a referida quantidade de canábis ao arguido BB, tendo ido a casa daquele buscar o produto. A testemunha referiu que pagou € 5.00, mas não esclareceu se a referida quantia foi pela totalidade das 30gr ou por grama pelo que esse facto não se considerou provado, sendo certo que € 5.00 para 30gr seria um preço muito reduzido.
Para prova do facto descrito em 59 e 60 valorou o Tribunal valorou o auto de busca e apreensão e fotografias anexas de fls. 3031-F a 3031-O, autos de teste rápido e pesagem de fls. 3031-W a 3031-Z, relatório pericial relativo ao estupefaciente a fls. 5519 e ss. Relativamente ao facto de a viatura automóvel ser propriedade de AAA, filho dos arguidos BB e MM, valorou-se o teor da informação de fls. 6347, print de fls. 563, e as declarações de AAA que confirmou ser o proprietário da viatura em julgamento. Relativamente ao facto de viatura em causa ser habitualmente usada pelo arguido BB à data da busca, valorou-se o depoimento do referido AAA que referiu estar emigrado em ... sendo que apenas usava a viatura quando se deslocava a Portugal, sendo o seu pai quem, quando a testemunha estava em ..., andava com ela, “até para lhe dar uso e a mesma não se estragar”. Referiu até que tinha uma chave e o seu pai tinha outra. Tal facto foi também confirmado pela testemunha SSSSSSSSS, amigo do arguido e testemunha de defesa. De salientar que a viatura na data da busca estava na posse do arguido BB, sendo que foi a arguida MM quem abriu a viatura estando na posse da chave, segundo relatou ao Tribunal o Inspector da PJ, HHHHHHHHH, que esteve presente na busca. Ademais resulta dos autos que a viatura era habitualmente usada pelo arguido nas suas deslocações (cfr. relato de diligência externa de fls. 561 datado de 03/03/2019, cota de fls. 564 e fotografias ed fls. 565 e ss.). Ademais resulta também dos factos provados e descritos em 21, 32, 33 e 39 relativos à acção encoberta que este arguido se deslocava na viatura em causa para efectuar a venda das armas. Considerando que a viatura era utilizada a maior parte do tempo pelo arguido e o mesmo já havia anteriormente transaccionado estupefaciente e armas (cfr. factos relativos à AE e facto nº 58), temos que se fez prova suficiente que os objectos que estavam na viatura pertenciam ao arguido.  
Para prova do facto descrito em 61 valorou-se o teor do auto de diligência de fls. 3004 e ss., auto de busca e apreensão de fls. 3008 e ss., fotografias de fls. 3010 a 3013, sendo que resulta expressamente do auto de busca que a arma e as munições se encontram no quarto dos pais do arguido e que o dinheiro estaria em local bem diferente, nomeadamente numa cave que serve de arrumos.  
Relativamente ao facto de a referida cave que serve de arrumos ser, na altura, usada pelo arguido BB, considerou-se o depoimento prestado pelos agentes encobertos e bem assim o teor das fotografias de fls. 1976 e 1977 juntas aos autos pelo agente encoberto JJ. Ademais resulta desse auto que, de todos os objectos ali encontrados e apreendidos, o pai do arguido BB apenas se intitulou, de imediato, proprietário da arma e das munições que estavam no seu quarto, tendo referido que tinha herdado a arma do seu pai desconhecendo se a mesma tinha registo, dado que não tinha documentos da arma.
            Se os pais do arguido se intitulassem proprietários do dinheiro tal teria sido certamente exarado no auto, tal como o foi em relação à arma.   
Para prova do facto descrito em 62 valorou o Tribunal o teor do auto de busca e apreensão de fls. 3023 a 3025 e fotografias de fls. 3014 a 3018. Considerou-se que os objectos eram pertença do arguido BB por força do depoimento prestado pelos agentes encobertos e bem assim o teor das fotografias de fls. 1976 e 1977 juntas aos autos pelo agente encoberto JJ. 
Para prova dos factos descritos em 63 e 64 valorou o Tribunal o teor do relato de diligência externa conjugado com as declarações prestadas pelas testemunhas HHHHHHHHH e GGGGGGGGG, inspectores da PJ que estiveram presentes na busca, informação de serviço de fls. 5515 e fotos de fls. 5516 e 5517, auto de busca e apreensão de fls. 6035 e 6036, reportagem fotográfica de fls. 6039 a 6044, auto de exame directo das armas a fls. 6047 e 6048.  
Relativamente ao facto descrito em 63 segunda parte, resulta do RDE de fls. 6032 dos autos (vol. 18º) elaborado pelos Srs. Inspectores GGGGGGGGG e HHHHHHHHH, que estes apuraram no local que a referida quinta era pertença do CCC, irmão da arguida MM, o qual se encontrava emigrado em ....  Estando presentes os pais da arguida MM, TTTTTTTTT (consta por lapso UUUUUUUUU) e CCC, pais do proprietário da quinta, os mesmos procederam à abertura da casa principal/habitação secundária (ruína ora recuperada)/antigo moinho, bem como uma pequena arrecadação situada sobre um armazém onde existe gado. 
Quanto ao facto ali exarado naquele RDE de que “quem explora os terrenos agrícolas/armazém de gado é o casal BB e esposa MM” e que “o cofre monobloco é pertença daqueles” porque se tratam de declarações colhidas pelos Srs. Inspectores, as mesmas não podem ser valoradas pelo Tribunal. Aliás consta depois o auto de inquirição de TTTTTTTTT a fls. 6037, na qual aquela relata esses factos mas a mesma não foi ouvida em audiência de julgamento e por isso essas declarações não podem ser valoradas. Mesmo que os Srs. Inspectores em audiência tivessem falado de tais declarações que não falaram, as mesmas não poderiam ser valoradas por força do disposto no nº 7 do artigo 356º do Código de Processo Penal.   
A este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/11/2022, Proc. nº 62/17.1PKLSB.L1-3, a propósito do auto de notícia mas cujo raciocínio é plenamente válido também para o auto de busca e naturalmente para o RDE: «Inquestionável, portanto, é que o valor probatório do auto de notícia, como documento autêntico nos termos das disposições conjugadas dos artigos 169º do Código de Processo Penal e 371º, n.º 1, do Código Civil, se circunscreve aos comportamentos presenciados e ao que foi percepcionado directamente pela autoridade policial, não se estendendo a outros contributos, mormente às declarações de terceiros aí eventualmente vertidas, nomeadamente as referentes ao relato dos eventos, por parte do queixoso, do suspeito ou de testemunhas. De resto, a valoração de declarações e depoimentos (formalmente) produzidos, na qualidade de lesado, de arguido ou de testemunha, antes da audiência d e julgamento, e aqui reproduzidos, apenas pode ocorrer nos casos expressamente previstos e desde que verificados os necessários pressupostos, conforme estipulado nos artigos 355º, 356º e 357º do Código de Processo Penal».
Contudo, foi o próprio filho do arguido AAA que no depoimento que prestou em audiência de julgamento referiu ao Tribunal que o armazém em causa, sendo pertença dos tios que estavam em ... estava, na altura entregue aos pais, onde estes guardavam animais, sendo certo que em relação ao cofre, o mesmo funcionava por código e quem tinha o código era a testemunha e os pais.  Ademais, chega-se igualmente à conclusão de que os objectos existentes no interior do referido cofre eram pertença do arguido BB por força da análise da escuta telefónica relativa à conversa mantida pelo arguido (já nesta altura detido) com o filho AAA, em 10/11/2020, no dia posterior à busca (cfr. sessão nº 11599ª fls. 706 do apenso C). 
Transcrevemos parte da referida escuta: 
(…)
... (AAA): os gajos já cá tiveram outra vez em casa. 
... (BB): Tiveram aí? 
 ...: Tiveram. 
JÁ: E quê?
...: Oh e levaram, eu no outro dia tive a tirar as coisas de lá de cima mas não tirei tudo. 
...: E tinham aí alguma coisa?
...: Lá em cima no cofre não tinha tirado a parte na gaveta que tinham em cima, não tinha visto, se tinha lá alguma coisa.
...: Ah. 
...: Tinha tirado aquela merda à pressa, e tirei tudo o que tinha em baixo, mas em cima, da outra vez a gaveta estava fechada nem vi se tinha alguma coisa.
...: E estiveram lá?
...: Estiveram, estiveram, eles vieram cá de propósito, por causa disso. 
...: Tinhas tirado o dinheiro?
...: O dinheiro? Não o dinheiro em cima não. 
...: Raios ta parte…Tu…só fazes asneiras também. 
...: Tava naquela gaveta, não vi…Tirei o que estava em baixo. 
(…)      
Analisando as fotografias de fls. 6040 visualizamos que apenas a prateleira de cima tinha objectos estando as demais vazias. 
Ademais não consta do auto de busca assinado por AAA que, tendo estado aquele presente na abertura do cofre, tenha reivindicado a propriedade de qualquer objecto no seu interior. E se afinal o dinheiro era seu, como referiu em audiência, seria natural que o tivesse reivindicado aquando da abertura do cofre aos Srs. Inspectores. 
 Em audiência de julgamento, o arguido CC prestou declarações. Confessou grande parte dos factos descritos na acusação pública relativamente à venda de armas. Referiu que foi criado com o avô num ambiente em que era perfeitamente natural deter armas, tendo o avô lhe deixado uma caçadeira e duas pistolas e que quando tinha 15 anos, o pai lhe deu uma caçadeira, e dava com ela tiros para o ar. Negou qualquer relação com os demais arguidos à excepção do arguido BB que referiu ter conhecido na feira das cebolas em .... Referiu que negociaram alheiras, vinho, lenha, cabras e cabritos, alfaias, uma enfardadeira sendo que o arguido BB tinha em casa um letreiro na beira da estrada a dizer: “Vende-se vinho e lenha”. Referiu também que lhe comprou várias vezes (não soube precisar quantas nem quando) para “ceder aos velhotes” caixas de cartuchos, sendo que pagava € 6,00 ou € 7,00 por cada caixa. Mais referiu que o arguido BB lhe vendia porque tinha em excesso e que sempre lhe referiu que era caçador e tinha licença para comprar os cartuchos.  Acrescentou que quando falava com o BB ao telefone e falavam em cabritos e cabras pretendiam referir-se efectivamente àquele tipo de gado, que comercializavam entre si.  Assumiu que se dedicava ocasionalmente à compra e venda de armas, sem qualquer co-autoria com ninguém, mas que não fazia desse negócio modo de vida, uma vez que era agricultor e negociante de gado. 
Relativamente ao tráfico de estupefacientes, negou que alguma vez se tivesse dedicado à referida actividade. 
Quanto à busca efectuada à sua residência, referiu que o dinheiro apreendido era da companheira que o tinha em casa para fazer obras no apartamento, sendo que ela o tinha antes levantado da conta bancária dela e tinha provas disso. Relativamente ao carregador disse que era o mesmo que levou ao HHH mas que ele voltou a entregar porque não dava na pistola. Relativamente ao veículo ... apreendido, referiu que o mesmo era propriedade de um cunhado seu, de nome VVVVVVVVV, que é guarda prisional e que nunca andou com o carro sendo a esposa que, por vezes, andava com ele. Mais referiu que o bastão seria do irmão da mulher, o referido VVVVVVVVV, sendo que a companheira andava com o carro de vez em quando para não estar parado porque o cunhado trabalhava em Lisboa onde é guarda prisional. 
Quanto à busca efectuada no tractor referiu que estava detido nessa altura e que a balança não era dele assim como também não era seu o tractor.  
Relativamente aos artigos 67 e 68 valorou-se o teor dos autos de apreensão de fls. 4347 e ss  e 4371 e ss. apenas quanto às características das armas. Relativamente ao facto de a arma em causa ter sido comprada por AA ao arguido CC, tal resulta do teor das escutas relativas à conversa mantida entre o AA e os seus familiares, após a realização da busca (Sessões 17280, 17283, 17292 -Apenso “G” – Alvo ...40) – cfr. em especial pág. 308, no qual AA refere que efectivamente a arma que lhe foi apreendida naquele dia sem documentos foi comprada ao CC.  
(…)
AA: “tem a ver com o CC e com o FF…aquilo da Sig Sauer, que foi apreendida. Deixastes lá uma peça foi o que me fodeu …ficou lá, essa, foi apanhada, pronto, fiquei logo fodido”, 
Esposa: “fiz o que pude, com um menino ao colo fiz o que pude. Porque é que o teu pai está a dizer que é tudo teu”. 
AAA: “ele enterrou-me até às orelhas, apanharam lá uma caçadeira que também era minha”. 
AAA diz ao pai: “tinha lá uma, não tinha papéis, fodi-me”. 
António: “Ai as que compraste ao CC?”.  AAA: “Sim”
 (…)
Mais se valorou o teor da escuta telefónica relativa à conversa mantida entre AA e CC em 22/11/2019, sessão nº 238, apenso G, cujo teor se transcreve parcialmente: 
(…)
M (AAA): (…) Mas eu ao ir já lhe dou o recado, para que preço é essa cadela? 
FF (CC): É uma cachorra de caça. Ela como é novita a ração que ela come é aquela mais pequena. 
M: Sim…sim.
FF: Não é igual á outra grande, que essa ração é para cães maiores.
(…)
FF: Setecentos paus. 
 (…)   
 Em audiência de julgamento a testemunha AA referiu conhecer apenas os arguidos CC e FF e confrontado com o teor da escuta não confirmou nada, tendo referido que não se recordava da dita conversa. Por sua vez, o arguido CC referiu não se recordar da conversa e “nem sequer saber do que se trata”. Todavia, através das referidas escutas ficou o Tribunal convencido de que se efectuou a referida transacção.  
Relativamente ao facto descrito em 69 o arguido CC referiu que pelo nome não estava a identificar a pessoa mas recordava-se de ter vendido uma pistola e uma caçadeira que eram do tio que lhe deu essas armas. Relativamente a ter dito à pessoa em causa que lhe arranjava tudo o que precisasse, seriam cabritos, vitelas, alfaias, sendo que não tinha a ver com armas. 
Em audiência foi ouvida a testemunha EEE que confirmou ter comprado uma arma caçadeira de canos sobrepostos, calibre 12, por € 250,00, a um senhor que morava para os lados de ..., um tal WWWWWWWWW, que era português e se fazia transportar num ... 190. Confrontado com o arguido CC, a testemunha reconheceu o mesmo assim como o arguido reconheceu a testemunha. A testemunha confirmou que, efectivamente um dos canos não disparava, tendo então devolvido a arma e recuperado o valor em causa na totalidade. Negou que tenha adquirido da pessoa em causa munições nem mesmo gratuitamente. Questionado sobre a alegada compra de uma pistola de calibre 6,35mm negou que a tivesse comprado à pessoa em causa, sendo que tinha uma pistola 6,35mm mas que era do seu falecido pai. Negou que a pessoa a quem vendeu a arma lhe tenha dito depois que lhe arranjaria as armas que quisesse. 
Para prova dos factos descritos em 70 considerou o Tribunal as declarações prestadas pelo arguido CC que confirmou tais factos, tendo salientado que se trataram de 5 caixas a € 10,00 cada caixa. Mais se valorou o depoimento da testemunha FFF que confirmou a compra das munições. Valorou-se igualmente o teor das escutas telefónicas entre o arguido e esta testemunha nas quais falam sucessivamente na compra de “cadelas” (cfr. sessões nºs 70396, 70424, 71260, 71263, 77170, 80775, 86571, 88930, 98419, 105658).
A testemunha negou a tentativa de compra da arma mas nessa parte o seu depoimento não se revelou verosímil face à confissão efectuada pelo arguido.
Para prova dos factos descritos em 71 considerou o Tribunal as declarações prestadas pelo arguido CC que confirmou tais factos, tendo explicado os termos em que pretendia vender a caçadeira, o carregador e as munições. Mais se consideraram as declarações prestadas pelas testemunhas XXXXXXXXX (que relatou a conversa que teve sobre este assunto com o III) e pela testemunha III (embora tenha recebido a arma de terceiro e referido não saber de quem era).   
Para prova do facto descrito em 72 considerou o Tribunal as declarações prestadas pelo arguido CC que confirmou tais factos, tendo referido que os revolveres eram antigos e obsoletos e foi por isso que foram devolvidos. À data considerada provada chegou-se por força do facto provado e descrito em 76 uma vez que tais revólveres serão alguns dos que o arguido CC comprou a MMM e que depois tentou vender ao YYYYYYYYY, como o mesmo afirmou em julgamento.  
Para prova do facto descrito em 73 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha KKK que confirmou ter visto o arguido na posse de uma arma, cujas características desconhece, durante uma viagem que ambos fizeram a Espanha para carregar uma palha, estando a arma no tapete do carro, ao que o arguido lhe terá dito “para não mexer que era uma arma”. O arguido CC negou tais factos e referiu que quem tinha a arma era a testemunha mas as suas declarações não colheram.  
Para prova do facto descrito em 74 valorou o Tribunal as declarações prestadas pelo arguido CC que assumiu ter efectivamente entregue uma arma já velha ao referido WWWWWWW e bem assim as declarações prestadas por esta testemunha que referiu que efectivamente a arma lhe foi deixada pelo CC (sendo a mesma antiga) para a testemunha a arranjar de modo a mesma servir de decoração para colocar “num tampo de uma mesa”. Mais se valorou o teor do auto de busca e apreensão de fls. 4970 relativamente à data e às características da arma apreendida a esta testemunha. 
 Para prova do facto descrito em 75 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha SS que confirmou ter visto o arguido na posse de uma caçadeira mas que tal teria ocorrido há muito tempo, nomeadamente há mais de 20 anos. Também o arguido CC referiu que aquele o viu na posse de uma caçadeira, mas que a mesma era, na altura, documentada.   
  Relativamente ao facto descrito em 76, resultou o mesmo das declarações da testemunha MMM que confirmou a referida venda, o preço da mesma e a data aproximada da sua realização e bem assim das declarações do arguido CC que confirmou também tais factos, tendo referido que depois tentou vender alguns desses revólveres ao Baltelhas (facto provado descrito em 72). 
Para prova do facto descrito em 77 valorou o Tribunal o teor do auto de busca e apreensão de fls. 3029 e ss. 
Para prova do facto descrito em 78 considerou o Tribunal o teor do auto de busca e apreensão de fls. 3034 e ss. Quanto a estes factos, o arguido CC referiu que relativamente ao veículo ... apreendido, este era propriedade de um cunhado seu, de nome VVVVVVVVV, que é guarda prisional e que nunca andou com o carro sendo a esposa que por vezes andava com ele. Mais referiu que o bastão seria do irmão da mulher, o referido VVVVVVVVV, sendo que a companheira andava com o carro, de vez em quando, para não estar parado, porque o cunhado trabalhava em Lisboa onde é guarda prisional. Efectivamente não resulta da acusação que o arguido fosse utilizador habitual deste veículo, não consta dos autos registo de propriedade do mesmo e nem é requerida a sua perda a favor do Estado como instrumento, produto ou vantagem do crime ou o mesmo é considerado na perda ampliada de bens, pelo que o veículo e o bastão que se encontravam no seu interior não podem ser associados ao arguido CC. Note-se que no auto de busca e apreensão de fls. 3034 e ss. refere-se que a apreensão do veículo e do bastão é feita à dita NNN. 
Para prova do facto descrito em 79 valorou o Tribunal o teor do auto de apreensão     de 23/11/2020, a fls. 6297. Relativamente a esta busca o arguido CC referiu, em audiência, que estava detido nessa altura e que a balança não era dele assim como também não era seu o tractor. A este respeito já teve o Tribunal a oportunidade de se pronunciar em sede de apreciação da questão prévia da nulidade da busca suscitada pela defesa e para ali se remete integralmente. Não resulta dos autos que o tractor seja pertença do arguido CC. Não consta dos autos o registo de propriedade do dito tractor, pelo que desconhecemos a quem o mesmo pertencia afinal e nem foi inquirido o seu proprietário.  Aliás a testemunha Inspector GGGGGGGGG que procedeu à apreensão da balança referiu expressamente que o tractor estava estacionado na via pública, abandonado e não estava registado em nome do CC. A única associação do tractor ao arguido terá sido feita segundo o depoimento do Inspector IIIIIIIII e o teor do auto de apreensão de fls. 6297 elaborado pelo Inspector GGGGGGGGG por populares não identificados que no dia da busca domiciliária apontavam o tractor como sendo pertença do suspeito. Ora esta versão dos Srs. Inspectores não colheu, desde logo por ser contraditória entre si e com os documentos juntos aos autos (porquanto no auto de busca de 13/10/2020 nada se diz quanto a isso). Além de que o depoimento de ouvir dizer a pessoa não concretamente identificada de nada vale (cfr. artigo 129º nº 3 do Código de Processo Penal). Além disso, resulta evidente que a alegada associação do tractor ao CC chegou ao conhecimento dos Srs. Inspectores posteriormente, apenas em 20/11/2020 com a inquirição na PJ da testemunha SS (expediente de fls. 6303 e do auto de inquirição de fls. 6293 e ss.) mas o que a testemunha ali referiu de nada vale, uma vez que a mesma foi ouvida em sede de audiência de julgamento e não confirmou tal facto e nem sobre o mesmo foi inquirida. De modo que inexiste nos autos elementos que permitam concluir que o tractor em causa e consequentemente a balança que se encontrava no seu interior, fossem pertença do arguido CC.   
 Em relação ao arguido DD, este prestou declarações em sede de primeiro interrogatório em 14/10/2020 (cfr. fls. 5144) as quais foram reproduzidas em audiência, nos termos do disposto no artigo 357º nº 1 alínea b) do CPP e prestou novamente declarações em julgamento. 
Assumiu que se dedicava à compra e venda de armas e munições há cerca de 4 ou 5 anos, sendo que quando confrontado com algumas escutas telefónicas assumiu que falava em cabras com cornos para designar balas ou cartuchos, vadias seriam armas, garrafas de vinho tinto seriam armas, pastilhas para o estômago seriam munições. Referiu que conhecia o BB, a MM e o QQ. Relativamente ao SSSSSSS, referiu que lhe vendeu armas e munições de 2 em 2 meses ou meio em meio ano e ao RR comprou e vendeu armas e era ele quem lhe reparava/alterava e transformava as armas que depois vendia, pagando-lhe cerca de € 40,00 a € 50,00 por cada alteração. Em relação ao arguido BB, o arguido DD, nas declarações que prestou em sede de inquérito assumiu que lhe comprou e vendeu armas e por diversas vezes lhe comprava munições. Em audiência de julgamento, admitiu que apenas comprou ao BB, por diversas vezes, munições mas quando questionado pela defesa do BB, recusou responder às questões colocadas (cfr. artigo 345º nº 4 do Código de Processo Penal).   
Demostrou arrependimento.       
Para prova dos factos descritos em 81 a 85 valoraram-se as declarações prestadas pelo arguido DD em audiência, o qual assumiu integralmente a prática dos referidos factos. Relativamente ao facto descrito em 85, o mesmo foi relatado e assumido também pelo arguido.  
Relativamente aos factos descritos em 86 e 87, tais factos foram aditados pelo
Tribunal porquanto foram assumidos integralmente, em julgamento, pelos arguidos DD e RR.  Na verdade, a única divergência nas declarações de ambos os arguidos prendeu-se com o valor aproximado de cada reparação que seria cobrado pelo RR ao DD. DD falou em € 40,00 a € 50,00 por cada reparação e RR em € 4,00 a € 5,00. Deu-se como provado o valor referido por DD porque é naturalmente mais consentâneo com as regras da experiência comum e da normalidade dos acontecimentos. Não é crível que o arguido RR cobrasse apenas € 5,00 para reparar ou transformar uma arma, porque isso não pagava o trabalho nem os materiais usados. É natural que o arguido RR tenha feito referência a valores mais baixos de modo a atenuar a sua responsabilidade, atenta a qualidade de arguido que assume.
Aqui cumpre referir que o Tribunal apenas aditou tais factos porque as imputações da acusação foram efectivamente assumidas pelos dois arguidos que neles tiveram intervenção e acabaram, ambos, por concretizar minimamente essas imputações. Não o fez em relação aos demais arguidos a quem a acusação faz apenas imputações genéricas e os quais não assumiram as mesmas, porquanto os factos que consubstanciam o crime não podem ser concretizados em termos de tempo, lugar e modo pelo Tribunal sem que se viole o exercício do contraditório.     
Citando o Acórdão do Tribunal do Tribunal da Relação do Porto de 24/11/2021, Proc. nº 304/20.6PAVLG.P1, disponível em www.dgsi.pt: “As imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o mau trato físico e/ou psíquico, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente”. Contudo, mais à frente, refere-se no citado aresto: “Relevando a concretização dos factos ao exercício do contraditório, não se vê como este possa ter-se como violado se o arguido, apesar da imprecisão temporal, confessa parcialmente um dado facto, identificando de forma clara e esclarecida o evento relatado na acusação, contextualizando-o, ainda que também ele não consiga situá-lo no tempo e lhe dê uma versão diferente da que lhe é imputada”.
Tais considerações tecidas naquele acórdão, ainda que em relação ao crime de violência domestica são, em nosso entender, inteiramente transponíveis para o caso concreto em apreciação. Apesar de a acusação fazer apenas genericamente referência à compra e venda de armas entre os arguidos, não concretizando qualquer acto de compra e venda ou reparação efectuado entre estes arguidos, DD e RR, como os mesmos assumiram e contextualizaram minimamente tais factos, apenas e só neste caso, por se entender que assim não há violação do principio do contraditório, o Tribunal decidiu aditar tais factos e valorá-los. 
Apesar de o arguido DD também ter assumido transacções com SSSSSSS, tais factos não foram aditados porque não foram assumidos por este arguido SSSSSSS, que se remeteu ao silêncio em audiência de julgamento. Em sede de inquérito SSSSSSS prestou declarações em 27/09/2021, perante Magistrado do MP (cfr. auto de interrogatório de fls. 9086 e ss.). mais tais declarações não podem agora ser valoradas porquanto não foram reproduzidas em audiência de julgamento e nem o Magistrado do MP requereu a sua reprodução na acusação, tendo-o feito apenas em relação aos arguidos DD e FF. De qualquer forma, também nunca poderiam ser valoradas porque analisando o auto de interrogatório, do mesmo não consta que o arguido tenha sido informado nos termos do disposto no artigo 141 nº 4º alínea b) do Código de Processo Penal, o que sempre teria de ser feito de modo a possibilitar tal valoração em julgamento, nos termos do preceituado no artigo 357º nº 1 alínea b) in fine do Código de Processo Penal.      
Para prova do facto descrito em 88 valorou o Tribunal o teor do auto de busca e apreensão e fotografias anexas de fls. 3048 e ss. e bem assim o auto de exame directo aos objectos de fls. 3060 e ss.
 Relativamente ao arguido VVV, o mesmo remeteu-se ao silêncio em audiência de julgamento. 
Para prova do facto descrito em 90 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha WWW o qual referiu que, efectivamente, o arguido lhe exibiu uma arma mas que não a chegou a comprar por não estar interessado sendo que nem falaram de preços. Referiu desconhecer as características da arma porque não chegou a pegar nela na mão, tendo até referido que “na sua maneira de ver” se trataria de uma “arma de decoração”.  Quanto a esta última parte é evidente que não colheram as declarações da testemunha pois que não se vê que razão ou utilidade teria para a testemunha a compra de uma arma de decoração. Ademais, pelo teor das conversas telefónicas mantidas entre a testemunha e o arguido VVV (cfr. sessões 74, 491, 921, 1528) não se afigura razoável ou credível que o arguido lhe propusesse comprar uma arma, enquanto objecto decorativo. 
Para prova do facto descrito em 91 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha XXX, sobrinho do arguido VVV, o qual confirmou terem-lhe sido apreendidas as referidas armas e munições, sendo que apenas as duas armas lhe foram entregues pelo seu tio, VVV, sendo a de calibre 12 documentada em nome do tio e a outra, embora estando na posse do tio, seria do seu avô já falecido, ZZZZZZZZZ, sem documentos. Referiu que o tio as deixou em sua casa por questões de segurança, uma vez que andava em processo de divórcio e estava com problemas com álcool. Mais se considerou o teor do auto de noticia de fls. 4107 no qual se faz referência ao mencionado livrete em nome de VVV que terá sido igualmente apreendido.    
Para prova do facto descrito em 92 valorou o Tribunal o teor do auto de busca e apreensão de fls. 3194 e ss. e bem assim o auto de diligência e fotografias anexas de fls. 3208 e ss. 

Relativamente ao arguido RR, o mesmo prestou declarações em audiência de julgamento. Assumiu que, efectivamente, fazia algumas pequenas reparações de armas mas que seriam coisas simples e cobrava cerca de € 5 a € 10,00 por cada reparação.
Fazia-o por conta própria, “ás vezes em troca de uma merenda” não prestando contas a ninguém. Referiu que fez algumas reparações ao DD e ao QQ, normalmente em revólveres ou pistolas, sendo vizinho deste último. Assumiu saber que eram armas ilegais e referiu estar arrependido. Contudo, negou os factos descritos em 100 a 104 da acusação. Relativamente à busca referiu que o material que lhe foi apreendido eram coisas velhas que já estavam colocadas em sacos para irem para o lixo. 
Em relação às transacções com o arguido DD aditaram-se os factos descritos em 86 e 87, sendo certo que igualmente se aditaram os factos descritos em 98 porque para além de assumidos pelo arguido RR, o foram também pelo QQ em declarações que prestou em audiência. Tratam-se das mesmas razões já apontadas aquando da fundamentação dos factos 86 e 87 relativos ao arguido DD. 
Para prova do facto descrito em 94 valorou-se o depoimento da testemunha ZZZ que confirmou tais factos embora tendo referido que não chegou a comprar qualquer arma ou munições ao arguido RR. Mais se considerou o teor das escutas telefónicas transcritas nos autos nomeadamente as sessões nºs 1067 e 1068, sendo que a testemunha confirmou que usou a palavra “cãozito” e “feijõezitos” para se referir à arma e às munições.  
 Relativamente ao facto descrito em 95 valorou o Tribunal as declarações prestadas em audiência pela testemunha AAAA que relatou tais factos ao Tribunal. 
Para prova do facto descrito em 96 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha BBBB o qual confirmou ter efectivamente mandado reparar a arma em causa ao arguido RR na sua oficina em ..., tendo pago a quantia de € 250,00 pela transformação.
Para prova do facto descrito em 97 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha CCCC que confirmou tal facto, tendo referido que foi o irmão do arguido RR que lhe disse que este arguido vendia armas e por isso encaminhou a pessoa para ele. 
Para prova do facto descrito em 99 valorou o Tribunal o teor de fls. 3065 e bem assim do auto de busca e apreensão de fls. 3072. Não colheram as declarações do arguido quando referiu que se tratavam de objectos velhos já acondicionados em sacos para irem para o lixo. Não é isso que resulta do auto de busca e apreensão de fls. 3072, do qual resulta que os objectos foram encontrados dentro de móveis existentes na oficina ou no balcão de trabalho, numa caixa de plástico, junto a limalha de ferro, junto ao torno da oficina… Também o Inspector NNNNNNNNN que esteve presente na busca prestou depoimento em audiência e descreveu os objectos. Referiu que poderia haver algum material inutilizado em sacos porque era de facto “muita coisa” mas referiu não saber o que seria. De qualquer forma se o material estivesse inutilizado em sacos do lixo, tal teria de constar do auto e não consta, estando descrito onde cada um dos objectos se encontrava. 
 Relativamente ao arguido EE, o mesmo remeteu-se ao silêncio não tendo prestado declarações em audiência de julgamento.    
Para prova dos factos descritos em 101 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha DDDD a qual relatou a compra da heroína ao arguido EE nas circunstâncias de tempo, lugar e modo assim descritas. 
 Para prova dos factos descritos em 102 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha EEEE a qual relatou a compra de canábis ao arguido EE nas circunstâncias de tempo, lugar e modo assim descritas. Mais se consideram as escutas transcritas sob as sessões nºs 51296, 57299. 
Para prova do facto descrito em 103 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha FFFF que apenas confirmou a cedência nos termos descritos. Referiu que por uma vez o arguido lhe cedeu um charro gratuitamente ao pé da oficina.  
Para prova do facto descrito em 104 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha GGGG que apenas confirmou compra do produto estupefaciente nas circunstâncias de tempo, lugar e modo assim descritas. 
Para prova dos factos descritos em 105 a 107 valorou o Tribunal os autos de busca e apreensão de fls. 3174 e ss., 3178 e ss. e 3181 e ss., teste rápido de fl.s 3189 e 3190 e bem assim o relatório pericial de análise do produto estupefaciente de fls. 5525. Mais se valorou o depoimento da testemunha PP, Inspector da PJ que esteve presente nas buscas realizadas a este arguido. 
Em sede de alegações, a defesa do arguido EE colocou em causa a legalidade da busca ao veículo .... 
Cumpre salientar que não obstante o arguido EE ter referido ao Inspector aquando da busca, que o veículo sendo de sua propriedade, tinha sido vendido por si a um seu conhecido, tal versão não colheu minimamente. Em audiência, o arguido remeteu-se ao silêncio e não clarificou tais factos. Não consta dos autos qualquer prova documental ou testemunhal que permita associar a viatura ao referido conhecido do arguido, de nome OO, sendo de salientar que o inspector PP referiu que a viatura estava estacionada no logradouro da oficina do arguido ainda que se tratasse de um logradouro aberto. As fotografias juntas pelo arguido a fls. 11202 não permitem infirmar tais declarações. De modo que se conclui que a viatura embora podendo ou não ser pertença do arguido, estava claramente na sua posse assim como a droga que se encontrava no seu interior. De salientar que existia mandado para a realização da busca ao automóvel, nomeadamente a fls. 3176, sendo o mandado emitido para “veículos propriedade e/ou na posse de EE – “EE”, desde que não se encontrem nas suas residências e/ ou nas garagens das suas residências”. De salientar que no interior da oficina foi encontrada uma balança de precisão. 
A arguida HHHH remeteu-se ao silêncio em audiência de julgamento. 
Para prova dos factos descritos em 107 a 111 valorou-se o teor dos autos de busca e apreensão de fls. 3275 e 76, reportagem fotográfica de fls. 3277 e ss. e 3280 e ss., auto de exame das munições de fls. 3293, fotografia de fls. 3294, auto de apreensão de fls. 6287 e 6288, fotografias de fls. 6290 e ss., print de registo automóvel de fls. 6289, relatório pericial relativo ao produto estupefaciente de fls. 5531.   
Mais se valorou o depoimento da testemunha IIIIIIIII, Inspector da PJ que participou na busca.  
 O arguido FF prestou declarações em sede de primeiro interrogatório em 14/10/2020 (cfr. fls. 5146) as quais foram reproduzidas em audiência, nos termos do disposto no artigo 357º nº 1 alínea b) do CPP e prestou novamente declarações em julgamento. 
Assumiu que efectivamente mediou a transacção (compra e venda) ou cedência a titulo gratuito de armas mas que nunca recebeu qualquer contrapartida monetária ou em espécie para o efeito. Fazia-o porque gostava de ajudar as pessoas. Negou que alguma vez tivesse dissuadido alguém de entregar armas a favor do Estado, uma vez que de todas as armas que comprou as pessoas quiseram vender ou oferecer. Aliás, salientou que estava na Secretaria da PSP de ... desde Novembro de 2017, na qual tratava entre outras coisas, de licenciamento de armas e pessoas e nem sequer tinha acesso ás armas e munições uma vez que a entrega de armas para perda a favor do Estado ou destruição era na Esquadra e não naquela Secretaria, sendo esta um serviço com localização diferente do seu. Apenas acedia às armas na sequência do seu processo de licenciamento e da Portaria nº 192/2015 de 29/06.  
Mais referiu que, na altura, não sabia minimamente da existência do crime de tráfico e mediação de armas, pensando que não seria crime fazer mediação de compra e venda de armas entre pessoas documentadas, até porque nunca ganhou nada com isso. Referiu que tal era um procedimento habitual entre colegas e na PSP e que nunca teve formação específica sobre essa matéria, tendo solicitado muitas vezes aos superiores hierárquicos a frequência de mais formação sobre armas e respectiva legislação. 
Acrescentou que nunca interveio em qualquer processo de transmissão ilegal de armas, uma vez que todas as mediações que fez, a compra e venda ou a doação foram sempre devidamente documentadas e as pessoas tinham licenças para as deter. A este propósito também a testemunha GGGGGGGGG, Inspector da PJ que coordenou a investigação referiu em audiência que quanto a este arguido, apurou que a sua intervenção “envolvia armas legais para pessoas legais”.    
Em relação ao crime de corrupção de que vem acusado, disse que nunca recebeu nada dos armeiros, sendo que já tinha um relacionamento de amizade com o armeiro JJJJ ainda antes de iniciar funções na Secretaria de ..., por serem ambos caçadores, sendo que aquele armeiro passou a tratar dos licenciamentos de armas em ... apenas porque em ... e ... os procedimentos eram lentos e tinham muitas pessoas (até mesmo devido à pandemia Covid), funcionando melhor a Secretaria de .... Disse que, por vezes almoçava com o JJJJ quando ele vinha à Secretaria tratar dos licenciamentos mas ia o arguido e o seu colega e “tanto pagava o almoço o armeiro como ele próprio ou o colega” e eram “almoços simples”, em restaurantes de “pratos do dia”. Também referiu que passou um fim de semana na Casa da ... pertença de JJJJ mas isso era costume daquele que emprestava a casa a amigos e por isso, uma vez, emprestou-lhe e ele, como emprestava a tantas outras pessoas das suas relações de amizade. Nada disto tinha a ver com favores ou vantagens que alguma vez tenha prestado ao armeiro e decorrentes do exercício das suas funções. Relativamente ao acesso ao sistema informático, efectivamente confirmou em sede de primeiro interrogatório que por vezes os armeiros ligavam-lhe a saber se estava ou não tudo bem como uma determinada arma que pretendiam comprar ou vender e o arguido acedia ao sistema e informava os armeiros mas não recebia nenhuma contrapartida por essa informação.     
 Relativamente às buscas, salientou que as armas que tinha eram todas legais, com documentos, sendo que havia algumas que eram de amigos e que lhe estavam confiadas. Os cartuchos e munições eram todos seus. As armas existentes na Secretaria eram antigas ou partes de armas, ao passo que os revolveres eram de um senhor AAAAAAAAAA, que os pretendia legalizar mas como o arguido tinha de analisar bem a situação disse ao mesmo para os deixar ficar que depois resolvia, sendo que eram armas velhas, muito antigas, sem documentos. Quanto ao livretes e inscrições como “a arma é do YYYYY” referiu que muitas vezes as armas eram transmitidas directamente do importador (o tal YYYYY) para a espingardaria do JJJJ sem livrete e era transmitida ao particular directamente, sem passar pela espingardaria o que era possível fazer, fazendo uma anotação no campo “Observações” e por isso é que numa escuta disse “estás a dever-me livretes” e ter muitos livretes em casa (declarações do primeiro interrogatório). Quanto aos cheques em branco do JJJJ emitidos não à ordem do IGCP que tinha no local de trabalho, referiu que como recebia grandes quantidades de processos, a grosso, e não os conseguia tratar todos no mesmo dia, ficava com os cheques e depois apenas colocava o valor devido, o que era normal com os dois armeiros com quem trabalhava.   
Além destas explicações, o arguido pronunciou-se depois sobre cada um dos factos que lhe são concretamente imputados explicando os termos em que se processaram as referidas transacções de armas.    
Para prova dos factos descritos em 113 valorou o Tribunal as declarações prestadas em audiência pela testemunha IIII que referiu ser proprietário da Espingardaria EMP01... em ... e tratar, na altura, dos processos de licenciamento da Espingardaria na Secretaria de ..., através do arguido. Confirmou que efectivamente comprou a referida arma a um senhor cuja identidade não conseguiu identificar por já não se lembrar, sendo que precisava de uma peça para uma espingarda sua e então pediu ao FF a ver se ele conhecia alguém que tivesse uma arma semelhante. Referiu então que o arguido lhe indicou a pessoa em causa como sendo seu amigo e que, num dia em que foi a ... tratar de processos da espingardaria, o proprietário da espingarda estava lá e acabou por comprar a arma à pessoa em causa por € 50,00, tendo tratado directamente com ele e pago ao mesmo.
 Referiu que foi a própria testemunha que disse que lhe dava € 50,00 e o proprietário aceitou. Negou que alguma vez tivesse pago algum valor ou comissão ao arguido FF pela referida venda. Referiu não se recordar da data da compra mas que foi uma compra devidamente documentada, bastando para tanto consultar os documentos que tinha na sua posse.  
Tal foi também confirmado pelo arguido FF nas suas declarações. Questionado sobre a identidade do comprador referiu desconhecer mas que achava que “seria uma pessoa que queria entregar a arma para destruir”. Por outro lado, valorou-se a escuta telefónica (sessão nº 3714) na qual o arguido FF refere claramente que o proprietário, sendo subchefe da policia reformado, ia entregar a arma e que tendo o armeiro interesse nela, “dizia-lhe para esperar” e mais à frente refere “dava-se algum ao homem”.  Em sede de primeiro interrogatório, o arguido pronunciou-se sobre esta escuta e referiu expressamente que o seu objectivo “era facilitar, porque a arma ia ser perdida a favor do Estado e então decidiu perguntar ao armeiro se estaria interessado nela, e se ele a quisesse, ganhava o particular e o armeiro”.   
Mais referiu a testemunha IIII que era habitual deixar cheques endossados ao ... com o valor em branco porque eram vários lotes de processos e depois o arguido ia fazendo faseadamente, não fazendo tudo no mesmo dia. Referiu também que tal procedimento era também habitual na PSP ..., já antes de mudar os procedimentos para .... 
Questionado sobre se seria possível passar as armas da sua espingardaria directamente do fornecedor para o cliente referiu que por norma as coisas não se processavam assim. Que havia uma forma de o fazer mas não seria muito correcta que era registar a arma no livro de reparações (e não no de compras e vendas como seria correcto) e dessa forma passar directamente de um proprietário para outro assim se poupando na transmissão e o tempo de chegar o livrete em nome do proprietário. Mas referiu que não era suposto fazer isso e que na sua espingardaria passava sempre as armas todas para o seu nome primeiro.   
Relativamente aos factos descritos em 118 valoraram-se as declarações prestadas pela testemunha JJJJ e pelo arguido FF. 
 Quanto ao facto descrito em 118, primeiro parágrafo, foi o mesmo confirmado por ambos. Contudo, referiu o arguido FF que os almoços eram perfeitamente normais, ia o arguido e o seu colega e tanto pagava o JJJJ como o arguido ou o colega. O mesmo foi referido pelo JJJJ sendo que eram almoços na churrasqueira, de pratos do dia. O túnel de tiro ambos referiram que era habitual ser usado também pelos clientes da espingardaria gratuitamente. Quanto ao facto de o arguido e a família ter pernoitado na casa da ..., o arguido referiu que eram também habitual a testemunha fazer isso a outros clientes e amigos, sendo que tinham uma relação de amizade para além da relação institucional. A testemunha JJJJ negou que tal se tratasse do pagamento de qualquer serviço ilegal, aliás tal como o arguido em declarações. Referiu a testemunha que o arguido FF simplesmente era muito solícito, respondia a todas as questões que a mulher colocava por telefone sobre a legislação dos cofres, desenrascava-lhe os processos de licenciamento o melhor que podia e apenas por isso lhe propôs que quando o arguido fosse para aqueles lados, podia ficar na sua casa da ....
Quanto ao facto de ter mudado os processos de licenciamento de armas da PSP ... para a PSP ..., a testemunha referiu que era porque a PSP ... tratava das coisas muito mais rápido e aceitava mais processos de licenciamento de cada vez, aliás à semelhança do referido pela testemunha CC, da espingardaria EMP01....   
Questionada a testemunha JJJJ sobre os procedimentos de transmissão de armas, referiu que todas as armas que adquiria ao importador que era o YYYYY passavam primeiro para si e só depois para o cliente final. Não havia transmissões directas, contrariamente ao referido pelo arguido FF em sede de primeiro interrogatório. A arma tinha sempre de estar em nome da espingardaria, podia era haver atrasos na passagem de nome do YYYYY para a Espingardaria. Já o arguido FF referiu que facilitava a transmissão directa do importador para o cliente do JJJJ ou mesmo de um cliente para a espingardaria e depois da espingardaria para outro cliente mas como a compra e venda era imediata, a transmissão ficava como que se fosse directa entre clientes (cfr. declarações em primeiro interrogatório quando questionado o arguido sobre a escutas relativas ás conversas mantidas com a esposa de JJJJ nomeadamente sessões 1089, 1620…).     
Esta testemunha negou que tivesse comprado qualquer arma directamente ao arguido FF ou mesmo por intermédio deste, referindo não se recordar das transmissões referidas em 118. Na verdade, a testemunha fez mais do que comprar as ditas armas antes as tendo recebido gratuitamente do arguido que lhas ofereceu. Disse que podia era fazer a marcação na Secretaria da PSP de ... e marcava ali com as pessoas mas que o arguido não interveio nesses negócios.  De qualquer das formas constam de fls. 5605 e 5606 os registos de compra e venda de armas (que foram doações ) e que, aliás, foram juntas em inquérito por esta testemunha e foi confirmado pelo arguido FF que foi ele quem mediou estas transmissões, tendo oferecido as armas ao armeiro, melhor descritas em 121 e 139 dos factos provados.  
Quanto às fotos da blaser, disse que era natural que o arguido as tivesse mostrado mas para ver o que ele achava da arma, se era uma carabina boa ou má, sendo que acha que nem falaram de valores e não sabe de quem era. Seria só para saber se a arma era boa e a mira era boa. Por sua vez, o arguido FF assumiu que efectivamente mandava fotos ao JJJJ de armas porque as pessoas iam ao serviço e quereriam vender e por isso perguntavam-lhe o valor para depois venderem. Relativamente à blaser referiu, em julgamento, que a tinha em casa porque o seu proprietário a queria legalizar para a trazer para Portugal e o arguido ficou na posse dela para a acertar no túnel de tiro mas que o proprietário não a queria vender. Em sede de inquérito, referiu que andava em negociações para adquirir esta arma.     
Relativamente ao descrito no artigo ...19 valorou-se o depoimento da testemunha NNNN, esposa do JJJJ, que confirmou estes factos sendo certo que não se percebe a relevância da transcrição na acusação daquilo que a testemunha disse ou confirmou. Não se imputa aqui qualquer conduta concreta ao arguido FF. A testemunha referiu que efectivamente o arguido passou um fim de semana na casa da ... com a família, o que lhe foi oferecido pelo marido pelo facto de o agente FF ser prestativo e “despachar logo os papéis”. Quanto à blaser referiu apenas que sabia que o FF tinha enviado fotos ao marido pelo WhatsApp, para lhe perguntar se a arma era boa mas não sabe qual a razão de tal pergunta.  Negou que alguma vez o marido ou ela tenham comprado ou vendido armas por intermédio do FF.  
Em relação à intenção do arguido comprar a blaser, note-se que, contrariamente ao por si referido em audiência, em sede de primeiro interrogatório, o arguido pronunciou-se quanto a esta arma, referindo que a tinha por lhe ter sido efectivamente confiada e tratava-se de uma arma que gostava de adquirir e estava em conversações com o proprietário para o efeito que lhe disse que “ficasse com a arma à vontade para a ver com calma”.  Resulta das escutas que o arguido estava na iminência de adquirir uma blaser (cfr. conversa com NNNN, sessão nº 10637, fls. 150 do apenso L). 
Para prova do facto descrito em 120 valorou o Tribunal o teor da escuta telefónica (sessão 2049 do Alvo ...40, de 18 de Janeiro de 2020, conversa de AA com OOOO). Aliás, a acusação, uma vez mais, não imputa directamente qualquer facto ao arguido FF, limitando-se a transcrever o teor de uma escuta telefónica. Eventualmente poder-se-ia tentar extrair que se estaria a imputar ao arguido a venda de munições a AA mas ainda assim tal não se provou. Na escuta, AA fala no “amigo da PSP” que eventualmente lhe arranjou as munições por fora mas não o identifica como sendo o FF e só num momento temporal, bem mais à frente, fala na Sig Sauer. Ademais, mesmo que esse amigo fosse o FF era necessário apurar as circunstâncias concretas da cedência dessas munições, pois que o “arranjar por fora” é extremamente vago. 
 Quanto ao facto de as munições apreendidas a António serem do filho AA, tal foi negado pela testemunha DDD e também não foi confirmado por AA. O arguido FF, em declarações, negou que alguma vez tenha arranjado munições a AA. Tal cedência de munições também não se consegue retirar das escutas telefónicas relativas às conversas mantidas entre o arguido FF e o AA e nem estão sequer alegados minimamente os contornos dessa eventual cedência. 
Relativamente à reparação gratuita efectuada por AA à viatura do arguido FF, tal foi negado em audiência pelo arguido FF e bem assim por DDD que referiu, em audiência, que o seu filho pintou o pára-choques ao arguido mas aquele pagou-lhe € 100,00 pelo trabalho. Contudo tal reparação gratuita resulta da conjugação das escutas relativas às sessões 1164 ou nº 5199, conversa mantida entre o AA e o FF; sessão nº 5777 relativa à conversa mantida entre o arguido FF e DDD (em que António diz ao FF “não há problemas você quando precisar ou um amigo) e de diversas escutas relativas a conversas do FF com o AA, com DDD e com BBBBBBBBBB em que faz referência a tais reparações (cfr. sessões nºs 11846, 12655, 12967, 13036, 17283). 
De qualquer forma a acusação não retira qualquer conclusão ou imputação daí. A reparação gratuita foi para compensar o FF concretamente por que favor prestado ao AA? Foi por lhe arranjar as munições por fora? Tal não está expressamente referido na acusação e não se provou. Foi por lhe arranjar a Sig Sauer por € 20,00? Também não se provou que AA pagou € 20,00 por tal arma. É que de facto nas diversas escutas o AA tanto diz a terceiros que a arma foi-lhe oferecida (conversa com o CC), como que pagou € 20, como que pagou € 100,00…  É que mais à frente no ponto 121 da acusação diz-se que a mesma foi vendida pelo WWWW por € 100,00 tratando-se da mesma arma, como assumido pelo FF e resulta dos documentos juntos aos autos pelo próprio AA a fls. 4349 e ss.     
Para prova dos factos descritos em 121 a 123 valoraram-se as declarações prestadas pela testemunha KKKK, o qual descreveu as referidas transacções/doações de formas espontânea e pormenorizada, assim nos merecendo total credibilidade. A testemunha referiu claramente e mesmo a instâncias da defesa do arguido, que não foi à PSP para tratar da legalização das armas mas sim para as destruir porque já sabia de todos os requisitos necessários para as manter (cofre, atestado médico, seguro, etc…) e não estava interessado.  De resto, o próprio arguido assumiu que mediou a venda ao PPPP e que recebeu a outra arma de KKKK que lhe ofereceu, tendo depois decidido oferecer a mesma ao armeiro JJJJ. Confirmou também que o Sr. Joaquim ofereceu a pistola ao colega RRRR, porque antes a queria oferecer do que destruir apenas com a “nuance” que quem o procurou para saber “se aparecia alguma coisa” foi o RRRR e não o contrário. Também as testemunhas PPPP e RRRR confirmaram tais factos, sendo a primeira situação uma compra e venda e a segunda uma cedência gratuita. Só a testemunha JJJJ é que, como se disse, negou ter adquirido armas por intermédio do arguido apesar da declaração de compra e venda onde figura como comprador a KKKK ter sido por si junta aos autos em sede de inquérito. Mais se valorou a documentação de fls. 4161 e 4162 junta aos autos em sede de inquérito por KKKK. Ora não obstante o arguido FF ter sublinhado nas suas declarações que nunca tentou dissuadir ninguém de entregar armas a favor do Estado, cá está uma situação em que tal sucedeu porquanto a ideia inicial de KKKK era entregar as armas para abate, o que referiu claramente, e só não o fez porque o arguido FF lhe deu a ideia de as vender ou oferecer…   
Para prova dos factos descritos em 124 valoraram-se as declarações da testemunha SSSS que confirmou ter ido à PSP para tratar de passar uma arma do nome do cunhado para o seu e ali ter conhecido o arguido FF, assim como confirmou os demais factos apenas com o pormenor de que não se recordava a quem pertencia a arma em causa que lhe foi mostrada pelo arguido. Também o arguido FF confirmou igualmente e de forma integral aqueles factos. 
Para prova dos factos descritos em 125 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha TTTT, o qual confirmou que pretendia uma arma desse género e então fez um telefonema nesse sentido ao arguido, uma vez que aquele tinha a tutela das armas e se aparecesse alguém para “se desfazer” de uma arma dessas, teria interesse em adquirir a mesma legalmente porque tinha licença para ter, sendo a testemunha Guarda Florestal na dependência da GNR. Por sua vez, o arguido FF confirmou tal telefonema e o seu teor.  Mais acrescentou que efectivamente havia muita gente a pedir-lhe armas, a ele e aos colegas, mas não se arranjavam armas a todos, tinham de ser conhecidos ou haver um relacionamento prévio senão a resposta que levavam era que aquilo não era uma espingardaria… Mais se valorou o teor das escutas telefónicas relativas às conversas mantidas entre o arguido e esta testemunha, nomeadamente as sessões nºs 3629 e 3422 do apenso L.  
Relativamente aos factos descritos em 126, valorou-se o teor da escuta telefónica relativa à conversa mantida entre o arguido e UUUU, agente da PSP (sessão nº 4199, apenso L) e bem assim as declarações prestadas por esta testemunha e pelo próprio arguido que confirmaram tais factos. Esta testemunha, agente da PSP, referiu que era natural falarem em comprar e vender armas entre colegas e que achava que pedir armas ao arguido naquelas circunstâncias seria normal, nunca pensando que com isso estariam a cometer um crime.
 Para prova dos factos descritos em 127 valorou o Tribunal o teor das escutas telefónicas relativas ás conversas mantidas em 13/01/2020 e 21/02/2020 e das quais se retira perfeitamente a sequência de acontecimentos nos termos considerados provados. Ademais tais factos foram também relatados pela testemunha VVVV, também agente da PSP, que confirmou tais factos. O arguido FF assumiu igualmente a prática dos factos referindo que estes pedidos eram muito normais, mesmo feitos por colegas de trabalho e à frente de quem quer que fosse. 
Para prova dos factos descritos em 128 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha WWWW que confirmou tais factos, embora já não se recordasse da identidade do comprador da arma e do preço que recebeu pela mesma. Também o arguido FF assumiu a prática destes factos.  Ademais, a arma em causa foi apreendida a AA e os documentos da sua transmissão datados de 09/12/2019 foram juntos por aquele e encontram-se a fls. 4349 e ss.   
Para prova dos factos descritos em 129 valorou o Tribunal as declarações prestadas pelo arguido FF em audiência de julgamento que relatou ao Tribunal tais factos nos exactos termos em que foram considerados provados. Também tais declarações foram corroboradas pela testemunha XXXX que referiu efectivamente ter sido contactado pelo arguido com esse propósito, após o que entrou em negociações com algum da EMP01... que lhe ofereceu os € 1.500,00 pela arma mas que acabou por não a aceitar vender porque tinha muita estima pela arma. Mais se valorou o teor dos documentos de fls. 5557 a 5559 juntos pela testemunha XXXX em inquérito e bem assim o teor da escuta relativa à conversa mantida entre o arguido FF e XXXX em 03/02/2020, sessão nº 2012. 
Para prova dos factos descritos em 130 valorou-se o depoimento prestado pela testemunha ZZZZ, agente da PSP, que em audiência confirmou tais factos, sendo certo que os mesmos foram igualmente assumidos pelo arguido FF. O arguido referiu que o vendedor tinha ido à PSP para tratar de um licenciamento ou outra coisa semelhante e depois, em conversa, acabou por referir que queria vender a arma.
Para prova dos factos descritos em 131, considerou-se as declarações prestadas pela testemunha AAAAA, Chefe da PSP ..., o qual relatou que no dia em causa, estando de baixa, teve de se deslocar à PSP ... estando ali presentes também o arguido FF e bem assim os colegas VVVV e JJJJJ. De referir que as declarações prestadas por AAAAA e JJJJJ não são coincidentes entre si. AAAAA referiu que, naquele dia na PSP ..., se encontrava uma arma que nem sabia de quem era mas como o VVVV não a queria, por ser obrigado a ter seguro e cofre, a mesma foi-lhe oferecida e ficou com ela, tendo depois assinado a documentação mas nem viu concretamente quem lha estava ceder, se era o VVVV ou outra pessoa qualquer...Já JJJJJ referiu que naquele dia, uma pessoa cuja identidade não recorda e que era o dono da arma foi á PSP perguntar se alguém queria ficar com a arma e nessa sequência o Comandante ficou com ela. Sucede que, tal não bate certo com o teor das escutas relativas às conversas entre VVVV e o arguido FF, porquanto da escuta de 21/02/2020 resulta claramente que, naquele dia, o arguido já tinha a arma, que estava na PSP o proprietário que era um senhor de ... que não ia à PSP muitas vezes, tendo então o mesmo deixado a arma na PSP que o arguido ali guardou para o VVVV... Na verdade, o que sucedeu é que o arguido ficou com a arma e depois como o VVVV não a quis, o Comandante ficou com ela, mesmo sem saber de quem era e de que concreta forma tinha sido entregue na PSP.   
Para prova dos factos descritos em 132, valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha BBBBB que relatou tais factos nos precisos termos em que agora se consideram provados. Mais se valorou o teor do auto de apreensão de fls. 8168 datado de ../../2021 e bem assim as fotografias da arma e documentação da mesma ainda em nome do pai da testemunha, as quais foram encontradas no telemóvel do arguido FF a fls. 8169 a 8172.  
Para prova dos factos descritos em 133, valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha DDDDD que relatou tais factos com rigor e pormenor, os quais, aliás, resultam corroborados pelo teor da documentação junta pela testemunha aos autos em sede de inquérito e que consta a fls. 8133 a 8138. A testemunha salientou que tratou de todo o processo da venda com o arguido FF, tendo sido com ele que discutiu o preço e efectivamente entregou a arma a um senhor que estava na PSP mas que desconhecia a sua identidade, só tendo sabido que o mesmo era armeiro mais tarde quando analisou os documentos da venda. Note-se que na participação do depósito datada de 06/11/2017 consta aposta manualmente no canto superior direito o nome e o número de telemóvel de FF e no telemóvel do arguido foram apreendidas imagens da arma e o nome e o contacto de DDDDD num papel manuscrito (cfr. fls. 8139 e 8140).  
Em declarações, o arguido CCCCC relatou os factos de forma um pouco diferente face ao relatado por esta testemunha. Referiu que logo inicialmente DDDDD pretendia vender a arma e por isso o arguido tentou arranjar alguém para a comprar, tendo então enviado fotografias ao armeiro JJJJ, após o que o mesmo se interessou e fizeram o negócio entre eles nem sequer sabendo qual foi o valor acordado. Referiu que apenas facilitou o contacto do armeiro e que depois, numa deslocação do armeiro a ... ambos fizeram a transacção entre eles. Ora estas declarações não colheram, até porque não são consentâneas com as declarações de DDDDD que nenhum interesse tem em ocultar ou deturpar os factos e mesmo com o teor da documentação junta aos autos. É inverosímil que DDDDD se apresentasse logo a querer vender a arma na PSP, até porque nem sequer era o seu proprietário e bem sabia que não reunia as condições para a venda. Nem faria sentido que quisesse entregar a pistola e vender a espingarda.  
Para prova dos factos descritos em 134 valorou o Tribunal o teor da documentação junta aos autos, nomeadamente pela testemunha HHHHH (participação de depósito de fls. 11178 datada de 16/11/2016, e comprovativo de entrega de fls. 11179 datada de 06/12/2018) e bem assim a documentação junta aos autos pela testemunha JJJJJ, colega de trabalho do arguido FF e que tratou posteriormente da aquisição por sucessão mortis causa da arma a favor da cabeça de casal e transmissão da mesma para o arguido a fls. 11304 a 11317.  Efectivamente ouvida a testemunha HHHHH em julgamento, a mesma referiu que entregou a arma na esquadra a fim de ali a entregar definitivamente porque não a queria ter na sua posse, sendo a arma do falecido marido, o que referiu pretender fazer, independentemente de ser um depósito temporário ou definitivo. Referiu que nunca vendeu a arma a ninguém nem recebeu qualquer valor pela mesma. Não se recordava sequer do arguido FF. 
Por sua vez, o arguido FF prestou declarações e referiu que no dia em que  HHHHH foi entregar a arma para depósito na Esquadra, abordou a mesma e propôs a sua aquisição por ter gostado da arma mas aquela estava nervosa e não lhe deu resposta no dia, tendo efectuado o depósito temporário. Mais referiu que, posteriormente, como fazia serviço no ..., ali encontrou a senhora e propôs à mesma a compra da arma, ao que aquela chegou a aceitar, tendo então a senhora HHHHH se dirigido à Secretaria de ... e assinado o original da declaração de compra e venda, sendo os documentos de fls. 8143 e 8144 datados de 28/11/2018 meras minutas dado que o original da declaração haveria de estar na PSP ... ou em formato electrónico na Direcção Nacional da PSP. Referiu que no dia em que assinaram a declaração de compra e venda deu € 50,00 à Sra. HHHHH no exterior da Secretaria, “por não achar correcto entregar-lhe dinheiro no seu interior”.  
Por sua vez, a testemunha JJJJJ, agente da PSP e colega de trabalho do arguido que tratou da documentação de transmissão, disse que originalmente houve o processo de depósito ao qual era alheio e depois em 06/12/2018 tratou da transmissão da arma “do defunto” a favor da cabeça de casal (o que era possível por aquela ser a única herdeira) e posterior transmissão da arma daquela para o arguido FF, conforme documentação que juntou. Mais referiu que se recordava de a senhora ter ido ao serviço naquele dia entregar os documentos necessários para o efeito e que lhe pareceu que a mesma queria transmitir a arma, não estando a ser a isso obrigada. Questionado sobre o que a senhora lhe disse em concreto, referiu não se recordar por já ter passado muito tempo e nem saber se foi compra e venda ou doação, se houve alguma quantia entregue entre o arguido e a Sra. HHHHH. Questionado sobre a existência do original da declaração de compra e venda, contrariamente ao referido pelo arguido, disse que não existia porque não era obrigatório nem necessário. Referiu tratar-se de uma transmissão especial por herdeiro único e que nesse caso, em 2018, com a lei então em vigor, não tinha de haver a declaração, mas apenas a entrega dos documentos e depois a Direcção Nacional é que aprovava a transmissão em sistema. Confrontado com o teor das minutas do arguido de fls. 8143 e 44 referiu desconhecer e que “talvez o arguido não soubesse que não era necessário a declaração”.  
Ora cumpre salientar que foi o próprio arguido que referiu que a declaração existia e tinha sido assinada pela Sra. HHHHH no mesmo dia em que lhe pagou os € 50,00. Mas sempre se diga que é de estranhar que as minutas elaboradas pelo arguido estejam datadas de 28/11/2018 e que segundo a documentação junta por JJJJJ da PSP de ..., o processo de transmissão da arma a favor da própria cabeça de casal só veio a ser tratado em 06/12/2018. Já a testemunha HHHHH como se referiu, negou peremptoriamente que tal tenha alguma vez acontecido e que estava convencida que a sua arma estava depositada a favor do Estado. 
Mas sempre se diga que mesmo que as coisas tenham sucedido como referiu o arguido, o que não se provou, a sua conduta sempre seria igualmente censurável, porque contrariamente às suas declarações anteriores onde referiu nunca ter dissuadido ninguém de entregar armas a favor do Estado para as comprar, aqui está mais uma situação em que a testemunha até já tinha feito o depósito (ainda que temporário) e teria sido o arguido a convencer a mesma insistentemente, mesmo fora das instalações da PSP a comprar-lhe a dita arma.   
Para prova dos factos descritos em 135 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha KKKKK, o qual referiu que no dia em que foi à PSP para fazer novos livretes para umas armas que detinha, referiu ao arguido que tinha uma carabina nunca usada, tendo o arguido lhe perguntado se a podia ver. Combinaram então e o arguido foi a casa da testemunha ver a arma, tendo aquela lhe pedido a quantia de € 150,00 ao que o arguido aceitou e fecharam negócio, tendo depois o arguido lhe ligado para assinar os papéis. Também o arguido FF confirmou tais factos.  
Relativamente aos factos descritos em 136, considerou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha LLLLL que relatou a venda da referida arma naquelas condições, sendo que negociou sempre com o arguido e depois acabou por transmitir a arma para um irmão daquele, dado que até teria entregue a arma num stand de automóveis. 
Também o arguido FF confirmou tais factos assim como o seu irmão MMMMM, ouvido na qualidade de testemunha.   
Os factos descritos em 137 foram relatados ao Tribunal pela testemunha NNNNN e bem assim também admitidos pelo arguido FF nas suas declarações. Mais se valorou a declaração de compra e venda e documento junto a fls. 8186 e 8187. 
 Por sua vez a testemunha OOOOO confirmou os factos descritos em 138, tendo referido que a dada altura, como o arguido lhe ligava com muita frequência, acabou por lhe dizer que o seu trabalho não era avaliar armas. Por sua vez, o arguido FF referiu que chegou apenas a falar algumas vezes com o referido armeiro e pode-lhe ter perguntado, ainda que sendo poucas vexes, o valor de alguma arma e nada mais.  
Para prova dos factos descritos em 139 valorou-se o depoimento da testemunha LLLL o qual referiu que levou as duas armas para a PSP ... para as entregar a favor do Estado e destruir uma vez que era caçador mas a esposa não queria as armas e tinha chegado a altura de renovar a licença. Mais referiu que uma vez ali houve um agente que veio te consigo e lhe disse que as armas estavam boas se porventura não as queria vender, tendo a testemunha referido que “se houvesse alguém que as quisesse tanto melhor”, tendo deixado as armas na PSP. Depois disso a testemunha diz que não sabe como é que as armas foram parar à posse do armeiro e de PPPPP… Mais referiu que só depois é que o genro lhe trouxe uns papéis, os quais veio a juntar em audiência, tratando-se das declarações de compra e venda, as quais referiu que já vinham assinados mas posteriormente já admitiu como possível que os tivesse efectivamente assinado. Refere que não se recorda de ter oferecido ou vendido as armas e não recebeu nada por elas.  
Por sua vez, o arguido FF em declarações referiu que encontrou o Sr. LLLL na PSP e que encetou uma conversa amigável com ele, por ser também de ..., e se criou empatia, foram tomar um café ao bar da PSP e aquele acabou por lhe oferecer as duas armas referindo que “antes queria que as ver destruídas”, tendo o arguido lhe perguntado se aceitava que depois o arguido as oferecesse a quem ele quisesse, ao que o Sr. LLLL terá dito que não se importava. Diz que depois ofereceu as armas e levou a documentação para o Sr. LLLL assinar mais tarde através do genro dele que é militar da GNR em .... Referiu também que as armas tinham um reduzido valor porque o Sr. LLLL as ofereceu ao genro e aquele não as quis. 
Valoraram-se também as declarações prestadas por QQQQQ, militar da GNR e genro de CCCCCCCCCC que acabou por confirmar, na sua generalidade, as declarações do arguido FF. Referiu que efectivamente levou as declarações de compra e venda para o sogro assinar e que o mesmo as terá assinado ainda que não tenha sido na sua presença. Referiu também que o FF lhe referiu que o sogro lhe ofereceu umas armas e queria oferecer as mesmas a uns amigos mas precisava que o sogro assinasse os papéis. Mais disse que não estranhava que o sogro tivesse efectivamente oferecido as armas ao arguido porque também já lhas tinha oferecido a si mas ele não as quis por não terem grande valor.   
Mais se valoraram as declarações de compra e venda juntas aos autos pela testemunha DDDDDDDDDD em audiência com a refª citius 37512645. 
Assim não obstante a testemunha DDDDDDDDDD não tenha confirmado a referida oferta, face ao teor das declarações e ao depoimento de QQQQQ que acabou por ir ao encontro das declarações do arguido, assim se consideraram estes factos provados. 
Para prova dos factos descritos em 140 e 141, valorou o Tribunal o depoimento prestado pelas testemunhas RRRRR e MMMM, os quais relataram ao Tribunal tais factos nos precisos termos e com os pormenores assim descritos e considerados provados, sendo que o depoimento de ambas as testemunhas foi coincidente entre si. 
No que se refere ao facto descrito em 140 a testemunha RRRRR referiu que lhe pareceu que o arguido queria ajudar um amigo e que tais pedidos lhe são feitos com frequência, mas que o mesmo trata todas as pessoas por igual. Mais referiu que tratou SSSSS como qualquer outra pessoa não tendo, de forma alguma, facilitado a sua aprovação até porque nem era o único a efectuar as avaliações. Quanto ao facto de o arguido FF ter comparecido no Regimento da infantaria de ... da parte da tarde, referiu que efectivamente estranhou esse facto mas o pedido que lhe foi feito para antecipar a avaliação também era muito normal e considerando as razões apontadas (que o formando teria de apanhar o avião para ...) acedeu a tal pedido sem qualquer problema. Valorou-se igualmente o documento de fls. 8255 e bem assim a documentação relativa à arma junta aos autos pelo seu proprietário no requerimento em que solicita a sua devolução (cfr. fls. 11237 e ss.).   
Quanto ao facto descrito em 141, tais factos foram assim relatados pela testemunha SSSSS que referiu que não tinha nenhuma relação especial com o arguido FF e que aquele não o favoreceu na aprovação da formação nem lhe pagou qualquer contrapartida, tendo apenas, quando foi para ... em Setembro, deixado a blaser na posse do arguido porque não queria andar com ela para trás e para a frente e porque a mesma tinha a mira desregulada e o arguido lhe disse que gostaria de dar uns tiros com ela no campo de tiro de ... e lhe regulava a sua mira.
Sobre estes factos o arguido FF prestou declarações e basicamente descreveu tais factos da forma que foram também descritos pelas testemunhas. Referiu que nunca pretendeu solicitar a aprovação do SSSSS sem que aquele fizesse o curso e que apenas foi buscar o mesmo ao Regimento da Infantaria de ... porque a testemunha tinha de ir apanhar o avião para ... no dia seguinte, no qual a Secretaria estava fechada e era necessário fazer o pagamento da licença ainda nesse dia, tendo então transportado SSSSS à Secretaria. Em relação ao facto de a blaser estar em sua casa, referiu que a arma tinha sido deixada ao seu cuidado pelo proprietário para a acertar no campo de tiro. É verdade que em momento algum a testemunha SSSSS referiu que iria vender ou estava em negociações com o arguido para lhe vender a blaser. De salientar, contudo que, em sede de primeiro interrogatório, o arguido pronunciou-se quanto a esta arma referindo que a tinha por lhe ter sido efectivamente confiada, mas tratava-se de uma arma que gostava de adquirir e estava em conversações com o proprietário para o efeito que lhe disse que “ficasse com a arma à vontade para a ver com calma”.  Todavia, provou-se que o arguido enviou fotos de uma blaser ao JJJJ (factos provado descrito em 118) e em conversa telefónica com NNNN, referiu que estava na iminência de adquirir uma blaser, pelo que tudo se conjuga. 
Para prova dos factos descritos em 142 e 143 valorou o Tribunal o teor dos autos de busca e apreensão de fls. 3212 e ss., fls. 3220 e 3238 e ss. assim como o apenso A relativo à documentação apreendida. Mais se considerou o ofício da PSP de fls. 3248 e ss. quanto à análise das armas e munições apreendidas, nomeadamente se o arguido as poderia deter e em que nome estavam manifestadas. 
Valorou-se igualmente as declarações prestadas pela testemunha QQQQQQQQQ, Inspector da PJ que esteve presente e executou as referidas buscas. 
 Nas declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório, o arguido referiu que toadas as armas que detinha eram legais, estavam manifestadas em seu nome com excepção de três armas: - a arma “...” que era de um colega de ... sendo que andava para a comprar àquele mas o mesmo pediu € 1.200,00 e o arguido não a comprou mas tinha-a na sua posse para a experimentar; - a arma “...” que estava manifestada em nome de VVVVV, o qual era um amigo de ... que tinha a arma na sua casa em Portugal desabitada e que o arguido acabou por trazer para sua casa através de um primo Bruno que ali a foi buscar e o objectivo era legalizar a situação do cofre face à entrada em vigor da nova legislação e fazer a arma regressar a essa casa; - a arma “Blaser” pertença de MMMM tendo o arguido referido que a mesma lhe tinha sido por aquele confiada, mas tratava-se de uma arma que gostava de adquirir e estava em conversações com o proprietário para o efeito que lhe disse que “ficasse com a arma à vontade para a ver com calma”.  Em julgamento, referiu que estava na posse desta arma por lhe ter sido confiada para “acertar a arma”.  Quanto aos cartuchos e munições apreendidos referiu que eram todos seus. 
Quanto ao dinheiro que lhe foi apreendido as suas declarações foram congruentes em sede de primeiro interrogatório e em sede de audiência de julgamento. 
Quanto ao envelope branco com a inscrição “...” contendo € 1.250,00 referiu tratarem-se de ofertas de familiares, sobretudo dos sogros para o casal e os filhos, com bilhetes emitidos pelos ofertantes o que sucedia nos natais e aniversários, mas que a Polícia Judiciária só levou o dinheiro e deixou os bilhetes. 
Tais declarações mereceram-nos credibilidade devidamente conjugadas com o depoimento de EEEEEEEEEE e FFFFFFFFFF, respectivamente mãe e sogra do arguido, as quais confirmaram a realização das referidas ofertas assim como o teor dos bilhetes juntos aos autos em audiência a fls. 11290 a 11291 e que, segundo o arguido, acompanhavam os envelopes, mas que foram deixados no local pela PJ.      
Relativamente à lata do ... que estava na arrecadação dentro do cofre, contendo € 4.390,00, refere que se tratavam de poupanças suas e da esposa, produtos dos seus salários, sendo que era habitual levantarem quantias no início do mês das contas bancárias para terem ali e para pagarem despesas maiores, tais como compra de uma mobília e de uma bomba de calor que estavam a pagar em prestações, porque tinham o hábito de fazer esses pagamentos em dinheiro, sendo que só as despesas correntes tais como gasóleo e supermercados é que faziam com multibanco. Tais declarações pareceram-nos verosímeis e encontram sustentação nas declarações da testemunha GGGGGGGGGG, contabilista, testemunha que apesar de ter sido indicada e contratada pelo próprio arguido para analisar as suas contas e saldos bancários prestou depoimento com rigor e isenção, explicando em pormenor as conclusões a que chegou e se mostram vertidas no relatório por si elaborado e junto aos autos com a contestação (refª citius 2902292).    
Relativamente aos envelopes que continham os € 34.000,00 encontrados no armário da sua arrecadação, referiu tratar-se de dinheiro do seu tio, reformado que vive na ... e que quando aquele vinha a Portugal trazia consigo dólares e para não “andar com o dinheiro para trás e para a frente” deixava-o confiado ao arguido, seu sobrinho com quem tinha boas relações e em quem confiava dado ser PSP, uma vez que a sua casa em Portugal ficava vazia e fechada. Referiu também que aqueles dólares estavam dentro de uma bolsa azul que continha também duas notas de € 50,00 e um bilhete do tio sendo que estas eram o remanescente da quantia de € 1000,00 que o tio deixara também para o arguido pagar despesas daquele assim como cheques em branco do tio para o arguido lhe tratar de determinados assuntos, como foi a compra de um terreno mas que a Policia Judiciária levou apenas os dólares e deixou o restante. 
Também tais declarações do arguido foram plenamente consentâneas com o depoimento da testemunha UUUUU, seu tio, que prestou declarações em audiência de julgamento e bem assim fez sucessivos requerimentos em sede de inquérito a solicitar a devolução daquelas quantias, juntando documentos já nessa fase (cfr. 9036 e ss.). Efectivamente, a testemunha explicou ao Tribunal que residia nos EUA e vinha diversas vezes a Portugal, trazendo consigo dólares e deixava-os na casa do sobrinho que era PSP e em quem confiava bastante, assim como deixava também euros para o sobrinho efectuar o pagamento de despesas suas e alguns cheques assinados sem aposição de quantias para o caso de o sobrinho ter de os utilizar para tratar de questões suas. A corroborar estas declarações valorou o Tribunal o teor dos documentos de fls. 10852 a 10854 e extractos bancários de fls. 9036 e ss os quais foram juntos pela testemunha quando foi ouvido na PJ. 
Quanto aos factos descritos em 113 a 116 tratam-se de factos de enquadramento das condutas concretamente imputadas ao arguido FF e depois melhor descritas e consideradas provadas. Tais factos concluem-se dos comportamentos assumidos pelo arguido em relação às concretas transacções que mediou para terceiros que antes lhe tinham pedido armas se as mesmas viessem a ser entregues no seu serviço para abater ou do facto de algumas dessas armas lhe terem sido directamente oferecidas pelas pessoas que inicialmente as iam entregar, tendo o arguido aceite essas ofertas, sendo que algumas dessas armas o arguido ficou com elas a custo zero ou ofereceu-as ao armeiro JJJJ, tudo como melhor descrito nos factos provados. É evidente que com estas concretas condutas, o arguido obtinha beneficio ilegítimo para si ou para terceiros a quem proporcionava as armas, porquanto se o arguido ou esses terceiros as adquirissem num armeiro, como seria o natural, teriam de pagar o valor real delas. Aliás, em declarações, o arguido assumiu efectivamente que recebeu armas gratuitamente, que comprou armas e proporcionou armas a terceiros quer gratuitamente, quer mediando vendas a estes, tendo apenas negado que dessas vendas recebesse alguma comissão. A prova testemunhal e documental nesta matéria é basta e concludente. 
Quanto ao facto descrito em 115, valorou-se o teor da informação da Direcção Nacional da PSP de fls. 11332v, no qual se transcreve o teor do artigo 10º do Estatuto Disciplinar da PSP aprovado pela Lei nº 37/2019 de 30 de Maio, sob a epigrafe “Dever de isenção” e que transcrevemos:
“1 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiros, das funções que exerce.
2 - No cumprimento do dever de isenção devem os polícias, nomeadamente:
b) Conservar rigorosa neutralidade no desempenho de funções, em todas as circunstâncias, designadamente em atos públicos;
c) Não se valer da autoridade, categoria funcional, cargo ou função, nem invocar superiores, para obter lucro ou vantagem, exercer pressão ou tirar desforço de qualquer ato ou procedimento;
d) Não aceitar nem promover recomendações de favor ou, em qualquer caso, atentatórias da liberdade de apreciação e do espírito de justiça;
d)  Não exercer, mesmo indiretamente, durante a efetividade de serviço, atividade profissional sujeita a fiscalização das autoridades policiais, nem agir como procurador ou simples mediador em atos ou negócios que tenham de ser tratados nos serviços de polícia;
e)  Não exercer qualquer atividade pública ou privada incompatível com a função policial, nos termos da lei;
f)   Não criar situações de dependência incompatíveis com a liberdade, imparcialidade e objetividade do desempenho do cargo”. 
Note-se que o arguido não referiu desconhecer esta norma. Referiu tão somente que desconhecia que mediar a compra e venda de armas era crime de tráfico de armas. É, pois, irrelevante, que a formação do arguido no domínio das armas tenha sido pouca ou aquele sempre tenha achado que necessitava de mais formação, pois que esta norma prende-se directamente com as funções de um militar em termos gerais e não especificamente com o domínio das armas. E o arguido tanto o sabia, que nos casos em que havia entregas de dinheiro aos vendedores pelos compradores, mandava as pessoas transacionar da parte de fora da Secretaria da PSP como ele mesmo referiu, porque “não lhe parecia bem entregar dinheiro no interior das instalações”. E referiu que também assim o fez com a testemunha HHHHH, quando lhe adquiriu a arma.
O facto descrito em 116 retira-se da conduta assumida pelo arguido com o armeiro IIII e melhor descrita em 129 e retira-se de tantas outras condutas assumidas pelo arguido em relação ao armeiro JJJJ que resultam evidentes do teor das escutas telefónicas mas que não se irão considerar porque efectivamente tais comportamentos não estão descritos factualmente na acusação e não podem ser agora aditados e circunstanciados, sob pena de violação do princípio do contraditório.    
 O arguido SSSSSSS remeteu-se ao silêncio em audiência de julgamento. 
Em sede de inquérito prestou declarações em 27/09/2021, perante Magistrado do MP (cfr. auto de interrogatório de fls. 9086 e ss.). Todavia, tais declarações não podem agora ser valoradas porquanto não foram reproduzidas em audiência de julgamento e nem o Magistrado do MP requereu a sua reprodução na acusação, tendo-se feito apenas em relação aos arguidos DD e FF. De qualquer forma, também nunca poderiam ser valoradas porque analisando o auto de interrogatório, do mesmo não consta que o arguido tenha sido informado nos termos do disposto no artigo 141 nº 4º alínea b) do Código de Processo Penal, o que sempre teria de ser feito de modo a possibilitar tal valoração em julgamento nos termos do preceituado no artigo 357º nº 1 alínea b) in fine do Código de Processo Penal.      
Para prova dos factos descritos em 145 valorou o Tribunal as declarações prestadas em audiência pela testemunha TTTTTTT, o qual confirmou ter efectivamente adquirido as duas armas que lhe foram apreendidas ao arguido SSSSSSS pelos mencionados valores. Valorou-se igualmente o teor do auto de busca e apreensão de fls. 5078 quanto às características das armas. 
Para prova do facto descrito em 146 considerou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha UUUUUUU que confirmou apenas ter polido parte de uma arma ao arguido e nada mais. Não soube identificar minimamente as características da arma que poliu.
Para prova do facto descrito em 147 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha VVVVVVV o qual relatou tais factos, tendo visto o arguido a falar com o Sr. Fernando Gonçalves no seu prédio nas garagens comuns, sendo que o sobrinho do arguido que era mecânico estava ali a arranjar carros e ali se falava de tudo, tendo presenciado a referida situação. Relatou igualmente que, bem mais tarde, acabou também a testemunha por tentar comprar uma arma ao arguido por € 150,00 e ficou sem o dinheiro e arma porque o arguido não lhe chegou a arranjar a dita arma. 
Relativamente ao facto descrito em 148 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha VVV, sobrinho do arguido SSSSSSS, o qual apesar de reticente ao início, acabou por confirmar tal facto ainda que tendo referido que “foi uma questão de brincadeira”. Não concretizou, contudo, que arma pediu, tendo referido que “o amigo não foi específico no pedido”.  Referiu que depois o amigo não chegou a comprar nada ao tio.   
Para prova do facto descrito em 149 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha WWWWWWW que confirmou tais factos e bem assim o teor do auto de apreensão de fls. 4885 relativamente às características da arma e das munições. 
Para prova do facto descrito em 150 valorou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha XXXXXXX o qual relatou que efectivamente o arguido SSSSSSS tentou adquirir-lhe a referida arma, sendo que até a quis levar para mostrar a outra pessoa mas a testemunha não a quis vender. Mais se valorou o auto de apreensão de fls. 9015 relativamente à data da busca e às características da arma. 
Relativamente aos factos descritos em 151 valorou o Tribunal as declarações prestadas pela testemunha ZZZ, o qual confirmou ter efectivamente concretizado a compra ao arguido SSSSSSS da caçadeira e munições pelo mencionado valor, tendo chegado a ficar com elas em casa cerca de 2 semanas, após o que os devolveu por ter um filho pequeno e a esposa não querer que ele tivesse armas em casa.  
Para prova do facto descrito em 152, considerou o Tribunal o depoimento da testemunha YYYYYYY que confirmou que efectivamente chegou a comprar a referida arma de chumbos ao arguido SSSSSSS, mas que depois mais tarde a chegou a devolver uma vez que aquela não tinha licença.   
Relativamente ao facto descrito em 153 considerou o Tribunal o depoimento da testemunha XXX, o qual sendo proprietário de um café de nome “EMP08...” em ..., referiu ter presenciado, naquele estabelecimento, por uma vez o arguido SSSSSSS a exibir às pessoas uma “saquita” com pistolas e revolveres, sendo que o mesmo dizia que tinha armas. A testemunha tentou desvalorizar referindo que no seu entender “se tratavam de tralhas velhas”.         
Relativamente ao facto descrito em 154 o mesmo foi descrito pela testemunha AAAAAAAA que apenas confirmou que o arguido SSSSSSS lhe exibiu a si e outras pessoas, algumas armas velhas mas aptas a disparar, o que terá ocorrido numa garagem onde habitualmente se encontravam. 
 O arguido QQ prestou declarações em audiência de julgamento. 
Por sua vez, em sede de inquérito prestou também declarações em 14/01/2021, perante Magistrado do MP (cfr. auto de interrogatório de fls. 7040 e ss.). Todavia, tais declarações não podem agora ser valoradas porquanto não foram reproduzidas em audiência de julgamento e nem o Magistrado do MP requereu a sua reprodução na acusação, tendo-o feito apenas em relação aos arguidos DD e FF. De qualquer forma, também nunca poderiam ser valoradas porque analisando o auto de interrogatório, do mesmo não consta que o arguido tenha sido informado dos termos do disposto no artigo 141 nº 4º alínea b) do Código de Processo Penal, o que sempre teria de ser feito de modo a possibilitar tal valoração em julgamento nos termos do preceituado no artigo 357º nº 1 alínea b) in fine do Código de Processo Penal. Ouvida a gravação, verifica-se também que o arguido não foi, efectivamente informado do teor dessa norma.      
QQ referiu conhecer apenas o arguido BB e a esposa, o DD e o RR. Negou que se dedicasse à compra e venda de armas. Referiu ter efectuado negócios com o BB (que conheceu através do RR) e com o DD mas nada que tivesse a ver com armas, sendo que compravam e vendiam entre si vinho, alheiras, carne de porco e máquinas (uma motocultivadora, moinho, etc…). 
Relativamente ao RR assumiu que o mesmo lhe compunha algumas das armas que tinha, as quais muitas eram compradas em mau estado e aquele “dava-lhes um jeito”, sendo certo que a sua actividade principal não era compor armas mas sim serralharia. Por isso se aditaram os factos descritos em 98. 
Quanto às armas e objectos que lhe foram apreendidos na busca, referiu que gostava muito de armas e que as comprou todas em ... a partir de 2017, sendo todas antigas, sendo que naquela País a compra é legal, tendo-as adquirido em feiras por cerca de € 25,00 a € 30,00 cada, com excepção da pistola de pressão de ar, adaptada a .22, com a gravação “...” no corpo da arma, que comprou numa feira em .... Referiu que era amante de armas e gostava muito de as coleccionar assim como as munições e pretendia expor as mesmas em casa.  Assumiu que sabia que em Portugal não podia ter aquelas armas ou as espadas e que estava a cometer um crime mas que nunca as vendeu ou pretender vender. A maioria das armas eram antigas e velhas e tinha munições com mais de 100 anos.  
Relativamente ao canábis que lhe foi apreendido referiu que, por vezes, gostava de fazer um chá de canábis. Referiu que não consumia mas o irmão sim e por isso tinha o canábis em casa para quando o irmão o viesse visitar. De qualquer forma, sempre se diga que este arguido não se mostra acusado pelo crime de tráfico de estupefacientes.   
Disse também que achava, embora não tivesse a certeza, que o arguido BB já lhe cedeu gratuitamente 1 grama ou 2 gramas de canábis para o irmão que consumia mas que nunca lhe pagou, a não ser, eventualmente, em espécie, com vinho e carne. Em relação a este facto, não está minimamente descrita na acusação qualquer cedência de estupefaciente do arguido BB ao QQ e tal conduta não foi assumida pelo arguido BB que se remeteu ao silêncio, pelo que tais factos não podem ser aditados nem considerados pelo Tribunal, pelas mesmas razões já expostas em relação a outros arguidos. 
Confrontado com o teor de algumas escutas com o arguido BB, referiu estar a falar efectivamente de vinho ou não se recordar concretamente do teor dessas conversas.     
Relativamente à perda ampliada, referiu que está inapto para o trabalho e recebe uma reforma de € 1.900,00 de ... desde 2017 ou 2018, tendo sido operado à coluna.  
Mais referiu que juntamente com a esposa comprou uma casa em ruínas por € 35.000,00. A mãe emprestou-lhe € 4.000,00, deu € 3.500,00 de sinal, deixou ficar € 500,00 para certificado de electricidade e pediu o resto ao Banco. Fizeram um crédito em ... (no valor de € 14.000,00) e um em Portugal, sendo a mãe fiadora do crédito em Portugal. Em Portugal pediu € 35.000,00 a pagar em 35 anos, estando a pagar € 120,00 mensais de prestação. Actualmente deve à mãe € 12.000,00. A esposa trata de idosos e ganha em média € 6,00 por hora.
Referiu estar muito arrependido de ter trazido as armas de ..., sobretudo pelo que os filhos menores passaram aquando das buscas e em verem o pai preso.        
 Para prova dos factos descritos em 156 considerou o Tribunal o teor do auto de busca e apreensão de fls. 3143 e ss., reportagem fotográfica de fls. 3146 e ss., informação da PSP de fls. 3167 da qual resulta que este arguido à data da busca não possuía registos/ manifestos de armas de fogo nem licenciamentos e relatório pericial de análise ao estupefaciente a fls. 5533. Valorou-se também o depoimento prestado pela testemunha KKKKKKKKK, inspectora da PJ que esteve presente na referida busca e descreveu a forma como a mesma decorreu. 
 O arguido SS não prestou declarações em audiência de julgamento, tendo-se remetido ao silêncio. 
Assim, para prova dos factos descritos em 158 valorou o Tribunal o auto de diligência de fls. 3082 e ss., auto de apreensão de fls. 3086 e ss., reportagem fotográfica de fls. 3094 e ss. e bem assim as declarações prestadas pela testemunha MMMMMMMMM, inspector da PJ que esteve presente na referida busca e descreveu a forma como a mesma decorreu, tendo além do mais referido que pelo que se apercebeu, a oficina estaria funcional, como que a ser usada diariamente. 
 O arguido EEEEEEEE não prestou declarações em audiência de julgamento, tendo-se remetido ao silêncio. 
Assim, para prova dos factos descritos em 160 a 162 valorou o Tribunal os autos de busca e apreensão de fls. 3331 e ss., 3333 e ss., auto de diligencia de fls. 3320, registo de propriedade de fls. 3335, reportagem fotográfica de fls. 3336 e ss., informação da PSP de fls. 3339, auto de teste rápido e pesagem de fls. 3341 e fotografia de fls. 3342, autos de exame directo e fotografias de fls. 3349 a 3357 e relatório pericial relativo ao estupefaciente a fls. 5527. Relativamente ao facto descrito em 162 valorou-se o teor do requerimento apresentado nos autos pela cônjuge do arguido, FFFFFFFF e que deu origem ao apenso I, no qual aquela veio efectivamente assumir que facultava o veículo ao marido.
Mais se valoraram as declarações prestadas pela testemunha KKKKKKKK, inspector da PJ que esteve presente na referida busca e descreveu a forma como a mesma decorreu. 
 O arguido GG não prestou declarações em audiência de julgamento.
Em sede de inquérito prestou declarações em 18/03/2021, perante Magistrado do MP (cfr. auto de interrogatório de fls. 7667 e ss.). Todavia, tais declarações não podem agora ser valoradas porquanto não foram reproduzidas em audiência de julgamento e nem o Magistrado do MP requereu a sua reprodução na acusação, tendo-o feito apenas em relação aos arguidos DD e FF. De qualquer forma, também nunca poderiam ser valoradas porque analisando o auto de interrogatório, do mesmo não consta que o arguido tenha sido informado nos termos do disposto no artigo 141 nº 4º alínea b) do Código de Processo Penal, o que sempre teria de ser feito de modo a possibilitar tal valoração em julgamento nos termos do preceituado no artigo 357º nº 1 alínea b) in fine do Código de Processo Penal. Ouvida a gravação, verifica-se também que o arguido não foi, efectivamente informado do teor dessa norma.      
Assim, para prova dos factos descritos em 164 valorou o Tribunal os autos de busca e apreensão e fotografias de fls. 3308 e ss., auto de teste rápido de fls. 3322 a 3325 e relatório pericial relativo ao estupefaciente a fls. 5523. 
Mais se valoraram as declarações prestadas pela testemunha LLLLLLLLL, inspector da PJ que esteve presente na referida busca e descreveu a forma como a mesma decorreu. 
 O arguido GGGGGGGG prestou declarações em audiência de julgamento.
Referiu que, de todos os arguidos, apenas conhecia o arguido BB de quem era vizinho e para quem trabalhava, aos fins de semana e horas extra na agricultura, na vinha, a cortar lenha e outras actividades semelhantes. Disse que aquele arguido vivia da venda de lenha, do gado, do vinho, nunca lhe tendo conhecida outra actividade. Referiu também que o único negocio que fez com o BB foi arranjar compradores para a lenha ou o gado daquele e receber do mesmo uma comissão.  
Assumiu que tinha uma estufa de canábis, mas que era apenas para satisfazer os seus consumos, sendo que começou com a estufa na “altura do covid”, tendo comprado as sementes pela internet e plantava para si.  Referiu que na altura consumia cerca de 7 ou 8 charros por dia, sendo que nunca vendeu estupefaciente a ninguém.  
Relativamente à máquina de vácuo apreendida ao arguido BB, referiu que sabia que efectivamente o mesmo vendia fumeiro e a referida máquina era usada para embalar as alheiras e outra carne. 
Assim, para prova dos factos descritos em 166 valorou o Tribunal o auto de busca e apreensão de fls. 3565 e ss., reportagem fotográfica de fls. 3580 e ss., auto de teste rápido de fls. 3587 a 3592 e relatório pericial relativo ao estupefaciente a fls. 5521. 
Mais se valoraram as declarações prestadas pela testemunha OOOOOOOOO, inspector da PJ que esteve presente na referida busca e descreveu a forma como a mesma decorreu, tendo referido ter encontrado uma estufa montada com processo de ventilação e iluminação.  
 Os factos descritos em 65 e 66, 80, 89, 93, 100, 108, 112, 144, 155, 157, 159, 163 e 165 resultaram das informações prestadas pela PSP e juntas aos autos a fls. 5109 e ss., 5594, 8317.
 Relativamente aos factos internos ou subjectivos apurados e descritos melhor descritos em 167 a 170 os mesmos resultam da apreciação conjugada de todos os factos objectivos que ficaram assentes, em conformidade com as regras da experiência e da normalidade dos acontecimentos em situações semelhantes. As próprias escutas são elucidativas do ambiente envolvente e evidenciam o dolo dos agentes interlocutores no cometimento do crime. Os arguidos CC, DD e RR confessaram que venderam/ compraram/repararam armas e que bem sabiam que não o poderiam fazer por estarem a cometer um crime. Quanto ao SS é bem evidente que o mesmo sabia que não podia proceder à reparação de armas, até porque já tinha tido licença de armeiro a qual lhe veio a ser cancelada, sendo por isso o seu conhecimento ainda mais acrescido que o dos restantes arguidos. Relativamente ao arguido QQ é verdade que não existem vendas concretamente imputadas a este arguido na acusação mas o mesmo assumiu mandar reparar armas ao RR, ainda que tenha referido que as não vendia. Apesar disso, atendendo ao teor das escutas telefónicas e sobretudo à grande quantidade e diversidade de armas e munições que lhe foram apreendidas e estavam na sua posse, não tendo licença para possuir nenhuma delas (facto descrito em 157), é legitimo presumir que o mesmo destinava aquelas armas que detinha à venda.  
Como se disse no Acórdão do STJ de 6.10.2010 (Henriques Gaspar), num caso relacionado com detenção e tráfico de armas, a detenção e guarda na esfera de disponibilidade do arguido de um elevado número de armas, carregadores e munições em estado de funcionamento, segundo as regras da experiência comum aponta para que, salvo anormalidade de comportamento, ninguém dispõe de um semelhante arsenal em condições de funcionamento, correndo o risco sério inerente à simples detenção (a prática de um crime de perigo), sem uma finalidade exterior ou sequencial; a aquisição de uma tal quantidade e natureza de armamento, segundo a normalidade das coisas apenas se compreenderá se estiver associada uma finalidade que lhe dê sentido mínimo, como seja a circulação através de alguma forma de comércio ou cedência, ou a cedência, a qualquer título com a intenção de transmitir a detenção, a posse ou a propriedade de alguma ou algumas das armas e respectivas munições.
Quanto aos arguidos BB e EE, em relação a ambos estão provados actos concretos de cedência de produto estupefaciente a terceiros anteriormente às buscas, sendo certo que ambos foram apanhados na posse de quantidades bastante elevadas de estupefaciente, sendo o BB com 4337 doses de canábis e o EE com 2549 doses de canábis e instrumentos de pesagem, pelo que tais quantidades e circunstâncias evidenciam que aqueles produtos eram para vender a terceiros. Nenhum destes arguidos se confessou consumidor ou referiu que a droga era para seu consumo, o que aliás atenta a quantidade, seria inverosímil de suceder. 
Quanto aos factos descritos em 171, cumpre referir que não tendo sido alegados na acusação factos de cedência concreta de estupefacientes destes arguidos a terceiros, face às buscas efectuadas, nomeadamente quantidades apreendidas e demais instrumentos assim como o circunstancialismo envolvente, é legítimo presumir que estes arguidos destinavam a venda de tal produto a terceiros. Os arguidos GG e VVVVVVVV não prestaram declarações pelo que não se intitularam consumidores à data nem esclareceram o contexto das buscas. Ao arguido GG foi apreendida uma quantidade bastante elevada que não é sequer razoável supor ser para consumo exclusivo do arguido (1254 doses de canábis já embaladas) assim como uma máquina de embalamento e um pack de bolsas de plástico para embalamento, estando todos os produtos na mesma divisão da casa. Quanto ao arguido VVVVVVVV apesar de lhe ter sido apreendido uma quantidade muito reduzida de canábis (suficiente para 3 doses) o certo é que no veículo automóvel que era habitualmente usado pelo arguido, além da droga, estava também uma balança de precisão colocada sob o banco dianteiro da viatura. O arguido não prestou declarações e não justificou a posse da droga ou da balança. Não vemos outra razão para o arguido circular com a balança que não seja pesar a droga para a vender a terceiros. Na verdade, se o arguido utilizasse apenas a canábis para o seu consumo, não necessitava da balança de precisão. Resulta do senso comum que nenhum consumidor necessita de balanças para consumir, visto que o doseamento da droga é feito a “olho”. As escutas existentes quanto a este arguido permitem também chegar a esta conclusão.
Quanto ao arguido GGGGGGGG este prestou declarações e referiu que toda a droga que lhe foi apreendida era para seu consumo exclusivo e era também, apenas para esse efeito, que tinha a estufa de canábis. Contudo tais declarações não colheram porquanto o arguido tinha na sua posse uma quantidade significativa de canábis (116 doses) e também não é razoável que alguém detenha uma unidade de estufa de canábis já com a dimensão da que o arguido detinha, dando-se ao trabalho de tratar da mesma, adquirir produtos para a sua manutenção somente para a satisfação do seu consumo exclusivo. Revela-se como destituído de razoabilidade supor que este trabalho, investimento e despesas de funcionamento imprescindíveis tenham ocorrido apenas para provir ao consumo de uma pessoa. Com efeito, um juízo lógico a partir dos factos conhecidos, impõe concluir, que pelo menos uma parte da substância originada com o cultivo era destinada pelo arguido a cedência a outros consumidores. A outra parre afigura-se plausível que o arguido, sendo consumidor, a destinasse ao seu consumo, por isso se deu como provado o facto descrito em 172.  
 Relativamente aos factos internos ou subjectivos apurados e descritos melhor descritos em 173 cumpre referir que o arguido VVVVVVVV já tinha sido condenado anteriormente por detenção de arma proibida, pelo que o elemento subjectivo daí se extrai desde logo. 
Quanto aos factos descritos em 174 e 175 os mesmos resultam da apreciação conjugada dos factos objectivos assentes, em conformidade com as regras da experiência e da normalidade dos acontecimentos em situações semelhantes. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fundamentação já supra aduzida pelo Tribunal relativamente aos factos descritos em 113 a 116.  
É bem evidente que o arguido FF tinha consciência da ilicitude das suas condutas e de que ao actuar da forma descrita violava os deveres inerentes ao exercício da sua função. A maioria dos seus colegas inquiridos, referiram que lhes parecia crime mediar a venda de armas de pessoas que as iam ao serviço inicialmente entregar a favor do Estado ou não lhes parecendo crime não lhes parecia um acto muito ético ou correcto. Mesmo aqueles que disseram que era normal as pessoas perguntarem se, como agentes da PSP, sabiam de algum comprador para as armas, referiram que por si próprios nunca indicaram ninguém a estas pessoas nem aceitaram armas gratuitamente, por não lhes parecer correcto face ao exercício da função. E diga-se que, só porque alguns colegas o poderiam eventualmente fazer, tal não transforma a conduta do arguido em lícita ou tolerável. Mesmo a testemunha HHHHHHHHHH, chefe da PSP da Secção de Licenciamento do Núcleo de Armas e Explosivos de ..., referiu que é normal as pessoas quererem livrar-se das armas, sobretudo naquela altura com a alteração da lei que exigia deter os cofres e por isso perguntavam na PSP se algum agente sabia de alguém que as quisesse comprar, e aí o natural seria o agente informar as pessoas das suas possibilidades, sendo que no máximo e quando muito, pode estar outro utente na esquadra que a queira adquirir. A pergunta seria normal, não seria era normal era o agente da PSP a comprar ou aceitar em oferta. E referiu claramente que quando as pessoas vão à Esquadra com a intenção de entregar a arma, o agente deve receber a arma e “ponto final”. Quanto à consulta de sistema informático para aferir quem são os titulares de armas, a testemunha foi clara referindo que é infracção disciplinar, eticamente incorrecto e não se pode transmitir essas informações. Referiu também que no atendimento ao público não se pode dar essas informações, pode ser crime e eles sabem disso. 
O arguido é pessoa inteligente, conhecedora das normas legais, o que resultou evidente de todo o seu discurso no Tribunal. 
Note-se que o arguido referiu por diversas vezes nas suas declarações que nunca dissuadiu ninguém de entregar as armas a favor do Estado mas que simplesmente lhes dava conhecimento das hipóteses que aqueles tinham: comprar, vender, entregar a favor do Estado… Sucede que tal só sucede quando a pessoa vem licenciar e não quando vem especificamente para entregar. Se vem para entregar não tem de lhe dar a conhecer as hipóteses para formação de vontade porque a vontade já está formada. E referiu que nem sequer tinha acesso às armas que iam para entrega a favor do estado porque isso era na Esquadra e a Secretaria onde ele trabalhava era em local físico diferente. Ora apurou-se, da prova documental, que sendo divisões diferentes era no mesmo edifício, com a separação de apenas um corredor. Era, pois, normal que as pessoas fossem à Secretaria a pensar que era ali que iam entregar as armas e nesse caso, o arguido só tinha de as encaminhar para a esquadra e nada mais. Não tinha de dar a conhecer hipótese nenhuma. Note-se que tendo o arguido negado ter alguma vez dissuadido alguém de entregar as armas a favor do Estado, acabou por assumir que o fez em alguns casos, nomeadamente quanto à HHHHH, quando referiu expressamente que a senhora foi à esquadra policial para depositar a arma e que por acaso passou por ali e a abordou sugerindo-lhe a compra da mesma, o que a senhora não deu resposta, tendo depois abordado a mesma novamente no ...! 
Para prova dos factos descritos em 176 a 196 valorou o Tribunal o teor dos relatórios da DGRSP (refªs ...24 e ...60) assim como os certificados de registo criminal destes arguidos (refªs ...32 e ...97) e bem assim as declarações das testemunhas SSSSSSSSS e IIIIIIIIII, amigos do arguido BB e AAA, filho dos arguidos BB e MM, os quais depuseram também sobre o carácter e personalidade e a situação económica destes arguidos.  
Para prova dos factos descritos em 197 a 214 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...81) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª...21) e bem assim as declarações da testemunha JJJJJJJJJJ, amigo do arguido CC. 
Para prova dos factos descritos em 215 a 227 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...76) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...39). 
Para prova dos factos descritos em 228 a 239 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...53) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...40). 
Para prova dos factos descritos em 240 a 252 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...17) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...34) e bem assim as declarações da testemunha KKKKKKKKKK, amigo do arguido RR. 
Para prova dos factos descritos em 253 a 267 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...21) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...24) e bem assim as declarações das testemunhas LLLLLLLLLL, cliente da oficina do arguido EE, MMMMMMMMMM amigo do arguido e IIIIIIII, esposa do arguido.    
Para prova dos factos descritos em 268 a 283 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...26) assim como o certificado de registo criminal desta arguida (refª ...29).    
Para prova dos factos descritos em 284 a 295 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...27) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...27).    
Para prova dos factos descritos em 296 a 312 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...33) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...31) e bem assim as declarações das testemunhas EEEEEEEEEE e NNNNNNNNNN, respectivamente mãe e tia do arguido, FFFFFFFFFF, sogra do arguido, OOOOOOOOOO, Presidente da Câmara Municipal ..., QQQQQQQQ, Presidente da Junta de Freguesia ..., PPPPPPPPPP, Comandante dos Bombeiros Voluntários ... e bem assim de todos os demais elementos policiais que foram ouvidos e que referenciaram o arguido como bom colega de trabalho e bom profissional. 
Para prova dos factos descritos em 313 a 330 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...74) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...23) e bem assim as declarações das testemunhas QQQQQQQQQQ, vizinha do arguido, RRRRRRRRRR e SSSSSSSSSS, ambas irmãs do arguido e TTTTT, esposa do arguido QQ as quais depuseram também sobre o seu carácter e personalidade.  
Para prova dos factos descritos em 331 a 347 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...15) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...36) e bem assim as declarações das testemunhas TTTTTTTTTT, esposa do arguido, UUUUUUUUUU, amiga de infância do arguido e VVVVVVVVVV, amigo do arguido há mais de 30 anos.  
Para prova dos factos descritos em 348 a 363 valorou o Tribunal o teor do relatório da  DGRSP (refª ...80) e bem assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...25).  
Para prova dos factos descritos em 364 a 377 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...23) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...30).  
Para prova dos factos descritos em 378 a 390 valorou o Tribunal o teor do relatório da DGRSP (refª ...70) assim como o certificado de registo criminal deste arguido (refª ...26).  
 Para prova dos factos descritos em 391 valoraram-se os autos de constituição de arguido juntos aos autos a fls. 3031 Q e 3031U e bem assim a prova testemunhal produzida e o relatório social da DGRSP. 
 Relativamente aos factos descritos em 392 a 398 valorou-se o teor do relatório final efectuado pelo GRA e toda a prova documental junta no apenso GRA e anexo A (documentação e análise bancária), devidamente conjugada com o depoimento prestado pelo Inspector do GRA WWWWWWWWWW, que em audiência de julgamento explicou ao Tribunal a forma como procedeu à investigação do património dos arguidos e os critérios utilizados para procederem ao cálculo do valor do património incongruente de cada um dos arguidos. 
 Para prova dos factos descritos em 399 a 408 valorou o Tribunal o depoimento prestado pelas testemunhas SSSSSSSSS amigo e vizinho do arguido, o qual de forma sincera relatou ao Tribunal a actividade que vem sendo desenvolvida pelo arguido e pela esposa há vários anos, tendo trabalhado com o arguido durante largo período de tempo até à sua detenção. Referiu que no Inverno havia dias que vendiam quatro a cinco cargas de lenha por dia embora também vendessem no Verão ainda que em menor quantidade. Confirmou que o arguido teve gado bovino e porcos, chegando a ter 40 ou 50 cabeças de gado e as vendeu todas. Confirmou também os trabalhos realizados e melhor descritos em 404 a 407, sendo que a testemunha referiu que já trabalhava para o arguido desde que ele veio de Espanha, há cerca de 20 anos, havendo dias em que lá ia dois ou três dias por semana, às vezes todos os dias e andava juntamente com outros homens recebendo cerca de € 30,00 diários para efectuar tais trabalhos.  
 Também a testemunha IIIIIIIIII, madeireiro e cliente do arguido, confirmou os factos descritos em 400 a 402, tendo referido que comprava lenha há cerca de 5 ou 6 anos ao arguido antes da detenção e havia dias em que lhe comprava 2 ou 3 camionetas para os seus clientes, sendo que o arguido tinha homens ao seu serviço e comprava o mato, rachando e traçando a lenha para a qual tinha equipamentos e máquinas e vendendo-a posteriormente ao cliente final ou a outros madeireiros como era o seu caso. Confirmou também que o arguido teve gado e o vendeu assim como efectuava diversos trabalhos de agricultura para terceiros.
 As duas testemunhas referiram que estes serviços, por norma, eram sempre pagos ao arguido em dinheiro vivo, o que é natural neste tipo de actividades. 
 Também para a prova destes factos se considerou o depoimento prestado pela testemunha AAA, filho dos arguidos, o qual relatou tal actividade dos progenitores, sendo até que pelo mesmo foi confirmado e resulta igualmente do relatório da DGRSP que após a detenção do pai, aquela testemunha teve de fechar a empresa em ... e vir para Portugal dar continuidade a tal actividade, que vinha aqui a ser desenvolvida pelo progenitor.   
O facto descrito em 409 foi confirmado pela testemunha AAA e resulta do relatório da DGRSP.  
Relativamente aos factos descritos em 410, trata-se da liquidação efectuada pelo Tribunal, sendo de referir que o Tribunal considerou que nos anos de 2015 a 2020 o arguido BB nas actividades de venda de lenha, gado e trabalhos de agricultura auferiu um valor aproximado de € 72.000,00, tendo-se considerado o valor anual de € 9.600,00 para a venda da lenha sendo € 9.600x5(anos) no total de € 48.000,00 - (factos nºs 400 a 402) e € 24.000,00 para a venda do gado (facto nº 403). É evidente que tudo não seria lucro do arguido, porquanto o mesmo tem sempre as despesas de pagamento aos trabalhadores, compra de matéria prima, custos de produção, etc… Contudo o Tribunal também não considerou os ganhos nas actividades de agricultura, venda de vinho, cujos valores não se apuraram e dessa forma, cremos que uma situação compensa a outra.  Em relação ao valor da venda da lenha por ano foi apurado um valor médio e que nos pareceu razoável atenta a prova produzida. Na verdade, não foi possível apurar concretamente os valores auferidos em cada um dos anos e cremos que também não se pode fazer essa exigência de prova ao arguido, porquanto não há propriamente prova documental a apresentar, dado que não eram emitidas facturas, sendo que seria até de estranhar se o mesmo viesse alegar um valor concreto e preciso para cada um dos anos. Exigir essa alegação e prova seria sujeitar o arguido injustificadamente, a uma probatio diabolica, para não dizer impossível. 
Tinha o arguido antes de provar nos termos do artigo 9º nº 3 alínea a) da Lei nº 5/2002 de 11/01 que os bens em causa não provêm de uma actividade criminosa, conforme a presunção legal do art. 7º poderá levar a crer. Ora no caso dos autos o arguido não emitia facturas e por isso ocultava estes rendimentos da Autoridade Tributária. XXXXXXXXXX/YYYYYYYYYY, Recuperação de Activos Recuperação de Activos na Criminalidade Económico-Financeira- Viagem pelas Idiossincracias de um Regime de Perda de Bens em Expansão", Sindicato dos Magistrados do MP, 2012. p. 234. refere: “(…) Assim, uma situação de ilicitude administrativa ou tributária que se relacione com o facto gerador de rendimento, só leva a que haja confisco desses bens se, tendo o arguido ocultado os bens, essa ocultação seja em si a prática de uma infração criminal. Se não for o caso, bastará, para que isso não aconteça, que ele prove que, embora não tenha integrado aqueles bens no seu património tributário, estes resultam de atividade lícita”.
Ora considerando os valores e demais factos apurados não existem nos autos elementos suficientes para integrar a conduta do arguido BB, ao não declarar tais rendimentos à AT, em qualquer infracção de natureza criminal, pelo que tais valores devem ser considerados. 
 Para prova dos factos descritos em 411 valorou-se o auto de constituição de arguido juntos aos autos a fls. 3038. 
 Relativamente aos factos descritos em 412 a 420 valorou-se o teor do relatório final efectuado pelo GRA e toda a prova documental junta no apenso GRA e anexo A (documentação e análise bancária), devidamente conjugada com o depoimento prestado pelo Inspector do GRA WWWWWWWWWW, que em audiência de julgamento explicou ao Tribunal a forma como procedeu à investigação do património dos arguidos e os critérios utilizados para procederem ao cálculo do valor do património incongruente de cada um dos arguidos. 
Para prova dos factos descritos em 421 a 423 valorou o Tribunal a prova documental junta pelo arguido CC em sede de arresto, as declarações prestadas pela companheira NNN naquele apenso e o depoimento prestado pela testemunha JJJJJJJJJJ em audiência de julgamento. Não obstante muitos dos factos alegados pelo arguido em sede de arresto não o terem sido em sede de contestação, o Tribunal deve considerar toda a prova produzida no processo (cfr. artigo 9º nº 1 da Lei nº 5/2002 de 11/01).  
De facto, fez-se prova que o arguido exerceu actividade profissional remunerada mas não se provou o valor, nem sequer aproximado dos rendimentos que auferiu (tal não foi sequer alegado) e que esses rendimentos não foram já considerados pelo GRA (certamente que o rendimento referido em 423 foi considerado e declarado à AT por haver documento de suporte). A este propósito refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/09/2014, Proc. nº 1653/12.2JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt que “Para quantificar os rendimentos lícitos não basta a prova de que o arguido durante o período em causa exerceu actividade profissional ou auferiu rendimentos de trabalho, sendo necessário demonstrar os rendimentos daí resultantes para afastar a presunção do valor incongruente a declarar perdido”.
Relativamente aos factos descritos em 424, trata-se da liquidação efectuada pelo Tribunal, sendo de referir que o Tribunal desconsiderou os quatro imóveis, porquanto se considera que o arguido fez prova de que tais bens estavam na sua titularidade há pelo menos 5 anos no momento da sua constituição como arguido (cfr. artigo 9º nº 3 alínea b) da lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro). Na verdade, o GRA nem sequer deveria ter logo considerado, ab initio esses imóveis para o cálculo do património incongruente, porque chega ele mesmo à conclusão de que aqueles foram adquiridos por usucapião através de escritura pública constante dos autos. Citamos Eduardo Vicente da Silva Custódio, Dissertação, A Perda de bens na Lei nº 5/2002 enquanto medida de combate à criminalidade económico-financeira, Coimbra 2014, pág. 46: “(…) Através da alínea b) o arguido pode provar que os bens estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da sua constituição como arguido. Este é um juízo objetivo, aqui basta a prova documental (extratos bancários, registos, declarações fiscais), da entrada do património num momento anterior aos cinco anos em questão. Como já vimos, do património do arguido fazem parte todos os bens sobre os quais ele tenha o domínio e o benefício, para além daqueles dos quais tem a titularid ade. Dos bens sobre os quais detenha domínio e benefício sem titularidade ser-lhe-á difícil fazer a prova necessária, pois é-lhe exigido que os bens estejam na sua titularidade e que estejam há mais de cinco anos. Assim, este terá de provar que exercia o domínio e benefício há pelo menos cinco anos antes da sua constituição como arguido”. Ora tendo o arguido adquirido estes imóveis por usucapião por escritura pública válida, não contestada por ninguém, parece evidente que tais bens tinham de estar na posse do arguido (no seu domínio e benefício) há pelo menos 20 anos, sendo que a posse para efeitos de usucapião pode ser exercida por si e pelos seus ante possuidores. A usucapião é uma forma lícita de adquirir. Parece evidente que tal forma de aquisição afasta, só por si, a presunção do artigo 7º nº 1 da citada Lei. Questão diferente é se tais bens podem ser arrestados para garantir o pagamento do valor determinado no citado artigo e quanto a isso, parece-nos claramente que sim (cfr. artigo 10º nº 1).    
Para prova dos factos descritos em 425 valorou-se o auto de constituição de arguido juntos aos autos a fls. 3057 ess. 
 Relativamente aos factos descritos em 426 a 431 valorou-se o teor do relatório final efectuado pelo GRA e toda a prova documental junta no apenso GRA e anexo A (documentação e análise bancária), devidamente conjugada com o depoimento prestado pelo Inspector do GRA WWWWWWWWWW, que em audiência de julgamento explicou ao Tribunal a forma como procedeu à investigação do património dos arguidos e os critérios utilizados para procederem ao cálculo do valor do património incongruente de cada um dos arguidos. 
Relativamente aos factos descritos em 432, trata-se da liquidação efectuada pelo Tribunal, sendo de referir que mereceu total acolhimento a liquidação efectuada pelo GRA, uma vez que o arguido DD não produziu qualquer prova capaz de ilidir a presunção prevista no artigo 7º da Lei nº 5/2002 de 11/01, como se lhe impunha no artigo 9º da citada lei.  
 Para prova dos factos descritos em 433 valorou-se o auto de constituição de arguido, juntos aos autos a fls. 3170. 
 Relativamente aos factos descritos em 434 a 439 valorou-se o teor do relatório final efectuado pelo GRA e toda a prova documental junta no apenso GRA e anexo A (documentação e análise bancária), devidamente conjugada com o depoimento prestado pelo Inspector do GRA WWWWWWWWWW, que em audiência de julgamento explicou ao Tribunal a forma como procedeu à investigação do património dos arguidos e os critérios utilizados para procederem ao cálculo do valor do património incongruente de cada um dos arguidos. 
 Para prova dos factos descritos em 440 a 459 valorou o Tribunal a prova produzida em sede de arresto por este arguido, designadamente a documentação junta ao apenso K a fls. 251 a 266, tradução de fls. 391 a 399, declarações prestadas pela esposa do arguido TTTTT em sede de oposição ao arresto e novamente em sede de audiência de julgamento a qual relatou tais factos de forma pormenorizada e credível, sendo certo que as suas declarações encontram suporte nos documentos juntos aos autos com a oposição ao arresto e com a análise das contas bancárias de fls. 150 a 155 do anexo A do GRA. Considerou também o Tribunal as declarações prestadas pelas testemunhas RRRRRRRRRR e SSSSSSSSSS, ambas irmãs do arguido, as quais confirmaram os empréstimos realizados pela mãe do arguido ao casal, sendo certo que tais empréstimos foram também confirmados pela progenitora FFFFFFFF que prestou depoimento em sede de oposição ao arresto.  
Relativamente aos factos descritos em 460, trata-se da liquidação efectuada pelo Tribunal, desconsiderando os saldos bancários atenta a prova produzida pelo arguido no sentido de que se trata de património lícito.  
Para prova dos factos descritos em 461 valorou-se o auto de constituição de arguido junto aos autos a fls. 3138 e ss. 
Relativamente aos factos descritos em 462 a 476 valorou-se o teor do relatório final efectuado pelo GRA e toda a prova documental junta no apenso GRA e anexo A (documentação e análise bancária), devidamente conjugada com o depoimento prestado pelo Inspector do GRA WWWWWWWWWW, que em audiência de julgamento explicou ao Tribunal a forma como procedeu à investigação do património dos arguidos e os critérios utilizados para procederem ao cálculo do valor do património incongruente de cada um dos arguidos.   Para prova dos factos descrito em 477 a 481 considerou o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha TTTTTTTTTT, esposa do arguido, ouvida em sede de oposição ao arresto e novamente em audiência de julgamento.  Efectivamente tal depoimento já havia merecido credibilidade suficiente em sede oposição ao arresto, de tal modo que ali se ordenou o levamento do arresto de quase todos os bens pertença deste arguido, com excepção de uma das contas bancárias. Cremos que tal depoimento em audiência foi igualmente pormenorizado e credível apesar da relação que une a testemunha ao arguido. Mais se valorou toda a documentação junta pelo arguido em sede de oposição ao arresto a fls. 325 a 347 e também o depoimento prestado em sede de oposição ao arresto pela testemunha ZZZZZZZZZZ, amiga da esposa do arguido. Cremos que as declarações da esposa do arguido encontram suporte nos documentos juntos aos autos com a oposição ao arresto e com a análise das contas bancárias de fls. 184 a 210 do anexo A do GRA.
Relativamente aos factos descritos em 482, trata-se da liquidação efectuada pelo Tribunal, sendo de referir que o arguido provou em relação ao imóvel que o mesmo já estava na sua titularidade há pelo menos 5 anos no momento da constituição como arguido (cfr. artigo 9º nº 3 alínea b) da Lei nº 5/2002 de 11/01), que os saldos bancários provêm de rendimentos lícitos e quanto ao veiculo automóvel nada tendo provado, o mesmo foi, de qualquer das formas, considerado nos fluxos bancários.      
 Para prova dos factos descritos em 483 valorou-se o auto de constituição de arguido juntos aos autos a fls. 3079 e ss. 
 Relativamente aos factos descritos em 484 a 488 valorou-se o teor do relatório final efectuado pelo GRA e toda a prova documental junta no apenso GRA e anexo A (documentação e análise bancária), devidamente conjugada com o depoimento prestado pelo Inspector do GRA WWWWWWWWWW, que em audiência de julgamento explicou ao Tribunal a forma como procedeu à investigação do património dos arguidos e os critérios utilizados para procederem ao cálculo do valor do património incongruente de cada um dos arguidos. 
Relativamente aos factos descritos em 489, trata-se da liquidação efectuada pelo Tribunal, sendo de referir que mereceu total acolhimento a liquidação efectuada pelo GRA, uma vez que o arguido RR não produziu qualquer prova capaz de ilidir a presunção prevista no artigo 7º da Lei nº 5/2002 de 11/01, como se lhe impunha no artigo 9º da citada lei.  
 No que se refere aos factos não provados, efectivamente, cremos que não foi feita em julgamento, prova cabal e suficiente dos mesmos. 
Relativamente ao facto descrito em a) nenhuma prova se fez que o arguido BB tivesse como único sustento os lucros das actividades de compra e venda de armas e munições, de venda de droga e de notas falsas. Quanto à venda de notas falsas nem o mesmo vem sequer acusado desse tipo de ilícito assim como nenhum acto concreto é alegado e relativamente às actividades de venda de armas e estupefacientes, não se provou minimamente que o arguido vivesse exclusivamente dessas actividades. Todas as testemunhas inquiridas sobre estes factos referiram que os arguidos BB e MM se dedicavam à agricultura, compra e venda de gado, vinho, fumeiro, lenha, realização de actividades agrícolas ara terceiros, etc…  Inquirido directamente sobre este facto, o agente encoberto JJ referiu ao Tribunal que sabia apenas que o arguido vendia armas, desconhecendo se esta era a única forma de vida dele. 
Relativamente ao facto descrito b) também não se fez prova de tal facto, considerando que os poucos actos de cedência de estupefaciente a terceiros que a acusação imputa concretamente a esta arguida (nos artigos 109 a 111) não se provaram, como iremos fundamentar adiante.  Para além disso, nas buscas a arguida detinha apenas um saco de papel pequeno, contendo 0,288gr (peso líquido) de anfetamina sem que se tenha conseguido, sequer, identificar o seu grau de pureza. Ora, atenta a quantidade mínima de produto não é legítimo presumir que a arguida a ia ceder ou vender a terceiros, não foi detectada com instrumentos de corte ou pesagem, e das escutas ou dos apensos não consta que vendesse anfetaminas. 
Não se fez qualquer prova dos factos descritos em c) e d) porquanto tal não foi minimamente confirmado pelos AE. Quanto à venda referida em 21, efectivamente em audiência de julgamento o agente KK confirmou que efectuou o negócio directamente com o arguido BB e não com a arguida MM. Referiu que a arguida até podia estar presente e afastava-se de vez em quando mas era de poucas conversas sendo que basicamente o que a arguida fazia era “chamar o marido se ele não estivesse e depois ficava por ali até que ele chegasse”. Antes se provou o facto descrito em 51.
 Relativamente aos factos descritos em e) os mesmos foram negados pela testemunha PPPPPPPP ouvido em audiência de julgamento. Relativamente à escuta telefónica transcrita a fls. 178, sessão nº 2595, não é a mesma suficiente para se concluir que, na referida conversa, estava o arguido BB a dizer que estava interessado na compra de armas com origem na Suíça. Mas mesmo que assim fosse, dizer que se está interessado na compra de armas não consubstancia a prática de qualquer crime nem tal facto se enquadra em nenhuma das condutas descritas nos artigos 86º e 87º da Lei das Armas. Relevante seria depois o comportamento posterior de compra dessas armas mas quanto a isso nada se apurou e nada é descrito na acusação. 
Quanto ao facto descrito em f), a testemunha QQQQQQQQ prestou declarações em audiência e referiu apenas que a dada altura levou o tal “RRRRRRRR” que era um sucateiro, seu conhecido, a casa do BB para fazer com aquele um negócio de lenha. Mais referiu que apenas os apresentou e se afastou, não tendo assistido ao negócio que se efectuou entre eles. Referiu que depois o tal “RRRRRRRR” regressou ao carro e trazia um objecto embrulhado num “farrapo” mas que não viu o que se tratava. Ora apenas com este depoimento não se pode concluir que o arguido vendeu ao tal “RRRRRRRR” uma arma de fogo curta (pistola), sendo certo que da transcrição das escutas do arguido com esta testemunha indicadas na acusação a fls. 43 ponto I.XII nada se pode concluir (cfr. sessões nºs 3539 e 6454). Aliás nem se percebe porque razão não foi chamado como testemunha o tal “RRRRRRRR”, tendo sido alegadamente essa pessoa que efectuou o negócio e estaria em muito melhores condições para esclarecer o seu teor ao Tribunal. Note-se que é completamente irrelevante o que a testemunha assistiu, mas sim o próprio facto, a venda em si. 
Relativamente aos factos descritos em g), a testemunha UU negou os mesmos quando foi inquirida em audiência, tendo apenas relatados os factos considerado provados e descritos em 57, no que se refere à exibição pelo BB da dita pistola. Referiu não se recordar minimamente das características da pistola tendo apenas referido que tinha o gatilho partido, como supra já se referiu. Referiu que não falaram em preços e negou completamente que o arguido lhe tenha falado em drogas. Das escutas telefónicas transcritas nas sessões 612, 676, 706, 1047, 7320 e 10493 não resulta minimamente a concretização dessas transacções nem a conversa relativa a qualquer produto estupefaciente.
Relativamente ao facto descrito em h), o mesmo não foi confirmado pela testemunha VV.
Quanto ao facto descrito em i) a testemunha referiu que apenas presenciou, na sua oficina, uma conversa do arguido BB sendo que a testemunha estava ocupada a trabalhar numa camioneta e o arguido e outro senhor que não conhece, estavam a cerca de 20 metros. Referiu que não ouviu o teor da conversa e que viu um deles com uma arma que seria um revólver ou pistola pequenina na mão e que estaria a ser mostrada. Não sabe se era para vender ou não, nem conseguiu precisar quem teria a pistola na mão e quem estaria a mostrar a quem. Desconhecemos quem seria a pessoa em causa com quem o arguido estaria e se não estaria o mesmo habilitado a ter armas, podendo ser este a exibir a arma ao arguido ou viceversa.  
Relativamente ao facto descrito em j) cremos que não se fez prova do mesmo.
Efectivamente, provou-se que a viatura ... era regularmente utilizada pelo arguido BB sendo que o filho deste, AAA, apesar de ser o proprietário da viatura, apenas a utilizava quando estava em Portugal. Em audiência de julgamento, a testemunha AAA foi inquirida pela defesa do arguido BB sobre se a droga que estava dentro do carro era sua, tendo a mesma referido “que sobre isso não queria falar” transmitindo a ideia de que não queria se auto-incriminar. Com isto queria a defesa remeter para o disposto no artigo 132º nº 2 do Código de Processo Penal. Todavia estas declarações não colheram, a testemunha em causa mais não é do que o filho do arguido. Deste modo não se fez prova deste facto mas sim de que o produto estupefaciente era pertença do arguido BB como referido em 60.  
Relativamente ao facto descrito em k) também não se fez prova do seu teor. Efectivamente a testemunha AAA referiu que o dinheiro em causa, tendo sido apreendido na casa dos avós, era pertença da sua avó, que o tinha levantado anteriormente de uma conta bancária, por não estar a render e ali guardado o mesmo. E nessa sequência, a defesa do arguido BB juntou aos autos o extracto bancário com a refª citius 38181748 – extracto nº 192, página 2. Ora daquele documento resulta apenas que alguém procedeu a um levantamento em numerário no total de € 50.000,00 daquela conta bancária em 28/11/2018. Não foi junto qualquer talão de levantamento e desconhecemos se a BBB era ou não a única titular, sendo certo que aquela não foi indicada como testemunha e nem em momento nenhum reivindicou esse dinheiro ao Tribunal ao longo do processo. Mas mesmo que tenha sido a BBB a fazer esse levantamento, a quantia foi apreendida em 13 de Outubro de 2020, cerca de dois anos depois desse levantamento e era no valor de €29.000,00, em notas do BCE, tratando-se de um maço de notas que se encontrava dentro de uma caixa plástica de cor ... e embrulhada num saco preto na cave que serve de arrumos e onde BB armazenava o vinho na altura (cfr. fotografias de fls. 3013). De facto, não se logra compreender como é que a progenitora do arguido levanta € 50.000,00 e só ali tem € 29.000,00, se o objectivo era simplesmente guardar.  Também não é credível que sendo o dinheiro seu, não o guardasse na habitação propriamente dita, nomeadamente no quarto e o foi guardar precisamente na cave que serve de arrumos e onde o BB armazenava o vinho na altura. Não consta do auto de busca que os pais do arguido se tenham intitulado proprietários do dinheiro, tendo apenas o pai do arguido se intitulado proprietário da arma e munições que estavam no quarto do casal. Consta, aliás, do extracto em causa que a mãe do arguido tinha outras poupanças (cfr. detalhes de movimento da conta rendimento e poupança) de modo que não se percebe porque razão aquele dinheiro, em concreto, não foi aplicado em poupanças semelhantes àquelas. Caberia à mãe do arguido prestar depoimento e explicar ao Tribunal os concretos termos do aludido levantamento e a propriedade do bem em causa, reivindicando-o, o que não fez. Antes se provou que o dinheiro pertencia ao arguido, atendo o local concreto onde o mesmo se encontrava e como já amplamente fundamentado quanto ao facto provado descrito em 61. 
Também não se fez qualquer prova do facto descrito em l). Na verdade, tal facto não chegou sequer a ser alegado pelo arguido BB em sede de contestação, tendo apenas resultado do depoimento da testemunha AAA em audiência de julgamento.  Esta testemunha veio referir que a habitação descrita em 62, sob o nº de porta ..., sendo pertença dos avós, estaria, à data da busca, arrendada por um tal de YYYY, o qual ocupava a casa na altura. Sucede que tal versão não colheu minimamente porquanto à data da busca, os pais do arguido que ali estavam presentes não referiram tal facto ao Inspector nem o mesmo consta do auto de busca e apreensão. Ademais nenhuma prova documental e testemunhal foi apresentada de modo a corroborar esta versão da testemunha.  
Por último, cremos que também não se fez prova suficiente do facto descrito em m).
Efectivamente em audiência, AAA prestou depoimento e referiu que o dinheiro que se encontrava dentro do cofre no armazém do seu tio era seu, sendo que 10.000,00 respeitavam ao produto da venda de um veículo da marca ... que aquele vendeu em ... a um terceiro e os restantes € 20.000,00 respeitam a dois levantamentos que fez em 05/11/2020 e guardou aquele dinheiro no cofre, por ter medo de o ter em casa, depois das buscas. Também este depoimento não colhe até porque nem se revela consentâneo com as regras da experiência comum e é contrário ao teor da escuta telefónica de 10/11/2020, no dia posterior à busca (cfr. sessão nº 11599ª fls. 706 do apenso C). Na escuta, em momento nenhum o AAA refere que o dinheiro apreendido era seu, antes pelo contrário. Refere claramente que andou a “limpar o cofre” dias antes mas que não limpou a gaveta de cima e alguém denunciou a situação, o que conduziu a nova busca no dia anterior e o pai “puxa-lhe as orelhas”. De salientar que, no dia da busca, AAA abriu o cofre, não constando do auto de busca (assinado pelo AAA), que se tenha intitulado proprietário de nenhum objecto que estava no seu interior perante os inspectores da PJ.  Em julgamento, AAA apenas se intitulou dono do dinheiro e nada disse sobre as demais armas apreendidas e que estavam também dentro do cofre. Era dono delas também? Ou não sendo, guardou o seu dinheiro no meio das armas de outros?    
Por outro lado, nenhuma prova documental foi junta em relação à venda da viatura .... Relativamente aos alegados levantamentos, apenas consta do extracto nº 258 que alguém fez um levantamento em numerário no valor de € 20.000,00, não constando quem efectuou tal levantamento e nem sequer quem eram os titulares da dita conta.  
 Relativamente ao facto descrito em n), a testemunha TTTTTTTT foi ouvida em audiência e negou tais factos. Referiu que conheceu o CC por ser seu cliente num restaurante que tem em ... e que, nessa sequência, falou com ele sobre uma arma que tinha para vender mas ele não lha chegou a comprar. Negou que o arguido CC alguma vez lhe tivesse pedido munições. Referiu não se recordar porque já tinha passado muitos anos. Por sua vez, o arguido CC nas declarações que prestou referiu não estar a recordar-se quem seria o TTTTTTTT admitindo, contudo, como possível que até pudesse ter-lhe pedido cartuchos de caça mas munições não. Assim sendo, o Tribunal considerou o referido facto não provado, sendo de realçar que mesmo que fosse provado, quem eventualmente cometeria o crime de tráfico de armas seria a testemunha TTTTTTTT porque este é que venderia ou eventualmente deteria com intenção de vender (cfr. artigo 87º da Lei das Armas). Além de que o pedir munições também não é crime de tráfico de armas mas antes vender as mesmas. Seria crime de tráfico de armas cometido pelo arguido CC se as comprasse com intenção de as vender (cfr. artigo 87º ex vi artigo 86º da lei das Armas).  
Relativamente ao facto descrito em o), a testemunha UUUUUUUU foi ouvida em audiência e negou tais factos, tendo referido nunca ter visto nenhuma arma ao CC.
Nas declarações que prestou, o arguido CC referiu não “estar a ver quem seria o Sr. UUUUUUUU”. Da transcrição das escutas telefónicas relativas às conversas do arguido CC com esta testemunha, nada é possível aferir quanto a tal facto (cfr. sessões nºs 48496, 86810, 95395 e 95409). 
Quanto ao facto descrito em p) o mesmo não foi assumido pelo arguido CC e o arguido VVVVVVVV remeteu-se ao silêncio.
Relativamente aos factos descritos em q) os mesmos foram negados peremptoriamente pela testemunha EEE em audiência de julgamento. Esta testemunha apenas assumiu ter comprado ao CC uma caçadeira de canos sobrepostos nos termos considerados provados e descritos em 69. Quando questionada sobre se não lhe comprou também uma arma de fogo curta de calibre 6,35mm, referiu que não, que tinha uma pistola 6,35mm mas que era do seu falecido pai e que tinha também algumas munições daquele calibre, nunca tendo adquirido dessas munições ao CC. Ora apesar de o arguido CC ter assumido em audiência ter também vendido uma pistola que era do seu tio e admitido como possível ter sido a esta testemunha, considerando que não o estava a identificar cabalmente e a negação da testemunha, o Tribunal considerou tais factos como não provados. 
Nenhuma prova se fez do facto descrito em r) que foi negado pelo arguido CC e bem assim pela testemunha FFF e também não é passível de se provar com o conteúdo das escutas telefónicas. 
 Relativamente ao facto descrito em s) também não se fez prova do mesmo, uma vez que tal facto foi negado pelo arguido CC e bem assim pela testemunha WWWWWWWW quando ouvida em julgamento.   
Quanto ao facto descrito em t) cremos que também não se fez prova suficiente do seu teor. Apesar de o arguido CC ter admitido tal facto como possível de ter sucedido por ter as armas do tio para vender, o certo é que referiu não estar a identificar a pessoa em causa. Por outro lado, a testemunha XXXXXXXX negou tal facto, tendo apenas referido que o CC referiu saber de um amigo que tinha uma caçadeira e queria deixar de caçar e vender a arma.  
Relativamente aos factos descritos em u) os mesmos foram negados pelo arguido CC e bem assim também pela testemunha KKK que referiu não ter chegado a ver a arma, não conseguindo precisar minimamente as suas características. 
O facto descrito em v) foi negado pelo arguido CC e bem assim pela testemunha SS, pelo que nenhuma prova se fez sobre o mesmo.
Também não se fez prova do facto descrito em w). Não colheram as declarações do arguido CC quando referiu que o dinheiro era da companheira, que o tinha em casa para fazer obras no apartamento, sendo que ela o tinha antes levantado da conta bancária dela. Note-se que resulta do auto de busca a fls. 3030 que € 2.290,00 estavam nas calças do arguido em notas de valor facial de 50 e 20 ao passo que os restantes € 10.000,00 estavam num maço de notas de 100 num outro quarto, numa prateleira do roupeiro (cfr. foto de fls. 3031). O teor dos extractos bancários juntos aos autos pela referida NNN, a fls. 5483 e 5484 do processo principal e a fls. 451 e ss. do apenso de arresto (apenso G), não permitem formular a conclusão de que a quantia em causa é efectivamente o remanescente do levantamento por si efectuado em 18/09/2020 da sua conta bancária e relativo a uma indemnização de uma seguradora que antes recebeu. Ademais, a companheira do arguido, NNN, não foi indicada nem ouvida como testemunha em audiência de julgamento, tendo apenas sido ouvida como testemunha no apenso de arresto e as suas declarações já aí não mereceram acolhimento, ainda que numa perspectiva meramente indiciária. Note-se, aliás, que no depoimento que prestou em sede de arresto, a testemunha refere que da totalidade da quantia apreendida, apenas os € 10.000,00 são seus, ao passo que o arguido referiu que todo o dinheiro apreendido era da companheira o que também foi referido pela próprias NNN no seu requerimento efectuado em sede de inquérito a fls. 5483 e ss. do processo principal. As declarações da testemunha e do arguido acabam, por isso, por não ser coerentes entre si ao longo do processo.   
Relativamente ao facto descrito em x), não se fez prova do seu teor porquanto o arguido DD antes assumiu a prática dos factos descritos em 85, sendo que a testemunha UUU não quis prestar declarações em audiência de julgamento, direito que legitimamente exerceu ao abrigo do disposto no artigo 133º nº 2 in fine do Código de Processo Penal.    
Não se fez qualquer prova do facto descrito em y) o qual foi negado pela testemunha YYYYYYYY. De qualquer forma, não se vislumbra qual seria a relevância jurídica daquele facto uma vez que o depoimento de ouvir dizer, sem que se identifique de quem, não pode ser valorado pelo Tribunal (cfr. artigo 129º nº 3 do Código de Processo Penal). 
Não se fez prova do facto descrito em z) uma vez que o arguido VVV não prestou declarações e a testemunha XXX não confirmou tal facto, tendo referido que apenas as armas eram do seu tio.  
Nenhuma prova se fez do facto descrito em aa), sendo certo que ZZZZZZZZ não foi indicado na acusação como testemunha. 
Nenhuma prova se fez do facto descrito em bb) sendo certo que a testemunha DDDD antes confirmou a frequência de compra da heroína nos termos considerados provados e descritos em 101.  
Nenhuma prova se fez do facto descrito em cc), sendo certo que a testemunha FFFF antes confirmou os factos descritos e provados e descritos em 103.  
Nenhuma prova se fez do facto descrito em dd), sendo certo que a testemunha GGGG antes confirmou os factos descritos e provados e descritos em 104.  
 Não se fez prova do facto descrito em ee) porquanto inquirido AAAAAAAAAAA, ex-marido da arguida HHHH, aquele referiu desconhecer tal actividade. De qualquer das formas, sempre se diga que este facto mesmo a provar-se, seria puramente genérico pois que o essencial seria sim a concretização dessa actividade de venda, através de actos concretos e não o que a testemunha sabia ou ouviu dizer.  
Cremos que também não se fez prova dos factos descritos em ff). Foi ouvida em julgamento a testemunha BBBBBBBBB a qual negou tais factos. Assumiu que consumia heroína no período em causa mas que, pelo nome, não conhecia a arguida HHHH, sendo que na altura comprava a droga a várias pessoas e arrumava carros. É verdade que o MP na acusação, designadamente nos meios de prova, faz referência a diversas folhas do apenso A (577/19.7T9CHV), do apenso C (25/19.2GACHV) e do apenso D (411/20.5T9CHV), mas tratam-se de autos de notícia, relatos de vigilância, autos de transcrição de escutas telefónicas. Contudo, tal prova documental, só por si, não é susceptível de provar a concreta actividade de tráfico da arguida, a qual aliás não se mostra minimamente concretizada na acusação em outros factos que não sejam apenas os descritos em 109 a 111 e a busca referida em 150, ponto G. Nenhum outro facto concreto temos alegado, em relação a esta arguida, sendo certo que atenta a prova recolhida e constante dos apensos, muitos outros actos poderiam ter sido alegados e concretizados no libelo acusatório, sendo certo que os mesmos não podem agora ser introduzidos pelo Tribunal de julgamento, por se tratar obviamente de uma alteração substancial de factos. As escutas só por si nada provam se os factos não estiverem alegados. 
Citamos uma vez mais o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06/10/2020, Proc. nº 90/16.4JASTB.E1, segundo o qual: “Ser escutado a falar sobre estupefacientes, a referir a sua qualidade e falar na sua aquisição não são actividades ilícitas. A concretização desses diálogos é que é uma actividade ilícita. E essa concretização não pode ser dispensada. Estas actividades são relevantes porque indiciárias e demonstrativas de um eventual ambiente envolvente, mas têm como requisito essencial a prova de – ao menos – posse de material ilícito ou actividade outra confirmada por outra forma que revele ou demonstre a posse e/ou tráfico de substâncias ilícitas. O que não se pode fazer é presumir a posse e tráfico a partir de escutas telefónicas. Isto porquanto as escutas telefónicas não são um meio de prova, são um meio de obtenção de prova. São uma forma de obter prova, não são a prova de tráfico. Mas, ao que parece, está a tornar-se uma actividade que basta por si própria e dispensa a real obtenção de prova. Pode ser cómodo, mas de nada serve se não existe qualquer actividade investigatória e instrutória posterior à escuta que comprove a prática de factos criminosos”. 
É que para além de tais factos não estarem concretizados, nenhum dos agentes policiais que elaborou os relatos de vigilância ou os autos de notícia que ali constam foram arrolados como testemunhas para confirmarem e explicarem o teor daqueles documentos. Na acusação, o MP limita-se a fazer referência genérica às sessões das escutas telefónicas desta arguida, não concretizando qualquer acto de venda resultante dessas escutas. Limita-se o Ministério Público a fazer imputações genéricas à arguida, nomeadamente que “esta se dedicava à actividade de venda de produtos estupefacientes o que era do conhecimento de muitas pessoas, que era uma das principais traficantes da zona de ..., que tinha a droga da melhor qualidade” sem concretizar minimamente as circunstâncias de tempo, lugar e modo dessa actividade. E analisando essas escutas, não conseguimos sequer encontrar nas mesmas a existência de conversas entre a arguida e BBBBBBBBB ou pelo menos a testemunha não se encontra ali identificado como tal. E quanto às buscas, daquelas não se pode concluir que a arguida se dedicava ao tráfico de estupefacientes pois que apenas lhe foi encontrada uma dose de 0,288g líquido de anfetamina (o que nem tem a ver com as drogas alegadamente em causa nesses apensos).  
Também não se fez prova dos factos descritos em gg). Em julgamento foi ouvida a testemunha a DDDDDDDDD, psicóloga que na altura prestava funções na CPCJ ... e ali acompanhou os filhos da arguida, CCCCCCCCC e XXXXXXXXXX, em processo de promoção e protecção. A mencionada testemunha referiu que efectivamente, no âmbito daqueles processos, as crianças referiram-se a uma “suposta existência de tráfico da progenitora, mas as declarações nem sequer eram coerentes”. 
Não se fez prova do facto descrito em hh), porquanto não consta dos autos de busca e apreensão relativos à arguida HHHH que a viatura tenha sido igualmente apreendida. 
 Não se provaram os factos descritos em ii mas antes os descritos em 118, ou seja, que o arguido FF ofereceu estas armas ao JJJJ. 
Não se fez prova dos factos vertidos em jj) na medida em que os mesmos não foram confirmados pelo JJJJ ou por NNNN e foram negados pelo arguido FF. 
Relativamente ao facto vertido em kk) como já se referiu aquando da fundamentação dos factos provados, tal foi negado pela testemunha DDD e também não foi confirmado por AA assim como não resulta das escutas telefónicas. 
Relativamente ao factos descritos em ll), o proprietário da arma, WWWW, referiu já não se recordar qual o valor pelo qual a vendeu e confirmou que os documentos de transmissão não foram tratados pelo arguido FF mas por outro agente que ali se encontrava. De facto, analisando os documentos juntos a fls. 4349 não resulta a identificação do arguido nos mesmos.  
A testemunha OOOOO não confirmou concretamente este facto mm) e sempre se diga que o mesmo também não assume relevância jurídica, porquanto é completamente indiferente aquilo que a testemunha pensava ou achava na altura mas apenas o comportamento concreto assumido pelo arguido e apenas na medida em que aquele seja criminalmente punível.   
Efectivamente quento ao recebimento de valores monetários pelo arguido por cada mediação que fazia referido em nn), o mesmo não se provou. O arguido negou tais recebimentos e de todas as testemunhas inquiridas (compradores e vendedores das armas), nenhuma delas referiu que alguma vez tenha pago ou entregado qualquer compensação monetária ao arguido FF. 
Relativamente ao facto descrito em oo) e pp) a acusação limita-se a alegar, genericamente, que o arguido elaborou novos livretos e manifestos de armas a troco de dinheiro sem depois concretizar qualquer facto que o evidencie, nomeadamente uma concreta actividade de elaboração de livretes ou manifesto, a pedido de alguém. Não há duvidas que analisando as escutas, o arguido elaborou muitos livretes e manifestos de armas de centenas de pessoas mas isso fazia parte das suas funções, quando tratava dos processos de licenciamento e de transmissão das armas. Era necessário a acusação concretizar a actividade para percebermos em que medida, com isso o arguido violava as suas funções ou actuava ilicitamente.  Não basta a existência de uma escuta relativa a uma conversa do arguido com NNNN em que aquele lhe diz: “tu deves-me uma data de livretes e manifestos”, para se concluir, sem mais, que o arguido “fabricava”, “falsificava”, “elaborava” livretes e manifestos ilicitamente e muito menos a troco de dinheiro.  Como não basta existir uma escuta entre o arguido e a esposa do armeiro JJJJ a falar em “milhinho”, até porque era normal o armeiro deixar dinheiro ao arguido para pagamento dos processos de licenciamento de armas. 
O mesmo se diga da expressão “prestar serviços a armeiros” em troco de dinheiro constante da acusação. Que serviços prestava o arguido que contrariem as suas funções? A acusação não descreve.  
 Relativamente ao facto descrito em qq), nenhuma prova se fez do mesmo porquanto a testemunha BBBBBBBBBBB, ouvida em audiência, referiu que efectivamente conhecia o arguido SSSSSSS, mas não sabia se o mesmo vendia armas ou não, tendo negado que alguma vez aquele lhe tenha exibido armas para venda. 
Não se fez prova dos concretos valores referidos em rr), uma vez que a testemunha TTTTTTT antes confirmou os valores referidos em 145. 
Relativamente aos factos descritos em ss) também não se fez prova dos mesmos, uma vez que a testemunha UUUUUUU negou peremptoriamente tais factos, tendo negado que as duas armas caçadeiras que lhe foram apreendidas no âmbito destes autos lhe tivessem sido oferecidas pelo arguido SSSSSSS, uma vez que aquelas eram do seu avô que era caçador, já muito antigas e a testemunha tinha-as trabalhadas e arranjadas sendo que nunca disparou com elas. Mais referiu que apenas poliu uma parte de uma arma ao arguido, uma única vez, nos termos considerados provados e descritos em 146.  
Relativamente aos factos descritos em tt) não se fez prova dos mesmos, uma vez que a testemunha VVVVVVV negou peremptoriamente tais factos tendo apenas relatado os factos tal como provados e descritos em 147.   
 Relativamente aos factos uu) a testemunha não se recordou dos valores de aquisição da arma e das munições e também negou que já anteriormente tivesse adquirido munições ao arguido SSSSSSS. 
Também nenhuma prova se fez do facto descrito em vv) porquanto a testemunha FFFFFFFFF não prestou declarações nos termos do preceituado no artigo 133º nº 2 in fine do Código de Processo Penal.     
Relativamente ao facto descrito em ww), o mesmo não foi confirmado pela testemunha YYYYYYY que apenas referiu que depois da compra descrita em 152, o arguido ainda lhe terá tentado vender supostamente outro objecto mas não se mostrou interessado nem sequer em saber o que era.
Não se fez prova do facto descrito em xx) porquanto o mesmo não foi relatado pela testemunha AAAAAAAA, a qual apenas relatou os factos considerados provados e descritos em 154. 
Relativamente ao facto descrito em yy), não se fez prova do seu teor porquanto a testemunha UUU não quis prestar declarações em audiência de julgamento, direito que legitimamente exerceu ao abrigo do disposto no artigo 133º nº 2 in fine do Código de Processo Penal.  
  Quanto ao facto descrito em zz), o arguido GGGGGGGG prestou declarações e referiu que toda a droga que lhe foi apreendida era para seu consumo exclusivo e era também apenas para esse efeito que tinha a estufa de canábis. Contudo tais declarações não colheram porquanto o arguido tinha na sua posse uma quantidade significativa de canábis (116 doses) e também não é razoável que alguém detenha uma unidade de estufa de canábis já com a dimensão da que o arguido detinha, dando-se ao trabalho de tratar da mesma, adquirir produtos para a sua manutenção somente para a satisfação do seu consumo exclusivo. Revela-se como destituído de razoabilidade supor que este trabalho, investimento e despesas de funcionamento imprescindíveis tenham ocorrido apenas para provir ao consumo de uma pessoa. Com efeito, um juízo lógico a partir dos factos conhecidos, impõe concluir, que pelo menos uma parte da substância originada com o cultivo era destinada pelo arguido a cedência a outros consumidores.
 Cremos também que não se fez prova dos factos descritos em aaa), porquanto em relação ao EE não foram alegados factos objectivos capazes de integrar o crime de tráfico de armas, nomeadamente qualquer acto de venda, cedência de armas e considerando o teor das buscas, apenas lhe foram apreendidos, uma arma de fogo curta, um coldre e um carregador (sendo que a arma “...” apreendida na residência estava legalizada em seu nome e os cartuchos ali encontrados eram adequados ao uso na referida arma). De modo que a quantidade e tipo de armas apreendidas não é suficiente para se presumir que o arguido as detinha com intenção de as vender a terceiros. Ademais nas escutas, embora este arguido use linguagem codificada, ficamos sem saber se falava de estupefacientes ou de armas, sendo certo que se provou que se dedicava ao tráfico de estupefacientes.  
Quanto à MM os factos alegados e provados em relação à mesma são igualmente muito genéricos, não se concretizando qualquer acto de venda ou cedência de armas a terceiros, mas tao só a existência de um plano para esse efeito com o seu companheiro, o arguido BB, sem depois se concretizar actos de execução conjunta. 
Efectivamente em audiência de julgamento o agente KK confirmou que efectuou o negócio directamente com o arguido BB e não com a arguida MM. Referiu que a arguida até podia estar presente e afastava-se de vez em quando mas era de poucas conversas sendo que basicamente o que a arguida fazia era “chamar o marido se ele não estivesse e depois ficava por ali até que ele chegasse”. 
Em relação a esta arguida apenas se provou o descrito em 9, 16, 20, 27 e 51, sendo estas condutas claramente insuficientes para se imputar á arguida uma co-autoria com o BB.    
Ora embora a arguida MM possa ter estado presente em alguns momentos das vendas efectuadas pelo BB aos agentes encobertos (clientes de armas), recebido os mesmos quando vinham para falar com o BB e depois aquela chamado o marido que estava ausente ou em outros locais da habitação “por haver ali pessoas à sua espera”, daí não se retira que a arguida tivesse cometido o crime em co-autoria com o BB. Era necessário que a arguida tivesse o domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada .
Os agentes encobertos referiram que a arguida efectivamente poderia estar presente em alguns momentos e mostrava-se calma ou pouco surpreendida com a situação mas tal não é suficiente para se concluir por uma co-autoria da arguida, naqueles concretos actos de venda de armas que o arguido BB efectuou aos AE. E note-se que o simples facto de a arguida em 04/04/2019, ter ido ao interior da habitação buscar um papel que estava junto à televisão e entregue o mesmo ao BB que depois o entregou ao KK, sendo que o dito papel tinha duas fotos a cores de uma arma, tal não faz dela co-autora da venda (cfr. facto descrito em 20). Isto porque se provou que o papel estava dobrado e nem sequer sabemos se a arguida o abriu para o ver. E mesmo que o visse não se provou que a arguida contribuiu ou participou de alguma forma nessa venda, sendo certo que a mesma nem sequer se veio a concretizar nesse dia. 
E cremos que nem mesmo a cumplicidade resultou provada porquanto esta tem de ser dolosa e o dolo da arguida não resultou suficientemente provado (que ao atender os agentes e chamar o arguido, soubesse que o mesmo ia vender armas e não animais, lenha, etc…), que ao ir buscar o papel dobrado o tivesse aberto e visto que era uma arma que ali estava descrita, que quando o arguido conversava sobre as armas, a arguida estando presente o auxiliasse de alguma forma a concretizar esses negócios…  «Com efeito, a simples presença física, sem a prova de qualquer conformação dirigida ao facto (a oferta de auxílio, o conforto por palavras, a garantia e a intenção de contribuição para o resguardo) não é mais que um não acto, mesmo em deliberada omissão; o facto de permanecer não constitui elemento nem revelador do dolo de auxílio, nem causal do apoio ao facto do co-arguido. Por outro lado, «nada fazer para impedir» situa-se já fora do plano lógico da cumplicidade; o auxílio não pode consistir no não cumprimento ou na frustração do facto, ou em não retirar o objecto do crime da disponibilidade, ou da continuação da disponibilidade do agente». Cfr. Acórdão do STJ de 31/03/2004, Proc. nº 04P136, disponível em www.dgsi.pt. 
Por isso não se fez prova também do elemento subjectivo referido em bbb) até porque em relação à arguida MM nem sequer se alega qualquer intervenção concreta da mesma em actividades de venda ou cedência de estupefaciente, sendo certo que a droga apreendida estava no ... e apenas se provou que era do arguido BB, que o usava habitualmente. Quanto ao CC não se provando factos objectivos (que não foram sequer alegados para além das já referidas imputações genéricas), faleceria sempre o elemento subjectivo. 
Quanto ao elemento subjectivo relativo à arguida HHHH e descrito em ccc), não se tendo sequer provado os parcos factos objectivos descritos na acusação quanto a esta arguida, sempre faleceria também o elemento subjectivo. 
Quanto aos factos descritos em ddd) e eee) não obstante os mesmos terem sido genericamente relatados ao Tribunal pela testemunha AAA, o seu depoimento só por si e atendendo à qualidade de filho dos arguidos, com interesse directo no desfecho da causa e do incidente de liquidação, não é suficiente para provar tais factos. Os mencionados depósitos poderiam facilmente ser comprovados através de prova documental idónea, nomeadamente talões de depósito e informações bancárias, que aliás o arguido protestou juntar na contestação e depois não o chegou a fazer. 
Poder-se-ia dizer que na medida em que as contas estão tituladas pelo arguido e pelo filho ou mesmo pela arguida (que irá ser absolvida), dever-se ia aplicar a regra prevista no artigo 516º do C. Civil e declarar perdida apenas a parte do arguido. Sucede que esta presunção de titularidade e o conceito de património previsto no artigo 7º nº 2 da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro é muito mais vasta, abrangendo todos os bens de que o arguido tenha o domínio e o benefício, ou tenham sido por este transferidos para terceiro a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores à sua constituição continuam, quer para efeitos de perda quer para efeitos de arresto.
Como diz João Conde Correia, João Conde Correia, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, ob. cit. pg. 106: "Com esta formulação ampla, escolhida no intuito de alargar o conceito de património confiscável e de evitar obstáculos jurídicos à sua perda alargada, o legislador português consagrou uma noção meramente económica. Para este efeito, o património não é constituído apenas pelo conjunto dos direitos e obrigações civis com caráter pecuniário de um determinado sujeito, abrangendo todas as posições ou situações economicamente valiosas tituladas pelo condenado, mesmo que desprotegidas, não tuteladas ou até contrárias ao direito civil: inclui tudo aquilo que materialmente ainda possa ser imputado ao condenado, mesmo que, do ponto de vista formal, não lhe pertença.".
 A base de partida é o património do arguido, todo ele, pois o conceito é utilizado no artigo 7.º numa perspectiva omnicompreensiva - Cfr. Hélio R. Rodrigues, “Perda de bens no crime de tráfico de estupefacientes”, in Revista do Ministério Público, 134.º, Abril/Junho de 2013, p. 233.
Esta amplitude com que a lei define o património do arguido para este efeito tem um fito: o de minimizar a possibilidade de ocorrência de fraude, de ocultação do seu verdadeiro titular. Por isso, como assinala Jorge Godinho, “Brandos Costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova”, in “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, p. 1345, “visam-se aqui os bens detidos formalmente por outra pessoa, singular ou colectiva, tratando-se de provar que em todo o caso os bens pertencem à esfera jurídica do arguido”, cabendo ao Ministério Público a prova de que “apesar de a titularidade pertencer a outrem, o respectivo domínio e benefício – conceitos claramente usados em sentido económico-factual, com vista a expandir o âmbito de aplicação do confisco e a evitar o que seriam fáceis fugas ao mesmo – pertencem ao arguido”.
Ora em relação a contas bancárias resulta evidente que todos os seus titulares têm o domínio e o benefício dos saldos, incluindo o arguido também titular dos mesmos, porque isso resulta do próprio regime de movimentação dos saldos bancários, tal como foi também referido em audiência pelo Inspector do GRA, WWWWWWWWWW. O mesmo sucede com os imóveis e automóveis tratando-se de arguido casado ou em união de facto, porquanto ambos partilham a utilização dos bens ou pelo menos esse bem pode ser livremente utilizado pelo outro. 
 Cabe depois ao arguido ou ao terceiro titular do bem fazer prova do contrário e cremos que efectivamente, neste caso, o depoimento de AAA só por si, sem a junção de prova documental idónea nesse sentido, é insuficiente.   
Também nenhuma prova se fez dos factos referidos em fff) e ggg).   
Relativamente aos factos descritos em hhh) e iii) não se fez qualquer prova dos mesmos em audiência de julgamento ou mesmo em sede de oposição ao arresto. 
*
Recursos do Acórdão condenatório:

Considerando o âmbito do respectivo recurso, circunscrito à condenação no incidente de declaração de perda ampliada, justifica-se começar por apreciar o recurso interposto pelo arguido CC do acórdão condenatório, seguindo-se a apreciação dos restantes recursos do mesmo acórdão que se irão apreciar conjuntamente, uma vez que existem questões a apreciar que a estes são comuns.

Assim:

1. Recurso do arguido CC:
O recorrente impugna a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido, o que como é sabido, pode ser feito por duas vias: a primeira, num âmbito mais restrito, invocando os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a segunda, num contexto mais amplo, nos termos previstos no artigo 412.º, n/s 3, 4 e 6 do mesmo diploma legal. Na primeira via de impugnação, estamos perante vícios decisórios previstos nas alíneas do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cuja indagação, como resulta do preceito, tem de resultar da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», não sendo admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para a fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento: como referem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros), neste caso o recorrente “não pode ir buscar outros elementos para fundamentar o vício invocado fora da decisão, nomeadamente ir à cata de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo recorrer a dados do inquérito, da instrução ou do próprio julgamento”; na segunda via de impugnação, num outro âmbito, por via da impugnação “ampla” da matéria de facto (também chamada recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto), a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que contém e pode ser extraído da prova documentada produzida em audiência, dentro dos limites dados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.ºs 3  e 4 do Código de Processo Penal. Enquanto na primeira via de impugnação, o recorrente invoca vícios da própria decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», na segunda, o recorrente invoca erros de julgamento com base nas provas produzidas e “erradamente” apreciadas pelo Tribunal recorrido. Neste último caso, o recorrente pretende é que o Tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas também sobre a prova produzida no Tribunal recorrido (cf. com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2017, consultado em www.dgsi.pt).
O arguido recorre à primeira, invocando, nada mais, nada menos, que todos os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a saber, os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova – artigos 410.º, n.º 2, alíneas a) b) e c) do Código de Processo Penal.
Antes de mais há que dizer que os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal firme sobre os factos no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos Penais, 9.ª edição, editora Rei dos Livros). No mesmo sentido escreve Vinício A. P. Ribeiro (in Código de Processo Penal, notas e comentários - Quid Juris, 3.ª edição): “quando o recorrente coloca em causa o modo como o tribunal valorou a prova (testemunhal, pericial ou outra), não está a invocar os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, mas a questionar o uso que o tribunal fez do princípio da livre apreciação da prova”.
Segundo resulta da motivação do recurso, entende o recorrente que a decisão recorrida enferma dos vícios em causa no que diz respeito aos factos provados contantes dos pontos 411 a 429 da matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, que são os seguintes:
411. CC foi constituído arguido em 13/10/2020.   
412. No período de 13/10/2015 a 31/12/2020 (data da conclusão do relatório do GRA, sendo 2020 o último ano de informação fiscal disponível na AT), pelo GRA, foi considerado o seguinte património existente na titularidade e/ou na esfera de domínio do arguido CC para efeitos de cálculo do património incongruente: 
(…)
413.Para efeitos de cálculo da vantagem e com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, o valor deste património referido supra foi considerado pelo GRA nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 
(…)
414. Os três imóveis supra assinalados a amarelo foram adquiridos e alienados dentro do período investigado.  
Em 04-05-2017 foram adquiridos, por usucapião, e em 09-09-2019 foram alienados pelo valor global de 25.000,00 €, conforme escritura de compra e venda constante do DVD-R a fls. 165.  
O valor indicado na escritura (25.000,00 €) é coincidente com o valor declarado fiscalmente pelo arguido em sede de IRS, quanto à alienação destes imóveis. 
Da escritura de compra e venda em causa emerge que o destino dos 25.000,00 € foi a conta bancária “...65”, do Banco 1....  
De acordo com esta entidade bancária (ver Cota a fls. 187 do Apenso), esta conta corresponde ao IBAN  ...65, titulado pela sociedade “EMP07..., Lda”. 
Em sede de análise bancária efectuada às contas tituladas e cotituladas pelo arguido, ocorreu, a este respeito, apenas uma transferência a crédito, de 06-09-2019, no valor de 18.850,00 €, com o descritivo “...”, na conta  ...78, titulada pelo arguido na Banco 2....  
A alienação destes imóveis foi registada no Quadro do Património, na coluna dos “Ativos alienados”, no ano correspondente, com o valor 6 150,00 € (resultante da diferença 25 000,00 – 18 850,00), uma vez que o restante valor de 18 850,00 € foi detectado nos movimentos financeiros já contabilizados em conta bancária, evitando-se assim, quanto a esta parte, duplicação de um mesmo valor.  
415.No que se refere ao imóvel supra assinalado a azul, o mesmo foi alienado pelo arguido dentro do período investigado (28-12-2018), pelo valor escriturado de 2 999,99 € (cfr. escritura de compra e venda constante do DVD-R a fls. 165). 
416.A este respeito, ocorrerem duas transferências a crédito, ambas em 30-11-2018, no montante global de 3 500,00 €, com os descritivos “...” e “TRANSF SEPA -...”, na conta  ...78 titulada pelo arguido na Banco 2.... De acordo com a escritura em causa, os outorgantes adquirentes deste imóvel foram KKKKKKKK e LLLLLLLL. 
417.Por este motivo, e para efeitos de cálculo da vantagem, com vista a evitar a duplicação do mesmo valor, o valor deste imóvel foi considerado nos movimentos / fluxos financeiros já contabilizados nas respectivas contas bancárias. 
418.Relativamente a património financeiro, foram contabilizados pelo GRA os movimentos a crédito registados em cada uma das seguintes contas, em cada um dos anos em análise, e já expurgadas situações de estorno, transferências entre contas analisadas dos arguidos e empréstimos bancários:
(…)
419.Foi igualmente considerado pelo GRA para efeitos de cálculo do património incongruente o valor da quantia de € 12.290,00 apreendida ao arguido e referida em 77.  
420.O arguido, de 13-10-2015 a 31-12-2020, declarou à Autoridade Tributária rendimentos de diferentes categorias, no valor global € 28.000,99, conforme quadro anexo constante da acusação pública a fls. 157 e 158, cujo teor se considera integralmente reproduzido. 
421.Desde data não concretamente apurada, o arguido exerceu actividade profissional até ao momento da sua detenção, quer na comercialização automóvel, quer em alfaias agrícolas, criador e vendedor de gado e ovelhas. 
422.O arguido é socio da Associação de Artesãos da .... 
423.Auferiu uma comissão de € 6.150,00 por intermediação imobiliária em 15/07/2009. 
424.Considerando o rendimento declarado pelo arguido CC à AT no valor de € 28.000,99, o património referido em 412 a 419 com excepção dos imóveis os quais foram adquiridos por usucapião (no valor de € 25.000+€ 2999,99) o valor do património incongruente do arguido CC é no valor global de € 249.213,94.  
O recorrente começa por invocar o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de processo penal, constitui fundamento para o recurso a insuficiência da matéria de facto provada, “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum”: como entendeu este Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 11/05/2015 (proferido no processo n.º 3805/12.6IDPRT.G1 consultado em www.dgsi.pt), verifica-se o vício em causa “quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz”. Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques (in Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, 2020), existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando “se chega à conclusão de que com os factos provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou (…), quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito”: como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 07/06/2021 (processo n.º 07P2268), “o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (…)”. No mesmo sentido, se pronunciou o mesmo Tribunal Superior no Acórdão do Tribunal de 12/03/2009 (processo n.º 3173/08.5), entendendo que “a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão implica falta de factos provados que autorizem a ilação tirada. É uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo da própria decisão …) mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar como provados os factos que se consideraram como provados”.
O apontado vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. com Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª ed., p. 279; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., p. 77 e ss.), tratando-se assim de um vício intrínseco da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal ocorrerá quando a matéria de facto provada for insuficiente para fundamentar a decisão de direito ou quando o Tribunal não tiver investigado toda a matéria de facto com interesse para a decisão: diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova.[9]
No caso dos autos, o recorrente invoca a existência na decisão recorrida, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, afirmando que era necessário era dar como provado “qual o rendimento lícito do arguido, o que salvo o devido respeito, não se verifica, por não ter sido dado como provado”; acrescenta o recorrente que “faltando um dos elementos para calcular essa diferença, não é possível calcular a mesma e logo não é possível concluir-se pela alegada incongruência do património do arguido com os seus rendimentos lícitos”.
Ora, face à matéria de facto provada, ao contrário do defendido pelo recorrente, não se verifica qualquer “carência de factos que suportem uma decisão de direito”. Na verdade, na matéria de facto, nomeadamente no ponto 424., consta o valor do património do arguido considerado incongruente, partindo e bem, do valor do rendimento declarado à AT e ponderando “o património referido em 412 a 419 com excepção dos imóveis os quais foram adquiridos por usucapião (no valor de € 25.000+€ 2999,99)”. A matéria de facto permite a conclusão de Direito a que o Tribunal chegou sendo certo que o recorrente não concorda com o cálculo levado a cabo pelo Tribunal recorrido, o que é legitimo, mas não pode imputar à decisão recorrida qualquer insuficiência factual.
Segundo se percebe, o recorrente entende que o Ministério Público teria de provar, além do mais, o rendimento lícito do arguido para se poder concluir que houve uma vantagem ilícita resultante da actividade criminosa, mas a este propósito o Tribunal explicou que “em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”. E citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/06/2014, cujo teor nós também subscrevemos, explicou como chegou ao “valor incongruente”, escrevendo que “apurado o valor do património, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita auferidos pelo arguido naquele período. Se desse confronto resultar um “valor incongruente”, não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse montante da incongruência patrimonial que poderá ser declarado perdido a favor do Estado, uma vez que, condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) de origem ilícita desse valor”.
Assim, não restam dúvidas que a matéria de facto provada é suficiente para fundamentar a decisão de direito, não resultando dos autos sequer qualquer lacuna de investigação com interesse para a decisão. O que o recorrente invoca é, ao cabo e ao resto, uma insuficiente prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pelo que sem outros considerandos, se impõe a improcedência do recurso nesta parte.
Vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
O recorrente invoca a existência na decisão recorrida, do vício da contradição insanável na fundamentação, mas também não tem razão.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, b) do Código de processo penal, constitui fundamento para o recurso, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum”: como entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 11/05/2015 (proferido no processo n.º 3805/12.6IDPRT.G1 consultado em www.dgsi.pt). Verifica-se o vício em causa, além do mais, quando “analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão” – cf. o mesmo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
No mesmo sentido entendeu o Tribunal da Relação de Évora (no acórdão de 20/06/2006, consultado em www.dgsi.pt), considerando que existe contradição insanável da fundamentação, quando “na fundamentação os factos provados e não provados se contradigam entre si ou se excluam mutuamente”. Por contradição, entende-se “o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas; proposições contraditórias são as tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e em qualidade. Para haver contradição insanável é necessário que haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade - cf. com Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, página 79).
Para fundamentar a existência do vício em causa, o recorrente alega que “na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” nos pontos 197 a 213 é dado como assente, “que o arguido regista hábitos de trabalho desde pequeno e mantinha a actividade como vendedor de tractores e alfaias agrícolas e comercialização de gado e bem assim uma sociedade com a companheira, num restaurante situado no Porto, ainda encerrado” e que por outro lado, no ponto 214 dos factos dados como provados é dado como assente que “o arguido CC não tem antecedentes criminais registados”. Acrescenta ainda que a contradição existirá também como que conta da página 339, do Acórdão recorrido quando aí se escreve que “(…) CC outros rendimentos que embora não declarados, estes arguidos provaram ter auferido (…)”.
Ora, não se percebe onde está a contradição entre afirmar que o arguido regista hábitos de trabalho e atividade como vendedor de tratores e alfaias agrícolas e comercialização de gado e afirmar que o mesmo não tem antecedentes criminais.
Quanto ao  que se escreve na pagina 339 quanto à existência de outros rendimentos não declarados mas que o arguido teria provado receber, também não se deteta qualquer contradição sendo certo que como o arguido não pode ignorar, o Tribunal recorrido decidiu julgar “parcialmente procedente” o incidente de declaração de perda ampliada, justamente porque entendeu que o montante liquidado pelo Ministério Público na acusação - 277.213,93 € - era exagerado, tendo-o reduzido a 249.213,94 €, certamente tendo em conta os referidos valores recebidos pelo arguido e não declarados.
O facto de o arguido ter hábitos de trabalho desde pequeno, de manter uma a actividade “com a venda de tractores e alfaias agrícolas e com comercialização de gado e ainda uma sociedade com a companheira”, auferindo rendimentos destas atividades, em nada contradiz o que o Tribunal concluiu quanto ao património que considerou ser incongruente. Na verdade, estando em causa atividades obrigatoriamente sujeitas a imposto (IRS, IRC e IVA), na ausência de outros elementos, era legítimo ponderar os rendimentos declarados à administração tributária, não se percebendo de que forma podia o Tribunal calcular o rendimento lícito do arguido.
Também o facto de não ter antecedentes criminais constitui qualquer requisito para aplicação do regime previsto na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro. Parece que o recorrente entende que para aplicação do regime em causa, seria exigível a sua condenação anterior, mas tal não era legalmente exigível. Segundo o entendimento que o recorrente parece defender, só nos casos de segunda condenação se poderia aplicar o instituto da perda alargada o que como é evidente, significaria que jamais se atingiriam os propósitos que estiveram na base do diploma em causa, permitindo-se que os ganhos “incongruentes” entretanto auferidos, ficassem fora de qualquer controlo.
Elabora por isso em manifesto erro o recorrente quando entende ser necessária a prova de uma condenação anterior.
Sem outros considerandos, não se detetando qualquer contradição na decisão recorrida, conclui-se que também improcede a invocação do apontado vício.
Finalmente, invoca o arguido o vício do erro notório na apreciação da prova.
Vejamos.
O recorrente alega que a sentença recorrida enferma em erro notório na apreciação da prova, porque “considerando um homem médio suposto pela ordem jurídica e tendo em conta as regras da experiência comum, considerando a matéria de facto dada como provada e não provada e perante o teor da decisão recorrida, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” violou as regras da experiência comum e efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos e contraditórios, da mesma, ao decidir nos termos em que o fez.
Ora, também nesta parte, não assiste razão ao requerente, vejamos porquê:
Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, c) do Código de processo penal, constitui fundamento para o recurso, o erro notório na apreciação da prova, “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum” – cf. o Acórdão de 11/05/2015 deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 3805/12.6IDPRT.G1 (consultado em www.dgsi.pt). Verifica-se o vício em causa quando, além do mais, no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Como é jurisprudência pacífica (como se escreve, entre outros, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/02/2011, processo 308/08.7ECLSB.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/03/2018, processo n.º 628/16.7T8LMG.C1, de 03/06/2015, processo n.º 12/14.7GBSTR.C1, de 14/01/2015, processo n.º 72/11.2GDSTR.C1, e de 17/12/2014, processo n.º 872/09.3PAMGR.C1; e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2015, processo n.º 3793/09.6TDLSB.L1-9, todos acessíveis em www.dgsi.pt), só há erro notório na apreciação da prova quando for de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão[10].
Ora, o recorrente não cumpre o ónus que sobre si recaia de demonstrar a existência do vício em causa, limitando-se a de forma singela, concluir pela existência do apontado erro. Pergunta-se: de que forma foram violadas as regras da experiência comum, de que forma se pode concluir que a decisão recorrida tenha assentado em juízos ilógicos? Pela nossa parte, entendemos que por mais que se procure, não se encontra o alegado vício na decisão recorrida, sendo certo também que lendo e relendo a motivação do recurso, em nenhum ponto se deteta qualquer fundamento válido para justificar a sua existência.
O que o recorrente dá nota é, no fundo, da sua discordância ao próprio regime da perda ampliada, o que é legitimo, mas não consegue fundamentar qualquer um dos vícios que aponta à decisão recorrida.
Assim, sem outros considerandos, impõe-se a improcedência do recurso, também nesta parte, sendo certo que a invocação dos vícios acima indicados, resulta, em boa medida e salvo o devido respeito, de uma errada interpretação do regime da perda alargada de bens que foi aplicado na decisão recorrida, como se irá de seguida expor.

Da verificação dos pressupostos do instituto da perda alargada:
Alega o recorrente CC que não se verificam “cumulativamente todos os pressupostos para aplicação da figura prevista na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro e cujo ónus da sua prova impendia sobre o Ministério Publico”, alegando ser a sua condenação, “manifestamente desmesurada, mal fundamentada e desproporcional aos factos dados como provados”.
Vejamos, começando por atentar no que a propósito foi escrito da decisão recorrida (transcrição):
Do exposto resulta que o artigo 7º da Lei 5/2002 estabelece uma presunção “juris tantum” tendente à aplicação desse mecanismo. 
São, então, pressupostos da aplicação da perda alargada:
- a condenação por um dos crimes do catálogo (artº 1º al.a) da Lei 5/2002)
- a existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e beneficio do condenado, património esse em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos;
- a demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos lícitos;
Com efeito, uma vez verificados os mencionados pressupostos, o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detectado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de actividade criminosa. Quer dizer, o conhecimento daqueles factos permite afirmar, com a necessária segurança, um facto desconhecido: a verdadeira origem dos bens. É nisto que se traduz a presunção da proveniência do património desconforme. Cabe ao arguido ilidir a presunção legal, demonstrando que, afinal, apesar de todas as aparências, o património não tem nada de incongruente, não sendo possível ilidir essa presunção com a dúvida em favor do réu (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2018, proc. nº 448/16.9T9VFR-T.P1, disponível em www.dgsi.pt). 
Dispõe-se no artigo 9.º da Lei n.º 5/2002 que a presunção poderá ser afastada através da prova de que os bens resultaram de rendimentos lícitos, de que estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou, provando ainda que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido. 
Cabe agora analisar o caso sub judice
(...)
No que se refere aos demais arguidos BB, (…), vão os mesmos condenados pela prática de crime de catálogo, nomeadamente (…) mediação de armas, previsto no artigo 1º nº 1 alínea a) da Lei º 5/2002, de 11 de Janeiro. 
 No que tange à comparação da situação patrimonial anterior e posterior à prática dos crimes, a comparação dos valores apresentados nas declarações de rendimentos apresentadas por estes arguidos a que acrescem quanto aos arguidos (…) CC outros rendimentos que embora não declarados, estes arguidos provaram ter auferido, podemos quantificar montantes globais ilegítimos incongruentes com a sua situação patrimonial nos seguintes valores: 
- (…); 
- CC no valor de € 249.213,94.   
- (…).
- (…).  
 Pelo que o incidente de perda alargada é julgado parcialmente procedente em relação aos arguidos (…) e CC e totalmente procedente em relação aos arguidos (…). 
 (…).    
A Lei 5/2002, de 11 de janeiro veio estabelecer um conjunto de medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, prevendo logo no seu artigo 1.º, «um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do estado», relativamente aos crimes ali previstos, entre os quais está o crime de tráfico de armas – cf. com a alínea c) do artigo 1.º. De acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º 1 daquele diploma, «em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito», entendendo-se por «património do arguido» nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o conjunto dos bens: «a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino». A presunção prevista pelo legislador pode ser ilidida se o arguido provar a origem lícita daqueles bens como resulta do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Daqui resulta que como bem se escreve na decisão recorrida, são pressupostos da aplicação da perda alargada, os seguintes:
- a condenação por um dos crimes do catálogo indicados no artigo 1.º, n.º 1 da Lei 5/2002)
- a existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e beneficio do condenado, património esse em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos;
- a demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos lícitos;
Verificando-se estes pressupostos, como se acrescenta na mesma decisão, o legislador presume que “a diferença entre o valor do património detectado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de actividade criminosa. Quer dizer, o conhecimento daqueles factos permite afirmar, com a necessária segurança, um facto desconhecido: a verdadeira origem dos bens”.
Existe assim uma “presunção da proveniência do património desconforme”, cabendo ao arguido ilidir a presunção legal, demonstrando que, afinal, “apesar de todas as aparências, o património não tem nada de incongruente, não sendo possível ilidir essa presunção com a dúvida em favor do réu” – cf. a mesma decisão recorrida. Aliás, bem se compreende que assim seja, porque será naturalmente mais fácil ao arguido ilidir a presunção legal em causa, demonstrando o valor dos seus rendimentos lícitos.
Como escreve Augusto Silva Dias (incriminalidade organizada e combate ao lucro ilícito” - Congresso de Investigação Criminal, Almedina Coimbra, 2010), estamos perante “um regime de confisco ampliado, assente estruturalmente numa presunção e numa inversão do ónus da prova, nos termos previstos pela Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, cumpre finalidades político-criminais idênticas à da perda de bens e vantagens relacionadas com a prática do crime: reforçar na consciência coletiva o lema de que o crime não compensa e evitar que o património obtido de forma criminosa organizada seja utilizado para cometer novos crimes ou para ser “investido” na economia legal”.
No regime geral da perda de coisas e direitos relacionados com a prática de um ilícito criminal, previsto nos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo Penal, exige-se a demonstração de que as perdas das vantagens foram obtidas, direta ou indiretamente, como resultado da prática de um facto ilícito, exigindo-se a prova no processo, da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e o correspondente proveito patrimonial obtido. Com a entrada em vigor da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, foi introduzido no ordenamento jurídico português um regime especial de perda de vantagens resultantes da prática de determinados ilícitos que já não exige a aludida demonstração, sendo que o seu objetivo foi o de fazer face às novas exigências colocadas pelo combate à criminalidade organizada e económico-financeira que como é reconhecido internacionalmente, é cada vez mais sofisticada e geradora de ganhos muito elevados. Como se escreve na exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 94/VIII que esteve na origem da referida Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, na base deste novo regime está a constatação de que «(…) a eficácia dos mecanismos repressivos será insuficiente se, havendo uma condenação criminal por um destes crimes (…), o condenado puder, ainda assim, conservar, no todo ou em parte, os proventos acumulados no decurso de uma carreira criminosa”.
Diga-se que esta tendência tem merecido a atenção no plano do direito internacional e europeu, como se dá conta detalhadamente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 498/2019 (proferido no processo n.º 457/18 – 3.ª Secção), parcialmente transcrito no parecer da Senhora Procuradora Geral da República e que aqui nos escusamos de voltar a reproduzir, mas que nos serve de guia na apreciação do recurso tendo em conta a sua clareza.
Assim, e considerando o que vimos dizendo, há que rebater desde logo a argumentação do recorrente de que o instituto da “perda alargada” é um “mecanismo penal de índole condenatória” sendo certo que percebemos que o recorrente defenda esse entendimento, para poder invocar a violação de princípios do processo penal nos termos em que o faz, mas não tem razão.
Na verdade, quando o Tribunal aplica o regime da perda alargada previsto no diploma acima citado, não está a condenar o arguido numa sanção penal porque ao decidir o “incidente de declaração de perda alagada”, já navega a jusante da condenação penal, sendo que no caso do ora recorrente, só julgou verificados os pressupostos do instituto em causa porque deu como provada a prática pelo mesmo, de um dos crimes de catálogo previstos no artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro.
Nesse sentido, entendeu que o Tribunal Constitucional, no Acórdão que vimos seguindo (proferido no processo n.º 498/2019), que “embora não exista a este respeito absoluto consenso, afigura-se preponderante a posição segundo a qual o instituto não tem natureza penal ou, sequer, sancionatória”, posição que também foi “implicitamente acolhida no Acórdão n.º 101/2015 e abertamente secundada – e desenvolvida – no Acórdão n.º 392/2015”, como se acrescenta na mesma decisão.
Assim não tem razão o recorrente quando alega que a presunção estabelecida nos artigos 7.º e 9.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, viola os princípios da presunção de inocência e do direito ao silêncio do arguido, assim como a própria estrutura acusatória do processo penal.
Como se escreve de froma eloquente naquele mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional, “embora enxertado naquele processo penal, o que está em causa neste procedimento, repete-se, não é já apurar qualquer responsabilidade penal do arguido, mas sim verificar a existência de ganhos patrimoniais resultantes de uma atividade criminosa. Daí que, quer a determinação do valor dessa incongruência, quer a eventual perda de bens daí decorrente, não se funde num concreto juízo de censura ou de culpabilidade em termos ético-jurídicos, nem num juízo de concreto perigo daqueles ganhos servirem para a prática de futuros crimes, mas numa constatação de uma situação em que o valor do património do condenado, em comparação com o valor dos rendimentos lícitos auferidos por este faz presumir a sua proveniência ilícita, importando impedir a manutenção e consolidação dos ganhos ilegítimos. Mais se acrescenta no mesmo acórdão que no procedimento enxertado no processo penal da perda alargada, “não operam as normas constitucionais da presunção da inocência e do direito ao silêncio do arguido”, ao contrário do que acontece, como foi naturalmente o caso dos autos, no procedimento criminal pela prática dos factos integradores de algum dos crimes referidos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, onde o arguido beneficiou, como se impunha, “de todas as garantias de defesa em processo penal, não havendo qualquer alteração às regras da prova ou qualquer outra especificidade resultante do regime de perda de bens previsto na aludida Lei.
Tendo havido no caso dos autos, uma condenação pela prática de um dos crimes de catalogo previsto na lei, a mesma não ignorou a presunção de inocência, tendo o procedimento criminal mantido a sua estrutura acusatória. O Ministério Público logrou provar o que lhe competia provar na audiência de julgamento, tendo ocorrido a condenação do arguido, afastando-se a presunção da inocência face à prova produzida, sendo que a condenação por um dos crimes de catálogo, uma vez transitada em julgado, constituiu, como vimos, um dos pressupostos para a procedência do incidente da perda alargada.
No sentido de que a apontada presunção legal constante do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é conforme ao texto constitucional, também se pronunciou o mesmo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 101/2015 também citado no parecer junto aos autos, entendendo que a “presunção contida no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 apenas opera após a condenação, em nada contrariando, pois, a presunção de inocência, consagrada no n.º 2 do artigo 32.º da CRP”.
Não se vislumbra assim qualquer violação de princípios constitucionais, incluindo os princípios da presunção de inocência, do direito ao silêncio do arguido, nem se contraria a estrutura acusatória do processo penal.
O recorrente alega ainda que a alínea c) do n.º 1, do art.º 1 e o n.º 1 do art.º 7 da lei 5/2002, “quando interpretados no sentido da sua aplicabilidade a criminalidade não organizada padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não podendo, por isso, além do mais alegado, também, por aqui, o regime previsto na citada lei ser aplicado ao arguido por inconstitucionalidade dos referidos preceitos”. Entende o recorrente que a lei n.º 5/2002 “foi criada pelo legislador voltada para a criminalidade económica financeira grave e organizada e não de modo algum para a dimensão criminal em causa nos autos”.
Ora, resulta de forma clara do Artigo 1.º, n.º 1, c) da lei n.º 5/2002 que este diploma é aplicável nos casos de condenação pela prática de crimes de “Tráfico de armas”, não cabendo ao intérprete restringir o âmbito da previsão legal, em nome de uma suposta violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. Evidentemente que os crimes previstos no artigo 1.º do diploma em causa, abrangem situações muito diferentes, admitindo-se que haverá crimes ali previstos que em abstracto podem ser considerados ainda mais graves que os crimes de tráfico de armas, mas o legislador entendeu que estes, por si, justificam as medidas ali definidas, não ignorando que estamos perante crimes que exigem sempre alguma organização e que são potenciadores de uma criminalidade violenta que põem em causa a própria segurança do Estado. 
De resto, em bom rigor, o recorrente não explica de que forma são violados os princípios da proporcionalidade e da igualdade, não sendo os seus argumentos suficientes para justificar qualquer juízo de inconstitucionalidade, não sendo suficiente para tal, a mera alegação de inconstitucionalidade com base na alegada menor “dimensão criminal” do crime pelo qual foi condenado.
Pela nossa parte, não vislumbramos qualquer violação dos princípios invocados pelo recorrente.
Improcede, assim, na totalidade o recurso interposto pelo arguido CC.
*
Impugnação ampla da matéria de facto – alegado erro de julgamento: recurso dos arguidos EE e BB.

Vejamos.
No âmbito da impugnação “ampla” da matéria de facto (também chamada recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto), a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que contém e pode ser extraído da prova documentada produzida em audiência, dentro dos limites dados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Neste caso, o recurso tem como fundamento, os erros de julgamento, com base nas provas produzidas e na sua ponderação, “erradamente” apreciadas e valoradas pelo Tribunal recorrido, pretendendo-se que o Tribunal de recurso se debruce, não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida no Tribunal recorrido (cf. com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2017, consultado em www.dgsi.pt). No entanto, o Tribunal ad quem procede à reapreciação da prova, com a amplitude consentida pelo n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, reapreciando as provas à luz do princípio da livre apreciação, sindicando deste modo a convicção do juiz de julgamento em primeira instância, mas com a limitação decorrente da ausência de “imediação e de oralidade”: como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2007 (de que foi relator o Desembargador Carlos Almeida, acórdão consultado em www.dgsi.pt), não tendo  o Tribunal superior, “os mesmos poderes que tinha a primeira instância” e só podendo alterar o aí decidido “se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida”. Como tem também, vindo a ser entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa aos meios de prova que impõem uma decisão diferente, quantos aos pontos de facto concretamente indicados. Como escrevem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in Recursos Penais, 9.ª edição, editora Rei dos Livros), “O julgamento em que é legítimo apostar como instrumento preferencial de uma correta administração da justiça é o da primeira instância[11].
Acresce que quando o recorrente opta pela impugnação ampla da matéria de facto, tem que dar cumprimento a um “tríplice ónus”, em obediência ao disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/09/2012 (processo n.º 45/09.8GBACB.C1, também consultado em www.dgsi.pt): 
a) Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência;
b) Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do encimado artigo 412.º);
c) Indicar que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
Na verdade, impõe o artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas.

Recurso do arguido EE: nulidade da busca realizada em 13/10/2020:
O recorrente impugna a matéria de facto, alegando que o ponto de facto n.º 107 dado como provado, foi incorretamente julgado, por “existirem concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”.
Para fundamentar o alegado erro de julgamento, o recorrente invoca a nulidade da busca realizada em 13/10/2020 na viatura ..., modelo ...0, com matrícula ..-..-BG, ao abrigo do artigo 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, por ter sido autorizada pelo recorrente que “não era, nem nunca foi proprietário da referida viatura”. Entende o recorrente que a busca em causa não podia ter sido validada. Fundamenta ainda a existência do alegado erro de julgamento, com fotografias que junto aos autos na audiência de julgamento, das quais resultaria, que o veículo em causa, se encontrava num logradouro aberto pertença da habitação e não da oficina, local que tinha acesso livre e aberto para a via pública.

Vejamos.
A matéria de facto em causa é a seguinte:
“107. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca ao veículo automóvel da marca ...”, com a matrícula ..-..-BG pertença do arguido EE que se encontrava estacionado no logradouro da sua oficina, tendo sido apreendido para além da própria viatura, um saco plástico transparente, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 995,730 gr. (novecentos e noventa e cinco vírgula setecentos e trinta gramas), com um grau de pureza de 12,8% (THC) (doze vírgula oito por cento), equivalente a 2549 (duas mil quinhentas e quarenta e nove) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades), que se encontrava no referido veículo”. 
Na motivação da decisão de facto, consta o seguinte:
Para prova dos factos descritos em 105 a 107 valorou o Tribunal os autos de busca e apreensão de fls. 3174 e ss., 3178 e ss. e 3181 e ss., teste rápido de fl.s 3189 e 3190 e bem assim o relatório pericial de análise do produto estupefaciente de fls. 5525. Mais se valorou o depoimento da testemunha PP, Inspector da PJ que esteve presente nas buscas realizadas a este arguido. 
Em sede de alegações, a defesa do arguido EE colocou em causa a legalidade da busca ao veículo .... 
Cumpre salientar que não obstante o arguido EE ter referido ao Inspector aquando da busca, que o veículo sendo de sua propriedade, tinha sido vendido por si a um seu conhecido, tal versão não colheu minimamente. Em audiência, o arguido remeteu-se ao silêncio e não clarificou tais factos. Não consta dos autos qualquer prova documental ou testemunhal que permita associar a viatura ao referido conhecido do arguido, de nome OO, sendo de salientar que o inspector PP referiu que a viatura estava estacionada no logradouro da oficina do arguido ainda que se tratasse de um logradouro aberto. As fotografias juntas pelo arguido a fls. 11202 não permitem infirmar tais declarações. De modo que se conclui que a viatura embora podendo ou não ser pertença do arguido, estava claramente na sua posse assim como a droga que se encontrava no seu interior. De salientar que existia mandado para a realização da busca ao automóvel, nomeadamente a fls. 3176, sendo o mandado emitido para “veículos propriedade e/ou na posse de EE – “EE”, desde que não se encontrem nas suas residências e/ ou nas garagens das suas residências”. De salientar que no interior da oficina foi encontrada uma balança de precisão”. 
Para prova dos factos descritos em 107 a 111 valorou-se o teor dos autos de busca e apreensão de fls. 3275 e 76, reportagem fotográfica de fls. 3277 e ss. e 3280 e ss., auto de exame das munições de fls. 3293, fotografia de fls. 3294, auto de apreensão de fls. 6287 e 6288, fotografias de fls. 6290 e ss., print de registo automóvel de fls. 6289, relatório pericial relativo ao produto estupefaciente de fls. 5531.   
Mais se valorou o depoimento da testemunha IIIIIIIII, Inspector da PJ que participou na busca.  
Nos termos do disposto no artigo 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, «ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do titular». Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque, a apreensão é uma medida de obtenção de prova que visa a guarda dos vestígios da prática do crime detetados, sendo autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária.
No caso dos autos, a busca realizada em 13/10/2020 na viatura ..., modelo ...0, com matrícula ..-..-BG, foi ordenada pela autoridade judiciária competente como reconhece o próprio recorrente, sendo que este apenas põe em causa a validade do consentimento por não ter sido prestado, alegadamente, pelo proprietário da viatura que não seria o arguido. Ora, antes de mais, há que referir que a busca resultou da emissão pela autoridade judiciária competente, de um mandado para a realização da busca ao automóvel, constante de fls. 3176, do qual resultava que o seu objeto abrangia “veículos propriedade e/ou na posse de EE – “EE”, desde que não se encontrem nas suas residências e/ ou nas garagens das suas residências”. Estava assim autorizada a busca a veículos mesmo que não fossem propriedade do arguido visado (bastando a posse, ainda que a título precário), sendo que o mandado de busca abrangia claramente viaturas que, como a dos autos, se encontrassem num logradouro aberto. Acresce que é contraditório afirmar na motivação do recurso que o veículo visado nunca foi propriedade do arguido, quando o próprio reconheceu aquando da realização da busca, que o veículo já lhe tinha pertencido.
A tentativa do arguido em afastar qualquer relação jurídica com o veículo, cujo objectivo se compreende, não foi julgada credível pelo Tribunal recorrido, porque, além do mais, “não consta dos autos qualquer prova documental ou testemunhal que permita associar a viatura ao referido conhecido do arguido, de nome OO”, constatação que não nos merece qualquer reparo.
Quanto às fotografias juntas pelo arguido na audiência de julgamento, como também concluiu o tribunal recorrido, as mesmas não permitem “infirmar” as declarações que o inspetor PP prestou, referindo que a viatura estava estacionada no logradouro da oficina do arguido ainda que se tratasse de um logradouro aberto.
Acresce que, como também acertadamente concluiu o Tribunal recorrido, a viatura em causa, “podendo ou não ser pertença do arguido, estava claramente na sua posse assim como a droga que se encontrava no seu interior”, sendo certo que para reforçar a ligação do arguido ao estupefaciente apreendido no interior do veículo em causa, há a considerar que na sua oficina, foi encontrada uma balança de precisão, objecto frequentemente utilizado na atividade de tráfico de estupefacientes.
Por último acrescentaremos que de acordo com as regras da experiência comum, não é verosímil que um qualquer terceiro tivesse deixado o estupefaciente no interior de um veículo que entregou numa oficina para reparação.

De tudo resulta que improcede nesta parte o recurso do arguido EE.
1. Recurso do arguido BB.
O recorrente indica que considera incorretamente julgados os pontos nºs 1), 2), 3), 4), 5), 6),7),8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18, 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 59) 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66) e 167) dos factos provados, entendendo que os mesmos deveriam ter sido julgados como não provados.
Quanto às “provas que impõem decisão diversa da recorrida” (alínea b) do artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), o recorrente invoca a valoração pelo Tribunal recorrido, de métodos proibidos de obtenção de prova, alegando a ilegalidade da acção encoberta.
Vejamos.
Na decisão da matéria de facto, o Tribunal recorrido ponderou o seguinte (transcrição parcial):
- Da Legalidade da acção encoberta 
(…)
Ora relativamente ao acesso aos relatos intercalares e referentes a cada uma das reuniões dos AE assim como o acesso aos despachos do MP e despachos judiciais que autorizaram/confirmaram a acção encoberta, já os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães proferidos nestes autos e datados de 20/03/2023 e 31/10/2023 apreciaram esta questão e vedaram o acesso deste Tribunal Colectivo aos relatos intercalares da acção encoberta e todos os demais elementos que a compõem, assim como a todos os despachos de autorização ou confirmação da referida acção, apenas possibilitando o acesso ao relato final já junto aos autos. 
No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nestes autos em 20/03/2023 entendeu-se que o acesso pelo Tribunal e sujeitos processuais ao dito relato, «há-de permitir avaliar da legalidade da acção encoberta realizada, desde logo pela existência ou não da necessária autorização judicial (que a existência do relato implicitamente comprova, acrescendo que do mesmo há-de constar referência a tal autorização)». 
Consta dos autos apenas um único despacho proferido em 18/10/2018 com a refª ...29 pelo Juiz de Instrução Criminal com o seguinte teor: “Tomei conhecimento da ação encoberta, bem como do seu fim, pelo que, com o arquivamento destes autos e encontrando-se objetos apreendidos, nos termos do art.º 109º do CP declaro-os perdidos a favor do Estado atento o circunstancialismo. Notifique e devolva.  Porto, d s” 
No relato final junto aos autos e datado de 20/11/2020 refere-se a fls. 626, quarto parágrafo, o seguinte: “A acção encoberta foi autorizada no dia 30/10/2018, sensivelmente há dois anos atrás”. 
São estes os únicos elementos a que este Tribunal Colectivo teve acesso, pelo que deve presumir-se que a AE foi então autorizada judicialmente, pelo menos, em 18/10/2018, pelo JIC, sem prejuízo de até poderem existir despachos anteriores, eventualmente do Ministério Público, a que não podemos ter acesso.  Assim sendo, temos por cumprido o disposto no artigo 3º nº 3 da Lei nº 101/2001 de 25/08. Cremos que antes deste despacho do JIC há-de ter existido um despacho de apresentação/comunicação da acção encoberta pelo Magistrado do MP e posteriormente seguiu-se este despacho de validação datado de 18/10/2018.
No caso dos autos, temos por demais evidente que não terá apenas havido um relato final mas sim diversos relatos/relatórios intercalares relativos às diversas intervenções dos AE, porquanto resulta dos autos que os mesmos tiveram encontros com o arguido BB em diversas ocasiões distintas, nomeadamente em 27/11/2018, 28/02/2019, 04/04/2019, 30/07/2019, 12/09/2019, 10/10/2019, 24/10/2019, 21/11/2019, 16/06/2020, ao longo de cerca de 1 ano e meio. Ademais, em depoimento prestado em audiência, os AE referiram que no final de cada intervenção, cada um deles efectuava um relatório. Estabelece então o artigo 3º nº 6 da Lei nº 101/2001 de 25/08, que “A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela”.
 Ora quanto ao cumprimento desta disposição legal, nada consta dos autos e não nos foi permitido ter acesso aos referidos despachos de controlo/validação dos relatos. Ora no seu depoimento, o AE JJ quando inquirido na 17ª sessão da audiência de julgamento após a junção aos autos do relato final, referiu que segundo sabe, a acção encoberta foi várias vezes levada ao MP para controlo e constam da acção encoberta diversos despachos do MP ao longo do tempo, aos quais a testemunha veio a ter acesso. Assim sendo, deve ter-se igualmente por cumprido o disposto no referido artigo 3º nº 6 da Lei nº 101/2001 de 25/08.
Quanto ao cumprimento do disposto no artigo 2º da Lei nº 101/2001 de 25/08, consta do relato final que no âmbito do inquérito se investigavam factos susceptíveis de configurarem um crime de associação criminosa, relacionado com tráfico de armas de fogo e outros conexos. Tal foi igualmente confirmado pelos agentes encobertos em audiência de julgamento. Trata-se de um crime de catálogo (cfr. alínea j) do artigo 2º). O facto de se ter mais tarde deixado cair a associação criminosa e não terem os arguidos sido acusados pela prática deste crime não invalida a prova obtida. Efectivamente foram feitas diversas diligências de cooperação internacional, tendo sido investigados nos autos indivíduos de nacionalidade ... e sido emitida uma decisão europeia de investigação dirigida a Espanha, com vista a proceder a diversas diligências de investigação em relação a alguns indivíduos de nacionalidade ... que teriam contacto com o arguido BB (cfr. fls. 257, 439 e ss.). Pelo que não há dúvidas que os indícios apontavam para a associação criminosa, sendo o crime de tráfico de armas aparentemente cometido de forma organizada entre diversas pessoas e com dimensão internacional. Mesmo caindo o crime catálogo (associação criminosa) sempre se manteria válida a prova obtida quanto ao tráfico de armas que sempre teria sido validamente investigado no contexto dos chamados “conhecimentos da investigação” enquanto “crime de conexão” com o crime de associação criminosa (crime catalogo).    
Quanto à validação/comunicação do relato final pela autoridade judiciária, é verdade que do relato final junto não consta qualquer validação ali aposta pelo Magistrado do MP no sentido de certificar o cumprimento da referida disposição legal. É evidente que tal documento não pode conter uma certificação do Tribunal uma vez que o mesmo não deu nem poderia ter dado entrada no Tribunal/Secretaria do MP, atento o carácter altamente sigiloso da acção encoberta mas poderia eventualmente conter a assinatura do Magistrado do MP titular do inquérito a certificar o seu conhecimento do documento. Contudo, cremos que deverá certamente existir um despacho do MP a validar este relato final. Isto porque, por ofício da PJ datado de 28/04/2023 com a refª ...85, veio a referida entidade certificar que o relatório final constante em anexo ao e-mail em causa, corresponde ao original comunicado ao Ministério Público nos termos da acção encoberta autorizada. Ora se o Tribunal da Relação de Guimarães nos seus acórdãos datados de 20/03/2023 e 31/10/2023 entendeu que o Tribunal deveria poder controlar a legalidade e existência dos despachos de autorização/validação com base no relato da acção encoberta elaborado pela PJ, também teremos de nos ter por satisfeitos com esta referência agora efectuada pela PJ.  
De qualquer das formas, em termos de conteúdo material, o relato mais não é do que um mero resumo dos depoimentos dos AE e das suas intervenções uma vez que o referido relato foi, aliás, elaborado por um dos AE, o JJ. O relato pouco ou nada acrescenta face aos depoimentos prestados em audiência pelos AE, até porque depois da sua junção, o agente encoberto que o elaborou prestou novamente depoimento e esclarecimentos ao Tribunal sobre o seu teor. Aliás o AE JJ, autor do relato, referiu em audiência que se limitou a analisar a acção encoberta e a fazer um resumo com base nos relatos intercalares dos colegas, outros AE. Disse que o fez a pedido do superior hierárquico para ser entregue no MP tendo mesmo referido que “foi esfolhando o processo de acção encoberta e fez o resumo como calhou”. Ora é evidente que o relato final não deveria ter sido elaborado por um dos AE mas sim pela Polícia Judiciária, entidade que tem a seu cargo a direcção da operação. Neste sentido veja-se Isabel Oneto, em “O Agente Infiltrado, Contributo para a Compreensão do Regime Jurídico das Acções Encobertas””, Coimbra Editora, pág. 193, quando refere que “o relato há-de basear-se nas informações que o agente infiltrado vai fazendo chegar ao seu superior, eventualmente complementado por informações de outros agentes policiais que, de perto vigiem a operação. A final, poderá o agente rectificar o relato, precisando questões que possam ter sido transmitidas de forma menos clara”. 
Mas mesmo que houvesse incumprimento dos prazos de validação, a validade da acção encoberta também nunca estaria posta em causa. Isto porque, o conteúdo da acção encoberta e termos concretos das intervenções dos AE acabou por ser comunicado ao MP e por isso validado, quando os próprios AE prestaram depoimento junto do Magistrado do MP em inquérito e ali relataram as suas intervenções (até em maior pormenor do que o que consta do próprio relato final), o que ocorreu em  15/06/2020, 16/06/2020 e 06/10/2020, conforme autos de inquirição juntos aos autos e aliás reproduzidos em audiência de julgamento, antes mesmo da elaboração do relato final ocorrida em 20/11/2020, de acordo com a data nele aposta. Devemos considerar que o relato foi comunicado ao MP de acordo com a certificação efectuada pela PJ mas mesmo que tal não tivesse assim acontecido, a validação/conhecimento de toda a acção encoberta pelo MP sempre teria ocorrido naquelas datas, aquando da prestação dos depoimentos pelos AE, tendo o relato sido apenas o cumprimento de uma mera formalidade, um mero resumo desses depoimentos dos quais o MP já havia tomado previamente conhecimento. Aliás, se o Magistrado do MP não tivesse conhecimento e controlo sobre a acção encoberta, não teria chamado os AE a prestar depoimento na sua presença. Sendo o relato final um mero resumo dos depoimentos dos AE já prestados anteriormente perante o Magistrado do MP titular do inquérito, a validação deste relato pelo MP pouco ou nada acrescentava aos autos, pelo que mesmo que se entendesse existir falta de validação, tal vício nunca operaria, do nosso ponto de vista, a nulidade da prova. 
Seguimos de perto o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de Processo nº 2015/10.1TDLSB.L1, 3ª Secção, relatora Conceição Alves Gonçalves, de 20/02/2013 no qual se refere quanto ao incumprimento dos prazos de validação previstos no artigo 3º nº 6 da Lei nº 101/2001 de 25/08: 
“ (…) Mesmo entendendo que as proibições de prova constituem não só instrumentos de protecção de direitos individuais, mas também de interesses de caracter supra-individual, representados pelo Estado e pela Comunidade, e que enquanto valores do Estado de Direito, consubstanciam barreiras á busca da verdade, sempre se distinguem das meras regras de produção de prova que “visam apenas disciplinar o procedimento exterior da prova na diversidade dos seus métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de produção de prova configuram, na caracterização de FUGUEIREDO DIAS, “meras prescrições ordenativas de produção de prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (…) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor” (Manuel de Andrade, op. Cit., pag. 84). Ainda Manuel de Andrade (ob. cit.), citando PETERS “as regras de produção da prova visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições de prova, mas apenas disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo”.   
E continua aquele Tribunal “E neste caso (…) estamos perante uma regra de produção de prova, cuja violação não arrasta consigo uma proibição de valoração, antes fará emergir uma mera irregularidade, que não tendo sido tempestivamente arguida, mostra-se sanada (artigo 123º do Código de Processo Penal)”.   
Ainda que se entendesse que houve incumprimento dos prazos de validação, tal geraria apenas uma irregularidade. Ora os arguidos foram notificados do conteúdo do relato final em 29/03/2023 (refª ...77 de 29/03/2023 e ...08 de 29/03/2023). Ainda que os arguidos tenham arguido tal vício em tempo, o certo é que a irregularidade cometida nunca afectaria o valor do acto praticado, pelas razões já expostas (o Magistrado do MP já tinha tomado os depoimentos dos agentes na sua presença e o relato é um mero resumo dos mesmos).  
No n.º 2 do art. 123.º do CPP consagra-se o princípio da relevância material da irregularidade, segundo o qual só as ilegalidades relevantes devem ser tidas como irregularidades e só são relevantes as que afectam o valor do acto praticado. Isto é, aquelas que possam repercutir-se no mérito da decisão final a proferir na causa. 
Efectivamente, sendo o relato um mero resumo dos depoimentos dos AE já prestados pelo MP, mesmo que aquele não tivesse sido formalmente validado ou entregue ao MP apos o seu término, nunca teria a virtualidade de comprometer a legalidade da acção encoberta. 
 Alega também o arguido SS que o relato final não se mostra certificado no sentido de comprovar que o mesmo foi junto ao processo de acção encoberta e bem assim no sentido em que o mesmo foi realizado na data nele aposta. Nesse particular, a questão mostra-se ultrapassada pelo teor do ofício da PJ datado de 28/04/2023 com a refª ...85, já supra referido.  
De resto, o facto de o relato fazer referência a uma informação de serviço elaborada por um novo agente encoberto de nome “LL” e tal facto não constar da acusação, também não corrompe o relato nem lhe retira valor. É evidente que nem todos os factos devem constar da acusação. A acção encoberta é certamente muito mais extensa do que aquilo que consta da acusação, sendo que apenas os factos essenciais com relevância criminal devem ali constar.
Quanto ao facto de se tratar de depoimento indirecto pois, efectivamente, tal documento configura um mero resumo dos depoimentos dos AE elaborado por um deles. Como já se disse, não deveria ter sido o AE a elaborar o relato, nos termos em que o fez. Contudo, não se trata de depoimento indirecto porque o Tribunal ouviu todos os AE que intervieram pessoalmente como testemunhas em audiência de julgamento, não tendo aplicação o disposto no artigo 129º do Código de Processo Penal. Trata-se isso sim de um mero documento, sendo certo que, note-se, não foi com base neste relato que o Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos relativos à acção encoberta que considerou como provados mas sim nos depoimentos prestados pelos AE em audiência.  
Aliás, como referiu o Tribunal da Relação de Guimarães proferido nestes autos em 20/03/2023: “Atento o princípio da imediação da prova e visto o disposto no art. 355º, nº1, do CPP, tal relato, per se, é desprovido de qualquer valor probatório, pois que não consubstancia um documento que ateste, sem mais, a veracidade da descrição que ali se faça da intervenção do agente infiltrado, designadamente daquilo que ele viu e ouviu, o que, nos casos de absoluta imprescindibilidade do depoimento do agente atenta a sua previsível relevância probatória, só é possível alcançar mediante sua inquirição em audiência de julgamento, sujeita às regras do contraditório e à livre convicção do tribunal no que tange à apreciação da respetiva credibilidade e alcance probatório do depoimento. Porém, o relato poderá servir de complemento ao depoimento prestado em audiência de julgamento e auxiliar na corroboração de outros meios de prova produzidos no processo”.
Quanto à questão de “existir acção encoberta antes mesmo da sua autorização”, tal foi também alegado pelas defesas para inculcar a ideia da sua ilegalidade, mas nenhum facto concreto se provou quanto a isso. Em audiência de julgamento, aquando da sua reinquirição, o AE JJ relatou que a informação de serviço elaborada pelo AE LL e mencionada por si no relato final que elaborou, diz respeito ao primeiro contacto com o arguido BB e o referido JJ, tendo explicado que não foi o próprio JJ a elaborar a informação em causa para constar da acção encoberta porque segundo se recorda, estaria de férias. Tal informação constará de fls. 2 do processo da acção encoberta e terá dado origem à mesma. 
Ora, não consta dos autos qualquer elemento documental que nos permita concluir qual a data em que terá ocorrido tal primeiro contacto e por isso em que data terá tido início a acção encoberta, uma vez que não nos foi permitido aceder a tais elementos. Contudo, em sede de audiência de julgamento, o AE JJ descreveu ao Tribunal a forma como terá ocorrido esse primeiro contacto e referiu que o mesmo terá sucedido em Outubro ou Novembro de 2018 (cfr. facto provado descrito em 5 constante da fundamentação da matéria de facto), sendo que após reporte por escrito desse contacto, terá então a partir dali se iniciado a acção encoberta. Ora considerando que o despacho de autorização/validação judicial do JIC é de 18/10/2020, não se pode afirmar que a acção encoberta já estava a ser levada a cabo sem haver autorização. Não podendo o Tribunal ter acesso aos elementos documentais da acção encoberta e designadamente à referida informação de serviço, há que ter como boa a data mencionada em julgamento pelo AE JJ até porque nenhum elemento dos autos inculca a ideia de que tal contacto tenha ocorrido em data anterior. Aliás, os arguidos que tiveram intervenção na acção encoberta, BB e SS, não carrearam para o processo qualquer elemento do qual resultasse ou se indiciasse, sequer, uma data anterior para o início dos referidos contactos.
Nenhum problema se coloca quanto ao facto de a acção encoberta se ter prorrogado para além da data da detenção dos arguidos (cfr. data da elaboração do relato final).  
 Também quanto à duração da acção encoberta, a lei não prevê um limite temporal para aquela, daí que o artigo 5º da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto estabeleça que os agentes podem actuar sob identidade fictícia para o efeito de participarem em acção encoberta e que essa identidade fictícia é válida por um período de 6 meses prorrogável por iguais períodos.
A este propósito refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/09/2019, Proc. nº 89/18.6JELSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt: «Por outro lado, a obtenção de determinado resultado (no caso a detenção dos recorrentes e apreensão do produto em causa nos autos), não determina automaticamente o fim da acção encoberta, pois esta pode ter outros desenvolvimentos, que impliquem realização de mais actos investigatórios com intervenção do agente encoberto (nomeadamente tendo em vista a eventual identificação de outros intervenientes na actividade ilícita), que podem ou não produzir resultados, razão por que não pode a data da detenção dos recorrentes, sem mais, servir para definir o termo da acção encoberta».
 Aliás, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, pág. 660, «o limite máximo de qualquer acção encoberta realizada no âmbito do processo penal coincide com o prazo limite do inquérito, como resulta claramente do artigo 3º nº 3 da referida lei (“no âmbito do inquérito”)». 
 Por último, referem os arguidos que a acção encoberta assumiu carácter provocatório tendo a investigação sido realizada de forma tortuosa, com a utilização de “meios enganosos”, devendo por isso tal meio de prova ser fulminado com a nulidade, conforme prescrevem os n.ºs 1 e 2, al. a) do art. 126.º do Código de Processo Penal. 
Cremos que, também aqui, não lhes assiste razão e vejamos porquê.  
O regime legal das acções encobertas para fins de prevenção e investigação criminal encontra-se previsto na Lei101/2001, de 25 de Agosto e ali são definidas como sendo as «(...) que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro actuando sob o controlo da Policia Judiciária (...) com ocultação da sua qualidade e identidade.”
 No âmbito das acções encobertas, não ressaltando tal distinção do regime jurídico, podemos encontrar na doutrina e na jurisprudência a separação entre agentes infiltrados, agentes encobertos e agentes provocadores.
Segundo Germano Marques da Silva “os agentes informadores e infiltrados não participam na prática do crime, a sua actividade não é constitutiva do crime, mas apenas informativa, e, por isso, é de admitir que, no limite, se possa recorrer a estes meios de investigação”. Ensina o referido Professor que “…a provocação não é apenas informativa, mas é formativa; não revela o crime e o criminoso, mas cria o próprio crime e o próprio criminoso. A provocação, causando o crime, é inaceitável como método de investigação criminal, uma vez que gera o seu próprio objecto”.
Por sua vez, Manuel Augusto Alves Meireles considera como agente provocador aquele que «actuando sob uma falsa identidade e sem revelar a sua verdadeira qualidade, fazendo-se assim passar por aquilo que não é, convence outrem a cometer um crime. Esta farsa leva o provocado a executar o que de outra forma não cometeria». E prossegue o mesmo autor: «A pensar-se no resultado desta actuação como prova, teremos que concluir que a liberdade de vontade e de decisão do agente foram afectadas significativamente; quando pensa que, v.g. está a celebrar um negócio, embora ilícito, de facto está a constituir prova contra si mesmo». 
Já para Fernando Gonçalves, Manuel João Alves e Manuel Monteiro Guedes Valente, a actuação do agente provocador «faz “nascer” e “alimenta” o delito o qual não seria praticado não fosse a sua intervenção».
E, prosseguem os mesmos autores, «sendo o agente provocador, como é, agente do próprio crime, este é sempre inadmissível face à ordem jurídica portuguesa. A lei em circunstância alguma o prevê: nem a Constituição da República, nem o Código do Processo Penal». Mais referem em conclusão «Acresce que, as provas assim obtidas são ainda recondutíveis aos «métodos proibidos de prova», face ao disposto na última parte da alínea a) do nº 2 do art. 126 do CPP – utilização de meios enganosos – sendo, por isso, nulas, não podendo ser utilizadas (nº 1 do artº 126), a não ser para o seguinte e exclusivo fim: proceder criminalmente contra quem as produziu (agente provocador), nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal» 
Os agentes infiltrados são aqueles que, ocultando a sua identidade, interagem com os suspeitos, acompanham os seus actos, conquistam a sua confiança, praticando também crimes se necessário, com o objectivo de obter provas incriminatórias ou prevenir a prática de futuros crimes; os agentes encobertos frequentam os locais do crime com o objectivo de identificar os seus autores, mas sem interferir nas condutas criminosas, sem promoverem qualquer relacionamento próximo com os suspeitos; o agente provocador é aquele que leva ao cometimento do crime, provoca, induz o crime com o objectivo de vir a ser penalizado o criminoso (Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/01/2020, Proc. nº 1012/16.8T9STS.G1, disponível em www.dgsi.pt). 
No mesmo sentido, aderimos também à fundamentação do Acórdão do STJ, proferido em  20.2.2003 no processo 02P4510 e relatado por Simas Santos - onde claramente a Jurisprudência fixa quais as directrizes para distinguir na prática, quando é que a actuação de um agente policial assume os contornos de um agente provocador e como tal a prova assim obtida é proibida e nula ou pelo contrário, se reconduz à actuação de um agente infiltrado e a prova assim obtida é lícita - cujo sumário aqui se deixa parcialmente transcrito:
« (…) 
3 - No quadro normativo vigente, a actuação do agente provocador é normalmente considerada como ilegítima, caindo nos limites das proibições de prova, sendo patente o consenso da doutrina e da jurisprudência de que importa distinguir os casos em que a actuação do agente policial (agente encoberto) cria uma intenção criminosa até então inexistente, dos casos em que o sujeito já está implícita ou potencialmente inclinado a delinquir e a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão. Isto é, importa distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa, e a criação dessa mesma intenção.
(…) 
 5 - Não se verifica a actuação de agente provocador, mas sim de agente infiltrado se: - já está em execução uma operação de importação e introdução na Europa de 1.105 Kgs de cocaína, através de Portugal, com a droga a bordo de uma embarcação em alto mar, quando é contactado um português, livre e autonomamente escolhido pelos traficantes, para colaborar na transferência dessa substância no mar, no desembarque em território português e depósito até ser transportada para Espanha;
- esse cidadão se oferece para colaborar com a Polícia Judiciária, o que esta aceita; - obtém uma embarcação, com outros agentes encobertos e efectua o transbordo, com a presença de um representante dos traficantes que é o único que detém as coordenadas do ponto de encontro e o número do telefone satélite da outra embarcação;
- são os traficantes que decidem onde deve ser finalmente descarregada e depositada a droga, tendo enviado um casal para estar presente no arrendamento da casa destinada a depósito; - e são presos quando carregavam parte daquela substância para levar para a Espanha.      
6 - Neste caso também não se pode dizer que os agentes infiltrados tenham tido o total domínio do facto».
Ora, sendo muitas vezes difícil distinguir entre o modo de actuação de um agente provocador e o do agente infiltrado, importando assim reter que, enquanto o agente provocador fez nascer ou reforçar a resolução criminosa, a acção do agente infiltrado não suscitou a infracção, limitando-se a introduzir-se na organização com objectivo de descobrir e fazer punir o criminoso, não actuando, pois, para dar vida ao crime, mas com uma pretensão de descoberta, de revelação.
Em síntese, nas decisões supra enunciadas, o agente provocador é definido como o membro da autoridade policial ou um terceiro por esta controlado, que dolosamente determina outrem à comissão de um crime, o qual não seria cometido sem a sua intervenção, movido pelo desejo de obter provas da prática desse crime ou de submeter esse outrem a um processo penal e à condenação; como "aquele que induz outrem a delinquir com a finalidade de o fazer condenar", sendo que também pode estar subjacente, no caso do tráfico de estupefacientes, o intuito de apreensão da droga.
 Já o agente infiltrado - polícia ou terceiro por si comandado - é o que se insinua nos meios em que se praticam crimes, com ocultação da sua qualidade, de modo a ganhar a confiança dos criminosos, com vista a obter informações e provas contra eles mas sem os determinar à prática de infracções.
Acompanhando o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/09/2022, Proc. nº  108/21.9JELSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt, «(…) importa distinguir (…) se o autor não tinha nenhuma intenção de cometer o crime e este resulta apenas da incitação, do acto, da ideia, do facto do "provocador", ou se o autor tinha já a intenção de cometer crimes do tipo do proposto e mesmo, provavelmente, teria já anteriormente cometido outros crimes da mesma natureza, pelo que o facto do agente só reforça a ideia do crime, já concebida e existente».
A jurisprudência nacional, designadamente do Supremo Tribunal, tem admitido, face à legislação supra referida em vigor no nosso ordenamento, a figura do agente infiltrado, procurando distinguir se, em cada caso concreto, foram ou não ultrapassados os seus limites de actuação, tal como decorrem da lei.
E tem entendido que a legislação portuguesa - constitucional e ordinária - não permite a configuração do modelo do agente provocador.
Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação da liberdade de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar.
Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação.
Por exemplo, decidiu o STJ que o agente provocador actua movido pelo ímpeto de obter provas no âmbito criminal, determinando assim outrem à prática de um crime, condicionando e motivando a sua vontade criminosa (acs. de 97-03-05, procs. n.ºs 1125 e 1135).
E decidiu também (ac. de 96-03-21, proc. n.º 27/96) que o «agente infiltrado» usa o anonimato para recolher os indícios da execução da actividade criminosa que o seu autor já está anteriormente determinado a praticar, enquanto o «agente provocador» induz ou determina o agente material a cometer o crime e é, por isso, um elemento necessário e indispensável na formação da resolução da prática do acto ilícito pelo seu autor material.
Como já se viu, e o entendeu o Tribunal Constitucional: «do ponto de vista da legitimidade constitucional da intervenção do agente infiltrado, é, assim, relativamente indiferente que, contra determinado sujeito, esteja ou não a correr termos um inquérito.  O que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade, é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e a colher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E, bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária». 
E continua o TC «(…) de facto, na ânsia de dar combate ao crime grave, que mina as bases da sociedade, não podem legitimar-se comportamentos que atinjam intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão das pessoas. E isso, mesmo que tal se faça no propósito de desmascarar o criminoso, de pôr a descoberto a sua actividade delituosa. Quando se afecta intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão da pessoa, a deslealdade atinge um tal grau de insuportabilidade que é a integridade moral do sujeito que, então, é violada e, com ela, o artigo 25º, nº 1, da Constituição. É que, não há-de ser a utilização de um qualquer engano que deve induzir uma proibição de prova: há uma dose de engano na indagação criminal, que é tolerável.» (Ac. nº 578/98 de 14/10/1998, Processo n.º 835/98, 3ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
Tecidas estas considerações gerais, vejamos o caso concreto.
 No caso dos autos resulta que o primeiro contacto dos AE com o arguido BB ocorreu em data não concretamente apurada mas situada entre Outubro e Novembro de 2018, quando o AE “JJ” através do telemóvel de pessoa não concretamente apurada entrou em contacto com aquele arguido e o questionou “se este não teria munições para uma arma Ak-47”, ao que o arguido lhe respondeu que viesse a sua casa. A partir daí desenrolam-se um conjunto de reuniões/encontros espaçados no tempo, durante um período de cerca de 1 ano e 6 meses, nomeadamente em 27/11/2018, 28/02/2019, 04/04/2019, 30/07/2019, 12/09/2019, 10/10/2019, 24/10/2019, 21/11/2019, 16/06/2020, em que os AE se dirigem a casa do arguido BB, mostrando-se interessados na compra de armas e munições diversas e acabam por adquirir ao mesmo diversas armas e munições, pagando o preço estipulado por aquele arguido para as mesmas. 
Cremos que os referidos agentes JJ, II, HH e KK actuaram como agentes infiltrados porquanto embora actuando sobre falsas identidades e actuando como se compradores de armas ilegais fossem, ao proporem ao arguido a aquisição das referidas armas, não criaram naquele uma intenção criminosa nova, ainda inexistente, não instigaram o arguido à pratica do crime de tráfico de armas, porquanto este crime já vinha sendo cometido pelo mesmo em data anterior (cfr. facto provado nº 1 constante da fundamentação de facto abaixo). No caso dos autos, analisando os factos provados, temos que o crime de tráfico de armas é um crime continuado, não se consuma e se extingue com a venda de uma única arma. Os agentes encobertos limitaram-se a infiltrar-se no meio de actuação do arguido BB que era já alvo de uma investigação anterior, para recolherem provas da sua actuação e ao se proporem adquirir armas àquele apenas criaram uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa já pré-existente e posta em marcha. É que, basta fazer uma breve análise do teor das escutas telefónicas efectuadas ao arguido e transcritas nos autos, que resulta claramente indiciado que o arguido já se vinha dedicado a esta actividade de venda de armas. No momento em que o AE JJ entra em contacto com o arguido a propor-lhe a aquisição de munições para armas Ak47, já aquele se vinha dedicando à actividade de venda de armas a outras pessoas. E é o arguido que diz ao agente para passar em sua casa… A partir daí verifica-se que é o arguido que propõe especificamente aos agentes a venda de determinado tipo de armas (vai dizendo o que tem para entrega imediata e o que pode arranjar; é o arguido que define o preço das armas, o timing da entrega das mesmas, que propõe aos agentes a forma como devem transportar as armas nas viaturas para não serem interceptados pelas entidades policiais… Aliás, numa dessas reuniões é o arguido que, não estando os carregadores da Kalashnikov a funcionar, se propõe ir com o agente KK a um mecânico da sua confiança arranjá-los, sendo este o arguido SS. E a actuação do arguido com o co-arguido SS, em 10/10/2019, ao levar a este último uma caçadeira, uma pistola três carregadores e um punho para reparar e ao receber daquele material já reparado pagando o respectivo preço (cfr. factos provados nºs 32 a 37), evidencia claramente que estes dois arguidos já se vinham dedicando a esta actividade, sendo certo que esta troca de material é totalmente autónoma face à actuação dos agentes encobertos.  
Dos factos provados resulta claramente que embora os agentes actuem como coautores, não instigaram ou induziram o arguido BB à pratica do crime, sendo que quem sempre teve o domínio funcional do facto foi o arguido, sendo sempre ele quem definia os termos e as condições dos negócios que se iam efectuando. Ora, os actos dos agentes encobertos são actos de execução conformadores de um certo rumo que as coisas acabaram por tomar, mas, sendo actos de execução, eles inserem-se perfeitamente no projecto criminoso pré-existente e que é inteiramente atribuível ao verdadeiro agente do crime, o arguido BB. 
Os actos de co-autoria são aceitáveis (ou seja, são praticamente inevitáveis) no âmbito da acção encoberta. Escreve ISABEL ONETO, ob. cit.,p. 150: «São contudo a co-autoria e a cumplicidade as formas de comparticipação que a conduta do agente infiltrado mais frequentemente pode assumir, quer no âmbito das light cover, quer nas modalidades que consubstanciam as operações deep cover.»
Também RUI PEREIRA sustenta que as situações em que os agentes encobertos intervêm como co-autores são admissíveis, desde que não instiguem ou induzam à prática do crime (autoria mediata). Escreve esse Autor: «Já em relação às situações de co-autoria (e não apenas de cumplicidade), a resposta deve ser genericamente positiva – desde que se respeite o requisito de adequação, o “agente encoberto” pode ser co-autor de um crime. Exigível é, apenas, que não tenha sido ele, de algum modo, a induzir os restantes co-autores à prática do crime.  
Sendo a instigação uma forma de autoria que implica o domínio do agente, em vez do domínio da execução, ela só pode ser aferida em relação a pessoas concretas relativamente às quais seria possível determinar a prática de certos actos delituosos. Ou seja, só existe instigação se se concluir que o agente, que materialmente executa o crime, foi directamente determinado pelo instigador à prática do mesmo e que, sem essa instigação, o crime não se teria praticado.
Veja-se o exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/03/2022, Proc. nº 28/14.3NJLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt: «Para se concluir que um determinado agente encoberto age como agente provocador é preciso primeiro constatar a existência de todos os requisitos da instigação, o que se afere em relação a cada um dos arguidos individualmente. Por isso é que, mesmo que hipoteticamente se considerasse que em relação a um determinado arguido o agente encoberto tivesse actuado como instigador, isso não significa, nem daí se pode retirar ou concluir, que tivesse actuado como instigador em relação aos restantes arguidos, motivo pelo qual a respectiva prova, em relação a esses arguidos, não se mostra sequer beliscada, muito menos inquinada. Um militar que é colocado numa messe onde já se encontra, há vários anos, um esquema de corrupção que envolve outros militares e parceiros económicos, e que apenas se limita a participar no referido esquema, praticando actos de execução do crime em causa, mas sem que a sua intervenção seja determinativa da actuação dos outros arguidos, age como agente encoberto, e não como agente provocador, pelo que a prova por si angariada não traduz prova proibida e deve ser valorada».
Ora, no caso dos autos, não só havia uma intenção pré-existente do arguido BB, como a execução do crime já tinha sido iniciada pelo arguido que já se vinha dedicando a esta actividade, como ressalta desde logo da análise das escutas telefónicas. Mas a existência dessa intenção criminosa ou predisposição do arguido para o cometimento do crime, sendo esse o critério de distinção fixado pela Jurisprudência do STJ, ressalta igualmente dos factos abaixo provados descritos em 57 sendo esta actuação independente da actuação dos agentes encobertos e bem assim dos factos descritos em 59 a 64, tendo o arguido BB nos dias 13/10/2020, sido encontrado na posse de diversos documentos e manuscritos e bem assim na posse de grande quantidade de armas e munições (sendo uma delas uma arma automática Ak 47) e avultadas quantias em dinheiro, o que evidencia claramente que o arguido sempre se vinha dedicando a esta actividade com outros compradores que não os agentes encobertos e tinha a referida intenção criminosa plenamente consolidada. Note-se que as armas que lhe foram apreendidas eram ilegais, não detendo o arguido licença para as deter (facto provado descrito em 66), sendo de presumir, pelas regras da experiência comum que tal quantidade de armas, considerando desde logo as suas características, só poderiam ser para venda. A acrescer o facto de no CRC do arguido estarem averbadas duas condenações pela prática, em 2007 e 2008 de crime de detenção de arma proibida, crime da mesma natureza jurídica do crime em causa nestes autos, o que constitui também um indício da existência da referida intenção criminosa ou predisposição do arguido para a prática dos factos.   
E mesmo que se entenda eventualmente que o primeiro contacto do agente JJ com o arguido assumiu um carácter provocatório pois que se apresentou a comprar-lhe munições específicas, podendo eventualmente dizer-se que se tal não tivesse ocorrido, o arguido nunca teria adquirido tal tipo de armas/munições para venda, o certo é que tal não contamina as intervenções posteriores dos agentes encobertos, uma vez que naquelas foi sempre o arguido a definir o tipo de armas que vendia (apresentando outras como tendo já na sua posse para entrega imediata) e referindo sempre aos agentes que viria a ter mais, para estes passarem e procurarem. Nada dos autos permite concluir que foi esta primeira actuação do JJ que levou o arguido a entrar, pela primeira vez na actividade de tráfico de armas, que se não fosse aquele a pedir as ditas munições, o arguido nunca teria arranjado e vendido a outros compradores as demais armas e munições que vendeu, antes pelo contrário.  Ainda assim, mesmo que tenha existido acção enganosa no início da acção criminosa (o que não se entende) esse vício não produziria o chamado “efeito-à-distância”, em relação às demais vendas ocorridas e descritas nos factos provados, uma vez que a intervenção dos agentes nestas reuniões com o arguido não está ligada aos acontecimentos precedentes e não foi determinada pelo, eventual, meio enganoso que desencadeou a operação de venda de armas. 
E em relação ao arguido SS é bem evidente que não existe qualquer actuação provocatória dos agentes, sendo certo que o contacto entre eles e este arguido é diminuto, limitando-se o agente KK a acompanhar o arguido BB a casa do arguido SS e num atitude, puramente passiva, observar a troca de armas efectuada entre os arguidos para reparação como sendo uma actividade habitual entre eles, como foi confidenciado pelo arguido BB ao KK.  
Mas sempre se conclua que embora tendo alegado ao longo dos autos que a actuação dos agentes encobertos assumiu natureza provocatória, os arguidos não carrearam para os autos qualquer versão capaz de o demonstrar minimamente, uma vez que se remeteram ao silencio. 
Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio (cfr. Acórdãos do STJ de 21/02/2006, Proc. º 260/06-5 e de 24/10/2001, Proc. nº 2762/01-3).
Dos depoimentos dos agentes encobertos - a propósito dos quais a defesa exerceu amplo direito de contraditório em julgamento - não resultou qualquer factualidade concreta no sentido de actuação provocadora dos agentes que participaram na acção encoberta.
Conclui-se, assim, não ter sido a prova produzida nestes autos sobre o crime em causa obtida através de meios enganosos e como tal absolutamente proibida, pelo que não constitui prova proibida, nem existe motivo para declarar a sua nulidade nos termos peticionados pelos arguidos. 
Vejamos.
O regime jurídico das acções encobertas consta da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto.

Segundo o artigo 3.º, deste diploma, são requisitos da acção encoberta, os seguintes:
1 - As acções encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente a descoberta de material probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em investigação.
2 - Ninguém pode ser obrigado a participar em acção encoberta.
3 - A realização de uma acção encoberta no âmbito do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público, sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução e considerando-se a mesma validada se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes.
4 - Se a acção referida no número anterior decorrer no âmbito da prevenção criminal, é competente para autorização o juiz de instrução criminal, mediante proposta do Ministério Público.
5 - Nos casos referidos no número anterior, a competência para a iniciativa e a decisão é, respectivamente, do magistrado do Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal e do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
6 - A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela.

No caso dos autos, na apreciação do preenchimento destes requisitos, há que ter em conta, como bem salienta a Senhora Procuradora Geral Adjunta no parecer junto aos autos, o teor dos acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação de Guimarães em 20/03/2023 e 31/10/2023 que já se pronunciaram sobre a avaliação da acção encoberta realizada nos autos, sendo que naquela primeira decisão foi entendido estar “vedado ao Tribunal recorrido o acesso dos relatos intercalares da acção encoberta e todos os demais elementos que a compõem, assim como a todos os despachos de autorização ou confirmação da referida acção, apenas sendo possível o relato final já junto aos autos”.
O recorrente BB, ignorando o teor daqueles dois acórdãos, entende que não existem nos autos quaisquer “verdadeiros relatos” ao abrigo do artigo 3.º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, não estando nos autos os meios processuais que permitam o controlo da regularidade e legitimidade da actuação oculta nos seus pressupostos e no seu modo de execução e a contextualizar os elementos ou indícios recolhidos. Entende o recorrente que do relato final não se extrai a existência da autorização legal para validar a acção encoberta, desconhecendo-se “quem a autorizou e em que termos, pelo que se mostra inviável o controle da sua legalidade”. Acrescenta ainda que “durante mais de 2 anos ocorreram várias intervenções de diferentes agentes encobertos, sem qualquer comunicação à autoridade judiciária competente, uma vez cessada aquela, violando frontalmente o n.º 6 do aludido art.º 3º”.
Começando pela autorização da realização da acção encoberta, há que referir que a mesma foi autorizada porque consta dos autos um Despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal em 18/10/2018, com a refª ...29 com o seguinte teor: “tomei conhecimento da ação encoberta, bem como do seu fim, pelo que, com o arquivamento destes autos e encontrando-se objetos apreendidos, nos termos do art.º 109º do CP declaro-os perdidos a favor do Estado atento o circunstancialismo. Notifique e devolva.  Porto, ds”.
Do relato final junto aos autos a fls. 626 e datado de 20/11/2020, também resulta que a acção encoberta foi autorizada, embora referenciando-se a data da autorização como sendo “30/10/2018”, estando aí escrito que “a acção encoberta foi autorizada, sensivelmente há dois anos atrás”.
 Assim, como se concluiu na decisão recorrida e como refere a Senhora Procuradora Geral da República, também nós entendemos que foi dado o adequado cumprimento ao disposto no artigo 3.º, n.º 3 da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, não tendo razão o recorrente quanto invoca uma pretensa “ausência total de validação e autorização por parte das autoridades judiciárias” e quando entende que a acção encoberta “ocorreu totalmente à margem de qualquer autorização legal”.
Dos elementos que também nos é permitido recorrer porque não tivemos acesso a quaisquer outros, entendemos que também não tem razão o recorrente quando dá a entender que a acção encoberta se foi realizando em “roda livre”, com “várias intervenções de diferentes agentes encobertos, sem qualquer comunicação à autoridade judiciária competente”: porventura terá o recorrente conhecimento de outros dados que não conhecemos, sendo que como também se salienta no Acórdão recorrido, no seu depoimento, o Agente encoberto JJ quando foi inquirido na 17ª sessão da audiência de julgamento após a junção aos autos do relato final, referiu que “a acção encoberta foi várias vezes levada ao MP para controlo e constam da acção encoberta diversos despachos do MP ao longo do tempo, aos quais a testemunha veio a ter acesso”.
Como se acrescentou ainda, de forma clara e competente na decisão recorrida, “temos por demais evidente que não terá apenas havido um relato final mas sim diversos relatos/relatórios intercalares relativos às diversas intervenções dos AE, porquanto resulta dos autos que os mesmos tiveram encontros com o arguido BB em diversas ocasiões distintas, nomeadamente em 27/11/2018, 28/02/2019, 04/04/2019, 30/07/2019, 12/09/2019, 10/10/2019, 24/10/2019, 21/11/2019, 16/06/2020, ao longo de cerca de 1 ano e meio. Ademais, em depoimento prestado em audiência, os AE referiram que no final de cada intervenção, cada um deles efectuava um relatório. Estabelece então o artigo 3º nº 6 da Lei nº 101/2001 de 25/08, que “A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela”.
Há que referir que como acrescentou o Tribunal recorrido, “mesmo que houvesse incumprimento dos prazos de validação, a validade da acção encoberta também nunca estaria posta em causa. Isto porque, o conteúdo da acção encoberta e termos concretos das intervenções dos AE acabou por ser comunicado ao MP e por isso validado, quando os próprios AE prestaram depoimento junto do Magistrado do MP em inquérito e ali relataram as suas intervenções (até em maior pormenor do que o que consta do próprio relato final), o que ocorreu em  15/06/2020, 16/06/2020 e 06/10/2020, conforme autos de inquirição juntos aos autos e aliás reproduzidos em audiência de julgamento, antes mesmo da elaboração do relato final ocorrida em 20/11/2020, de acordo com a data nele aposta. Devemos considerar que o relato foi comunicado ao MP de acordo com a certificação efectuada pela PJ mas mesmo que tal não tivesse assim acontecido, a validação/conhecimento de toda a acção encoberta pelo MP sempre teria ocorrido naquelas datas, aquando da prestação dos depoimentos pelos AE, tendo o relato sido apenas o cumprimento de uma mera formalidade, um mero resumo desses depoimentos dos quais o MP já havia tomado previamente conhecimento. Aliás, se o Magistrado do MP não tivesse conhecimento e controlo sobre a acção encoberta, não teria chamado os AE a prestar depoimento na sua presença. Sendo o relato final um mero resumo dos depoimentos dos AE já prestados anteriormente perante o Magistrado do MP titular do inquérito, a validação deste relato pelo MP pouco ou nada acrescentava aos autos, pelo que mesmo que se entendesse existir falta de validação, tal vício nunca operaria, do nosso ponto de vista, a nulidade da prova”.  Subscrevemos na integra este raciocínio que se mostra adequado ao que nos é dado perceber do processo e de toda a prova produzida na audiência de julgamento.
Para o recorrente, qualquer incumprimento do regime legal das acções encobertas, implica a existência de uma proibição de prova, com a consequente “absoluta inadmissibilidade do meio de prova”, mas não tem razão, porque ignora a fronteira que separa as proibições de prova, das meras regras de produção de prova.
Seguindo a lição do professor Manuel da Costa Andrade “in As proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, reimpressão 2006), “as regras de produção da prova são «ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim uma tendência oposta à das proibições de prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições de prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo» (10). Na caracterização convergente de AMELUNG: «muitas normas de conduta que os órgãos da perseguição penal têm de observar nos actos de intromissão na informação (Informationseingriffen), não tutelam, porém, o domínio sobre a informação do portador do direito atingido, mas outros interesses. Daí que a inobservância de tais normas de conduta não determine, só por si, uma distribuição ilícita da informação (rechtswidrige Informationsverteilung)». Como continua o mesmo professor, “as proibições de prova são barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo (…)”, sendo que o que define a proibição de prova, “é a descrição de um limite à descoberta da verdade” (…) “diferentemente, as regras de produção de prova – cf. o artigo 341.º do Código de Processo Penal – visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição da valoração”.
As regras de produção da prova configuram, na caracterização de Figueiredo Dias citado ainda por Manuel da Costa Andrade, «meras prescrições ordenativas de produção de prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (…), mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor. Umas vezes preordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regaras de produção de prova também podem ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos”.
De tudo resulta que como conclui o Professor Manuel da Costa Andrade (obra supra citada), “as proibições de prova em processo penal, como métodos proibidos de prova, “hão-de igual e seguramente valorar-se os demais atentados que realizam a mesma danosidade social de afronta à dignidade humana, à liberdade de decisão ou de vontade ou à integridade física ou moral das pessoas”. Os métodos proibidos de prova dizem respeito aos “atentados mais drásticos à dignidade humana, mais capazes de comprometer a identidade e a representação do processo penal como processo de um Estado de Direito e, por via disso, abalar os fundamentos daquela Rechtskultur sobre que assenta a moderna consciência democrática”.
Retomando ao caso concreto e seguindo a lição do professor Manuel Costa Andrade, a acção encoberta poderá significar uma proibição de prova se, por exemplo, for levada a cabo no âmbito de uma investigação de um crime que não seja um dos crimes de catálogo previstos no artigo 2.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto, ou se tiver sido realizada à revelia do Ministério Público e do Juiz de Instrução o que no caso não aconteceu face ao teor do Despacho proferido nos autos pelo Juiz de Instrução Criminal em 18/10/2018 e que acima fizemos referência.

Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 10/03/2016 (relatado pelo Senhor Conselheiro Nuno Gomes da Silva e proferido no Processo n.º 326/12.0JELSB.L1.S1, consultado em www.dgsi.pt). “a acção encoberta tem requisitos próprios, que se não compaginam com os do art. 187.º, do CPP. Esses requisitos específicos são a reserva de lei (…)” que no caso se verificam porque a acção encoberta teve lugar para obter prova da prática de um dos crimes do catálogo do artigo 2.º, da Lei 101/2001 e a “reserva de juiz” que também não pode ser questionada tendo em conta o despacho judicial que autorizou a acção encoberta.
De tudo resulta que dos alegados vícios invocados pelo recorrente, mesmo que em concreto se verificassem, nenhum deles poderia gerar qualquer nulidade da acção encoberta, porque a mesma foi realizada no âmbito de um crime de catálogo, devidamente autorizada por despacho de Despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal. É o que sucede com a circunstância de o relato final ter sido elaborado pelo agente encoberto e não pela Polícia Judiciária como devia ter sido face ao disposto no artigo 3.º, n.º 6 da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto. Está claramente aqui em causa uma “mera prescrição ordenativa de produção de prova”, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova a acção encoberta e o mesmo se diga quando se invoca o incumprimento de prazos de realização da acção encoberta,
Uma nota para referir que como foi entendido nas decisões deste Tribunal da Relação de Guimarães proferidas nos autos, não está prevista legalmente a junção aos autos de todo o expediente da acção encoberta, nem tal faria sentido tendo em conta as exigências de segurança dos intervenientes na acção encoberta que se não restringe à mera identificação propriamente dita, mas daí não resulta que tenha havido qualquer violação dos direitos do arguido, nomeadamente no que diz respeito ao respeito do princípio do contraditório, face à junção ao processo do relato da acção encoberta (artigo 3.º, n.º 6 e 4.º, n.º 1) e tendo em conta a prestação dos depoimentos dos agentes encobertos que  certamente, “mercê da sua intervenção directa, em melhor situação estarão para esclarecer os contornos da acção encoberta designadamente ao nível da avaliação dessa intervenção quanto a poder ser configurada como a de um agente infiltrado ou de um agente provocador permitindo depois a conclusão sobre se a prova resultante dessa intervenção é ou não prova proibida” – cf. o Acórdão de 10/03/2016 do Supremo Tribunal de Justiça supra citado.
Em suma, subscrevendo integralmente as doutas considerações do Tribunal da primeira Instância reproduzidas supra, concluímos que no caso dos autos não houve violação dos pressupostos que poderiam determinar que o meio de obtenção de prova pudesse estar afectado na sua validade, daí decorrendo uma proibição de valoração da prova obtida, não tendo, também, havido qualquer violação dos direitos de defesa mormente no exercício amplo do contraditório porque na audiência de julgamento “a defesa teve oportunidade de exercer o contraditório questionando e confrontando” os depoimentos dos agentes encobertos “nas mesmas condições da acusação” - cf. o mesmo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Quanto ao mais, adiantamos desde já que também nenhum reparo nos merece a decisão recorrida no que tange à definição da factualidade provada, nomeadamente em relação ao arguido BB, sendo certo que resulta da bem estruturada motivação da decisão de facto que para além dos depoimentos dos agentes encobertos, o Tribunal levou em linha de conta outras provas e não apenas o que resultou das transcrições das escutas telefónicas como parece dar a entender o recorrente. Basta ler com atenção a motivação da decisão da matéria de facto para perceber que as transcrições das escutas telefónicas, que constituem, na verdade prova documental como refere o recorrente, não surgem como “único meio de prova a sustentar a convicção do tribunal como único meio de prova a sustentar a convicção do tribunal”. É claro que a linha argumentativa do recorrente, parte da alegada utilização de meios de prova proibidos, vício que afectaria depois a jusante, toda a prova produzida, como sejam as buscas realizadas nos autos que de forma claríssima confirmam os factos que lhe são imputados.
Ao contrário do defendido pelo recorrente, as transcrições das gravações das conversas telefónicas foram acompanhadas por outras provas, tendo sido apreciadas “criticamente declarações e depoimentos, numa inevitável ponderação conjunta e conjugada, sem descurar o que a experiência vai ensinando”.
A tudo acresce que o Tribunal recorrido explicou exaustivamente e de forma clara na motivação da decisão de facto, porque razão considerou provados os factos.
A título meramente exemplificativo, o Tribunal recorrido valorou acertadamente depoimentos de testemunhas:
 - UU que contactou o arguido BB a fim de lhe comprar uma arma das “pequenitas” para sua defesa pessoal, tendo o arguido BB exibido uma arma;
- VV que em audiência de julgamento confirmou ter efectivamente adquirido canábis ao arguido BB, tendo ido a casa daquele buscar o produto.
Autos de busca e apreensão, nomeadamente, a realizada em casa do arguido no dia 13/10/2020, a um veículo habitualmente conduzido pelo arguido sendo que neste caso foram encontradas além do mais, uma caixa com 50 munições de calibre .32 e estupefaciente, a busca à casa dos pais do arguido, onde foram encontradas mais munições, uma arma de fogo e 29.000, 00 €, a busca realizada numa outra residência dos pais do arguido, onde foram encontradas várias caixas de munições, várias armas e uma busca realizada num armazém pertença de um irmão da mulher do arguido, onde foram encontradas, além de dinheiro, várias pistolas e um revólver.
Com base desde logo neste manancial de objectos encontrados, como poderia ser outra a decisão sobre a matéria de facto?
De tudo resulta que pela nossa parte entendemos que a decisão do julgador se encontra abundantemente fundamentada, sendo que como foi entendido por este Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 18/03/2013 (processo 626/11.7PCBRG.G1, consultado em www.dgsi.pt), tendo chegado a uma “das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção».
O que recorrente faz é a sua própria análise da produção de prova, criticando a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, começando desde logo por pôr em causa, sem razão, a acção encoberta realizada nos autos. Face à evidência que todas as provas apontam, é natural que a primeira opção do recorrente fosse a de tentar anular a acção encoberta realizada nos autos, único meio de contrariar o que resulta de forma manifesta de todos aqueles meios de prova, começando pelas buscas acima referenciadas.
É uma estratégia que é legítima, naturalmente, mas que não consegue demonstrar de que se modo se impõe qualquer outra decisão da matéria de facto.
Lendo a motivação do recurso, percebe-se que o recorrente não concordou a valoração da prova levada a cabo de forma imparcial pelo Tribunal recorrido, o que é legítimo, mas não pode impor a sua própria apreciação da prova, necessariamente parcial, sob pena de inversão da posição dos personagens do processo, substituindo a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão. De notar ainda que como entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 21/11/2001 (transcrito no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, DR II S, de 02/06/2004), “a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem dos dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição  desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.
Em resumo, insistimos, não vemos motivo para discordar da clara e bem fundamentada valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido, sendo certo que não nos foram apresentadas provas que impunham uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido pelo que quanto aos factos descritos na Decisão recorrida, devem os mesmos ser definitivamente assentes, não se vislumbrando qualquer violação dos princípios que regem a apreciação da prova, concluindo-se que se impõe a improcedência do recurso na parte criminal.

Da alegada violação do princípio in dubio pro reo:
O recorrente alega, de forma vaga, uma eventual violação do princípio in dubio pro reo mas também não tem razão. O princípio em causa é um corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e que determina que instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre resolvida em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros). Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol., p. 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo”. Tal princípio incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. “A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência” - cf. com Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol.III, pág.84. É de reconhecer a violação deste princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido; isto é, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível. Como refere Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra, 1997, o princípio em causa parte da dúvida, “supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador”.
Ora, no caso dos autos, no caso do arguido BB, não se pode concluir-se que da prova se tenham gerado factos incertos que impliquem uma dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo Tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto. O Tribunal recorrido, ao contrário do recorrente que aparentemente ficou com “uma dúvida insanável no atinente à responsabilidade do arguido/recorrente no que corresponde aos factos que lhes são irrogados”, não ficou numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos, nomeadamente no que diz respeito aos factos imputados ao arguido BB pelo que não tinha de lançar mão do princípio in dúbio pro reo. Na verdade, resulta da abundante e clara motivação da decisão de facto que o Tribunal fundamentou a decisão com base nos meios de prova juntos aos autos e não apenas do que resultou da acção encoberta como pretende insinuar o recorrente.
A fundamentação da prova estribou-se em provas legalmente válidas, tendo sido valoradas de forma racional, lógica, objectiva e de harmonia com a experiência comum, não sendo possível encontrar quaisquer factos incertos que impliquem uma dúvida razoável que imponha alterar a matéria de facto, sendo lícita e válida a decisão de facto. Como bem escreve Cristina Líbano Monteiro (in «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997), o princípio “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador». Existiria violação do princípio in dúbio pro reo, se a avaliação da prova segundo as regras da experiência e da liberdade de apreciação da prova, tivessem conduzido à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível, o que é manifesto não existir no caso dos autos.
Improcede deste modo, a impugnação ampla da matéria de facto do arguido BB.

Recurso da matéria de facto do arguido FF:
O recorrente invoca uma alegada nulidade com base numa suposta “alteração substancial dos factos” em violação do disposto no artigo 359.º do Código de Processo Penal, alegando que o Tribunal recorrido, “sem considerar a existência de factos diferentes dos da acusação, considerou que os mesmos se subsumemem crimes diversos dos constantes da acusação”.
Não tem razão.
Como escreve Fernando Gama Lobo Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina): “na base desta complexa e nuclear noção de alteração substancial de factos, está o princípio do contraditório, que impõe que o objeto do processo, ou seja, o seu espaço de normatividade, esteja definido na acusação, de forma a assegurar uma integral defesa do arguido, mas admitindo e cobrindo as quase inevitáveis alterações e variações que existem na prova produzida nas fases processuais de instrução e julgamento”.
No caso dos autos, como o recorrente reconhece, o Tribunal recorrido não considerou factos diferentes dos da acusação, tendo apenas concluído que os mesmos “se subsumem em crimes diversos”, designadamente no que toca ao crime de abuso de poder”: entende o recorrente que “do ponto de vista da interpretação dos mesmos factos”, se verificou uma “verdadeira alteração substancial dos factos”.
Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão de 10/01/2023 (Processo n.º 52/18.7JDLSB.E3, consultado em www.dgsi.pt), existindo uma mera “alteração da qualificação jurídica dos factos narrados no libelo acusatório, sem se introduzir qualquer novidade, acrescentamento ou amputação de elementos na acusação”, é aplicável o regime previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, devendo em todo o caso ser dada a oportunidade de defesa ao arguido, contra a alteração da qualificação jurídica que o Tribunal entenda dever verificar-se – cf. o Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2000, publicado no DR de 11.02.2000.
Ora no caso concreto, como resulta da respetiva acta da audiência de julgamento (com a refª ...12 de 18/12/2023), foi comunicada ao arguido a alteração da qualificação jurídica referenciada pelo recorrente, pelo que como bem concluiu o Tribunal recorrido, “inexiste obstáculo a esta diferente qualificação jurídica”.
O recorrente invoca depois uma suposta violação do princípio de inocência com o fundamento de que o “douto acórdão recorrido coloca sobre os ombros do arguido o ónus de provocar a sua inocência”, mas também aqui, não tem razão, sendo certo que não se percebe de que modo o Ministério Público foi demitido de provar a culpa do mesmo.
Se bem se percebe o recorrente funda a sua pretensão na circunstância de o Tribunal recorrido ter imputado um crime diverso daquele que constava da acusação pública.
Ora, como resulta do que dissemos quanto à validade da alteração não substancial dos factos, nada impede que o arguido tenha sido condenado por um crime diverso sendo certo que a acusação tinha o ónus de prova dos factos imputados ao arguido que teve a oportunidade de se defender dos mesmos, não estando o Tribunal recorrido espartilhado em absoluto de apreciar a prova e julgar os factos imputados na acusação como provados ou não provados e no primeiro caso, retirar daí as legais consequências.
Por outras palavras, não foi o arguido que teve a seu cargo o ónus da prova dos factos pelo que não se vislumbra de que modo foi violado o princípio da presunção de inocência.
Finalmente também não vislumbramos na decisão recorrida, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo, sendo que a propósito, damos aqui por reproduzidas as considerações a propósito tecidas supra.
Ora, quanto aos factos provados, o Tribunal não ficou num estado de dúvida que justificasse o recurso ao princípio em causa, sendo certo que muito menos se percebe qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, nos termos do qual, «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
No caso dos autos, não se percebe, nem o recorrente explica, de que forma se encontra na decisão recorrida, qualquer violação das regras da experiência comum que possam resultar numa qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.
O recorrente põe em causa a utilização de presunções judiciais para prova dos factos o que não é vedado ao julgador. Na verdade, a prova por presunção judicial constitui um meio de prova legalmente previsto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil e 125.º do Código de Processo Penal, sendo certo que a sua utilização não afecta a presunção de inocência que impera no direito processual penal, desde que seja bem fundamentada de modo a não dar margem para o erro judiciário.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto do recorrente FF.
Face à improcedência da impugnação da matéria de facto, damos a mesma como assente.
*
Subsunção jurídica dos factos:
Partindo da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido e considerando as eventuais consequências para a apreciação dos demais recursos apresentados do acórdão condenatório, cumpre conhecer primeiramente o recurso do Ministério Público, no que diz respeito à qualificação jurídica dos factos, recurso onde não foi impugnada a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida.
A) Dos crimes de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Entende o Ministério Público que os arguidos BB, EE e GG incorreram, cada um deles, na prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido que os condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Vejamos.
O tipo base ou comum do tráfico de produtos estupefacientes é definido no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93: “Quem... cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III…”. Abrange assim todo e qualquer ato relativo aos produtos estupefacientes identificados nas tabelas anexas, desde a produção, transporte ou venda, mera detenção ou aquisição não previstas no artigo 40.º do mesmo diploma – aquisição para consumo.
O legislador incriminou os descritos comportamentos porque os considerou em si mesmos perigosos, uma vez que segundo as regras da experiência comum são aptos a produzir efeitos altamente danosos na saúde e integridade física dos consumidores e da saúde pública em geral, além da criminalidade induzida pela necessidade de obter meios económicos para financiar a dependência que criam. O perigo que as condutas encerram constitui apenas a motivação do legislador para as incriminar, não se tornando necessário que no caso concreto tal perigo se materialize, já que não está previsto efeito concreto das ações tipificadas. Trata-se, portanto, de um de crime de perigo comum, uma vez que o agente, ao praticar uma das condutas tipificadas, não domina a expansão do perigo criado, havendo o risco de atingir uma multiplicidade de bens jurídicos, que vão desde a vida e integridade física à liberdade de determinação e à própria saúde pública em geral.
Para que se verifique o crime, basta a verificação de uma das ações típicas, independentemente da situação concreta ter criado ou não um perigo de violação de determinados bens jurídicos. Não exigindo tão-pouco a lei, como elemento do tipo, que chegue a haver transação com fins lucrativos. Basta a mera detenção, desde que não fique provado que se destina a consumo próprio (neste sentido cf. com João Morais Rocha, Droga, Regime Jurídico, p. 61). Para além do citado artigo 21.º, o tráfico de substâncias estupefacientes é punido ainda pelo artigo 24.º - crime agravado em relação ao 21.º e pelos artigos 25.º (tráfico de menor gravidade) e 26.º (tráfico com a finalidade exclusiva de conseguir produtos para o uso pessoal) do Decreto – Lei n.º 15/93 - crimes privilegiados relativamente ao do artigo 21.º.
Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, estabelece o artigo 25.º que «se nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos se se tratar de substâncias compreendidas nas tabelas I a III, V e VI».
O tipo previsto no artigo 25.º que representa em relação ao tipo fundamental, um crime privilegiado, tem vindo a ser utilizado cada vez mais como uma válvula de segurança do sistema, evitando assim que situações de menor gravidade (aquém do conceito de tráfico como comércio e forma de ganhar dinheiro fácil), sejam tratadas com penas desproporcionadas. Como escreve Lourenço Martins, em anotação a uma decisão do Tribunal do Seixal editada na publicação do Gabinete de Prevenção e Combate à Droga, julho de 1995, que “para que se preencha o tipo legal do art. 25º, haverá que proceder a uma valorização global do facto ou do episódio, como se diz em Itália, ainda que na nossa lei a exemplificação seja apenas exemplificativa. Não poderá o intérprete deixar de apreciar todas e cada uma das circunstâncias a que o art. 25º se refere, podendo ajuntar-lhe outras”.
O advérbio “consideravelmente” não foi usado por mero acaso pelo legislador e no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/07/96 (CJ, IV, II, p. 206). A propósito do crime previsto no artigo 25.º, escreve Maria João Antunes (in Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, p. 296), “o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada”. Como é sabido, não obstante constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir que, objetivamente, a ilicitude da ação típica tem menor relevo que a tipificada para os artigos 21.º e 22.º (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2001, consultado em www.dgsi.pt).
A concretização da considerável diminuição da ilicitude no caso concreto, exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, no essencial, de juízos essencialmente jurisprudenciais como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 14/04/2005 (CJ, ano XIII, tomo II, p. 174).
Na modalidade ou circunstâncias da ação releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga, como por exemplo, a maior ou menor facilidade de deteção da sua penetração no mercado. A qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a sua perigosidade, pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas e pelos resultados da investigação científica. A quantidade das plantas, substâncias ou preparações refere-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice o disposto no artigo 26.º, n.º 3, como sugere o Senhor Conselheiro Lourenço Martins, Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários).
Numa tentativa de concretização dos exemplos padrão constantes no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a realçar que na caracterização da imagem global do facto se devem considerar circunstâncias tão distintas quanto a forma concreta de execução (isolada, ou de caráter mais ou menos permanente, a perigosidade e quantidade das substâncias detidas e disseminadas, a sofisticação ou complexidade dos meios utilizados, os valores dos proventos obtidos ou expectáveis, a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas e a extensão da área geográfica em que se exerce a atividade (cf. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/02/2016, do Conselheiro Souto Moura, de 07/06/2017, do Conselheiro Maia Costa, e de 05/12/2019, da Conselheira  Helena Moniz, acessíveis in www.dgsi.pt). Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu no acórdão de 23/11/2011 (relator Conselheiro Santos Carvalho, www.dgsi.pt ) que a integração dos factos no crime de tráfico de menor gravidade deverá respeitar os seguintes critérios (transcrição):
“a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);
b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.
e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;
h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.”
Mais recentemente, o mesmo Supremo Tribunal, no acórdão de 08/04/2021 (processo n.º 1/19.5PBPTM.S1, consultado em www.dgsi.pt), entendeu que assume “particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade”: (1) o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; (2) a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; (3) a dimensão dos lucros obtidos; (4) o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; (5) a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; (6) a duração temporal da atividade desenvolvida; (7) a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; (8) a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; (9) o número de consumidores contactados; (10)a extensão geográfica da atividade do agente; (11) a existência de contactos internacionais; (11) o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados”.
Como também salientou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 13/03/2024 (processo n.º 441/222TSTB.S1, consultado em www.dgsi.pt), “o crime de tráfico de estupefacientes está associado à actividade do dealer de rua, do pequeno traficante” . No mesmo sentido se havia pronunciado o mesmo Tribunal superior, no Acórdão de 28/05/2015 (relatado por Souto de Moura no processo 421/14.1TAVIS, consultado em www.dgsi.pt), tendo sido entendido que “o tráfico que se costuma apelidar de pequena gravidade, vive, por regra, da actividade do “dealer” de rua, do pequeno traficante”.
No caso dos autos, o Tribunal recorrido entendeu enquadrar a conduta dos arguidos no artigo 25.º daquele diploma, afastando a subsunção da mesma no artigo 21.º, com a seguinte fundamentação (transcrição):
Quanto ao arguido BB:
Relativamente ao arguido BB considerando os factos provados descritos em 58, os objectos apreendidos referidos em 59 (uma máquina de vácuo, da marca ...”, com o número ...01 e duas (2) embalagens, acondicionando cem (100) sacos de vácuo, sendo uma de tamanho 200X250 mm, e outra de tamanho 250X350 mm) e bem assim o produto estupefaciente detido pelo arguido referenciado em 60, ou seja, canábis (folhas/sumidades) suficientes para 4337 (quatro mil trezentas e trinta e sete) doses, não há qualquer dúvida que a conduta do arguido preenche o crime de tráfico de estupefacientes.  
Não se tendo sequer apurado que este arguido era consumidor de estupefacientes é evidente que o mesmo não pode beneficiar de “estatuto” de traficante consumidor, previsto no artigo 26º do Decreto lei nº 15/93 de 22/01. 
Resta analisar se, em face do quadro circunstancial de valoração da ilicitude do facto, a conduta do arguido se inscreve na previsão ou do art. 25º ou do art. 21º.
Como já supra se referiu, o artigo 25º pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” a extrair de circunstâncias específicas, objectivas e factuais, verificadas no caso concreto. De forma a analisar se a conduta do ora arguido se insere na aludida norma, terá o mesmo de ter praticado alguma das condutas enunciadas no art.21º, com considerável diminuição da ilicitude. Estabelece-se neste normativo que "quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. " (sublinhado nosso). Acrescente-se que, a canábis está prevista na tabela I-C, anexa ao referido diploma legal.
No caso concreto, trata-se de droga com reduzido grau de danosidade, canábis. Apurou-se em concreto um único acto de venda a um único consumidor, ainda que numa quantidade bastante significativa (30 gramas). O arguido estava na posse de elevada quantidade de produto estupefaciente, nomeadamente o equivalente a 4337 (quatro mil trezentas e trinta e sete) doses, as quais destinava à venda a terceiros. 
Quanto ao esquema de venda nada se apurou em concreto, nomeadamente se vendia a muitos ou poucos consumidores, se a frequência da venda era diária ou apenas esporádica, a área geográfica das vendas ou o modo operandi do arguido. O facto descrito em 15 em nada releva pois que o estar interessado em adquirir cocaína não consubstancia a prática de qualquer crime. Não se provou nenhum acto de compra e venda deste tipo de droga. 
Estava o arguido na posse de uma máquina de vácuo, da marca ...” e duas embalagens, acondicionando cem sacos de vácuo, sendo uma de tamanho 200X250 mm, e outra de tamanho 250X350 mm, assim como das quantias de € 745,00, € 29.000,00 e € 30.000,00. Contudo não é possível apurar, com rigor, se essas quantias eram provenientes do tráfico de estupefacientes ou de armas ou se dos dois. 
Com os elementos constantes dos autos não é possível concluir pela existência de uma estrutura organizada tendente ao tráfico. 
Do que antecede, retiramos, então, uma imagem global do facto compatível com uma ilicitude comparativa (com o n.º 1 do artigo 21.º) consideravelmente diminuída. 
Nestes termos, é possível constatar uma substancial diminuição da ilicitude nos factos, o que se traduz num menor desvalor da acção e numa menor dimensão e expressão do ilícito compatíveis com a integração dos factos na previsão da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Provou-se também que o arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, conhecia a natureza e características dos produtos que vendeu e bem assim do produto que detinha, o qual destinava à venda a terceiros, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º do mesmo diploma (…).
Ora salvo o devido respeito por opinião contrária, não subscrevemos este entendimento da primeira instância, embora não se ignore que se tratava de canábis e que não se apurou “com rigor” se a quantia 59.745,00 encontrada na posse do arguido, era ou não proveniente do tráfico de estupefacientes ou de armas ou se dos dois. Na verdade, não podemos ignorar a elevadíssima quantidade de produto estupefaciente, equivalente a 4337 (quatro mil trezentas e trinta e sete) doses, as quais o arguido destinava à venda a terceiros. É certo que apenas se apurou em concreto, um único acto de venda a um único consumidor, mas como reconheceu o Tribunal recorrido, essa venda foi numa quantidade “bastante significativa (30 gramas)”.
Acresce que o arguido tinha na sua posse uma máquina de vácuo da marca ...” e duas embalagens, acondicionando cem sacos de vácuo, sendo uma de tamanho 200X250 mm, e outra de tamanho 250X350 mm.
Ora todos estes factos permitem concluir que não estamos perante uma mera actividade do “dealer de rua, do pequeno traficante”, principalmente atenta a elevadíssima quantidade de produto estupefaciente, sendo que o facto de se tratar de canábis não implica, necessariamente, a subsunção da conduta do arguido no crime de tráfico de menor gravidade. Com efeito, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 05/05/2022 (processo n.º 41/20.1PJCS.L1.S1, consultado em www.dgsi.pt), “o tráfico de canábis não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia que atualmente se quer generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência (…) a canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosas para a saúde”.
Considerando ainda os utensílios encontrados na posse do arguido e que incluem uma máquina de vácuo e cem sacos de vácuo, nada nos leva a concluir pela existência de qualquer diminuição sensível da ilicitude do tráfico dos produtos estupefacientes em causa.
Como alega o recorrente Ministério Público, “não estamos perante uma atividade de compra e venda de produtos estupefacientes desenvolvida de forma rudimentar”, não se verificando “circunstâncias suscetíveis de revelar uma intensidade da ilicitude muito menor do que a pressuposta pela aludida norma, de molde a justificar uma punição que fique muito aquém da que resulta da respectiva moldura penal”.
Assim, procede a pretensão recursiva do Ministério Público quanto à integração da conduta do recorrente BB no tipo fundamental do artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Quanto ao arguido EE entendeu o Tribunal recorrido o seguinte (transcrição):
Relativamente ao arguido EE, ainda que resulte do relatório social que o mesmo era consumidor de estupefacientes, o mesmo não prestou declarações e como tal, não se apurou minimamente que aquele apenas se dedicasse ao tráfico com a exclusiva finalidade de satisfazer os seus consumos, sendo certo que também nunca poderia beneficiar do “estatuto” de traficante consumidor previsto no artigo 26º do Decreto lei nº 15/93 de 22/01, por força do nº 3 daquela disposição legal e atenta a quantidade de droga que tinha na sua posse. 
 Ora no caso concreto provaram-se vendas a quatro consumidores diferentes. Três delas respeitam a canábis, droga com reduzido grau de danosidade e uma delas respeita a heroína, sendo que esta última em quantidade significativa e ocorrendo uma vez por semana durante um período de 6 meses. As demais vendas eram esporádicas.  
O arguido estava na posse de elevada quantidade de produto estupefaciente, nomeadamente canábis (folhas e sumidades) sendo o equivalente a 2549 (duas mil quinhentas e quarenta e nove) doses, as quais destina à venda a terceiros. 
Quanto ao esquema de venda nada se apurou em concreto para além das vendas consideradas provadas, não se tendo apurado a área geográfica das vendas ou o modo operandi do arguido. Dois dos consumidores cujas vendas se provaram deslocavam-se á oficina do arguido para adquirirem o produto.
Estava o arguido na posse de uma balança de precisão, da marca “...” para além da referida quantidade de droga.  
Com os elementos constantes dos autos, não é possível concluir pela existência de uma estrutura organizada tendente ao tráfico. 
Nestes termos, ocorre um desvalor da acção e uma menor dimensão e expressão do ilícito compatíveis com a integração dos factos na previsão da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Provou-se também que o arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, conhecia a natureza e características dos produtos que vendeu e bem assim do produto que detinha, o qual destinava à venda a terceiros, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. 
Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de menor gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º do mesmo diploma.
Ora, também neste caso e salvo o devido respeito por opinião contrária, não subscrevemos o entendimento da primeira instância porque entendemos que está em causa a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Na verdade, em relação ao arguido EE e como é reconhecido pelo Tribunal recorrido, embora se tenha apurado apenas quatro vendas a consumidores diferentes, o mesmo estava na posse de produto estupefaciente, nomeadamente canábis (folhas e sumidades) equivalente a 2549 (duas mil quinhentas e quarenta e nove) doses, as quais destina à venda a terceiros, sendo que a sua actividade era exercida a partir da sua oficina. Acresce que o arguido tinha ainda na sua posse, uma balança de precisão, da marca “...” o que permite concluir ser ele quem preparava as vendas, nomeadamente no que diz respeito ao seu doseamento.
Quanto ao facto de se tratar de canábis, chamos à colação o Acórdão de 05/05/2022 do Supremo Tribunal de Justiça acima citado quanto à inexistência “do carácter “menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe”.
Considerando o quadro assim delineado, nada nos leva a concluir pela existência de qualquer diminuição sensível da ilicitude do tráfico dos produtos estupefacientes em causa, sendo certo que só no que diz respeito às vendas feitas pelo arguido EE a DDDD, entre Outubro e Novembro de 2019, durante cerca de 6 meses, 5 gramas por semana, resulta um total de 20 gramas por mês e 120 gramas no total daquele período, num valor total de cerca de 3.600,00 €.
Assim, procede a pretensão recursiva do Ministério Público quanto à integração da conduta do recorrente EE no tipo fundamental do artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Finalmente, quanto ao arguido GG, entendeu o Tribunal recorrido:
Relativamente ao arguido GG analisando os factos provados e descritos em 164 temos que o arguido em 13/10/2023 tinha na sua posse onze embalagens de plástico, contendo um produto vegetal, com o peso líquido de 1.100,844 gr. (mil e cem vírgula oitocentos e quarenta e quatro gramas), com um grau de pureza de 5,7% THC (cinco vírgula sete por cento), equivalente a 1254 (mil duzentas e cinquenta e quatro) doses, laboratorialmente identificado como CANABIS (folhas/sumidades) e ainda uma máquina de embalamento e um pack de bolsas de plástico para embalamento. 
Além de não se ter provado que o tráfico era para satisfazer o consumo, este arguido nunca poderia beneficiar do “estatuto” de traficante consumidor previsto no artigo 26º do Decreto lei nº 15/93 de 22/01, por força do nº 3 daquela disposição legal e atenta a quantidade de droga que tinha na sua posse. 
 Considerando que não se provaram actos concretos de venda a terceiros, apenas se tendo demonstrado que este arguido destina à venda a droga que lhe foi apreendida, a qual se tratava de “droga leve”, parece evidente que a sua conduta não pode ser inserida no artigo 21º mas sim na alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 21.º do mesmo diploma (…)”.
Na resposta ao recurso entendeu o arguido que o recurso do Ministério Público deve improceder porque “da factualidade dada como provada não se pode extrair que o Tribunal recorrido tenha efectuado errado enquadramento jurídico - circunstância que se deve ajuizar pelo modalidade da acção - in casu mera posse - período temporal - que se cinge à mera posse - extensão espacial - unicamente a residência do recorrido - tipo e quantidade do estupefaciente - canabis folhas e sumidades, droga “leve”, em quantidade equivalente à posse de 200 gramas de canabis resina - dano efectivo no bem jurídico protegido - in casu nenhum, atenta a inexistência de qualquer venda ou cedência a terceiros - sofisticação - inexistente”.
Ora salvo o devido respeito por opinião contrária, também quanto ao arguido CCCCCCCCCCC não subscrevemos o entendimento da primeira instância.
Com efeito, resulta dos factos provados que o arguido tinha na sua posse uma elevadíssima quantidade e produto estupefaciente - canábis - com o peso líquido de 1.100,844 gr, equivalente a 1254 (mil duzentas e cinquenta e quatro) doses. Acresce que o arguido tinha na sua posse uma máquina de embalamento e um pack de bolsas de plástico para embalamento.
É certo que não se provaram actos concretos de venda a terceiros, mas o arguido destinava esta elevadíssima quantidade de estupefaciente à venda, num total de 1254 doses, sendo que o facto de se tratar de canábis, não justifica por si só a subsunção jurídica dos factos no crime de tráfico de estupefacientes privilegiado, citando-se, uma vez mais, o Acórdão de 05/05/2022 do Supremo Tribunal de Justiça.
Considerando ainda os utensílios encontrados na posse do arguido e que incluem uma máquina de embalamento e um pack de bolsas de plástico para embalamento, nada nos leva a concluir pela existência de qualquer diminuição sensível da ilicitude do tráfico dos produtos estupefacientes em causa pelo que o enquadramento dos factos provados, se reconduz à prática de um crime de tráfico-base, a saber o do artigo 21.º, n º 1, e não no crime tráfico de menor gravidade do artigo 25.º.
Assim, procede, também nesta parte, a pretensão recursiva do Ministério Público quanto à integração da conduta do recorrente GG no tipo fundamental do artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Subsunção jurídica da conduta do arguido BB no crime de Tráfico de armas agravado, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 e n.º 2, c) da lei n.º 5/2006, de 23/2.
O Ministério Público entende que em relação ao arguido BB, os factos integram, além do mais, a prática de um crime de tráfico de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 com a agravante prevista no n.º 2, c) da lei n.º 5/2006, de 23/2 (por o arguido fazer da conduta um modo de vida). O arguido respondeu ao recurso entendendo que o Tribunal recorrido “andou bem em afastar a qualificativa ínsita no n.º 2, da al. c) do art.º 87.º do RJAM”.
Vejamos:
O Tribunal recorrido afastou a verificação em concreto da qualificativa prevista na alínea c) do n.º 2 daquela disposição legal (por o arguido fazer da actividade de tráfico de armas, modo de vida, nos seguintes termos (transcrição parcial):
Em relação ao arguido BB não subsiste qualquer dúvida que as condutas descritas em 3 a 56 integram o tipo objectivo do crime de tráfico e mediação de armas, uma vez que o arguido vendeu diversas armas aos agentes encobertos e exibiu-lhes diversas armas para venda, nomeadamente: 
- uma arma de fogo curta, calibre 9mm, da marca ...", com carregador inserido, munições, e um carregador extra, que, juntamente com uma caixa de cinquenta munições do mesmo calibre, vendeu ao "JJ", pela quantia global de dois mil e cem euros (€2,100,00); 
- exibindo-lhes para venda três armas: uma caçadeira da marca "Benelli", calibre 12, de cor ..., pelo valor de mil euros (€1.000,00); uma carabina de caça, em madeira de cor ..., com mira telescópica e carregador de 57 cartuchos de calibre 7.5, no valor de mil euros (€1.000,00) e uma caçadeira da marca ...", modelo ..., calibre 12, com o número de série ...15, num estojo, de cor ..., no valor de mil e quinhentos euros (€1.500,00), sendo que veio a vender ao "HH" a "...", pela quantia de mil e quatrocentos euros (€1.400,00); 
- vendeu ao "KK" munições -cinquenta de calibre 9mm, vinte e cinco de calibre .45, e seis de calibre 12-, pela quantia de cento e trinta euros (€130,00); 
 - vendeu ao “KK” uma arma de fogo automática vulgo 58 metralhadora, “FBP”, com o número ...82, calibre 9mm Parabelum, e uma caixa de cinquenta munições do mesmo calibre, pela quantia global de dois mil e quinhentos euros (€2.500,00),
- exibiu ao “KK” um saco contendo seis pistolas de calibre 6,35mm e vendeu-lhe uma delas assim como duas caixas de cinquenta munições, de calibre 7,65mm, duas caixas de cinquenta munições, de calibre 6,35mm, e duas caixas de dez munições (cartuchos carregados), de calibre 12 (Zagalote nove bagos), pela quantia global de trezentos e setenta euros (€370,00); 
- vendeu ao “...” uma Kalashnikov, três carregadores, e cem munições de oferta, pela quantia de três mil e quatrocentos euros (€3.500,00) em notas do BCE, tendo o arguido entregue a arma, os carregadores e vinte munições e recebido € 3.400,00 tendo ficado acordado que quando o AE recebesse as cem munições de oferta pagaria os restantes € 100,00.
- entregou ao arguido SS para reparação uma caçadeira de canos paralelos desmontada, uma pistola-metralhadora, da marca ...”, três carregadores e um punho próprio para caçadeira; 
- exibiu ao “II” e ao “HH” duas pistolas de calibre 9mm, das marcas “...” e “...”, assim como uma caixa de cinquenta munições do mesmo calibre; 
- vendeu ao “HH” uma daquelas pistola de calibre 9mm curto marca ...”, a referida caixa de cinquenta (50) munições do mesmo calibre e ainda uma pistola do mesmo 63 calibre, marca ...”, pela quantia de três mil euros (€3.000,00), em notas do BCE;  
- exibiu para venda ao “II” uma pistola metralhadora, de calibre 9mmP, marca ...”, de cor ..., com dois carregadores, e disse que custava três mil e quinhentos euros (€3.500,00) assim como lhe exibiu dez (10) caixas de munições, de calibre 9mm curto (.380ACP), dizendo que tinha ao preço unitário de setenta e cinco euros (€75,00) e acabou por lhe vender a referida metralhadora “...”, as aludidas dez (10) caixas de munições, e 64 uma caixa de munições, de calibre 9mm Luger FMJ de 124 gr., da marca “MAGTECH”, pela quantia de três mil euros (€3.000,00), em notas do BCE;
 - vendeu ao “II” um revólver da marca ...”, modelo ..., calibre .38 special, de em inox, com número de série rasurado, um revólver da marca ...”, modelo ..., calibre .22 Magnum, com número de série rasurado, um revólver da marca ...”, calibre .38 especial, com número de série rasurado, e com a inscrição ...57 no tambor e uma pistola da marca “BROWNING”, calibre 9 mm curto, com o número de série ...13, com dois carregadores, um revólver da marca ...”, modelo ..., com o número de série ...80, e um revólver da marca “...”, calibre .22 magnum, sem número se série, assim como quinze (15) munições, de calibre .22 magnum, pela quantia global de € 11.050,00, tendo recebido do AE a quantia de cinco mil euros (€5.000,00€) em notas do BCE, ficando em débito a quantia de seis mil e cinquenta euros (€6.050,00), a pagar em futura compra. 
- entregou ao “II” uma caixa com cinquenta (50) munições, de calibre .38 especial, “watcuter”, da marca ...”, e uma caixa com quarenta e nove (49) munições, de calibre .22 magnum, wmr hollow point, com as inscrições “...” e “...”; 
- exibiu a UU para venda uma pistola;  
- tinha na sua posse diversas munições de diversos calibres, uma arma automática, com as características da “AK 47”, com o número de série ...46, uma carabina, com o número de série ...57; uma carabina, da marca ...”, de calibre .22, com o número de série ...00; 
- uma carabina, da marca ...”, de calibre 35REM, com o número de série ...04; um revólver da marca ...”, com o número ...25, de calibre 38, municiado; uma pistola, originalmente de alarme, transformada, da marca ...”; uma pistola transformada, da marca ...”; uma pistola transformada, com a inscrição “...”; um revólver, de calibre 6,35mm, com a inscrição “..., ...”, com o número ...81, os quais ia destinar à venda. 
Mais se provou que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, ao proceder à venda de armas e munições a outros indivíduos que os contactavam para o efeito, durante o indicado período de tempo, e destinava à venda as armas apreendidas, bem conhecendo as características das armas e munições vendidas e detidas para venda, sabendo que não era titular de qualquer licença ou autorização legal para o efeito, e que assim sendo tal lhes estava vedado por lei. 
Actuou, pois, o arguido com consciência da ilicitude das suas condutas bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei. 
Não se apurou em concreto qualquer factualidade susceptível de configurar uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa do arguido. 
Incorreu, pois, o arguido BB na prática de um crime de tráfico de armas, na forma consumada e em autoria material singular previsto e punido pelo artigo 87º nº 1 do RJAM. 
Vem o arguido acusado pela qualificativa prevista na alínea c) do nº 2 daquela disposição legal, nomeadamente por fazer da actividade de tráfico de armas, modo de vida. 
A doutrina e jurisprudência têm densificado o conceito de modo de vida a propósito do crime de burla, o que tem igual aplicação ao crime de tráfico de armas agora em análise. 
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Ed., UCE, em anotação ao art. 204.º, do CP, sobre o conceito de “modo de vida”, como qualificativa do crime de furto, aplicável também ao crime de tráfico de armas, conforme anotação 23, pág. 639: «O modo de vida é a actividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente. Não se identifica, pois, com a mera habitualidade”.
Refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/01/2021, Proc. nº 111/19.9PBCVL.C1, disponível em www.dgsi.pt.: «Para o funcionamento da qualificativa modo de vida não é necessária uma ocupação exclusiva com a actividade ilícita, podendo simultaneamente o agente trabalhar de forma lícita, nem mesmo contínua, podendo até ser intermitente, desde que contribua para o sustento do arguido, o que tem que ressaltar da série de ilícitos cometidos. Sintomática, igualmente, e por exemplo, como é o caso, a plurireincidência, as condenações anteriores do agente constantes do seu CRC, assim como as denúncias ou participações policiais existentes, o conteúdo dos ficheiros policiais e todos os outros elementos testemunhais ou documentais».
No caso dos autos não se provou que o arguido vivesse apenas dos lucros da actividade de tráfico de armas (cfr. facto não provado descrito em a) mas também cremos que analisando os factos provados, não se pode concluir que o arguido fizesse daquela actividade modo de vida, até porque as vendas que se provaram foram praticamente todas realizadas aos agentes encobertos, tendo-se provado apenas uma exibição para venda a outra pessoa (facto provado nº 57). Por outro lado, o arguido foi surpreendido na posse de armas e munições, mas não são em quantidade de tal modo significativa para se concluir que o agente fazia daquela actividade modo de vida. Do CRC do arguido, constam duas condenações por crime de detenção de arma proibida cometidos em 2007 e 2008 ou seja, há cerca de 15 anos e provou-se também que o arguido, desde cedo, se dedicou à actividade de exploração agrícola, vivendo o agregado familiar do lucro dessas actividades (agricultura, venda de animais e trabalhos com máquinas agrícolas na limpeza de terrenos). E tanto assim era que após a detenção do arguido, o seu filho, AAA que estava emigrado em ... regressou a Portugal para auxiliar a mãe, co-arguida MM, na continuação dessa actividade que vinha sendo exercida pelo pai.
Cremos, pois, que dos factos provados não é possível concluir-se pelo preenchimento da qualificativa prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 87º do RJAM”.   
Ora desde já adiantamos que atenta a matéria de facto em causa e acima transcrita, não nos merece reparo a conclusão a que chegou o Tribunal recorrido, sem prejuízo de concordarmos com o recorrente Ministério Público quando refere que “não se torna necessário, para o preenchimento da circunstância, que o agente se dedique exclusivamente a esses crimes” e que “pode perfeitamente a carreira criminosa em que se lançou coexistir com outros modos de vida, considerando que hoje não se ganha a vida apenas com rendimentos provenientes de uma fonte”.
Aceitando a coexistência da conduta criminosa a par de outras lícitas do arguido, há que ponderar que entre outros elementos, se a primeira é relevante, constante e lucrativa, se existe ou não alguma organização, se existe uma reiterada dedicação ao crime, se a actividade profissional lícita do arguido anula ou não a importância do tráfico de armas na sua vida.
A propósito têm vindo a ser utilizados como critérios ao nível da jurisprudência, a frequência e duração da actividade criminosa, a existência de lucros relevantes incompatíveis com a actividade profissional lícita do arguido, ou seja, a falta de justificação lícita para o padrão de vida mantido, etç. Ter uma actividade profissional lícita não é suficiente para, por si só afastar a qualificação em causa se se demonstrar que a actividade criminosa é sistemática e lucrativa. Neste sentido entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 26/01/2022 (processo n.º 231/20.7JALSB.L1.S1), que “o facto de o arguido exercer actividade profissional regular não é suficiente para afastar a conclusão de que pratica o crime como modo de vida, quando os lucros obtidos com a actividade criminosa são significativos, regulares e se prolongam no tempo”. Como já tinha entendido o mesmo Tribunal superior, embora a propósito do crime de tráfico de estupefacientes, mesmo quando um arguido tem um emprego declarado mas mantém uma estrutura de venda de estupefacientes, com rede de contactos, organização logística e dedicação regular, tal carateriza o exercício do Tráfico “como modo de vida” –cf. com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/11/2017 (proferido no processo n.º 188/14.2JAPTM.L1.S1, consultado em www.dgsi.pt).
Ora, no caso dos autos, como salientou o Tribunal recorrido, ficou provado que o arguido BB “desde cedo, se dedicou à actividade de exploração agrícola, vivendo o agregado familiar do lucro dessas actividades (agricultura, venda de animais e trabalhos com máquinas agrícolas na limpeza de terrenos). Acresce que como também salientado pelo Tribunal recorrido, essa actividade exigia a presença do arguido porque após a sua detenção, “o seu filho, AAA que estava emigrado em ... regressou a Portugal para auxiliar a mãe, co-arguida MM, na continuação dessa actividade que vinha sendo exercida pelo pai”. No entanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, no que diz respeito à caracterização da conduta criminosa do arguido, pouco mais se provou que nos permita caraterizar a mesma como preponderante na vida do arguido, não se sabendo, além do mais, até que ponto era lucrativa de modo a justificar um padrão de vida incompatível com os seus rendimentos agropecuários.
Acresce que mesmo a duração da actividade desenvolvida pelo arguido de cerca de dois anos (certamente em momento anterior a outubro de 2018 e até 13 de outubro de 2020), não é suficiente para qualificar a sua conduta nos termos propostos pelo Ministério Público, porque como bem salientou o Tribunal recorrido, “as vendas que se provaram foram praticamente todas realizadas aos agentes encobertos, tendo-se provado apenas uma exibição para venda a outra pessoa (facto provado nº 57). Por outro lado, o arguido foi surpreendido na posse de armas e munições, mas não são em quantidade de tal modo significativa para se concluir que o agente fazia daquela actividade modo de vida”.
De tudo resulta que sabemos que existiam duas actividades desenvolvidas em paralelo pelo arguido, mas a verdade é que desconhecemos a importância relativa de cada uma delas na sua vida o que não nos permite concluir, à míngua de outros elementos, pela prática do crime de mediação de armas, como “modo de vida”.
Deste modo improcede a pretensão do recorrente Ministério Público, neste segmento recursivo, não se mostrando preenchida a previsão da alínea c) do seu n.º 2 do artigo 87.º da lei n.º 5/2006, de 23/2.
Subsunção da conduta dos arguidos EE e FF na prática de um crime de Tráfico e mediação de Armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, nº 1 da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro[12].
Decorre do disposto no artigo 87.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro Comete o crime de Tráfico e mediação de Armas, «quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transação ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, adotar algum dos comportamentos previstos no artigo anterior, envolvendo quaisquer bens e tecnologias militares, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos aí referidos». Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o crime é agravado se «o agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão de alguma das atividades ilícitas previstas nesta lei».
O crime de tráfico de armas é “um crime formal de perigo comum cuja consumação se verifica com a aquisição e detenção da arma destinada ao tráfico (intenção de a transmitir –transferir para a posse de outrem), por qualquer forma” cf.- o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/10/2012 (processo n.º 33/12.4PAACB.C1, consultado em www.dgsi.pt). Estamos no âmbito dos crimes de perigo comum “em que a censurabilidade jurídicocriminal se situa a montante de um possível resultado desvalioso que se pretende prevenir e evitar” (cf. o mesmo aresto).
Como bem se salienta no acórdão recorrido, está em causa “um tipo de crime de perigo comum e abstracto, pois as condutas que contempla não carecem de lesar, de forma directa e imediata, qualquer bem jurídico, bastando a probabilidade de ocorrência de um dano contra um objecto indeterminado”.
Damos aqui por reproduzidas as demais considerações jurídicas sobre o tipo legal em causa, cabendo-nos decidir se as condutas dos arguidos podem ser subsumíveis ao mesmo.
Começando pelo arguido EE:
Quanto a este arguido o Ministério Público entende que os factos integram também, a prática de um crime de Tráfico de Armas.
Vejamos.
Em relação a este arguido, entendeu o Tribunal recorrido que “não se provaram factos capazes de preencherem os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime (cfr. factos não provados descritos em aaa) tem o mesmo de ser absolvido da pratica do referido crime de tráfico de armas p. e p. pelo artigo 87º nº 1 do RJAM”.
No recurso o Ministério Público faz referência aos seguintes factos:
57. Em data não concretamente apurada, UU solicitou ao arguido EE que lhe vendesse uma arma, e este indicou-lhe o arguido BB. Então, deslocou-se a casa do arguido BB, e este exibiu-lhe, para venda, uma pistola.   
(…)
105. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na residência do EE situada na E.N. nº 103, nº 43, em ... ali lhe tendo sido apreendidos os seguintes objectos: 
- Dois cartuchos, de calibre 12. 
- Uma arma de fogo longa, da marca ...”, de calibre .12. e documentos de registo da mesma a favor do arguido, através de Licença de detenção no domicilio com o nº 16768/20... bem assim Livrete de Manifesto de Arma daquela marca com o nº ...94, ...20 e Livrete de manifesto de Arma em nome do arguido com o nº ...2 
106. No dia 13 de Outubro de 2020 foi efectuada busca na oficina do EE, situada na E.N. nº ... ..., ali lhe tendo sido apreendidos os seguintes objectos: 
- Uma arma de fogo curta, da marca ...”, com o número ...37 em estado de usada e sem carregador; 
- Um coldre; 
- Um carregador de arma de fogo curta, da marca ...”, de calibre 6,35mm;
- Uma balança de precisão, da marca “...”; 
108. Em nome do arguido EE constava o registo/manifesto da arma espingarda, calibre 12, da marca ...”, nº ...20 e Livrete de manifesto de Arma em nome do arguido com o nº ...2, tendo Licença de detenção no domicílio com o nº ...1, válida até 12/03/2023, emitida pelo Comando distrital da PSP de .... 
Relembrando que o Ministério Público não impugnou a matéria de facto, é o seguinte o que constava do ponto aaa) da matéria de facto não provada referenciado pelo Tribunal recorrido:
aaa) Os arguidos EE e (…) agiram deliberada, livre e conscientemente, ao procederem à venda de armas e munições a outros indivíduos que os contactavam para o efeito, durante o indicado período de tempo, e destinavam à venda as armas apreendidas, bem conhecendo as características das armas e munições vendidas e detidas para venda, sabendo que não eram titulares de qualquer licença ou autorização legal para o efeito, e que assim sendo tal lhes estava vedado por lei.
O arguido tinha licença de uma das armas só não tinha da arma de fogo curta, da marca ...”, com o número ...37 em estado de usada e sem carregador, nem justificação para a posse do carregador de uma arma de fogo curta, da marca ...”, de calibre 6,35mm. 
No entanto não foi provado sequer o elemento subjectivo, ou seja, que “agiu deliberada, livre e conscientemente, ao proceder à venda de armas e munições a outros indivíduos que os contactavam para o efeito, durante o indicado período de tempo, e destinava à venda as armas apreendidas, bem conhecendo as características das armas e munições vendidas e detidas para venda, sabendo que não era titular de qualquer licença ou autorização legal para o efeito, e que assim sendo tal lhe estava vedado por lei”.
Sem outros considerandos, não se pode deixar de concordar com o decidido pelo Tribunal recorrido quanto ao crime de Tráfico de Armas, sendo de manter a absolvição do arguido EE quanto a este crime.
Arguido FF:
Entende o recorrente Ministério Público que o arguido FF incorreu na prática de um crime de tráfico e mediação de armas, agravado, previsto e punido pelo artigo 87.º, números 1 e 2, a) da lei n.º 5/2006, de 23/02, nos termos em que vinha acusado.
Para tanto alegou o recorrente que “a enorme quantidade e diversidade de armas, munições e documentação conexa, e as múltiplas condutas descritas na factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, aliadas à especial qualidade do agente, por um lado, e ao período temporal prolongado da sua prática, por outro, só isso, por si só, faz o arguido FF autor dos crimes por que vinha acusado e pronunciado, referidos em W)”, acrescentando que “os factos dados como provados bem evidenciam a prática criminosa por funcionário com reiteração e aproveitamento/benefício ilegítimo para o próprio e/ou para terceiros, tudo decorrente das suas funções para ato ilícito”.
Quanto a este crime, respondeu o arguido, alegando que “nunca trabalhou no Núcleo de Armas e Explosivos de ... mas sim na secretaria geral da Divisão da PSP de ...” e que “as armas não eram entregues no seu serviço, porque não poderiam ser, cai o argumento que o arguido usou das suas funções para “desviar” as armas do seu destino para depois lhes dar outro destino”. Acrescentou que “os “negócios” carreados para o processo pelo Ministério Público e agora repetidos, foram sempre celebrados entre os proprietários e os adquirentes (alguns deles colegas da PSP, inclusivamente pelo seu superior hierárquico Chefe AAAAA), sem que o arguido tenha tido qualquer intervenção quanto à fixação do preço, nem da foram como o negócio se possa ter desenvolvido.
A propósito da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido quanto à prática do crime de tráfico e mediação de armas, entendeu o Tribunal recorrido a propósito do crime de tráfico e mediação de armas agravado, o seguinte (transcrição):
Em relação ao arguido FF analisando os factos provados e melhor descritos em 113 a 142 não cremos que tais condutas integrem o tipo objectivo ou subjectivo do crime de tráfico e mediação de armas.  
 Na verdade, analisando os factos provados todas as transmissões de armas em que o arguido interveio ocorreram licitamente, ou seja, foram devidamente documentadas, tendo as armas sido transmitidas por quem legalmente as podia transmitir e recebidas (a título gratuito ou oneroso) por quem legalmente as podia receber.
Preceitua o artigo 87º do RJAM quanto ao crime de tráfico e mediação de armas no seu nº 1 que “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transacção ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, adotar algum dos comportamentos previstos no artigo anterior, envolvendo quaisquer bens e tecnologias militares, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos aí referidos, é punido com uma pena de 2 a 10 anos de prisão”. 
Cremos, pois, que apenas são puníveis as actividades de mediação de venda ou cedência de armas realizadas sem que o agente se encontre autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, ou seja, o acto de venda ou de cedência das armas deve ser ilegal (porque não há licença, porque não há documentação que titule a transmissão, etc…). Não faria sentido que a venda ou a cedência fossem lícitas e quem as pratica (comprador e vendedor) não fossem punidos mas o agente que mediou a venda o fosse. Utilizando o argumento interpretativo “a maiori ad minus”, cremos que se a lei permite a realização do acto de cedência/venda da arma não pode pretender punir quem simplesmente medeia esse acto, em si lícito. 
Como já se referiu supra, o crime de tráfico e mediação de armas é um crime de perigo comum. Os crimes de perigo caracterizam-se pela não exigência típica de efectiva lesão do bem jurídico tutelado, razão pela qual a consumação se basta com o risco (efectivo ou presumido) de lesão do bem jurídico, risco que se consubstancia numa situação de perigo, a qual só por si é tutelada. O crime em causa é um crime de perigo, porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor; e de perigo comum, porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa.
Os bens jurídicos protegidos são a ordem, a segurança e tranquilidade públicas, através do controlo pelo Estado de “uma actividade de elevada perigosidade social e geradora de uma preocupante instabilidade no controlo e na repressão do armamento ilegal” Exposição motivos proposta de lei 28/X. 
O que o legislador quis punir foi o tráfico ilegal de armas ou seja, a sua introdução no mercado negro e consequente utilização na prática de crimes violentos.
Ora todas as transacções efectuadas ou mediadas pelo arguido FF, foram legalmente efectuadas, como se disse, nenhuma arma foi transmitida ilegalmente ou introduzida no mercado negro. Questão diferente seria se ele mediasse a venda para quem não estava habilitado a comprar a arma ou eventualmente se a transmitisse para uma pessoa que a ia depois transmitir a outra que não tinha licença para a adquirir (o chamado “testa de ferro”) e o arguido o soubesse, ou se as armas fossem entregues a favor do Estado e o arguido se apropriasse delas e as introduzisse no mercado negro mas não foi o caso. 
E assim sendo, cremos que as suas condutas não se inserem objectivamente no crime de tráfico e mediação de armas, sendo antes idóneas a preencher outro tipo de ilícito, pelo que tem o arguido de ser absolvido da pratica do referido crime de tráfico de armas p. e p. pelo artigo 87º nº 1 e 2 alínea a) do RJAM.   
Para evitar repetir aqui toda a factualidade relevante para a ponderação dos argumentos do Ministério Público, damos por reproduzidos os factos descritos nos pontos 113 a 142 e 174 e 175 da matéria de facto provada, aos quais aditamos apenas os seguintes factos não provados:
ii) As armas referidas em 118 foram compradas por JJJJ a KKKK e LLLL por sugestão do arguido FF.  
jj) NNNN confirmou que o arguido FF ao enviar as fotos da blaser a JJJJ referiu «que alguém lha iria oferecer ou vender», tenho aquela estranhado, por ser uma arma muito cara.
kk) As munições apreendidas na Oficina de DDD eram do seu filho AA. 
ll) A arma Sig Sauer referida em 128 foi vendida por € 100,00 e foi o arguido FF que tratou das formalidades legais.
mm) Nas circunstâncias descritas em 138 quando OOOOO se apercebeu que aquilo «já parecia negócio», uma vez que o arguido FF já o contactava todas as semanas, disse-lhe que devia preocupar-se com a sua função, e não com o interesse na transacção de armas.
nn) Relativamente a cada venda que mediava, o arguido FF recebia do comprador uma verba previamente combinada. 
oo) O arguido FF elaborou, a pedido de outras pessoas, na sua grande maioria armeiros, novos livretes e manifestos de armas, a troco de dinheiro. 
pp) O arguido FF que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao aceitar receber dinheiro da mediação das armas e de prestar serviços a Armeiros, bem como elaborar novos manifestos e licenças de armas, agia em violação dos deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 
Vejamos.
Comete o crime de tráfico e mediação de armas, agravado, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.os 1 e 2, alínea a), da Lei 5/2006, de 23-02, «quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transação ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, adotar algum dos comportamentos previstos no artigo anterior, envolvendo quaisquer bens e tecnologias militares, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos aí referidos, é punido com uma pena de 2 a 10 anos de prisão.
Estabelece depois o n.º 2 do mesmo artigo que a pena referida no n.º 1 é de 4 a 12 anos de prisão se «a) o agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão de alguma das atividades ilícitas previstas nesta lei (…)».
A Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, veio estabelecer o regime jurídico aplicável ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, transferência, armazenamento, circulação, comércio, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de armas e suas munições, bem como o regime punitivo criminal e contra-ordenacional relativo a comportamentos ilícitos associados àquelas actividades, com o objectivo de salvaguardar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, segundo o objecto antes definido na Lei n.º 24/2004, de 25 de Junho, que autorizou o Governo a legislar sobre o regime jurídico das armas e suas munições.
Como bem se salienta na decisão recorrida, o crime de tráfico e mediação de armas é um crime de perigo comum sendo certo também que “os crimes de perigo caracterizam-se pela não exigência típica de efectiva lesão do bem jurídico tutelado, razão pela qual a consumação se basta com o risco (efectivo ou presumido) de lesão do bem jurídico, risco que se consubstancia numa situação de perigo, a qual só por si é tutelada”. Como também acertadamente se escreve na decisão recorrida, o crime em causa é um crime de perigo, porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor; e de perigo comum, porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa.
Também subscrevemos o que é dito na decisão recorrida quando se escreve que “os bens jurídicos protegidos são a ordem, a segurança e tranquilidade públicas, através do controlo pelo Estado de “uma actividade de elevada perigosidade social e geradora de uma preocupante instabilidade no controlo e na repressão do armamento ilegal” Exposição motivos proposta de lei 28/X”. 
Ora, salvo o devido respeito, concordamos também com a decisão recorrida em julgar não verificada a prática pelo arguido deste crime de que vinha acusado, face à matéria de facto dada como assente na primeira instância e que não foi impugnada pelo Ministério Público.
Antes de mais, se é certo que o legislador ao definir o crime como “Tráfico e mediação de armas”, não distinguiu expressamente entre Tráfico de armas legais e tráfico de armas ilegais, a verdade é que tendo em conta a remissão para o artigo 86.º, resulta inequívoco que o que está em causa é a prática de qualquer uma das condutas previstas no n.º 1, do artigo 87.º mas em relação às armas elencadas no artigo 86.º, nelas se incluindo as armas não registadas ou manifestadas, quando tal é obrigatório, ou seja, armas detidas “fora das condições legais”.
Como o Tribunal recorrido salientou, no caso dos autos estão em causa, “todas as transacções efectuadas ou mediadas pelo arguido FF, foram legalmente efectuadas, como se disse, nenhuma arma foi transmitida ilegalmente ou introduzida no mercado negro. Questão diferente seria se ele mediasse a venda para quem não estava habilitado a comprar a arma ou eventualmente se a transmitisse para uma pessoa que a ia depois transmitir a outra que não tinha licença para a adquirir (o chamado “testa de ferro”) e o arguido o soubesse, ou se as armas fossem entregues a favor do Estado e o arguido se apropriasse delas e as introduzisse no mercado negro mas não foi o caso”.
Em abono da posição da decisão recorrida, acrescentamos um outro argumento.
Como é sabido, a Polícia de Segurança Pública (PSP) realiza leilões de armas anualmente, em cumprimento do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições, leilões esses que são organizados pela Direção Nacional da PSP e que dizem respeito a armas que foram declaradas perdidas a favor do Estado, apreendidas ou achadas e que estão em condições de serem comercializadas. Nesses leilões podem participar as pessoas que por lei não precisam de licença de uso e porte de arma, os titulares de licença de uso e porte de arma, os armeiros detentores dos respectivos alvarás e os colecionadores de armas. Já neste ano de 2025 a PSP realizou em 9 de fevereiro um leilão de objetos achados.
Acresce que o próprio legislador permite que as armas penhoradas em processos de execução ou de insolvência possam ser vendidas pelos solicitadores de execução ou pelos administradores da massa insolvente a armeiros, como decorre do disposto no artigo 79.º, n.º 1 da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Ou seja, é o próprio legislador que admite como válida a venda de armas desde que estejam reunidas as respetivas “condições legais”.
No caso dos autos, o arguido FF, o mesmo é agente da PSP mas não podia exercer as funções de quem estava autorizado legalmente a vender armas, mas as consequências dessa sua actividade restringe-se ao foro disciplinar e não criminal.
De tudo resulta que não assiste razão ao recorrente uma vez que entendemos que a conduta do arguido FF não integra a prática de um crime de tráfico e mediação de armas, agravado, previsto e punido pelo artigo 87.º, números 1 e 2, a) da lei n.º 5/2006, de 23/02, nos termos em que vinha acusado e pronunciado.
*
Subsunção dos factos na prática de um crime de Corrupção Passiva, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1 do Código Penal: Arguido FF
Entende o recorrente Ministério Público que o arguido FF devia ter sido também condenado pela prática de um crime de corrupção passiva previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1 do Código Penal nos termos em que vinha pronunciado.
Para tanto alega que “atendendo aos factos provados mostram-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de corrupção passiva”, acrescentando que “ainda que assim se não entenda e sem conceder, também se não pode concordar com a subsunção destas condutas do arguido FF à previsão do crime de abuso de poder na forma continuada - art.º 30.º, n.º2 do C.P”.
O arguido respondeu alegando que nunca “quis retirar ou retirou qualquer vantagem, grande ou pequena, do exercício das suas funções”, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida “no que toca à absolvição do arguido pela prática dos crimes que vinha acusado”.
Vejamos:
A propósito do crime de corrupção passiva, entendeu o Tribunal recorrido, o seguinte:
(…)
Vem o arguido FF acusado da prática, em autoria material singular de um crime de corrupção passiva p. e p. pelo artigo 373º nº 1 do Código Penal. 
Preceitua o artigo 373º CP que “1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos».
Estamos aqui a falar da chamada corrupção passiva própria ou corrupção passiva para acto ilícito que, como a própria designação deixa transparecer, é marcada pelo carácter ilícito da conduta do funcionário.
Já no nº 2 refere-se que “Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”, situação em que falamos de corrupção passiva imprópria ou corrupção passiva para acto lícito.
No crime de corrupção, o bem jurídico objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos.
A corrupção pode definir-se como a venalidade na função pública, assumindo a forma passiva quando se persegue e tem em linha de conta a conduta do funcionário. É o mercadejar, o transaccionar, o negociar do cargo e por isso é que o funcionário que ocupa tal cargo se “vende”. Assim acontecendo, prosseguir-se-á, em primeiro lugar, um fim que não é do interesse público, nas palavras de Simas Santos e Leal-Henriques (Código Penal, anotado, 3ª edição, 2º vol., pag. 1599).
São, pois, elementos constitutivos do crime de corrupção passiva para acto ilícito:
- Ser o agente funcionário;
- Agir por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação;
- Solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem, patrimonial ou não, ou a sua promessa;
- Fazê-lo como contrapartida de acto ou omissão, contrários aos deveres do cargo;
- Agir com dolo ainda que genérico.
Portanto, para o preenchimento do crime de corrupção passiva basta a solicitação ou aceitação da vantagem indevidas por parte do titular do cargo. Ao solicitar ou aceitar a vantagem como compensação pelo acto, o agente mercadejou/transaccionou com o cargo, colocando os poderes funcionais ao serviço dos seus privados interesses pessoais, ao solicitar ou aceitar vantagem que não lhe era pessoalmente devida pelo exercício das suas funções.
O normativo legal em apreço pressupõe a solicitação ou aceitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial pelo funcionário: o que está em causa é a prática de actos ou omissões usando dos poderes de autoridade que o funcionário detém, que lhe conferem a possibilidade de transaccionar o cargo que ocupa em termos que não servem os interesses do Estado como comunidade de cidadãos, mas tão só os interesses do próprio corruptor e do corrompido.
Por isso, o crime de corrupção passiva é um crime instantâneo - que se consuma, em caso de solicitação, no momento em que ela chega ao conhecimento da outra parte e, em caso de aceitação, no momento em que a disponibilidade para aceitar, manifestada pelo funcionário, chega ao conhecimento do “corruptor”, com a aceitação do suborno - e não um crime permanente ou duradouro (Professores Manuel da Costa Andrade e Germano Marques da Silva) – vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13/07/2010, p. 712/00.9JFLSB.L1-5, in www.dgsi.pt.
Contudo, a consumação do crime de corrupção passiva dispensa o efectivo recebimento da peita ou suborno, mostrando-se suficiente, tal como nos diz o Professor António Almeida Costa (Comentário cit., pág. 662) “que se torne conhecida do particular «a solicitação» do suborno (se a iniciativa pertenceu ao funcionário) ou a correspondente «aceitação» (se a iniciativa proveio do corruptor)” (também neste sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038).
A consumação do crime não está dependente da prática de qualquer acto ou omissão contrária aos seus deveres funcionais, não sendo sequer necessário que o “funcionário tenha a intenção de efectivamente vir a cometer o acto contrário aos seus deveres”, sendo, assim, irrelevante para a consumação do crime saber “se e quando [o funcionário] praticou ou deixou de praticar um acto contrariamente aos deveres do seu cargo e mesmo se tinha a intenção de vir a cometer o acto contrário aos seus deveres (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 882; no mesmo sentido, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código cit., pág. 1038).
Dito de outro modo, a omissão ou a efectiva realização da actividade prometida pelo funcionário, bem como o seu carácter lícito ou ilícito, mais não representam do que circunstâncias que aumentam ou diminuem a gravidade da infracção. O núcleo desta esgota-se no mercadejar com o cargo, na pura e simples «solicitação» ou «aceitação» de suborno.
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/04/2021, Proc. nº 102/16.1TRPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt: A verificação do crime de corrupção exige, ainda, que entre o corruptor e o corrupto exista uma “vantagem, patrimonial ou não patrimonial” que, na corrupção passiva, é solicitada ou aceite pelo funcionário público e, na corrupção ativa, é dada ou prometida pelo corruptor.
a) A vantagem pode ser patrimonial ou não patrimonial.
b) Problema diferente é do de saber se associada à vantagem deve estar uma concreta prestação, uma troca ou transação.
Em face desta alteração, impõe-se então considerar que “há corrupção passiva na sua forma matricial logo que o agente público pede ou aceita (ou corrupção ativa logo que alguém lhe promete ou oferece) vantagem patrimonial de valor não insignificante que não possa ser compreendida de outro modo senão à luz de uma viciação da sua imparcialidade e objectividade funcional”, porque “pedida ou oferecida aquela vantagem não insignificante, ofendeu-se imediatamente a legalidade da atuação dos agentes públicos, que impede que eles solicitem ou que os cidadãos lhe ofereçam quaisquer retribuições por um desempenho que o Estado entendeu não merecer retribuição outra” o que permite afirmar que “deste entendimento decorrerão, naturalmente, a irrelevância da demonstração de qualquer pacto de corrupção ou sinalagma para afeitos de preenchimento da norma-base” (Cláudia Cruz Santos, A Corrupção – Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime Jurídico-Criminal em Expansão no Brasil e em Portugal, Coimbra Editora, 2009, pág. pág. 32).
Assim, se no artigo 372.º do CP com o recebimento ou oferta indevidos de vantagem se pune a criação de um “clima de permeabilidade” ou de simpatia tendo em vista futuros actos, mas desligado de objectivos imediatos, tal significará que na corrupção “quando se solicita, aceita ou promete, a peita deve actualizar já o sentido de uma «troca» ou «transacção» com o exercício do cargo” (Almeida Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo III, Coimbra Editora – 2001, pág. 671), sem que, todavia, se exija a verificação de uma relação directa entre o suborno e a conduta do funcionário, até porque esta não precisa de “se encontrar pré-determinada de forma precisa ou, até, ficar subordinada, quanto ao quanto ao seu «se» e ao seu «como», à discricionariedade do agente, em razão do circunstancialismo que se observe no momento de a levar a cabo” (Almeida Costa, Comentário cit., pág. 671).
Fazendo, ora, a ponte entre estes ensinamentos jurídicos e o caso sub judice, concluímos, face à factualidade apurada, que efectivamente o arguido FF exercia funções de agente da Polícia de Segurança Pública no Núcleo de Armas e Explosivos de ... pelo que era funcionário nos termos e para os efeitos do disposto 386º nº 1 alínea a) do CP. 
Analisando a conduta do arguido plasmada nos factos provados, o que sucedia é que aquele, por sua própria iniciativa ou a solicitação de terceiros (armeiros ou pessoas suas amigas) que pretendiam armas para si, convencia ou aproveitava a disponibilidade das pessoas que iam entregar armas à PSP e compareciam no seu serviço e, ao invés de as receber e registar a entrega a favor do Estado, adquira para si ou para terceiros tais armas, gratuitamente ou mediando a sua venda àqueles, por montante inferior ao seu valor real.
Sucede que não se provou que o arguido tivesse aceitado ou solicitado qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial ou a sua promessa dos referidos armeiros ou dos amigos que lhe solicitavam as armas. Considerando os factos não provados descritos em nn) não se provou que o arguido recebesse qualquer quantia monetária por cada venda que mediava nem do comprador nem do vendedor da arma. Nem se provou que o arguido a pedido de outras pessoas, na sua grande maioria armeiros, elaborasse novos livretos e manifestos de armas, a troco de dinheiro (facto não provado descrito em oo). 
Efectivamente a acusação, em relação ao armeiro JJJJ, no artigo 113 diz genericamente que a testemunha “(…) passou a recorrer aos serviços do arguido, na PSP ..., sendo que lhe pagou lhe pagou «uns almoços» (os parêntesis são da acusação), utilizar o túnel de tiro e cedeu a sua casa na ... para ele lá pernoitar.
E de facto provou-se que a testemunha “(…) passou a recorrer aos serviços do mesmo arguido, na PSP ..., a fim de lhe tratar dos processos de licenciamento de armas da espingardaria, sendo que JJJJ lhe pagou «uns almoços», deixou-o utilizar o túnel de tiro da sua espingardaria e cedeu a sua casa na ..., para ele lá pernoitar por uma vez”. Todavia, a acusação fala destes favores ou simpatias a propósito do facto do armeiro (que era de ...) ter passado a recorrer aos serviços do arguido na PSP ... e não diz que serviços, sendo certo que tais serviços eram simplesmente o tratamento dos processos de licenciamento de armas da espingardaria, o que consubstanciava, precisamente, o normal exercício das funções do arguido. O facto de o armeiro JJJJ ter deixado de ir tratar dos processos à PSP ... e ter passado a ir à PSP ... não integra crime nenhum nem pressupõe nenhum favor do arguido FF, porquanto os armeiros são livres de tratarem dos licenciamentos em qualquer posto da PSP, com competência para o efeito. Ademais, todos as testemunhas inquiridas foram unânimes ao explicar que tal se devia ao menor volume de serviços na PSP ... face à de .... É que a acusação não diz expressamente que foi por causa do armeiro pagar ao arguido «uns almoços» ou o deixar usar o túnel de tiro ou lhe ter cedido a casa da ..., que o arguido ofereceu armas ao armeiro ou mediou a venda de armas ao armeiro por valor inferior ao real, armas que eram para lhe ser entregues no exercício das suas funções. Mas mesmo que assim fosse, esta vantagem não patrimonial aceite pelo arguido, assume valor insignificante (pagar uns almoços de quanto? Eram pratos do dia, como referiu o arguido? Deixou usar o túnel de tiro quentas vezes? Só se provou que ficou na sua casa da ... uma única vez…). Esta suposta vantagem nem sequer se encontra minimamente concretizada na acusação. Não podemos falar “num suborno” no sentido de com isso o arguido ter mercadejado, transaccionado, negociado o cargo. 
Cremos antes que a conduta do arguido se insere, no ilícito previsto no artigo 382º do CP, sob a epígrafe “Abuso de poder”. 
Inexiste obstáculo a esta diferente qualificação jurídica operada pelo Tribunal porquanto tendo-se realizado uma alteração não substancial dos factos e alteração da qualificação jurídica, a mesma foi comunicada ao arguido conforme consta da acta da audiência de julgamento (cfr. acta com a refª ...12 de 18/12/2023) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal.  
Estabelece o citado artigo que “o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Entre o crime de abuso de poder e o crime de corrupção passiva para acto ilícito existem relações de subsidiariedade e de consumpção, só encontrando aquele aplicação se o comportamento do agente não preencher tipo legal mais específico, e a punição tem lugar pelo crime mais grave com maior conteúdo de ilícito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2017, Proc. nº 731/09.0GBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt). 
Portanto, o legislador consagra aqui um abuso de funções genérico e ao mesmo tempo subsidiário, na medida em que a disposição em causa só encontra aplicação na falta de um tipo legal de crime contra a administração do Estado de carácter mais específico (subsidiariedade que ficou, aliás, expressa no próprio texto da norma penal em relação aos “casos previstos nos artigos anteriores”).
Isto é particularmente importante nas relações com o 377° (Participação económica em negócio), art. 375° ss. (Peculato), art. 372° (Corrupção passiva para acto ilícito), art. 368° (Favorecimento pessoal praticado por funcionário).
Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte especial,  Tomo III - Artigos 308.º a 386.º -, Coimbra Editora, 2001, págs. 774/5, refere que  estamos perante o abuso “innominato di ufficio” do direito italiano e versando sobre o  bem jurídico protegido no artigo 382.º, afirma: “Está em causa a autoridade e credibilidade da administração do Estado, ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços. Corresponde esta exigência, de resto, a um princípio fundamental da organização do Estado consagrado constitucionalmente nos arts. 266.º. 268.º e 269.º - 1 da CRP. Em particular o n.º 2 do art. 266.º refere que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade”.
Esta definição do bem jurídico tutelado na norma é seguido e citada por Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, no Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, pág. 931.
Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 1215 (e de igual modo na edição de 2008, pág. 904 e na 2.ª edição actualizada de Outubro de 2010, pág. 1013) “O bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente, os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa”.
Traduz-se este ilícito no mau uso ou uso desviante de poderes funcionais e, como decorre da descrição típica contida no artigo 382.º do Código Penal, poderá concretizar-se mediante o abuso de poderes ou na violação de deveres do funcionário. Abusa de poderes o funcionário que instrumentaliza os poderes inerentes à sua função para fins ilegítimos, ou seja, para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo.
São várias as situações que podem configurar esse abuso por parte de um funcionário, mas a mais frequente será, porventura, aquela em que o funcionário actua à margem da lei, contrariando normas jurídicas com as quais se devia conformar, ou melhor, devia respeitar.
A violação de deveres por parte do funcionário (necessariamente relacionados com o exercício da função) tanto se refere aos “deveres funcionais específicos impostos por normas jurídicas ou instruções de serviço, e relativos a uma função em particular” como a “deveres funcionais genéricos que se referem a toda a actividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado”, como sejam o dever de isenção, o dever de sigilo, o dever de lealdade, o dever de zelo etc.
A qualidade de funcionário funda a ilicitude, sendo, por isso, um crime específico próprio.
O crime de abuso de poder configura um crime de intenção ou de resultado cortado, crimes nos quais se exige, para além do dolo do tipo, a intenção de produção de um resultado que, todavia, não faz parte do tipo objectivo de ilícito.
Ora no caso dos autos não temos dúvidas que o arguido ao actuar da forma descrita nos factos provados, nomeadamente ao persuadir as pessoas a oferecerem ou venderem as armas a si ou a terceiros por sua indicação, ao invés de as entregarem a favor do Estado como pretendiam inicialmente, armas essas a que tinha acesso em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, adquirindo para si tais armas ou  ao mediar a sua venda assim as proporcionando a outros, dando-lhes destino diferente ao legalmente estabelecido, violava os deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para si ou para terceiro beneficio ilegítimo.
Na verdade, violava o seu dever de isenção consagrado no artigo 8º nº 2 alínea b) e directamente no artigo 10º do Estatuto Disciplinar da PSP aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de Maio, dever que o arguido não ignorava nem podia ignorar, atentas as funções que exercia e o qual estabelece o seguinte: 
«1 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiros, das funções que exerce.
2 - No cumprimento do dever de isenção devem os polícias, nomeadamente:
a) Conservar rigorosa neutralidade no desempenho de funções, em todas as circunstâncias, designadamente em atos públicos;
b) Não se valer da autoridade, categoria funcional, cargo ou função, nem invocar superiores, para obter lucro ou vantagem, exercer pressão ou tirar desforço de qualquer ato ou procedimento;
(…)
f) Não criar situações de dependência incompatíveis com a liberdade, imparcialidade e objetividade do desempenho do cargo».
Violou igualmente o dever de zelo (cfr. artigo 13º nº 2 alíneas b) e g)) e ainda o dever se sigilo previsto no artigo 12º nº 2 alínea c), nomeadamente ao fornecer aos armeiros informações da titularidade de armas registadas e manifestadas às quais tinha acesso por força do exercício das suas funções. Violou, em todas as situações, o dever de lealdade previsto no artigo 15º nº 1. 
Actuou o arguido com o propósito de obter para si (quando adquiria as armas para si) ou para terceiros (a quem ia depois entregar as armas ou quando mediava as transacções) uma vantagem ilegítima (porquanto estes adquiriam armas gratuitamente ou por um preço inferior ao seu valor real).   
É, pois, patente a violação dos deveres de isenção, sigilo, de lealdade, de zelo.
Provou-se igualmente os factos relativos ao elemento subjectivo do tipo de ilícito (cfr. factos descritos em 174 e 175), pelo que incorreu o arguido na prática, em autoria material singular, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382º do C. Penal. 
Vejamos.
Pratica o crime de corrupção passiva, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º1 do Código Penal, «o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, (…)”. Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque em anotação ao artigo 373.º do Código Penal (in Comentário do Código Penal, Universidade católica Portuguesa Editora, 5.ª edição), “o tipo objectivo do n.º 1 consiste na solicitação ou aceitação pelo funcionário ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação de uma vantagem indevida ou a promessa dessa vantagem, para si ou para terceiro, para que o funcionário pratique um acto ou omita uma acto em violação dos deveres do seu cargo”. Como acrescenta o mesmo autor, a vantagem “corresponde a um sinalagma, a uma contraprestação por uma conduta concreta do funcionário”.
Ora, salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal recorrido andou bem ao considerar o não preenchimento do tipo legal em causa porque, desde logo, não se verifica o tipo objectivo previsto no n.º 1 do artigo 373.º do Código Penal uma vez que o que arguido fazia era, como se escreve na decisão recorrida, “por sua própria iniciativa ou a solicitação de terceiros (armeiros ou pessoas suas amigas) que pretendiam armas para si, convencia ou aproveitava a disponibilidade das pessoas que iam entregar armas à PSP e compareciam no seu serviço e, ao invés de as receber e registar a entrega a favor do Estado, adquira para si ou para terceiros tais armas, gratuitamente ou mediando a sua venda àqueles, por montante inferior ao seu valor real”, não tendo ficado demonstrado o “sinalagma, a uma contraprestação por uma conduta concreta do funcionário” porque não se provou que “relativamente a cada venda que mediava, o arguido FF recebia do comprador uma verba previamente combinada” – cf. com o ponto nn) da matéria de facto não provada.
Também não ficou provado que o arguido FF elaborou, a pedido de outras pessoas, na sua grande maioria armeiros, novos livretes e manifestos de armas a troco de dinheiro – cf. com o ponto oo) da matéria de facto não provada.
É certo que o arguido praticava actos contrários aos deveres do cargo, mas não se provou que recebesse uma “vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa” por cada venda que realizava. Não se verificam os elementos constitutivos do crime de corrupção passiva, porque não pratica actos como contrapartida de qualquer vantagem para si ou para terceiro.
Na verdade, como bem se salienta na decisão recorrida, além do mais, não se provou que “o arguido tivesse aceitado ou solicitado qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial ou a sua promessa dos referidos armeiros ou dos amigos que lhe solicitavam as armas”, nem que “recebesse qualquer quantia monetária por cada venda que mediava nem do comprador nem do vendedor da arma”. Como também acertadamente se escreve na decisão recorrida, “a acusação não diz expressamente que foi por causa do armeiro pagar ao arguido «uns almoços» ou o deixar usar o túnel de tiro ou lhe ter cedido a casa da ..., que o arguido ofereceu armas ao armeiro ou mediou a venda de armas ao armeiro por valor inferior ao real, armas que eram para lhe ser entregues no exercício das suas funções”.
Por outro lado, entendemos como correcta a qualificação dos factos provados na prática pelo arguido FF de um crime de abuso de poder.
A propósito escreveu-se na decisão recorrida:
Cremos antes que a conduta do arguido se insere, no ilícito previsto no artigo 382º do CP, sob a epígrafe “Abuso de poder”. 
Inexiste obstáculo a esta diferente qualificação jurídica operada pelo Tribunal porquanto tendo-se realizado uma alteração não substancial dos factos e alteração da qualificação jurídica, a mesma foi comunicada ao arguido conforme consta da acta da audiência de julgamento (cfr. acta com a refª ...12 de 18/12/2023) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal.  
Estabelece o citado artigo que “o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Entre o crime de abuso de poder e o crime de corrupção passiva para acto ilícito existem relações de subsidiariedade e de consumpção, só encontrando aquele aplicação se o comportamento do agente não preencher tipo legal mais específico, e a punição tem lugar pelo crime mais grave com maior conteúdo de ilícito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2017, Proc. nº 731/09.0GBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt). 
Portanto, o legislador consagra aqui um abuso de funções genérico e ao mesmo tempo subsidiário, na medida em que a disposição em causa só encontra aplicação na falta de um tipo legal de crime contra a administração do Estado de carácter mais específico (subsidiariedade que ficou, aliás, expressa no próprio texto da norma penal em relação aos “casos previstos nos artigos anteriores”).
Isto é particularmente importante nas relações com o 377° (Participação económica em negócio), art. 375° ss. (Peculato), art. 372° (Corrupção passiva para acto ilícito), art. 368° (Favorecimento pessoal praticado por funcionário).
Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte especial, Tomo III - Artigos 308.º a 386.º -, Coimbra Editora, 2001, págs. 774/5, refere que estamos perante o abuso “innominato di ufficio” do direito italiano e versando sobre o  bem jurídico protegido no artigo 382.º, afirma: “Está em causa a autoridade e credibilidade da administração do Estado, ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços. Corresponde esta exigência, de resto, a um princípio fundamental da organização do Estado consagrado constitucionalmente nos arts. 266.º. 268.º e 269.º - 1 da CRP. Em particular o n.º 2 do art. 266.º refere que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade”.
Esta definição do bem jurídico tutelado na norma é seguido e citada por Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, no Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, pág. 931.
Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 1215 (e de igual modo na edição de 2008, pág. 904 e na 2.ª edição actualizada de Outubro de 2010, pág. 1013) “O bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente, os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa”.
Traduz-se este ilícito no mau uso ou uso desviante de poderes funcionais e, como decorre da descrição típica contida no artigo 382.º do Código Penal, poderá concretizar-se mediante o abuso de poderes ou na violação de deveres do funcionário. Abusa de poderes o funcionário que instrumentaliza os poderes inerentes à sua função para fins ilegítimos, ou seja, para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo.
São várias as situações que podem configurar esse abuso por parte de um funcionário, mas a mais frequente será, porventura, aquela em que o funcionário actua à margem da lei, contrariando normas jurídicas com as quais se devia conformar, ou melhor, devia respeitar.
A violação de deveres por parte do funcionário (necessariamente relacionados com o exercício da função) tanto se refere aos “deveres funcionais específicos impostos por normas jurídicas ou instruções de serviço, e relativos a uma função em particular” como a “deveres funcionais genéricos que se referem a toda a actividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado”, como sejam o dever de isenção, o dever de sigilo, o dever de lealdade, o dever de zelo  etc.
A qualidade de funcionário funda a ilicitude, sendo, por isso, um crime específico próprio.
O crime de abuso de poder configura um crime de intenção ou de resultado cortado, crimes nos quais se exige, para além do dolo do tipo, a intenção de produção de um resultado que, todavia, não faz parte do tipo objectivo de ilícito.
Ora no caso dos autos não temos dúvidas que o arguido ao actuar da forma descrita nos factos provados, nomeadamente ao persuadir as pessoas a oferecerem ou venderem as armas a si ou a terceiros por sua indicação, ao invés de as entregarem a favor do Estado como pretendiam inicialmente, armas essas a que tinha acesso em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, adquirindo para si tais armas ou  ao mediar a sua venda assim as proporcionando a outros, dando-lhes destino diferente ao legalmente estabelecido, violava os deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP e obtinha para si ou para terceiro beneficio ilegítimo.
Na verdade, violava o seu dever de isenção consagrado no artigo 8º nº 2 alínea b) e directamente no artigo 10.º do Estatuto Disciplinar da PSP aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de Maio, dever que o arguido não ignorava nem podia ignorar, atentas as funções que exercia e o qual estabelece o seguinte: 
«1 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiros, das funções que exerce.
2 - No cumprimento do dever de isenção devem os polícias, nomeadamente:
a) Conservar rigorosa neutralidade no desempenho de funções, em todas as circunstâncias, designadamente em atos públicos;
b) Não se valer da autoridade, categoria funcional, cargo ou função, nem invocar superiores, para obter lucro ou vantagem, exercer pressão ou tirar desforço de qualquer ato ou procedimento;
(…)
f) Não criar situações de dependência incompatíveis com a liberdade, imparcialidade e objetividade do desempenho do cargo».
Violou igualmente o dever de zelo (cfr. artigo 13º nº 2 alíneas b) e g)) e ainda o dever se sigilo previsto no artigo 12º nº 2 alínea c), nomeadamente ao fornecer aos armeiros informações da titularidade de armas registadas e manifestadas às quais tinha acesso por força do exercício das suas funções. Violou, em todas as situações, o dever de lealdade previsto no artigo 15º nº 1. 
Actuou o arguido com o propósito de obter para si (quando adquiria as armas para si) ou para terceiros (a quem ia depois entregar as armas ou quando mediava as transacções) uma vantagem ilegítima (porquanto estes adquiriam armas gratuitamente ou por um preço inferior ao seu valor real).   
É, pois, patente a violação dos deveres de isenção, sigilo, de lealdade, de zelo.
Provou-se igualmente os factos relativos ao elemento subjectivo do tipo de ilícito (cfr. factos descritos em 174 e 175), pelo que incorreu o arguido na prática, em autoria material singular, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382º do C. Penal. 
 3.2.1 Do crime continuado 
 Cremos que a conduta do arguido se deve inserir na figura do crime continuado nos termos do disposto no artigo 30º nº 2 do CP. 
De acordo com os requisitos do n.º 2 do art. 30.º do CP, no plano da conexão objectiva dos vários actos, exige-se que a realização continuada viole de forma plural o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico, de maneira a que se possa afirmar uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, e que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior, dando-se, aqui, relevo a uma “unidade de contexto situacional” em que ocorram as várias violações, isto é,  “que elas se relacionem contextualmente umas com as outras.”
Toda a construção do crime continuado se apoia na diminuição considerável da intensidade da culpa que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta que concorre para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime. A reiteração é devida mais a uma disposição das coisas do que a uma tendência da personalidade do agente .
Ora, no caso concreto, as ocasiões favoráveis à prática do crime foram-se repetindo, sem que o arguido tenha activamente contribuído para essa repetição, isto é, não foi o arguido quem provocou as ocasiões, ao arguido proporcionaram-se as ocasiões. Note-se que muitas das vezes eram as pessoas que procuravam o arguido a ver se este arranjava as armas e não o contrário. Por outro lado, cremos que a motivação do arguido permanece a mesma ao longo da prática criminosa repetida, conferindo uma certa unidade de sentido ao comportamento global. Resulta da analise dos factos dados por provados a identidade dos bens jurídicos violados (o que confere ao comportamento global a unidade do desvalor de resultado), a homogeneidade das formas de execução (assegurando a unidade do desvalor objectivo da acção) e a presença do mesmo condicionalismo exógeno, susceptível de exercer a continuada solicitação para a repetição da infracção, pelo que estamos perante uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.
Subscrevemos integralmente as Doutas considerações jurídicas tecidas no Acórdão recorrido a propósito do crime de abuso de poder, sendo correcta a subsunção da conduta do arguido, agente da PSP e que manifestamente agiu muito para além daquelas que eram as suas funções definidas por lei. Não estava dentro das suas funções como agente da PSP, a sua actividade de intermediação de armas uma vez que se devia limitar a recebê-las dos particulares que se dirigiam aos Serviços da PSP, abstendo-se de lhes dar destino segundo o seu livre arbítrio. Se as armas podiam acabar por chegar às mesmas pessoas que as adquiriram, nomeadamente através da venda por leilão, tal não afasta a ilicitude da sua conduta.
Como bem concluiu o Tribunal recorrido, ao actuar da forma descrita nos factos provados, “nomeadamente ao persuadir as pessoas a oferecerem ou venderem as armas a si ou a terceiros por sua indicação, ao invés de as entregarem a favor do Estado como pretendiam inicialmente, armas essas a que tinha acesso em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, adquirindo para si tais armas ou  ao mediar a sua venda assim as proporcionando a outros, dando-lhes destino diferente ao legalmente estabelecido”, violava manifestamente, diríamos nós, os deveres inerentes ao seu cargo de agente da PSP, obtendo para si ou para terceiro beneficio ilegítimo.
Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal - Universidade Católica, 5.ª edição actualizada, Lisboa 2022), “o bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário”, sendo que o tipo objectivo consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário. Como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/02/2018 (processo n.º 5972/08.4TDLSB.L1-3, consultado em www.dgsi.pt), “a violação pelo funcionário dos deveres inerentes às funções em que está investido (tenha aqui o significado que tiver) constitui o campo de delimitação da tipicidade. A estrutura do crime no primeiro momento de configuração da acção típica fica integrada pela actuação contrária aos deveres da função. Mas, para além do tipo objectivo exige-se uma intenção específica, uma intenção que é tipicamente requerida, mas que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao dolo e já não pertence ao tipo objectivo –a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa”.
No crime de corrupção passiva de que vinha acusado o arguido, o tipo objectivo consiste na solicitação ou aceitação pelo funcionário de uma vantagem indevida ou a promessa dessa vantagem, para si ou para terceiro, pratique ou omita um acto em violação dos deveres do seu cargo. No crime de abuso de poder, o tipo objectivo consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário.
Ora o que o arguido fazia, por sua própria iniciativa ou a solicitação de terceiros (armeiros ou pessoas suas amigas), que pretendiam armas para si, “convencia ou aproveitava a disponibilidade das pessoas que iam entregar armas à PSP e compareciam no seu serviço e, ao invés de as receber e registar a entrega a favor do Estado, adquira para si ou para terceiros tais armas, gratuitamente ou mediando a sua venda àqueles, por montante inferior ao seu valor real”.
Existe, assim, um abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário porque em vez de se limitar a receber e registar as armas das pessoas que se lhe dirigiam, ficava com as mesmas para si ou para terceiros, mediando a sua venda. É abuso de poder porque um agente da PSP não pode vender armas que recebe no âmbito das suas funções, por sua livre iniciativa, sendo certo que o destino a dar às mesmas não depende de si. É ao Departamento de Armas e Explosivos da PSP (DAE) e por delegação, aos Núcleos de Armas e Explosivos dos comandos de polícia, que cabem as competências, além do mais, de organizar e manter permanentemente actualizado o sistema de cadastro de armas e de controlar, arrecadar e manter as armas, munições, produtos explosivos, matérias perigosas ou outros materiais apreendidos ou à ordem dos tribunais.
Assim, o arguido praticou um crime de abuso de poder porque por sua iniciativa, instrumentalizou os poderes inerentes à sua função de agente da PSP, para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo, violando diversas normas regulatórias do exercício das suas funções como dá conta o Tribunal recorrido.
Acresce que aceitamos o entendimento no que diz respeito à integração da conduta do arguido na prática de um crime na forma continuada porque a sua motivação permanece a mesma ao longo da prática criminosa repetida, conferindo uma certa unidade de sentido ao comportamento global.
Na verdade, resultando dos factos dados por provados uma identidade dos bens jurídicos violados (que confere ao comportamento global a unidade do desvalor de resultado), a homogeneidade das formas de execução (assegurando a unidade do desvalor objectivo da acção) e a presença do mesmo condicionalismo exógeno, susceptível de exercer a continuada solicitação para a repetição da infracção, evidencia-se uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.
De tudo resulta que nesta parte o recurso do Ministério Público não merece provimento, afigurando-se-nos correcta a subsunção jurídica dos factos operada na decisão recorrida no que diz respeito ao arguido e recorrente, FF.                                                                                                                           
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Da Medida da pena concreta das penas:
Da alteração da subsunção jurídica dos factos resultante da procedência parcial do recurso do Ministério Público, impõem-se alterar, consequentemente, a medida concreta das penas em que foram condenados os arguidos.
Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelo artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstratamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Deve o Tribunal na determinação concreta da pena o tribunal atender a «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».
Antes de mais há que dizer que como escreve Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e como se tem vindo a pronunciar de forma uniforme o Supremo Tribunal de Justiça[13] (v.g. os Acórdãos 09/11/2000, in Sumários STJ de 29/1/2004, processo n.º 03P1874, e de 27/5/2009, processo n.º 09P0484, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Neste sentido se pronunciou Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (processo n.º 201/10.3GAMCD.P1), entendendo que “acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.

Vejamos o caso dos autos:
Face ao que resulta da subsunção jurídica dos factos, há a ponderar as molduras penais abstractas previstas para os crimes praticados pelos arguidos, começando por ponderar antes de mais, as exigências de prevenção geral em relação aos crimes de tráfico de estupefacientes e tráfico e mediação de armas.
 No que diz respeito ao crime de tráfico de estupefacientes, são fortíssimas as exigências de prevenção geral, atentos, o autêntico flagelo para a saúde pública que constituem, bem como para a tranquilidade e segurança da população, pela grande taxa de criminalidade de outra natureza associada ao consumo e tráfico de estupefacientes e o elevado número de ilícitos desta natureza perpetrados no nosso país. Como se escreveu no Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2014, relatado pela Sr.ª Conselheira Isabel Pais Martins (processo n.º 2/13.7PEBGC.S1, consultado em www.dgsi.pt), «nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõe-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que a consubstanciam…a comunidade conhece as gravíssimas consequências do consumo de estupefacientes, particularmente das chamadas drogas duras, desde logo ao nível da saúde dos consumidores, mas também no plano da desinserção familiar e social que lhe anda, frequentemente, associada e sente os riscos que comporta para valores estruturantes da vida em sociedade». Na verdade, não restam dúvidas que tendo em conta a dimensão da problemática associada ao consumo de estupefacientes, a dimensão da necessidade de prevenção geral positiva e negativa, tendo em conta o tipo de ilícito, é muito elevada.
Quanto ao crime de tráfico e mediação de armas, são também elevadíssimas as exigências de prevenção geral tendo em conta a necessidade de combater eficazmente a difusão de objectos violentos que muitas estão na origem de uma criminalidade grave e que causam, naturalmente, alarme social, além do mais tendo em conta que a proliferação de armas põe em causa a própria segurança das pessoas. Como vem sendo conhecido, nomeadamente através dos meios de comunicação social, existe uma certa banalização na utilização de armas na Sociedade que põem em causa a nossa segurança colectiva, sendo fundamental impedir a sua circulação e a sua posse por pessoas sem a adequada habilitação legal.
O Tráfico de armas é, seguramente, uma das maiores ameaças à segurança europeia e Portugal não é exceção.
Isto posto.
A) Arguido BB:
Como salientou o Tribunal recorrido, “as exigências de prevenção especial são medianas. O arguido possui dois antecedentes criminais pela prática de crimes de detenção de arma proibida, cometidos em 2007 e 2008 tendo sido num deles condenado em pena de multa e no outro em pena de prisão suspensa na sua execução, ambas declaradas extintas pelo pagamento e cumprimento”, condenações “pela prática de crime da mesma natureza jurídica face ao crime de tráfico de armas em causa nestes autos”.
Por outro lado, a culpa deste arguido é elevada, “tendo o mesmo actuado com dolo directo em relação a ambos os crimes de tráfico de estupefacientes e tráfico de armas”.
Concordamos com o Tribunal recorrido quando concluiu que a ilicitude dos factos é “muito elevada quanto ao crime de tráfico de armas considerando que se tratou da venda de diversas armas e munições envolvendo valores monetários bastante consideráveis e tendo o arguido actuado num período de tempo relativamente alargado”, tendo o arguido tinha na sua posse “quantidade significativa de armas de fogo”. Consequentemente, não nos merece concordância a alegação no recurso do arguido de que estão em causa, apenas “situações episódicas, reduzidas, espartilhadas no tempo”.
Quanto ao tráfico de estupefacientes, como também foi acertadamente salientado na decisão recorrida, “a ilicitude afigura-se mediana atendendo ao tipo de drogas que vendia, vulgarmente designadas como drogas leves, sendo certo que se provou apenas um acto isolado de venda mas estando o arguido na posse de grande quantidade de estupefaciente e visando o arguido apenas o lucro uma vez que não se apurou que aquele fosse consumidor.  Relativamente a este tipo de crime o arguido não tem antecedentes criminais”.
Quanto às condições pessoais do arguido e à situação económica do mesmo, circunstâncias invocadas pelo recorrente, apurou-se que “se encontra inserido em termos sociais e familiares, sendo a co-arguida MM sua companheira há muitos anos e tendo três descendentes, autonomizados e com agregados constituídos. O arguido regista hábitos de trabalho, desde pequeno, exercendo actividade de exploração agrícola, venda de animais e trabalhos com máquinas agrícolas na limpeza de terrenos. Em termos sociais, o arguido apresenta uma imagem favorável na rede vicinal, sendo descrito como pessoa participativa e colaborativa na vida comunitária. Enquanto esteve em meio prisional, o arguido manteve um quotidiano estruturado, nomeadamente, a nível laboral e recebeu periodicamente as visitas da companheira e dos filhos, os quais manifestaram disponibilidade para continuar a apoiar o arguido”.
No entanto, estas condições pessoais do arguido, não podem por si só, justificar uma pena inferior, até porque a verdade é que as mesmas já se registavam na altura da prática dos factos e não tiveram qualquer efeito no comportamento do arguido, não o conduzindo a uma vida conforme o Direito.
Tudo ponderado, entendemos como adequadas a pena de 4 (anos) e 6 (seis) meses fixada na primeira Instância para o crime de Tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 do RJAM e a pena de 5 (cinco) anos de prisão para o crime de Tráfico de Estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto lei nº 15/93 de 22/01.
Quanto à pena única e tendo presente os vectores traçados no artigo 71.º do mesmo diploma, bem como as circunstâncias exemplificativamente enunciadas no n.º 2 deste último, consideraremos, além do mais, a necessidade preventiva geral, a ilicitude das condutas e a censura ético-jurídica dirigida ao arguido, que radica em dolo.
O limite mínimo da moldura penal da pena aplicável em cúmulo é 5 (cinco) anos de prisão e o limite máximo é de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.  
Tudo ponderado entendemos como adequada a pena única de 7 (sete) anos de prisão, pena que não pode ser suspensa na sua execução por ser superior a cinco anos, o que prejudica, nesta parte, o recurso do arguido.
B)  Arguido EE:
A propósito da medida concreta da pena, o Tribunal recorrido ponderou o seguinte:
Em relação ao arguido EE a culpa do arguido é elevada, tendo actuado com dolo directo. Apesar de tudo resulta do relatório social que o arguido registava consumos de estupefacientes anda que esporádicos, o que, de alguma forma, diminui sensivelmente a sua culpa, face aos arguidos que traficavam apenas com a intenção do lucro. 
 Por sua vez, a ilicitude da conduta do arguido afigura-se mediana atendendo ao tipo de drogas que vendia canábis, mas também heroína. Por outro lado, o arguido tinha na sua posse quantidade bastante significativa de canábis que destinava à venda. 
Quanto às condições pessoais e à situação económica do arguido, apurou-se que o arguido tem actualmente 48 anos de idade e desde cedo registou hábitos de trabalho, sendo que à data da sua reclusão, trabalhava por conta própria no ramo da mecânica de automóveis. Em 1999 contraiu matrimónio com IIIIIIII, existindo desta relação dois filhos de 18 e 16 anos de idade respectivamente, sendo a dinâmica familiar marcada por laços afectivos sólidos entre os seus membros.
Em 2013, com falecimento da sua progenitora, o arguido terá iniciado os consumos de substâncias tóxicas nomeadamente, cannabis, em conjunto com grupo de amigos, sendo que actualmente o arguido entende não necessitar de tratamento e ter consciência das consequências negativas do consumo de estupefacientes, referindo como esporádico o consumo de cannabis, na companhia do irmão e de grupo restrito de amigos. 
Enquanto esteve detido à ordem destes autos, o arguido adoptou um comportamento adequado, sem castigos nem punições, tendo trabalhado como faxina da rouparia. A nível familiar, continuou a beneficiar do apoio do cônjuge, filhos e outros familiares que conhecedores da sua situação processual continuaram a prestar-lhe suporte a todos os níveis, visitando-o com regularidade no EP ... onde esteve detido. 
No meio social, a situação processual do arguido é conhecida, contudo, não existem sentimentos de rejeição e/ou hostilização à sua presença, beneficiando de uma imagem positiva.
Relativamente aos antecedentes criminais, o arguido foi condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto lei 15/93, assim como pela prática de crime de detenção de arma proibida na pena de 4 anos de prisão suspensa por igual período e sujeita a regime de prova. Considerando que a condenação transitou em jugado em 28/04/2017, temos que os factos dos presentes autos foram cometidos durante aquele período de suspensão.   
 O julgamento decorreu na ausência do arguido que tendo comparecido na primeira sessão não prestou declarações e depois solicitou a dispensa da sua presença não denotando, por isso, qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados
Ora, pela nossa parte há a considerar as já apontadas exigências de prevenção geral, a que acrescentamos elevadíssimas exigências de prevenção especial tendo em conta a sua anterior condenação pela prática do mesmo crime de tráfico de estupefacientes, condenação transitou em jugado em 28/04/2017, sendo certo que como bem salientou o Tribunal recorrido, os factos foram cometidos durante o período da suspensão da execução de uma pena de prisão. Ao contrário do alegado, não houve qualquer análise incorrecta do certificado do registo criminal do arguido.
Note-se que também não tem razão o recorrente quando invoca uma “excessiva valoração” das exigências de prevenção geral porque quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, como dissemos supra, as mesmas são elevadíssimas tendo em conta que estamos na verdade perante um crime contra a saúde pública, sendo premente diminuir, senão erradicar, a actividade de tráfico atenta a sua capacidade destrutiva de vidas e famílias.
Ao não dar grande relevância às exigências de prevenção geral, parece que o arguido não valoriza suficientemente este combate que é urgente manter no sentido da irradicação do tráfico de estupefacientes. Aliás, o mesmo se pode concluir quando o arguido encara com aparente normalidade o consumo de substâncias tóxicas com o seu grupo de amigos e quando refere não necessitar de tratamento aditivo adequado.
O apoio social de que beneficia o arguido e seu alegado bom comportamento em meio prisional (o que aliás é seu dever conforme resulta do disposto no artigo 8.º do Código da Execução das penas e medidas privativas da liberdade aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro), não podem, pelo contrário, ser sobrevalorizados sendo certo que a família não o impediu de voltar a praticar um crime de tráfico ainda durante o período de suspensão da execução de uma pena de prisão.
Também não vislumbramos quaisquer outras circunstâncias “anteriores e/ou posteriores” à prática dos factos que se justificasse ponderar nesta sede, improcedendo o recurso do arguido.
O arguido EE invoca nas conclusões 10.ª e seguintes do recurso que o Tribunal recorrido fez um “uso legal do exercício do direito ao silêncio”, entendendo que verificar-se a nulidade do acórdão por “violação do princípio estruturante do nosso Processo Penal, da salvaguarda do Princípio do Direito ao Silêncio, previsto no Artigo 61.º nº 1, alínea d) do C.P.P.”, mas não tem razão. Vejamos.
É verdade que como bem se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/11/2022 (processo n.º 19/20.5JBLSB.L1.S1, consultado em www.dgsi.pt), que “constitui erro na determinação da medida da pena considerar contra o arguido circunstâncias derivadas do exercício de um direito”. No entanto, como se explica neste mesmo acórdão, “a confissão e o arrependimento são circunstâncias, quando se verificam, favoráveis ao arguido; não confessando o arguido, nem demostrando arrependimento, deixa de poder contar com essas circunstâncias favoráveis”. No mesmo sentido escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal Anotado, 3ª edição, Almedina, p. 88), que “o direito ao silêncio não pode prejudicar o arguido, mas também não pode beneficiá-lo, pelo menos diretamente. Sobretudo, na fase de inquérito ao não usar desse direito, não facultando linhas de investigação que possam conduzir soluções jurídicas que o beneficiem, não pode surpreender-se que se fortaleçam nas provas por si não colocadas em causa e que acabe acusado, julgado e até condenado”.
Ora, no caso em concreto, o recorrente optou por não prestar declarações, pelo que é apodítico que não inexistindo as “circunstâncias da confissão e do arrependimento”, deixa o arguido de poder contar com essas circunstâncias favoráveis que o poderiam beneficiar nomeadamente na fixação da medida da pena concreta. É apenas isso que resulta da decisão recorrida e não o contrário, ou seja, o Tribunal recorrido não usou a inexistência de declarações do arguido em seu prejuízo o que não podia fazer, mas também não pode valorar em seu benefício circunstâncias favoráveis que o poderiam beneficiar.
Deste modo, não se vislumbra qualquer violação do direito ao silêncio, inexistindo, consequentemente, qualquer nulidade.
Tudo ponderado entendemos como adequada a pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão.
C)  Arguido GG:
O recorrente Ministério Público pede a condenação do arguido em 5 (cinco) anos de prisão efectiva pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro. Para tanto alega além do mais que “a culpa é elevada, sendo que o dolo é direto e intenso; a ilicitude da conduta afigura-se-nos mediana atendendo ao tipo de estupefaciente que detinha para venda, nomeadamente canábis, sendo certo que detinha na sua posse quantidade já bastante apreciável de droga a qual destinava à venda a terceiros”.
A propósito da medida concreta da pena, o Tribunal recorrido ponderou o seguinte:
Em relação ao arguido GG, a culpa do arguido é elevada tendo actuado com dolo directo. 
Por sua vez, a ilicitude da conduta do arguido afigura-se mediana atendendo ao tipo de drogas leves que detinha para venda, nomeadamente canábis, sendo certo que detinha na sua posse quantidade já bastante apreciável de droga a qual destinava à venda. 
Quanto às condições pessoais e à situação económica do arguido, apurou-se que o arguido tem actualmente 54 anos de idade, sendo que desde cedo registava hábitos de trabalho, tendo exercido a actividade de motorista por conta de outrem até à sua detenção à ordem dos presentes autos. Mais se apurou que o arguido é divorciado e tem dois filhos com 26 e 31 anos de idade, sendo que actualmente reside sozinho. O arguido tem uma nova relação afectiva, mas é a irmã que reside na mesma localidade que tem assegurado as necessidades básicas deste, designadamente o seu sustento, prestando-lhe o seu apoio incondicional. 
Na comunidade vicinal próxima, não há indicação de rejeição à presença de GG, nem referidas problemáticas relevantes, o qual projecta imagem positiva, sendo descrito como cordial e educado.
O arguido não possui antecedentes criminais pela prática deste tipo de crime, tendo averbada no seu CRC, uma condenação pela prática, em 2016, de um crime de violência doméstica, em prisão suspensa na sua execução e na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, ambas declaradas extintas pelo cumprimento.
O julgamento decorreu na ausência do arguido que, tendo comparecido na primeira sessão, não prestou declarações e depois solicitou a dispensa da sua presença, não denotando, por isso, qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados. 
Mais uma vez, invocamos aqui as elevadas exigências de prevenção geral em relação ao crime de tráfico de estupefacientes.
Pela parte ponderamos a “ilicitude mediana” que resulta dos factos praticados pelo arguido, mas não ignoramos a “posse quantidade já bastante apreciável de droga a qual destinava à venda”.
Quanto às exigências de prevenção especial, ponderamos que o arguido tem averbada uma anterior condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução embora pela prática de um crime de violência doméstica.
O arguido tem apoio de uma irmã e provou-se que “desde cedo registava hábitos de trabalho, tendo exercido a actividade de motorista por conta de outrem até à sua detenção à ordem dos presentes autos”.
Ora perante este quadro e considerando a moldura aplicável – 4 a 12 anos de prisão, entendemos como adequada a pena de 4 (anos) e 6 (seis) meses de prisão, muito próxima do limite mínimo.
D) Arguido FF:
Praticou o arguido um crime de Abuso de Poder, previsto e punido pelo artigo 382.º, n.º 1 do Código Penal, para o qual se encontra prevista uma moldura penal abstracta de pena de prisão até 3 anos ou multa.
A propósito da moldura concreta da pena, o Tribunal recorrido entendeu o seguinte:
Relativamente ao arguido FF, a culpa do arguido é elevada, tendo actuado com dolo directo. No plano da culpa, releva ter em conta que a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta, justamente, quando a punição foi subtraída às regras da pena conjunta pelo concurso, pelo que nada impede, agora, que a pluralidade de actos e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa do arguido. 
Por sua vez, a ilicitude da conduta do arguido afigura-se também muito elevada atendendo ao elevado período temporal em que praticou as referidas condutas e as concretas circunstâncias em que cometeu os ilícitos.  
Quanto às condições pessoais e à situação económica do arguido, apurou-se que o arguido tem actualmente 48 anos e é pessoa plenamente inserida na Comunidade assim como no seio da Família e em termos laborais. Em 1996 ingressou na PSP e desde 2012 que exerce funções em .... O arguido ingressou no Corpo de Bombeiros Voluntários de ... em ../../1990, tendo sido condecorado com várias medalhas de louvor. 
À data dos factos, assim como actualmente, o arguido coabitava com o cônjuge e dois filhos menores de idade, sendo a cônjuge técnica superior na Câmara Municipal ..., e auferindo cerca de 1250 euros mensais, estando o arguido suspenso de funções sem vencimento por força de processo disciplinar que lhe foi instaurado na decorrência destes autos. 
No meio social de residência, FF, encontra-se bem integrado na comunidade, não existindo qualquer atitude de rejeição sociocomunitária, sendo referenciado como pessoa educada, trabalhadora e que evidencia respeito por terceiros.
O arguido não apresenta antecedentes criminais registados, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal.  
Na audiência de julgamento o arguido prestou declarações e procurou esclarecer todos os factos que lhe são concretamente imputados. Esteve presente em todas as sessões da audiência mesmo naquelas em que a prova a produzir não lhe dizia concretamente respeito. Ainda que não tenha confessado a prática dos ilícitos, pelo menos, não nos termos conformados pela acusação, colaborou activamente com o Tribunal e esclareceu diversos factos até muito para além da forma como estão descritos na acusação. Manifestou arrependimento que nos pareceu sincero, evidenciado consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados
Ora pela nossa parte entendemos que muito embora não sejam de sobrevalorizar as exigências de prevenção geral, nem as exigências de prevenção especial, neste caso atenta a inexistência de antecedentes criminais do arguido, não pode deixar de ser considerada a “muito elevada” ilicitude dos factos, atendendo ao “elevado período temporal em que praticou os factos”, como bem salientou o Tribunal recorrido.
A favor do arguido nada temos a acrescentar às considerações tecidas pela primeira instância, tendo em conta a inserção social e familiar do arguido e tendo em conta a sua  atitude revelada durante a audiência de julgamento. Esteve presente em todas as sessões da audiência mesmo naquelas em que a prova a produzir não lhe dizia concretamente respeito. Mais se pondera que como salientado, o arguido “colaborou activamente com o Tribunal e esclareceu diversos factos até muito para além da forma como estão descritos na acusação”. Pondera-se ainda o arrependimento do arguido que evidenciou “consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados”.
Tudo ponderado, principalmente a “muito elevada” ilicitude dos factos, atendendo ao “elevado período temporal em que praticou os factos”, entendemos, no entanto, que o arguido deve ser condenado numa pena de prisão, mas concretamente fixada em 2 (dois) anos de prisão.
E) Arguido DD:
O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, do RJAM, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.
O Ministério Público recorre da pena em que o arguido DD foi condenado - 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova - pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 do RJAM.
Para fundamentar a sua pretensão recursiva, entende o Ministério Público que “a culpa do arguido é elevada, atuou com dolo direto; a ilicitude dos factos também é elevada, considerando que o arguido vendeu armas e munições durante largo período temporal (durante cerca de 2 anos), assim como as dava a reparar/transformar ao co-arguido RR para posteriormente as vender; além de que o arguido tinha na sua posse significativa quantidade de armas e munições que destinava à venda a terceiros; (…) Assume neste âmbito especial relevância o arguido - apresentar antecedentes criminais pela prática de crime desta natureza, para o que sofreu uma condenação transitada em julgado a 02-01-2017, pela prática de um crime de detenção de arma proibida e um crime de violência doméstica, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, com regime de prova, e nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima por 1 ano e 3 meses e proibição de uso e porte de armas por 2 anos e 9 meses (…)”; Esta condenação não surtiu qualquer efeito dissuasor no comportamento do arguido, nem o fez interiorizar a gravidade das suas condutas, e o desvalor da ação, nem afastou o arguido do crime; apesar da pena acessória de proibição de uso e porte de armas por 2 anos e 9 meses, cuja execução se prolongou na pendência destes autos, ainda assim, o arguido tinha na sua posse as armas e inúmeras munições que lhe foram apreendidas; São muito elevadas as exigências de prevenção geral e são ainda mais elevadas as exigências de prevenção especial”.
Conclui o recorrente Ministério Público que atenta a moldura abstrata aplicável, compreendida entre 2 e 10 anos de prisão, “o arguido deverá ser condenado na pena de 4 anos e 8 meses de prisão efetiva” e se assim não se entender, “deverá a pena de 3 anos de 6 meses de prisão em que foi condenado ser efetiva”.
O arguido DD respondeu ao recurso do Ministério Público, tendo pugnado pela manutenção da decisão recorrida, alegando, além do mais que desde a primeira hora contribuiu para o apuramento da verdade material, confessando integralmente os factos constantes da acusação pública e outros que dela não constavam, mesmo em seu desfavor. Mais invocou, além do mais, a impossibilidade de serem os seus antecedentes criminais atendidos tendo em conta que dizem respeito a penas já declaradas extintas. O arguido defendeu ainda a manutenção da suspensão da execução da sua pena de prisão.
A propósito da escolha e da medida da pena aplicada ao arguido DD, consta de decisão recorrida, o seguinte (transcrição parcial):
Em relação ao arguido DD a culpa deste arguido é elevada tendo o mesmo actuado com dolo directo. 
No que se refere à ilicitude dos factos é elevada quanto ao crime de tráfico de armas, considerando que o arguido vendeu armas e munições durante largo período temporal (durante cerca de 2 anos), assim como as dava a reparar/transformar ao co-arguido RR para posteriormente as vender. A acrescer o facto de o arguido ter na sua posse significativa quantidade de armas e munições que destinava à venda.   
De considerar que o arguido tem antecedentes criminais pela prática de crime desta natureza, tendo sofrido condenação pela prática de um crime de detenção de arma proibida e um crime de violência doméstica contra cônjuge, cometidos em 01/03/2016 e 27/06/2009 na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão com regime de prova e nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima por 1 ano e 3 meses e proibição de uso e porte de armas por 2 anos e 9 meses e ainda na pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 6,50 substituída pela prestação de 220 horas de trabalho a favor da Comunidade, já declaradas extintas pelo cumprimento. 
Quanto às condições pessoais do arguido e à situação económica do mesmo, apurou-se que o arguido regista hábitos de trabalho desde pequeno. O arguido contraiu matrimonio por volta dos 23 anos, no âmbito do qual nasceram dois filhos, presentemente com 27 e 7 anos de idade, relação marcada por separações e reatamentos. Á data dos factos como actualmente, DD vivia com os progenitores e com o seu irmão, em habitação pertencente aos progenitores, havendo boa relação entre eles. 
Actualmente, o arguido DD não trabalha porquanto há cerca de três anos sofreu acidente vascular cerebral, encontrando-se no presente momento estável, contudo com necessidade de consultas periódicas e toma diária de medicação, pelo que a sobrevivência económica do agregado é actualmente assegurada pela reforma dos progenitores e o salário do irmão que trabalha na Câmara Municipal .... 
No meio social e comunitário é tido como cordial no contacto com terceiros e beneficia de uma imagem favorável, não lhe sendo atribuídas atitudes desajustadas nos seus contactos relacionais.
Em audiência de julgamento o arguido assumiu uma atitude de extrema colaboração com o Tribunal. Confessou a totalidade dos factos que lhe vinham imputados e ainda alguns que da acusação não constavam, em seu claro prejuízo. Só não confessou a co-autoria com os demais arguidos que, aliás, também não se provou. Manifestou arrependimento que nos pareceu sincero.  
Tudo ponderado, entende o Tribunal ser adequado impor ao arguido a pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de armas. 
Ora pela nossa parte, subscrevemos integralmente o decidido pela primeira Instância em relação a este arguido. Na verdade, não obstante a elevada ilicitude dos factos tendo em conta o “largo período temporal” da sua actividade e a posse de “significativa quantidade de armas e munições”, entendemos que dever ser valorizada a atitude do arguido revelada na audiência de julgamento, assumindo “uma atitude de extrema colaboração com o Tribunal” e confessando a totalidade dos factos que lhe vinham imputados e “ainda alguns que da acusação não constavam, em seu claro prejuízo”.
Não ignoramos os antecedentes criminais que reforçam as exigências de prevenção especial e as elevadíssimas as exigências de prevenção geral, mas entendemos ser de sobrevalorizar, como dissemos, a atitude do arguido revelada na audiência de julgamento.
Entendemos assim ser adequada a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada na primeira instância.
*
Da substituição das penas de prisão:
Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, «o Tribunal pode suspender a execução de pena de prisão não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade, condições de vida e conduta do agente e às circunstâncias do crime, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Como refere Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518), “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”; como acrescenta o mesmo professor, “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto”. A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão, é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, tendo por base o princípio ressocializador que orienta o nosso ordenamento jurídico-penal.
            A suspensão da execução da pena depende, assim, da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal e outro material. O primeiro exige que a pena de prisão aplicada não exceda 5 anos. O pressuposto material consiste num juízo de prognose, segundo o qual, o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o delinquente de criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral. Acresce que como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/05/2019 (consultado em www.dgsi.pt), “a suspensão apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico.. e, assim, que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos”.
Como escreve José Souto de Moura (in “A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena, Lisboa, 26 de Abril de 2010): “no que toca à prevenção geral, importa que a comunidade não sinta a suspensão da execução da pena como sinal de impunidade”. “A respeito da prevenção especial, é necessário que a suspensão implique, de facto, uma “mudança de vida” do delinquente, é preciso que a suspensão leve o delinquente a “interiorizar o mal feito”. É de concluir, em face de inúmeras decisões analisadas, que a suspensão da execução da pena não se mostra adequada, em princípio, nos crimes de homicídio doloso, ainda que privilegiado, e nos crimes de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º do DL 15/93, de 22 de janeiro, mesmo que a medida da pena o autorizasse”.  “Por outro lado, a partir dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, extrai-se, no fundo, a preocupação em evitar que a suspensão da execução da pena seja lida, não só pela comunidade, como também pelo próprio condenado, como uma forma mitigada de dispensa de pena. Será de evitar tal erro, encarando a pena de substituição em foco como verdadeira pena”.
No caso dos autos os recorrentes BB e EE pediam ambos a suspensão da execução das respetivas penas de prisão em que foram condenados.
 Por outro lado, o Ministério Público pedia que não fossem suspensas a execução das penas de prisão em que os arguidos CC, GG e DD foram condenados.

Vejamos:
No caso dos autos, face às penas aplicadas nesta instância aos arguidos BB e EE, facilmente se concluiu que quanto a eles não se encontra verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena – “pena não superior a 5 anos de prisão”, impondo-se, sem outros considerandos, a improcedência do recurso.
Quanto aos arguidos CC, GG, FF e DD, condenados, respecitvamente, nas penas de 3 (três) anos, 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, 3 (três) anos e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, mostra-se preenchido o pressuposto material acima apontado.
Quanto ao preenchimento do elemento material, há que dizer antes de mais, que como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “o juízo de prognose refere-se ao momento da sentença e não ao momento da prática do crime”, e, na verdade, só assim é que se poderá antever se a suspensão poderá favorecer a integração do arguido na sociedade, sem pôr em causa as finalidades político-criminais de aplicação das penas.
Vejamos, então, se é possível formular o juízo de prognose favorável, isto é, se a censura do facto e a ameaça de aplicação de pena de prisão seriam suficientes para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração dos arguidos na sociedade.

Da substituição da pena de prisão do arguido CC:
Alega o Ministério Público que o arguido deverá cumprir a pena em que foi condenado em regime de efetividade, “pela factualidade dada como provada e pela natureza e gravidade do crime praticado”.
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de suspensão da execução da pena de prisão, nos seguintes termos:
o arguido CC (com 42 anos de idade), se mostra inserido na Sociedade e na Família, na medida em que reside com uma companheira e a sua filha, com quem mantém boas relações. Antes da sua detenção, o arguido exercia igualmente actividade profissional como vendedor de tractores e alfaias agrícolas e comercialização de gado e bem assim uma sociedade com a companheira, num restaurante situado no Porto, ainda encerrado. Durante o período em que o arguido esteve em prisão preventiva à ordem destes autos, recebeu visitas da companheira e familiares que manifestaram disponibilidade para o acompanhar e apoiar. Em meio prisional registou um comportamento formalmente adequado ao normativo vigente na instituição, evidenciou motivação na aquisição de competências laborais e formativas, concluiu o 12º ano lectivo, frequentou o curso de inglês e espanhol, encontrando-se laboralmente activo no bar do pavilhão”.
A propósito o Tribunal recorrido  ponderou ainda que o arguido confessou a quase totalidade dos factos pelos quais vinha acusado, evidenciando uma atitude de colaboração com o Tribunal, concluindo que demonstrou “consciência crítica e auto-responsabilização” pela sua conduta e ponderou também a inexistência de antecedentes criminais.
Ora nesta parte e salvo o devido respeito por opinião contrária, acompanhamos o Tribunal recorrido quando concluiu que “a pena de prisão efectiva seria contraproducente quanto aos objectos de ressocialização que se pretendem atingir”, sendo que a tanto não obsta a “natureza e gravidade do crime praticado”, como alega o recorrente.
Deste modo, improcede nesta parte o recurso do Ministério Público.

Da substituição da pena de prisão do arguido GG:
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de suspensão da execução da pena de prisão, nos seguintes termos:
O arguido GG (com 54 anos de idade) desde cedo registou hábitos de trabalho, tendo exercido a actividade de motorista por conta de outrem até à sua detenção à ordem dos presentes autos. O arguido é divorciado e tem dois filhos com 26 e 31 anos de idade, sendo que actualmente reside sozinho. O arguido tem uma nova relação afectiva, mas é a irmã que reside na mesma localidade que tem assegurado as necessidades básicas deste, designadamente o seu sustento, prestando-lhe o seu apoio incondicional. Na comunidade vicinal próxima, não há indicação de rejeição à presença de GG, nem referidas problemáticas relevantes, o qual projecta imagem positiva, sendo descrito como cordial e educado”.
O Tribunal recorrido efectuou “uma prognose social favorável em termos que permitem suspender (…)” a execução da pena de prisão em que foi condenado, por igual período, acrescentando que “a pena de prisão efectiva seria contraproducente quanto aos objectos de ressocialização que se pretendem atingir”. 
Ora pela nossa parte entendemos que em ordem a efectuar ou não um juízo de prognose favorável ao arguido, há que ponderar que o arguido possui antecedentes criminais, mas não pela prática do crime de Tráfico. O arguido tem hábitos de trabalho, tendo exercido a actividade de motorista por conta de outrem até à sua detenção à ordem dos presentes autos. Por outro lado, na comunidade vicinal próxima, não há indicação de rejeição à presença de GG, nem são referidas problemáticas relevantes, projectando o arguido “uma imagem positiva, sendo descrito como cordial e educado”.
Face ao exposto e não obstante não ignorarmos que estamos em presença de um crime de tráfico de estupefacientes, entendemos manter a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos determinados na decisão recorrida.
Da substituição da pena de prisão do arguido DD:
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de suspensão da execução da pena de prisão, nos seguintes termos:
O arguido DD (com 53 anos de idade) regista hábitos de trabalho desde pequeno. Encontra-se separado e tem dois filhos com 27 e 7 anos de idade, sendo que vive com os progenitores e com seu irmão, em habitação pertencente aos progenitores, havendo boa relação entre eles. Actualmente o arguido DD não trabalha porquanto há cerca de três anos sofreu acidente vascular cerebral, encontrando-se no presente momento estável, contudo com necessidade de consultas periódicas e toma diária de medicação pelo que a sobrevivência económica do agregado é actualmente assegurada pela reforma dos progenitores e o salário do irmão. No meio social e comunitário é tido como cordial no contacto com terceiros e beneficia de uma imagem favorável, não lhe sendo atribuídas atitudes desajustadas nos seus contactos relacionais.
Também em relação a este arguido o Tribunal recorrido entendeu fazer uma “prognose social favorável” em termos que “permitem suspender a execução da pena de prisão, por igual período”, acrescentando que “a pena de prisão efectiva seria contraproducente quanto aos objectos de ressocialização que se pretendem atingir”.
O Tribunal ponderou ainda a integração social e familiar do arguido, sendo que no caso do arguido DD ponderou ainda que o mesmo não trabalha mas devido à sua condição de saúde debilitada.
Ora, neste caso não podemos deixar de concordar com o Tribunal recorrido até porque a sua postura mantida na audiência de julgamento, a sua colaboração com o Tribunal e o seu arrependimento permitem, na verdade, justificar um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro e ao afastamento da prática de novos crimes.
Entendemos em suma que a pena de prisão em que foi condenado o arguido DD na primeira instância se deve manter suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, nos termos ali determinados.
Da substituição da pena de prisão do arguido FF:
Neste caso, o Ministério Público também entende que a pena de prisão deve ser efectiva ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido.
Vejamos.
A propósito foi ponderado na primeira instância o seguinte:
 “o arguido FF (com 48 anos de idade) é pessoa plenamente inserida na Comunidade assim como no seio da Família e em termos laborais. Exerce funções na PSP desde 1996, tendo ingressado no Corpo de Bombeiros Voluntários de ... em ../../1990, tendo sido condecorado várias medalhas de louvor. O arguido coabitava com o cônjuge e dois filhos menores de idade, sendo a cônjuge técnica superior na Câmara Municipal ..., estando o arguido suspenso de funções sem vencimento por força de processo disciplinar que lhe foi instaurado na decorrência destes autos. No meio social de residência, FF, encontra-se bem integrado na comunidade, não existindo qualquer atitude de rejeição sociocomunitária, sendo referenciado como pessoa educada, trabalhadora e que evidencia respeito por terceiros.
Também em relação a este arguido o Tribunal recorrido entendeu fazer uma “prognose social favorável” em termos que permitem suspender a execução da pena de prisão, por igual período, acrescentando que “a pena de prisão efectiva seria contraproducente quanto aos objectos de ressocialização que se pretendem atingir”.
O Tribunal ponderou ainda a integração social, laboral e familiar do arguido.
Também neste caso, também não podemos deixar de concordar com o Tribunal recorrido, tendo em conta a sua postura mantida na audiência de julgamento e a sua colaboração “activa” com o Tribunal e, acima de tudo, o seu arrependimento “sincero” como salientou o Tribunal recorrido.
Assim, a pena de prisão em que foi condenado o arguido FF de 2 (dois) anos de prisão deve ser suspensa na sua execução sujeita a regime de prova, nos termos determinados na primeira Instância.
*
C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

a) Julgar improcedente o recurso interposto do despacho de 30/01/2023 pelo recorrente BB;
b) Condenar o recorrente BB nas custas, fixando-se em 3 (três) UCs a taxa de justiça devida - artigos 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma;
c) Julgar improcedente o recurso interposto do despacho de 06/02/2023 pelo recorrente BB;
d) Condenar o recorrente BB nas custas, fixando-se em 3 (três) UCs a taxa de justiça devida - artigos 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma;
e) Julgar improcedente o recurso interposto do Acórdão condenatório apresentado pelo recorrente BB.
f) Condenar o recorrente BB nas custas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida - artigos 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma;
g) Julgar improcedente o recurso interposto do Acórdão condenatório apresentado pelo recorrente CC.
h) Condenar o recorrente CC nas custas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida - artigos 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma;
i) Julgar improcedente o recurso interposto do Acórdão condenatório apresentado pelo recorrente EE.
j) Condenar o recorrente EE nas custas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida - artigos 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma;
k) Julgar improcedente o recurso interposto do Acórdão condenatório apresentado pelo recorrente FF.
l) Condenar o recorrente FF nas custas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida - artigos 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma
m) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e consequentemente, alteram o acórdão recorrido, e:
- Condenam o arguido BB na pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto lei nº 15/93 de 22/01 e mantêm a pena de 4 (anos) e 6 (seis) meses fixada na primeira Instância pela prática de um crime de Tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1 do RJAM, condenando o arguido BB na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
- Condenam o arguido EE na pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro;
- Condenam o arguido GG na pena de 4 (anos) e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro;
- Condenam o arguido FF na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo com regime de prova, pela prática de um crime de Abuso de Poder, previsto e punido pelo artigo 382.º, n.º 1 do Código Penal;
- Mantém a condenação do arguido DD na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo com regime de prova, pela prática de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, do RJAM
- No mais mantém o decidido.
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Notifique.
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Guimarães, 27 de Maio de 2025 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (relator);
Cristina Xavier da Fonseca (1.ª Adjunta);
Júlio Pinto (2.º Adjunto).


[1] O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, de 19/10/1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193
[2] Avaliação meramente indicativa, sem carácter pericial, obtida em (...) 
[3] Conta co-titulada pelo arguido e sua companheira (co-arguida). Foi considerado o total dos valores creditados nesta conta.
[4] Conta co-titulada pelo arguido, sua companheira (co-arguida) e AAA, filho (maior) de ambos. Foi considerado o total dos valores creditados nesta conta.
[5] Avaliação meramente indicativa, sem carácter pericial, obtida em (...)   
[6] Avaliação meramente indicativa, sem caráter pericial, obtida em (...)    
[7] Simpósio em Homenagem a Jorge de Figueiredo Dias, por ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal Português, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, página 531).
[8] Em síntese, “… todas as testemunhas que colaboram com as instâncias formais da perseguição penal, tendo como contrapartida a promessa da confidencialidade da sua identidade e actividade”, abrangendo meros particulares e agentes das instâncias formais, nomeadamente da polícia, “que disfarçadamente se introduzem naquele submundo ou com ele entram em contacto”, (Manuel da Costa Andrade in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Gestlegal, Coimbra, 2022, página 228) ou seja, mais concretamente, que “se intrometem no ambiente das pessoas a investigar e, depois, de ganhar a sua confiança ou até a sua amizade, obtêm delas conhecimentos e provas” (Manuel Costa Andrade, “Métodos…” cit., página 534).
[9] A propósito deste vício veja-se ainda, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15/11/2018 e de 09/01/2020, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
[10] Note-se que os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal firme sobre os factos no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in Recursos Penais, 9.ª edição, editora Rei dos Livros). No mesmo sentido escreve Vinício A. P. Ribeiro (in Código de Processo Penal, notas e comentários - Quid Juris, 3.ª edição): “quando o recorrente coloca em causa o modo como o tribunal valorou a prova (testemunhal, pericial ou outra), não está a invocar os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, mas a questionar o uso que o tribunal fez do princípio da livre apreciação da prova”.
[11] Neste sentido foi entendido no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 18 Março 2013, proferido no processo 626/11.7PCBRG.G1, em que foi relator o saudoso Dr. Cruz Bucho: “como bem se enfatizou no Ac. desta Rel. de Guimarães de 20-3-2006, proc.º n.º 245/06-1ª, rel. Fernando Monterroso, (…) a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução
[12] Uma nota para dizer que o arguido GG nunca poderia ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico e mediação de armas porque nessa parte foi proferido um despacho de não pronúncia.
[13] Jurisprudência aplicável ao tribunal da Relação como se entendeu nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-10-2019, processo n.º 989/17.0PZLSB.L1-9, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/10/2013, processo n.º 180/11.0GAVLP.P1 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/5/2019, processo n.º 348/18.7GAVLP.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).