Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5925/22.0T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CAUSA DE PEDIR
MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
CONTA BANCÁRIA
TITULARIDADE
PRESUNÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Não existe qualquer nulidade da sentença quando, invocado pelo autor o instituto do enriquecimento sem causa, o Tribunal considera a causa de pedir alegada e faz a sua subsunção a instituto jurídico diferente.
2 - Numa ação em que se discute se determinada quantia em dinheiro pertence em exclusivo a um de três titulares de uma conta bancária, não constitui matéria de facto a afirmação de que determinado montante “pertence” a uma das partes, sendo necessário alegar e demonstrar factos de onde se possa afirmar a existência do direito de propriedade.
3 – Apurando-se que parte da quantia depositada na referida conta é proveniente da venda de um imóvel cuja aquisição estava registada em nome de apenas um dos titulares da conta, pode concluir-se pela afirmação do direito de propriedade exclusivo deste titular sobre a referida quantia.
4 – Não estando demonstrada tal realidade em relação à quantia restante, aplica-se o disposto no art.º 516.º do C. Civil.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes
2ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves

Processo 5925/22.0T8GMR.G1
Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz ... – Comarca de Braga

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra BB e CC, alegando, em síntese, que estes se apropriaram da quantia de 35.254,60 euros que lhe pertencia em exclusivo, resultante da venda de um imóvel, e que apenas por lapso foi depositada em conta bancária titulada por si e por dois irmãos, ambos falecidos, sendo que os réus são herdeiros de um deles.
Conclui pedindo que os réus sejam condenados a devolver-lhe a quantia de 35.254,60 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da data de citação.
Devidamente citados os réus, estes contestaram alegando, em síntese, que na data da morte de CC, marido da ré BB (futuramente, apenas 1ª ré) e pai do réu CC (doravante, apenas 2º réu), a conta bancária em questão - que era titulada, de forma coletiva e solidária, pelo falecido, pelo autor e por um outro irmão daqueles - apresentava um saldo de 105.763,82 euros, sendo que os réus, na qualidade de herdeiros daquele falecido irmão do autor, se limitaram a levantar da dita conta bancária o montante correspondente a 1/3 do seu saldo.
Concluíram, assim, no sentido da improcedência da ação.
Foi realizada a audiência com observância de todas as formalidades legais e, a final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 17.153,78 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento dessa quantia, absolvendo-os dos demais pedidos contra si formulados pelo autor.
É desta decisão que foi interposto recurso, pelos réus, apresentando as seguintes conclusões:
1. Considerou o Tribunal à quo que, a quantia de € 35.254,60 levantada da conta bancária pelos Recorrentes, não era propriedade exclusiva do Recorrido, sendo que este apenas logrou demonstrar a propriedade exclusiva da quantia de € 8.103,38.
2. E concluiu no sentido de o Recorrido ter direito a receber dos Recorrentes a quantia de € 8.103,38, por a mesma lhe pertencer em exclusivo, e, bem assim, a quantia correspondente a um terço do montante de € 27.151,22 (€ 35.254,60 - € 8.103,38 = € 27.151,22), por se presumir, quanto a este montante, que os titulares daquela conta bancária comparticiparam em partes iguais no seu depósito.
3. O Recorrido fundamentou a sua pretensão de restituição do montante de 35.253,60€ por parte dos Recorrentes, no Instituto do enriquecimento sem causa.
4. O Tribunal a quo não apreciou os pressupostos do instituto invocado pelo Recorrido, nem subsumiu a factualidade que entendeu dar como provada, àquele instituto do enriquecimento sem causa.
5. Foi alegado na Petição Inicial que Recorrentes não têm qualquer direito sobre a quantia que levantaram (artigo 32º da PI), e que agiram de má-fé, aproveitando-se do facto do falecido Pai e Marido dos Recorrentes ainda fazer parte da dita conta (33º) para que, sem qualquer causa justificativa, enriquecer à custa do empobrecimento do Recorrido (34º), integrando tal conduta um verdadeiro Enriquecimento sem causa (35º).
6. O Tribunal a quo subsumiu a factualidade em causa ao contrato de depósito bancário, e à presunção de que os credores solidários participam no crédito em partes iguais, estabelecido no artigo 516º do Código Civil.
7. Foi da iniciativa do Autor da ação (Recorrido) a alegação do enriquecimento sem causa por parte dos Recorrentes, pelo que sempre seria sobre esta factualidade que o douto Tribunal a quo se podia - e devia - ter pronunciado.
8. A causa de pedir do Recorrido consubstancia-se, assim, no facto do montante que os mesmos levantaram da conta bancária não lhes pertencer, pelo que enriqueceram à custa do Recorrente e sem qualquer causa justificativa.
9. O Instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, sendo certo que, in casu, inexiste qualquer outro meio jurídico ao dispor do Recorrido para ser indemnizado,
10. O empobrecido (in casu, o Recorrido) apenas poderá recorrer à ação de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para ser ressarcido dos seus prejuízos, razão pela qual a pretensão do Recorrido de restituição da quantia levantada pelos Recorrentes se fundamentou em tal Instituto do Enriquecimento sem causa, que o Tribunal a quo não apreciou, e não podia deixar de se pronunciar,
11. por se tratar da causa do ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer na ação.
12. Por força do princípio do dispositivo, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC, cabe ao autor o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir que serve de fundamento à ação, enquanto sobre a ré, nos termos daquele mesmo art. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC, cabe alegar os factos em que se baseiam as exceções deduzidas.
13. Na qualificação jurídica da causa de pedir o juiz é livre, mas não pode convolar oficiosamente para outra causa de pedir, não podendo substituir a causa de pedir invocada pelo autor por outra, mas terá a sua atividade limitada pelo pedido e causa de pedir, não podendo alterar a perspetiva jurídica em que o autor enquadrou os factos que alegou para fundamentar a sua pretensão.
14. O Recorrido alegou os factos essenciais que, na sua perspetiva, de acordo com o instituto jurídico que elegeu – o enriquecimento sem causa – lhe permitiam alicerçar o pedido de restituição da quantia monetária que formulou contra os Recorrentes, tendo sido com base nessa alegação, que os Recorrentes produziram a sua defesa.
15. Nas ações de enriquecimento sem causa, o ato ou facto jurídico que nos termos do disposto no n.º 4 do art. 581º do CPC consubstancia a causa de pedir é o “enriquecimento sem causa”.
16. Existiu, por parte do Tribunal a quo, uma ilegal convolação da causa de pedir que tinha sido invocada pelo Recorrido para uma causa de pedir diversa - propriedade exclusiva da quantia que figurava na conta bancária titulada pelos 3 irmãos - o que não é consentido por lei, por consubstanciar violação frontal dos princípios do dispositivo e do contraditório.
17. Essa alteração da causa de pedir invocada pelo Recorrido para causa jurídica diversa operada pelo tribunal a quo na sentença recorrida, nos termos da al. d), do n.º 1 do art. 615º do CPC, é causa de nulidade da sentença recorrida por nela o tribunal ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento.
18. Ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, a factualidade trazida pelos Recorrentes a juízo - de que o dinheiro por si levantado da mencionada conta bancária lhes pertencia, por ser propriedade do de cujus - não está fora do objeto da ação.
19. Tal factualidade tem como finalidade a prova da causa justificativa do levantamento do montante por parte dos Recorrentes, nomeadamente que tal valor lhes pertencia, contrariando a causa de pedir alegada pelo Recorrido do “enriquecimento sem causa” por parte dos Recorrentes.
20. Não podia por isso o Tribunal a quo considerar que se os Recorrentes entendiam que determinada quantia depositada na aludida conta bancária fazia parte da herança aberta por óbito de CC e que, a determinado momento, alguém se apropriou dessa quantia, deveriam atuar judicialmente no sentido de exigir da pessoa que alegadamente se apropriou ilicitamente de tal quantia a sua restituição à herança, e que nunca deduziram contra o Recorrido qualquer pedido reconvencional nem sequer alegaram que o aqui demandante foi o autor de tal apropriação,
21. uma vez que a causa de pedir do Autor/ Recorrido, foi a do enriquecimento sem causa dos Recorrentes, sendo tal consideração do douto Tribunal a quo vem confirmar que a douta sentença violou o princípio do contraditório, previsto no art. 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
22. E é assim, uma vez que os Recorrentes verteram a sua defesa com base na alegação e causa de pedir do Recorrido.
23. A prova da inexistência de causa justificativa, requisito da procedência do enriquecimento sem causa, não lhes cabia aos Recorrentes, mas sim ao Recorrido.
24. Ao não analisar os factos à luz do instituto do enriquecimento sem causa e dos seus pressupostos, e ao fundamentar a sua decisão apenas na presunção estabelecida no 516º do Código Civil, à data do levantamento efetuado pelo Recorrentes, o Tribunal a quo subverteu as regras do dispositivo, do contraditório, e do ónus da prova, pelo que enferma a douta sentença proferida de nulidade, nos termos do art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC, que aqui expressamente se invoca.
25. O Tribunal a quo, devia ter apreciado os pressupostos do invocado instituto do enriquecimento sem causa.
26. Para que se verifique o enriquecimento sem causa, é necessário que cumulativamente estejam preenchidos os seguintes pressupostos: verificação do enriquecimento de alguém; carência da causa justificativa, juridicamente relevante, desse enriquecimento; e ainda que o mesmo tenha sido obtido à custa daquele que se arroga do direito à restituição.
27. A falta de causa justificativa do enriquecimento apenas sucede quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento, por se tratar de uma vantagem que estava reservada a outra pessoa, ao titular do direito.
28. Cabe ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento.
29. In casu, não só o Recorrido não logrou demonstrar a falta de causa justificativa, como os Recorrentes demonstraram a existência de causa justificativa, provando que aquele dinheiro lhes pertencia, pelo que devia ter improcedido o pedido de restituição na totalidade, com fundamento no enriquecimento sem causa peticionado pelo Recorrente.
30. O Tribunal a quo deu como provado que o Pai e Marido dos Recorrente – CC - era (co) titular da conta bancária coletiva e solidária com o número ...12, e que faleceu em ../../2002, sendo os Recorrentes os seus únicos e universais herdeiros.
31. Ficou provado que à data da morte do Pai e Marido dos Recorrentes, a conta bancária com o número ...12 apresentava um saldo positivo no montante de € 105.763,82 (cento e cinco mil setecentos e sessenta e três euros e oitenta e dois cêntimos).
32. Daqui, resulta inequívoco que o pressuposto da carência de causa justificativa do acréscimo patrimonial dos Recorrentes, não se encontra preenchido, uma vez que o enriquecimento dos Recorrentes é consequência do facto do decesso ser co-titular da conta bancária em causa nos presentes autos, deste ter falecido, dos Recorrentes serem os seus únicos e universais herdeiros, e do facto de na data da sua morte tal valor existir na mencionada conta bancária.
33. O acréscimo patrimonial dos Recorrentes tem uma causa justificativa, sendo que estes se limitaram a exercer um direito que a lei lhes atribui, enquanto únicos e universais herdeiros do decesso co-titular daquela conta, sendo que o valor levantado pelos Recorrentes corresponde a ⅓ do montante existente na data da morte do de cujus.
34. A douta sentença ao dar tais factos como provados não podia ter condenado - como condenou - os Recorrentes a restituir a quantia de 17.153,78€ ao Recorrido, por se ter provado a existência do direito dos Recorrentes, direito esse, nascido na data da morte do decesso, ou seja, ../../2002, por ser essa a causa justificativa para o “enriquecimento dos Recorrentes”.
35. Ficou dado como provado, na data da morte do Pai e Marido dos Recorrentes, a mencionada conta bancária apresentava um saldo de105.763,82€, conforme decorreu, quer das declarações de parte da Recorrente BB, quer do conteúdo do documento n.º ..., entregue pela Instituição Bancária onde se encontrava domiciliada a supra mencionada conta bancária, documento esse junto aos auto pelos Recorrentes com a sua Contestação.
36. Dos factos dados como provados resulta que o enriquecimento dos Recorrentes, não foi obtido à custa do empobrecimento do Recorrido, por ter resultado de um direito legitimamente exercido pelos Recorrentes, que, por serem os únicos e universais herdeiros do co-titular da conta bancária, procederam ao levantamento da quota parte de que o decesso era titular, na data da sua morte.
37. Pelo que não verifica o terceiro pressuposto exigido pela figura do enriquecimento sem causa, ou seja, que tal enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, neste caso o Recorrido.
38. Não estando reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa, não podiam os Recorrentes ser condenados a restituir a quantia peticionada pelo Recorrido.
39. Verifica-se, ainda, uma absoluta ausência de motivação sobre tal matéria, tendo por isso, violado o disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 615º do C.P.C. o que constitui inequívoca causa de nulidade da sentença proferida.
40. Mas ainda que este Venerando Tribunal entenda que não padece a douta sentença proferida de nulidade, sempre estaríamos perante um vício de erro de julgamento tendo em conta a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, bem como um errado enquadramento jurídico da factualidade, feita pelo Tribunal a quo, o que reconduzirá igualmente à absolvição in totum os Recorrentes do pedido formulado pelo Recorrido
41. O Tribunal a quo devia ter apreciado a prova produzida ao abrigo do referido instituto do enriquecimento sem causa,
42. apreciando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, outra não podia ser a decisão que não fosse a de absolver os Recorrentes do pedido formulado pelo Recorrido, por falta de verificação dos pressupostos que integram o instituto do Enriquecimento sem causa.
43. Não podem, os Recorrentes concordar com a motivação e fundamentação de direito expendida pelo douto Tribunal a quo, quando refere que a questão de entenderem que a quantia depositada na aludida conta bancária fazia parte da herança aberta por óbito de CC se mostra excluída do objeto do processo.
44. Não era aos Recorrentes que caberia alegar ou provar que o Recorrido se apropriou da quantia que lhes pertencia, mas, ao contrário, era ao Recorrido que cabia o ónus de provar que inexistia causa justificativa para o levantamento da quantia em causa.
45. E o Recorrido não logrou fazer tal prova da inexistência de justa causa justificativa para o levantamento efetuado pelos Recorrentes.
46. Decorre do documento n.º ... junto aos autos com a contestação, que a conta n.º ...12, à data do óbito do Marido e Pai dos Recorrentes, apresentava um saldo de 105.763, 82€, tendo o de cujus direito a um terço desse valor, correspondente à quantia de 35.254,60€, conforme decorre das declarações de parte do Recorrido.
47. Se resulta de tal prova que os três irmãos co-titulares daquela conta bancária participavam de forma igual na referida conta, tal montante de 35.254,60€, correspondente a um terço do saldo positivo à data da sua morte do Marido e Pai dos Recorrentes, era propriedade do de cujus, pelo que tal direito foi transmitido aos seus herdeiros, os aqui Recorrentes.
48. E tendo em conta que o Tribunal a quo, dá como provado o facto 20, também devia ter dado como provado que ⅓ desse montante era pertença do de cujus CC, o que corresponde ao montante de 35.254,60€ (trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos), levantado pelos Recorrentes.
49. Tendo em conta as declarações do Recorrido, e tendo o Recorrido afirmado que os três irmãos participavam de igual modo no saldo daquela conta, devia ter sido incluído como facto provado: ⅓ do montante de 105.763,82, e que corresponde à quantia de 35.254,60€ (trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos) pertencia ao de cujus CC.
50. E resultando tal facto como provado, não podia o Tribunal a quo condenar os Recorrentes a restituir qualquer quantia ao Recorrido, por falta de verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, tendo em conta que, a verificação de tal facto como provado, obsta a que proceda a causa de pedir do Recorrido, e que se consubstancia no enriquecimento sem causa dos Recorrentes.
51. Ao contrário do que foi alegado pelo Recorrido, não resultou da matéria dada como provada que os Recorrentes “sem qualquer causa justificativa, enriquecerem, à custa do empobrecimento do Autor”.
52. Os Recorrentes levantaram o valor de 35.254,60€, correspondente a 1/3 do valor da conta bancária, por tal direito lhes ter sido transmitido aquando da morte do decesso, co-titular da conta bancária, que aquela data tinha um total de € 105.763,82.
53. O Recorrido não logrou fazer tal prova da inexistência de causa justificativa para o levantamento efetuado pelos Recorrentes, pelo que a decisão do Tribunal a quo devia ter sido no sentido de os absolver do pedido formulado pelo Recorrido.
54. Antes pelo contrário, resultou que o valor em causa não foi obtido à custa do empobrecimento do Recorrido, uma vez que, reitere-se, resulta de um direito legitimamente exercido pelos Recorrentes.
55. Padece a douta sentença de nulidade por falta de fundamentação de facto, devendo por isso ser revogada, e substituída por outra que considere como provado o facto de que ⅓ do montante de 105.763,82, e que ascende ao valor de 35.254,60€ (trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos) pertencia ao de cujus CC, e que tendo em conta a falta de verificação dos pressupostos do Instituto do Enriquecimento sem causa, por se verificar a existência de causa justificativa para o levantamento por parte dos Recorrentes daquele montante, absolva in totum os Recorrentes do pedido formulado pelo Recorrido.
56. Ainda que se entenda não existir nulidade sempre estaríamos perante vício de erro de julgamento uma vez que, a douta sentença proferida, fez uma errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, o que reconduzirá igualmente à absolvição in totum os Recorrentes do pedido formulado pelo Recorrido.
57. Existe, ainda, nulidade da douta sentença proferida por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.
58. Apesar de não se concordar com o entendimento seguido pelo douto Tribunal a quo, a seguir-se tal raciocínio, o mesmo não poderia levar à condenação dos Recorrentes nos termos em que os mesmos foram condenados.
59. O facto número 19 constante dos factos dados como provados, não devia ter sido dado como provado, ou seja, que da quantia global aludida em 16., pelo menos a quantia de € 8.103,38 (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) pertence exclusivamente ao aqui A., respeitando a parte do preço aludido em 10.
60. Se ficou provado que à data do levantamento por parte dos Recorrentes daquele montante, a conta bancária em questão tinha um saldo positivo de 37.276,04€, significa que o Recorrido teria direito a ⅓ desse montante, o que corresponderia a 12.425,34€, e como tal, apenas teria direito à restituição desse valor, tudo conforme decorre do documento n.º ... junto aos autos pelo Recorrido com a sua Petição Inicial,
61. Por ter o Tribunal a quo considerado que para provar que a totalidade do montante de que os Recorrentes se apropriaram pertencia em exclusivo ao Recorrido, seria necessário alegar e provar a propriedade do saldo que essa conta bancária apresentava à data em que a quantia de € 92.000,00 foi aí  depositada, a propriedade dos demais montantes que acabaram por dar entrada nessa conta bancária desde essa data até à data em que os Recorrentes procederam ao levantamento da mencionada importância e, bem assim, o destino dado às quantias que acabaram por, nesse mesmo período de tempo, ser retiradas da conta bancária em questão, tendo em conta - como considerou o Tribunal a quo - a imensidão de movimentos bancários que se verificaram no período de tempo acima referido.
62. Não tendo o Recorrido logrado provar que a totalidade da quantia levantada pelos Recorrentes lhe pertence, nem a origem dos movimentos a crédito e o destino dos movimentos a débito, sempre teríamos de considerar a presunção prevista no artigo 516º do Código Civil, que determina que nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes.
63. Não podia o Tribunal a quo considerar como fazendo parte daquela quantia levantada pelos Recorrentes de 35.254,60€, o valor de 8.103,38€ (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) como pertencente em exclusivo ao Recorrido, uma vez que quanto muito, podia ter considerado que, daqueles 37.276,04€ (saldo positivo que constava na conta bancária à data do levantamento pelos Recorrentes) 1/3 era pertencente ao Recorrido, e que aqui estariam incluídos os 8.103,38€ que o Tribunal a quo considerou como pertencentes ao Recorrido.
64. Os Recorrentes não levantaram a totalidade do saldo positivo existente na conta, tendo ainda ali permanecido 2.021,44€ (37.276.04€ - 35.254,60€);
65. Se o Tribunal a quo deu como provado que na data de levantamento da quantia de 35.254,60€ pelos Recorrentes, o saldo positivo na dita conta bancária era de 7.276,04€, devia ter considerado que ⅓ desse montante era pertencente ao Recorrido, o que significa que 12.425,34€ seriam da sua propriedade exclusiva.
66. E tendo em conta que decorre das declarações de parte do Recorrido que a referida conta, desde a morte dos irmãos, era movimentada em exclusivo por si, e decorrendo da subtração do valor positivo existente na conta bancária e do levantamento efetuado pelos Recorrentes que a conta ainda ficou com um saldo positivo de 2.021,44€, então apenas se poderia concluir pela restituição do montante de 10.403,90€ (37.276.04€ : 3 = 12.425,34€ - 2.021,44€ (37.276.04€ - 35.254,60€) = 10.403,90€).
67. Tendo em conta a fundamentação de facto que resulta da douta sentença proferida, é entendimento dos Recorrentes que o seguinte facto não devia ter sido dados como provado:
19. Da quantia global aludida em 16., pelo menos a quantia de € 8.103,38 (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) pertence exclusivamente ao aqui A., respeitando a parte do preço aludido em 10.
68. E tendo em consideração a fundamentação de facto, a motivação e a fundamentação de direito expendida pelo douto Tribunal a quo na sentença proferida, seguindo o raciocínio do douto Tribunal a quo, tendo em consideração que daquela conta bancária ainda constavam 2.021,44€ após o levantamento efetuado pelos Recorrentes, sempre a quantia a restituir pelos Recorrentes ao Recorrido nunca poderia ser superior a 10.403,90€.
69. Os fundamentos de facto e de direito invocados pelo Tribunal a quo deveriam conduzir logicamente a um resultado diferente ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a decisão final, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.
70. Mas caso se entenda não existir contradição entre os fundamentos e a decisão, o que conduz à nulidade da douta sentença proferida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), nos termos supra pugnados, sempre se dirá que existe erro na subsunção jurídica e erro na interpretação, que conduzem a erro de julgamento,
71. uma vez que, o douto Tribunal a quo, ao entender que a quantia de 8.103,38€ (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) pertencia em exclusivo ao Recorrido, e ao subtrair tal quantia do montante de 35.254,60€, desconsiderou o valor que efetivamente constava da conta bancária mencionada nos autos, e que ascendia a 37.276,04€, conforme decorre do documento n.º ... junto aos autos pelo Recorrido com a inicial.
72. Ao fazer tal consideração, faz uma incorreta interpretação do art. 516º do Código Civil, que determina que nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito, presunção que o Recorrido não logrou ilidir.
73. Não podia, por isso, o Tribunal à quo ter considerado que o Recorrido era proprietário de ⅓ do montante levantado pelos Recorrentes.
74. Uma vez que nos termos daquele art. 516º do Código Civil, o Recorrido seria
 proprietário de ⅓ do valor que constava da conta bancária em causa nos presentes autos na data do levantamento e não proprietário de ⅓ do montante levantado pelos Recorrentes.
75. E também não podia ter entendido subtrair ao montante levantado pelos Recorrentes, o valor de 8.103,38€ que entendeu como fazendo parte do preço pago pelo imóvel vendido pelo Recorrido, e que por isso seria sua propriedade exclusiva, uma vez que a dita conta bancária ainda ficou com saldo positivo.
76. O valor de 8.103,38, sempre seria considerado na globalidade dos 37.276,04€ de saldo positivo que constavam da conta bancária na data do levantamento efetuado pelos Recorrentes, o que tendo em conta o seu direito a ⅓ daquele montante de 37.276,04€, bem como que a conta bancária ainda ficou com o valor de 2.021,44€, após o levantamento efetuado pelos Recorrentes, sempre a obrigação de restituir por parte destes ao Recorrido ascenderia ao montante de 10.403,90€.
77. Pelo que, incorre a douta sentença recorrida em vício de erro de julgamento, devendo por isso ser a mesma ser revogada e substituída por outra que considere a obrigação de restituir por parte dos Recorrentes no montante de 10.403,90€, ao contrário da sua condenação na restituição no valor de € 17.153,78.
Termos em que, com o douto suprimento, deve, na procedência do recurso:
a) Ser declarada a nulidade da sentença recorrida pelo facto do douto Tribunal a quo ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, o que configura uma alteração da causa de pedir invocada pelo Autor / Recorrido, e em consequência deverá a douta decisão proferida ser revogada e substituída por outra que, à luz dos factos dados como provados e não provados aprecie os pressupostos da causa de pedir invocada pelo Recorrido, e absolva os Recorrente da totalidade do pedido.
b) Sem prescindir, e caso assim não se entenda, ser declarada a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo por este não se ter pronunciado sobre os pressupostos alegados na Petição Inicial pelo Autor / Recorrido, existindo uma absoluta ausência de motivação sobre tal matéria, e em consequência deverá a douta decisão proferida ser revogada e substituída por outra que, tendo com conta os factos erro dados como provados e não provados e por falta de verificação dos pressupostos do Instituto do Enriquecimento sem causa, absolva os Recorrentes da totalidade pedido.
c) Ainda sem prescindir, e no caso deste Venerando Tribunal entender não padecer a douta sentença recorrida de nulidade nos termos supra alegados, ser determinado que a douta decisão recorrida padece de vício de erro de julgamento tendo em conta que o Tribunal a quo, fez uma errada subsunção dos factos à correspondente previsão normativa abstrata, bem como um errado enquadramento jurídico da factualidade, e seja proferido Acórdão que subsumindo os factos dados como provados ao invocado Instituto do Enriquecimento sem causa, e fazendo o correto enquadramento jurídico dos mesmos, absolva os Recorrentes da totalidade pedido.
d) Assim não se entendendo, deverá ser a douta decisão recorrida substituída por outra que considere como provado o facto de que ⅓ do montante de 105.763,82, e que ascende ao valor de 35.254,60€ (trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos) pertencia ao de cujus CC, e que tendo em conta a falta de verificação dos pressupostos do Instituto do Enriquecimento sem causa, absolva os Recorrentes do pedido formulado pelo Recorrido, devendo ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida, por falta de fundamentação de facto, ou, caso não se entenda existir nulidade por a mesma padecer de vício de erro de julgamento, por errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, e absolva os Recorrentes da totalidade do pedido.
e) Ainda sem prescindir, deverá ser declarada a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo por existência de contradição entre os fundamentos e a decisão, e em consequência deverá a douta decisão proferida ser revogada e substituída por outra que, determine a alteração das respostas à matéria de facto nos termos sobreditos, e declare a obrigação de restituir por parte dos Recorrentes do montante de 10.403,90€.
f) Caso assim não se entenda, deverá ser declarado que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, e em consequência ser revogada e substituída por outra que declare a obrigação de restituir por parte dos Recorrentes no montante de 10.403,90€”.
Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
a) Da nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º1, alíneas b) e d), do C. P. Civil.
b) Da impugnação da matéria de facto.
c) Se, alterada ou não a decisão da matéria de facto, existe erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.

III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:

1. O A., juntamente com os seus irmãos, CC e DD, abriram, em 07 de setembro de 1995, uma conta bancária, coletiva e solidária, com o n º ...12, titulada por todos eles, domiciliada na Banco 1..., ..., ... e ..., ....
2. Em ../../2002, o CC faleceu.
3. Em ../../2020 viria a falecer o DD.
4. Não obstante o falecimento dos dois irmãos do A., a conta bancária em causa nunca foi alterada na sua titularidade.
5. A 1ª R. era casada com CC,
6. sendo que o 2º R. era filho de CC,
7. sendo estes os seus únicos herdeiros.
8. No dia ../../2021, o ora A. celebrou, na qualidade de vendedor, um contrato de compra e venda de um imóvel, por força do qual o A. declarou vender a EE, que declarou comprar, a fração autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ... andar, com o n º 140, destinado a habitação, sito na Rua ..., ..., Guimarães, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...80º e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...34 de ....
9. À data da celebração do acordo aludido em 8., a propriedade do imóvel aí referido estava registada em nome do aqui A.
10. O preço acordado no âmbito do acordo aludido em 8. ascendeu a € 92.000,00 (noventa e dois mil euros).
11. O montante aludido em 10. foi pago ao A. da seguinte forma: € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) foram pagos através de um cheque bancário com o n º ...90, sacado sobre o Banco 2..., S.A., com esse mesmo valor; € 27.000,00 (vinte e sete mil euros) foram pagos através de duas transferências bancárias, no valor de € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), cada uma, por débito da conta com o n.º ...01, domiciliada no Banco 2..., S.A.
12. As quantias aludidas em 11. foram creditadas na conta bancária aludida em 1.,
13. tendo o pagamento efetuado por intermédio do referido cheque bancário dado entrado nessa conta bancária no dia ../../2021
14. e os pagamentos efetuados por intermédio das referidas transferências bancárias dado entrado naquela conta bancária em 25 de maio de 2021.
15. À data em que o aludido cheque foi depositado na conta bancária referida em 1., a mesma apresentava o saldo de € 8.609,99 (oito mil seiscentos e nove euros e noventa e nove cêntimos).
16. No dia 22 de setembro de 2021, os RR. procederam ao levantamento da conta aludida em 1. da quantia de € 35.254,60 (trinta e cinco mil duzentos e cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos),
17. sendo que, à data desse levantamento, a conta bancária em questão tinha um saldo positivo de € 37.276,04 (trinta e sete mil duzentos e setenta e seis euros e quatro cêntimos).
18. Entre a data em que o aludido cheque deu entrada na conta bancária aludida em 1. e a data aludia em 16., foram, relativamente à conta bancária aludida em 1., realizados os movimentos que constam do documento n.º ... junto aos autos pelo A. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, ascendendo os movimentos a débito à quantia global de € 83.896,62 (oitenta e três mil oitocentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos) e os movimentos a crédito à quantia global de € 112.562,67 (cento e doze mil quinhentos e sessenta e dois euros e sessenta e sete cêntimos).
19. Da quantia global aludida em 16., pelo menos a quantia de € 8.103,38 (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) pertence exclusivamente ao aqui A., respeitando a parte do preço aludido em 10.
20. À data aludida em 2., a conta bancária referida em 1. apresentava um saldo positivo no montante de € 105.763,82 (cento e cinco mil setecentos e sessenta e três euros e oitenta e dois cêntimos).
21. Para procederem ao levantamento do montante aludido em 16., foi, pela instituição bancária em causa, solicitado aos RR. que juntassem habilitação de herdeiros por óbito do decesso CC,
22. a participação desse óbito
23. e a respetiva relação de bens.
24. Porque, na relação de bens apresentada logo após morte do decesso, não estava relacionado o saldo da conta bancária aludida em 1., a 1ª R., BB, na qualidade de cabeça de casal da herança, apresentou uma relação de bens adicional, o que fez em 03 de setembro de 2021 na Autoridade Tributária, onde incluiu o saldo dessa conta bancária, aludido em 20.
25. Munida da sobredita documentação, a 1ª R. entregou-a à mencionada entidade bancária, após o que esta autorizou o levantamento aludido em 16.

Resultou não provado que:
a. A quantia global aludida em 16. pertence apenas ao aqui A., respeitando a parte do preço aludido em 10.

IV - Do objeto do recurso:

1 – Da nulidade da sentença proferida:
Alegam os réus recorrentes que o Tribunal a quo realizou uma ilegal convolação da causa de pedir, pois que, tendo sido invocado o instituto do enriquecimento sem causa, pronunciou-se sobre a propriedade exclusiva do autor sobre a quantia depositada, violando assim os princípios do dispositivo e do contraditório.
Entendem assim que a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º1, alínea d), do C. P. Civil, pois que conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.
Existe alguma confusão na alegação dos recorrentes.
Se é certo que o Tribunal a quo decidiu a questão jurídica com base num instituto jurídico que não foi invocado, a propriedade, a causa de pedir considerada foi a que foi alegada na petição inicial.
Sendo a causa de pedir “o fundamento fáctico da pretensão de tutela jurisdicional formulada”, nas palavras de António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, em anotação ao art.º 186.º do C. P. Civil, o Tribunal de 1.ª Instância considerou a alegação do autor, e apenas esta, subsumindo-a a um diferente instituto jurídico.
Ou seja, a causa de pedir considerada foi efetivamente a que foi alegada pelo autor e não qualquer outra.
O que se entendeu foi que o instituto jurídico aplicável era outro que não o invocado, sendo certo que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do C. P. Civil. Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/01/2017, do Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. 873/10.9T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt, tal liberdade do julgador deve conter-se “dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido. É-lhe, pois, vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, o mesmo é dizer, não comportada na órbita do efeito prático-jurídico deduzido, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada”.
Ora, na situação em apreço, o Tribunal a quo conteve-se na causa de pedir alegada e no efeito jurídico pretendido, a condenação dos réus na restituição da quantia por estes retirada da conta bancária que era também titulada pelo pai e marido dos réus.
A questão apreciada foi, assim, aquela que foi colocada ao Tribunal e que era a de saber se o autor poderia exigir dos réus a restituição daquela quantia. Note-se que logo no despacho saneador o Mm.º Juiz fixou como objeto do litígio a questão que apreciou na sentença, ou seja, “aferir da propriedade do dinheiro existente na conta bancária melhor identificada nos autos que foi levantado pelos réus”.  
Não houve, assim, qualquer violação do princípio do contraditório, pois que o Tribunal apreciou o objeto de litígio que definiu, sem qualquer reserva manifestada pelas partes, nem do princípio do dispositivo, limitando-se a apreciar o pedido que foi formulado pelo autor, com recurso a instituto jurídico diferente do invocado.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado on linea liberdade de qualificação pelo tribunal dos factos alegados pelas partes não deve ser confundida com a dispensa de vinculação do tribunal aos pedidos formulados das partes. O tribunal pode qualificar como entender os factos alegados pelas partes, mas, dentro da qualificação que atribuía esses factos, só pode pronunciar-se sobre os pedidos formulados pelas partes (art. 3.º, nº1, e 608.º, nº2, 2.ª parte)”.
Não se verifica, pois, a nulidade da sentença, por violação da alínea d), do n.º 1 do art.º 615.º, mas apenas uma diferente subsunção jurídica da matéria de facto alegada pelo autor (embora, como veremos, nem todos itens da matéria provada possam considerar-se factos).
Invocam também os recorrentes a nulidade da sentença por violação da alínea c) do mesmo normativo, pois que a sentença omite qualquer referência ao instituto do enriquecimento sem causa que foi invocado.
Nos termos deste normativo, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Não existe qualquer oposição entre os fundamentos da decisão e o que foi decidido. A não verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, instituto que não foi convocado na decisão proferida, não pode consubstanciar a nulidade da sentença proferida.
A parte pode discordar da fundamentação da sentença e da subsunção dos factos ao instituto jurídico convocado. Dessa discordância, e do eventual desacerto da decisão, não decorre a sua nulidade, existindo total coerência entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
Não se verifica, assim, a nulidade da sentença por violação da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil.

2 – Da impugnação da matéria de facto:

a) Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 i, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, o recorrente indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entende permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção aos específicos momentos da gravação dos depoimentos, quando estão estes em causa, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
*
b) Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Alegam os réus que o Tribunal deveria ter dado como provado que 1/3 da quantia referida no facto 20º era pertença do de cujus CC e que corresponde ao montante de 35.254,60 euros.
Que a quantia de 35.254,60 euros corresponde a 1/3 da quantia referida no facto 20º (105.763,82 euros) não restam dúvidas e não tem de constar dos fatos provados, pois que corresponde apenas a uma operação aritmética.
O que alegam os réus é que tal facto (a alegada pertença) deveria ter sido dado como provado com base nas declarações do próprio autor que declarou que os três irmãos participavam de igual modo no saldo daquela conta.
Do mesmo modo, mais à frente, alegam os réus que não deveria ter sido dado como provado que, da quantia referida em 16, pelo menos a quantia de 8.103,38 euros pertence exclusivamente ao aqui autor, respeitando a parte do preço da venda do preço aludido em 10.
Começa por dizer que o que foi impugnado pelos réus não constitui matéria de facto mas uma conclusão jurídica que se extrai (ou não) da matéria de facto alegada.
Afirmar que determinada quantia em dinheiro “pertence” aos réus ou ao autor exige que se dê como provada matéria de facto de onde se retire a aquisição do direito de propriedade.
Se o objeto do litígio era aferir da propriedade do dinheiro existente na conta, teria sempre de ser alegado o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade.
Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2023, do Juiz Desembargador Jerónimo Freitas, proc. 9028/21.2T8MTS.P1 in www.dgsi.pt, “conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova”, remetendo para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/2009 do Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, também ele disponível in www.dgsi.pt.
Fixado o objeto do litígio - saber se o autor era o proprietário da quantia existente em determinada conta bancária, - não podia naturalmente dar-se como provado que determinada quantia lhe “pertencia”, pois que tal afirmação encerrava já a resposta à questão jurídica subjacente.
Nas palavras de Anselmo de Castro só “acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objeto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, Volume III, 1982, pág. 268/269).
O Tribunal seguirá aqui de perto o entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2019, da Juiz Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. 1333/15.7T8LMG.C1.S1, in www.dgsi.pt: “no regime anterior na audiência de julgamento, após a produção da prova, abria-se o debate sobre a matéria de facto, com produção de alegações sobre o tema pelos advogados das partes, e seguia-se o proferimento de decisão onde se julgavam os factos, indicando-se os tidos como provados e aqueles que se consideravam como não provados. Ultrapassada a fase em que às partes era facultada a discussão sobre o aspeto jurídico da causa, era proferida a sentença na qual, além do mais, se discriminavam os factos admitidos por acordo, os factos provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os factos constantes do acórdão ou do despacho proferido no final da audiência; seguia-se a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes a esses factos, assim se chegando à decisão final - tudo nos termos enunciados nos arts. 652º, 653º e 659º do CPC então vigente,
Atualmente, porém, à audiência final, onde são produzidas as provas e as partes produzem alegações sobre a matéria de facto e o direito aplicável, segue-se o proferimento da sentença, em cuja fundamentação o juiz discrimina os factos que considera provados e não provados, através de análise crítica das provas, tomando ainda em consideração os admitidos por acordo e os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas pertinentes, concluindo pela decisão final – arts. 604º e 607º do atual CPC.
Coerentemente, não havendo já, na tramitação de um concreto processo, a prolação de uma decisão sobre os factos e, depois, o proferimento de uma decisão de mérito, muitas vezes com a intervenção sucessiva de julgadores diferentes – o do facto e o do direito –, foi eliminado o antigo nº 4 do art. 646º, que rezava assim: “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Como a este propósito escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, esta “(…) opção legislativa tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que a circunstância de ambos os segmentos surgirem agregados na mesma peça processual facilita e simplifica a decisão do litígio (…).”.
Porém, tal “(…) opção não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”.
E continua, “não poderá, portanto, a sentença, ao emitir o julgamento sobre os factos atinentes a uma dada questão de direito, considerar como provado o correspondente conceito jurídico, desacompanhado dos factos suscetíveis de o integrarem”.
Como se concluiu no Acórdão que acompanhamos “sendo incluída, em sede de decisão sobre a matéria de facto, a afirmação de uma dada conclusão jurídica sem que se julguem como provados factos concretos que a integrem, não se poderá fazer uso do remédio previsto no nº 4 do antigo art. ...46... – desaparecido que está da nossa ordem jurídica –, mas haverá lugar à constatação de que a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir; na verdade, um erro do tribunal com esse conteúdo não pode suprir o facto em falta”.
Vejamos se os réus alegavam factos de onde se poderia concluir ter o seu pai adquirido o direito de propriedade sobre 1/3 dos valores depositados e se o autor alegava os mesmos factos em relação ao valor de 8.103,38 euros, referido como provado, sem que o Tribunal possa considerar que a “pertença” dada como provada pelo Juiz a quo seja um facto.
Na petição inicial alegou o autor que vendeu um imóvel, cuja propriedade lhe pertencia em exclusivo, remetendo para o documento ..., e que o valor do preço, 92.000,00 euros, foi depositado na conta identificada, titulada por três pessoas, sendo deste valor do preço que foi retirada a quantia de 35.254,60 euros.
Se é certo que o autor alegava que esta quantia levantada pelos réus lhe pertencia (art.º 31.º da petição inicial), esta conclusão era retirada da matéria de facto até então alegada.
Ou seja, o autor propôs-se provar que o imóvel vendido era seu (remetendo para a descrição predial do imóvel) e que a quantia levantada correspondia ao preço da venda do imóvel.
O que o Tribunal a quo deu como provado nos factos 8 e 9 corresponde ao que foi alegado pelo autor e que os réus não discutem.
O que no facto 19 dado como provado corresponde a matéria de facto é, apenas, que da quantia levantada pelos réus – 35.254,60 euros – pelo menos 8.103,38 euros corresponde a parte do preço da venda daquele imóvel referida no facto 10.
Ou seja, a expressão “pertence exclusivamente ao aqui A.” é conclusiva e não encerra qualquer matéria de facto.
O que teremos de perceber é se existe prova de que a quantia de 8.103,38 euros é proveniente da referida venda (impugnação da matéria de facto efetuada pelos réus) e, depois, em sede de direito, perceber se desse facto, considerando o registo de aquisição do imóvel, se pode concluir ter o autor demonstrado ser proprietário da referida quantia.
Assim, deverá eliminar-se do facto 19 a referência a “pertence exclusivamente ao aqui A.”, porque não está em causa matéria de facto.
Vejamos se tal facto, na parte restante, está provado (pois que foi validamente impugnado), ou seja, se existe prova que a quantia de 8.103,38 euros é parte do preço da venda do referido imóvel.
É a seguinte a motivação da decisão:
sucede que essa conta bancária, à data em que tal montante de € 92.000,00 aí foi depositado, já apresentava um saldo positivo de € 8.609,99. Mais, desde a data em que o referido cheque foi depositado naquela conta bancária até à data em que os RR. procederam ao levantamento da mencionada importância de € 35.254,60, ocorreram nessa mesma conta bancária numerosas operações bancárias, tendo sido feitos variados movimentos a débito e a crédito, alguns de montantes substanciais. No que a esses movimentos respeita, importa mencionar, a título de exemplo e entre outros que ocorreram, as diversas transferências das quantias de € 2.000,00 e de € 2.500,00 para essa mesma conta bancária (movimentos a crédito) e a transferência da quantia de € 73.000,00 dessa conta para uma outra conta bancária (movimento a débito). Importa, ainda, referir que quando os RR. procederam ao levantamento do montante em causa a conta bancária estava aprovisionada com a quantia de apenas € 37.276,04. Considerando o dito circunstancialismo, entendo que ao A., para provar que a totalidade do montante de que os RR. se apropriaram lhe pertencia em exclusivo, não bastaria demonstrar a propriedade da quantia de € 92.000,00, sendo igualmente necessário alegar e provar a propriedade do saldo que essa conta bancária apresentava à data em que a quantia de € 92.000,00 foi aí depositada, a propriedade dos demais montantes que acabaram por dar entrada nessa conta bancária desde essa data até à data em que os RR. procederam ao levantamento da mencionada importância e, bem assim, o destino dado às quantias que acabaram por, nesse mesmo período de tempo, ser retiradas da conta bancária em questão. Ou seja, considerando o saldo que a conta apresentava e perante a imensidão de movimentos bancários que se verificaram no período de tempo acima referido, sempre teria o A., por forma a demonstrar que a totalidade da quantia levantada pelos RR. lhe pertence, de alegar e provar a origem dos movimentos a crédito e o destino dos movimentos a débito. Sucede que o A. intentou esta ação parecendo partir do pressuposto de que a conta bancária em causa não apresentava qualquer saldo à data em que a importância de € 92.000,00 deu entrada na mesma e que, desde essa data até à data em que ocorreu o levantamento da quantia nesta ação reclamada, nenhum movimento ocorreu nessa conta bancária. Se assim fosse, dúvidas não poderiam restar de que a quantia de € 35.254,60 era pertença, exclusivamente, do aqui A. Tal, porém, não corresponde à realidade, como se viu.
Importa, no entanto, considerar que a dita conta bancária, que, à data em que o aludido montante de € 92.000,00 aí foi depositado, se encontrava aprovisionada com a quantia de € 8.609,99, acabou por, entre a data em que o mencionado cheque foi depositado e a data em que os RR. procederam ao levantamento da quantia de € 35.354,60, apresentar os movimentos acima aludidos, sendo que a quantia global de € 83.896,62 respeita a movimentos a débito e quantia global de € 112.562,67 respeita a movimentos a crédito (onde se incluem os sobreditos € 92.000,00). Assim sendo, ainda que se desconheça o destino dos movimentos a débito e a origem dos demais movimentos a crédito - com exceção dos movimentos relacionados com o montante de € 92.000,00, cuja origem é conhecida -, mesmo que se considerasse que os movimentos a débito respeitaram apenas à quantia de € 92.000,00, sempre teríamos de concluir no sentido de que, pelo menos, a quantia de € 8.103,38 é pertença, em exclusivo, do R., respeitando tal quantia a parte daquele montante de € 92.000,00. Na verdade, se, no referido período de tempo, a dita conta bancária apresentou movimentos a débito no montante global de € 83.896,62, ascendendo o montante exclusivamente pertencente ao A. à quantia de € 92.000,00, é seguro concluir no sentido de que, pelo menos, a quantia de € 8.103,38 (€ 92.000,00 - € 83.896,62 = € 8.103,38) pertence, em exclusivo, ao A., tendo permanecido depositada na dita conta bancária até à data em que os RR. procederam ao levantamento do montante em apreciação”.
Esta fundamentação é irrepreensível, se ignorarmos a menção à alegada pertença do dinheiro. O que está em causa e ninguém discute é que, após ter sido depositada / transferida para a conta em causa a quantia de 92.000,00 euros, proveniente do preço pago pela venda pelo autor de um imóvel cuja aquisição estava registada apenas em seu nome, nessa conta foram efetuados movimentos a débito de 83.896,62 euros, pelo que, sem qualquer reserva, se pode concluir que a quantia de 8.103,38 euros corresponde ainda a parte daquela quantia de 92.000,00 euros (92.000,00 euros – 83.896,62 euros = 8.103,38 euros).
Aliás, não chega sequer a perceber-se a argumentação dos réus para que tal facto seja considerado como não provado, pois que não contestam os movimentos a crédito e a débito realizados na conta bancária após a entrada nesta do produto da venda do imóvel.
Assim, com a eliminação acima referida por não configurar matéria de facto, mantém-se como provado, no ponto 19, que: “da quantia global aludida em 16., pelo menos a quantia de € 8.103,38 (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) respeita a parte do preço aludido em 10”.
Já quanto ao que pretendem seja dado como provado, a impugnação dos réus reporta-se, também ela, a uma conclusão (que pertencia a um dos titulares da conta, 1/3 do valor nesta depositado à data da sua morte).
Analisada a contestação, os réus alegaram que a quantia levantada “pertencia” a CC, “uma vez que a quantia de 35.254,60 euros corresponde a 1/3 do valor existente na conta bancária objeto dos presentes autos, de que eram os 3 irmãos titulares, à data da sua morte”.
Ou seja, a conclusão jurídica (relativa à propriedade) é retirada da titularidade da conta, sendo que este facto, bem como o saldo da mesma à data da referida morte, está efetivamente dado como provado.
Conclui-se assim que os factos alegados pelos réus e que permitiriam, ou não, extrair a conclusão da alegada “pertença”, foram efetivamente dados como provados e não existe outra factualidade alegada pelos réus que possa ser dada como provada (pois que, como vimos, a alegada “pertença” não é um facto).
Note-se que os réus não alegaram de onde provinha o dinheiro que estava depositado na referida conta à data do óbito de CC, limitando-se a invocar a natureza coletiva e solidária da conta para afirmar que cada um dos três comparticipava e “eram assim donos, cada um, de uma de três partes iguais no crédito”.
Não pode, pois, o Tribunal dar como provado que 1/3 do valor existe à data do óbito de CC lhe pertencia uma vez que tal afirmação não traduz uma realidade fáctica e não existe alegação subjacente dos factos que permitiriam extrair tal conclusão, para além do que resulta já demonstrado sobre a titularidade da conta e o valor depositado à data da morte do referido titular.
Improcede, assim, na totalidade a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se os factos como provados, com a alteração referida, no que se reporte ao facto 19, na parte em que contém matéria de direito.
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Mantém-se como provados os factos referidos, com a alteração do facto 19, que passará a ter a seguinte redação:
19 - Da quantia global aludida em 16, pelo menos a quantia de € 8.103,38 (oito mil cento e três euros e trinta e oito cêntimos) respeita a parte do preço aludido em 10”.

V -  Reapreciação de direito:

Vejamos se a alteração introduzida na matéria de facto, implica a procedência do recurso.
Em relação à quantia de 8.103,38 euros, referiu-se na sentença que: “no dia ../../2021, o ora A. celebrou, na qualidade de vendedor, um contrato de compra e venda respeitante ao imóvel acima aludido, sendo que, à data da celebração desse acordo, a propriedade de tal imóvel estava registada em nome do aqui A..
O preço acordado no âmbito daquele contrato de compra e venda ascendeu a € 92.000,00. (…).
As quantias acima aludidas foram creditadas na conta bancária em causa. (…).
Mais resultou assente que no dia 22 de setembro de 2021 os RR. procederam ao levantamento da aludida conta bancária da quantia de € 35.254,60, sendo que, à data desse levantamento, a conta bancária em questão tinha um saldo positivo de € 37.276,04.
Não resultou, porém, demonstrado que a dita quantia de € 35.254,60 era propriedade exclusiva do aqui A., sendo que este apenas logrou demonstrar a propriedade exclusiva da quantia de € 8.103,38”.
Esta conclusão jurídica não está fundamentada, pois que se limita a utilizar o verbo “pertencer”, que constava de forma conclusiva da matéria de facto provada, para afirmar que se “pertence ao autor” ele é o seu proprietário.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/03/2019, da Juiz Desembargadora Maria Cecília Agante, proc. 844/12.0TBVCD.P1, in ww.dgsi.pt, numa situação em que se alegava a aquisição por usucapião de determinada quantia depositada em conta bancária, “questão diversa é a declaração do direito de propriedade do numerário no momento do depósito, ou seja, a propriedade da quantia depositada. Contudo, a demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou pela prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade”.
 O que estava alegado era, apenas, que o dinheiro levantado pelos réus correspondia ao preço da venda de um imóvel cuja aquisição estava registada a favor do autor.
O que está demonstrado é que a quantia de 8.103,38 euros corresponde a parte daquele preço.
Daqui retiramos que se presume que o autor era o proprietário do imóvel, nos termos do art.º 7º, do C. Registo Predial, e, assim sendo, não tal presunção sido ilidida, o autor era, quando tal quantia foi depositada / transferida, o possuidor da quantia que é parte do preço recebido pela venda do imóvel e que se demonstrou ser no valor de 8.103,38 euros.
Ora, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, ex vi art.º 1268.º do C. Civil.
Assim, provada a proveniência da quantia em causa, como sendo parte do preço da venda de imóvel de que o autor se presumia proprietário, demonstrada está a posse e, através desta, por presunção, o direito de propriedade do autor sobre o valor em causa.
Existe, porém, um vício de raciocínio na sentença proferida.
O que se demonstrou foi que a quantia de 8.103,38 euros é parte do preço da venda do imóvel que se presume pertencer ao autor, sem que tal presunção tivesse sido ilidida, apesar de estar depositada numa conta com três titulares.
Ora, os réus não procederam ao levantamento da totalidade da quantia depositada na conta. Na data em que os réus procederam ao levantamento da quantia de 35.254,60 euros, na conta estava depositada a quantia de 37.276,04 euros.
Quer isto dizer que os réus deixaram na referida conta a quantia de 2.021,44 euros.
Assim, se o autor demonstrou ser proprietário da quantia de 8.103,38 euros, tendo ficado na conta a quantia de 2.021,44 euros, daqui resulta com clareza que os réus apenas se apropriaram da quantia de 6.081,94 euros.            
Daqui se conclui que apenas têm de restituir este último valor.
E quanto ao valor restante retirado pelos réus, no total de 29.172,66 euros (35.254,60 euros – 6.081,94 euros = 29.172,66 euros)?
Na sentença proferida entendeu-se que, não demonstrando o autor a propriedade exclusiva do restante dinheiro depositado, seria aplicável o disposto no art.º 516.º do C. Civil e, assim, os réus teriam de restituir ao autor o valor de 1/3 da quantia restante, o que, com a retificação realizada (considerando a quantia sobrante de 2.021,44 euros), ascenderia a 9.724,22 euros.
Este Tribunal de recurso concorda com esta fundamentação, no sentido em que é este o regime jurídico aplicável e não o instituto do enriquecimento sem causa invocado na petição inicial.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/10/2006, do Juiz Desembargador Fonseca Ramos, proc. 0655640, in www.dgsi.pt, que aqui acompanharemos de perto, “a abertura de conta num Banco e os depósitos pecuniários nela efetuados, exprimem a existência de contrato de depósito bancário que é um contrato real, cuja perfeição só se objetiva através da prática material da entrega de dinheiro, não sendo suficiente o mero acordo entre os depositantes e o banco depositário”.
(…) “Os depósitos podem ser singulares, se apenas uma pessoa é a sua titular, ou plurais se tal titularidade pertencer a mais que uma pessoa ou entidade.
Se plurais, podem ser conjuntos ou solidários.
Depósito solidário é aquele em que qualquer dos credores (depositantes ou titulares da conta), apesar da indivisibilidade da prestação, tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, a o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respetivos juros, se os houver) e em que a prestação assim efetuada libera o devedor (o banco depositário) para com todos eles (art. 512º do C. Civil).
A faculdade de qualquer dos contitulares do depósito bancário, sem a autorização dos demais, poder levantar a totalidade da quantia depositada exprime um regime de solidariedade ativa”.
O que os clientes do Banco pretendem, ao estipularem o regime da solidariedade nos depósitos bancários coletivos “é atribuírem a qualquer dos depositantes ou titulares da conta, (prevenindo deliberadamente, muitas vezes, a eventualidade da morte de algum deles) o poder de exigir, por si só, o levantamento ou reembolso de toda a soma depositada e não apenas de uma quota-parte delain Depósito Bancário, Revista do Banco, nº 21, pág. 51.
Como se refere no primeiro Acórdão citado, “o que sociologicamente está na base da opção por este tipo de contas solidárias é, normalmente, a relação de confiança que existe entre os seus titulares, que de modo tácito se consentem, reciprocamente, a faculdade ou o direito de procederem a levantamentos por sua exclusiva vontade, não carecendo do consentimento dos demais”.
Decorre do exposto que nem sempre poderá afirmar-se que o contitular da conta solidária é dono do dinheiro nela depositado.
Dono do dinheiro será aquele que puder afirmar o seu direito de propriedade, ou compropriedade, sobre ele.
Estabelece o art.º 516.º do C. Civil que:
Nas relações entre si se presume que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.

Definiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/1999, in CJSTJ, 1999, II, 152:
I – A situação das chamadas “contas conjuntas” ou “contas coletivas”, tituladoras de depósitos bancários efetuados em nome de duas ou mais pessoas, ficando qualquer delas com a faculdade de, isoladamente e sem necessidade de intervenção do seu contitular, fazer levantamentos e outros movimentos, é um caso de solidariedade ativa.
II – Por consequência, por força art. 516º do Código Civil, se por exemplo duas pessoas fizerem um depósito bancário nesse regime presume-se, enquanto se não fizer prova em contrário, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta”.
Decorre do exposto que quem pretenda afirmar a propriedade exclusiva do dinheiro depositado em contas bancárias solidárias terá de ilidir a presunção constante do art.º 516.º do C. Civil, ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos contitulares.
Note-se que a invocação do instituto do enriquecimento resultava da alegação de ter existido um lapso no depósito do valor do preço da venda do imóvel, na conta em questão, sendo certo que, ainda que tal lapso existisse, se o autor tivesse demonstrado que toda a quantia levantada pelos réus correspondia ao referido preço, como vimos, o instituto aplicável seria sempre o da propriedade e, assim, com ou sem lapso no depósito, teriam os réus de restituir a totalidade da quantia por si levantada, pois que teria o autor demonstrado ser o único proprietário do dinheiro, ainda que estivesse depositado numa conta com três titulares.
Não tendo o autor demonstrado que a restante quantia levantada pelos réus correspondia a parte do preço que recebeu pela venda do imóvel, não vê o Tribunal fundamento para não considerar relevante a data em que faleceu o primeiro dos titulares da conta, precisamente o pai e marido dos réus e em que, por isso, deixou de ser titular desta.
Na data em que este faleceu, a quantia depositada na conta que tinha três titulares ascendia a 105.763,82 euros.
Sendo três os titulares da conta, ex vi art. 516.º do C. Civil, presume-se que cada um dos titulares havia comparticipado em 1/3 naquele valor.
Assim, presume-se que o pai e marido dos réus era proprietário do valor de 35.254,60 euros. E, se assim é, não vemos fundamento para apreciar a mesma questão à data do levantamento efetuado, como fez o Tribunal a quo.
E, assim, uma vez que montante levantado, deduzida da quantia que se demonstrou pertencer ao autor, corresponde a uma quantia inferior ao valor de que era titular CC e que, por via sucessória, agora pertence aos réus, nos termos do art.º 2133.º, n.º1, alínea a), do C. Civil, não vemos fundamento para condenar os réus a restitui-lo.
Escreveu-se na sentença que:
de facto, se os RR. entendem que determinada quantia depositada na aludida conta bancária fazia parte da herança aberta por óbito de CC e que, a determinado momento, alguém se apropriou dessa quantia, deverão atuar judicialmente no sentido de exigir da pessoa que alegadamente se apropriou ilicitamente de tal quantia a sua restituição à herança.
O que os aqui RR. não podem fazer é apropriar-se de montantes que, comprovadamente, lhes não pertencem em exclusivo, sendo certo que o tribunal desconhece em absoluto quem se terá apropriado do montante que alegadamente integrava a mencionada herança. Essa questão, aliás, mostra-se completamente excluída do objeto desta ação, sendo que os RR. nunca deduziram contra o A. qualquer pedido reconvencional nem sequer alegaram que o aqui demandante foi o autor de tal apropriação, apesar das desconfianças que dizer ter a esse respeito”.
Não concordamos com esta fundamentação.
Em primeiro lugar, porque se refere que os réus se apropriaram de montantes que lhes não pertencem em exclusivo. Ora, tal menção apenas é verdadeira em relação a uma parte do valor levantado (e relativamente à qual o Tribunal a quo afirmará anteriormente a propriedade exclusiva do autor) e não já quanto ao que estava então ainda sem decisão, pelo que tal afirmação não tinha relevo para se concluir pelo dever de restituição da totalidade ou parte da quantia de 27.151,22 euros então em apreciação.
Em segundo lugar, porque, não tendo os réus deduzido pedido reconvencional, como não deduziram, alegaram, como matéria de exceção, que lhes pertencia, como decorre do art.º 516.º do C. Civil, 1/3 do valor depositado à data do óbito de um dos três titulares da conta, do qual eram herdeiros, procurando beneficiar da presunção de propriedade que decorre daquela norma.
Ora, esta presunção não foi ilidida pelo autor, com exceção do que se demonstrou quanto ao valor já referido de 8.103,38 euros, do qual os réus apenas se apropriaram da quantia de 6.081,94 euros.
E, não ilidindo o autor a presunção quanto ao valor restante, não têm os réus de restituir qualquer outra quantia, pois que tinham efetivamente direito a 1/3 do valor depositado à data da morte do pai e marido, que estava então depositado na conta em questão.      
O que se pode questionar é se, não estando demonstrada a propriedade exclusiva do autor sobre o restante montante depositado, o autor teria direito à restituição da totalidade da quantia por si reclamada por via do instituto enriquecimento sem causa por si invocado (repetindo-se que o autor convocou, mal, este instituto afirmando que a quantia em causa lhe pertencia na totalidade, por ser proveniente da venda do imóvel).
Prevê o art.º 473.º do C. Civil que aquele que sem causa justificativa enriquecer sem causa justificativa à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, não havendo lugar à restituição quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento (art.º 474.º do mesmo diploma). 
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/09/2015, do Juiz Desembargador Augusto de Carvalho, proc. 944/13.0T2AVR.P1, in www.dgsi.pt, “visa-se com a ação de enriquecimento sem causa o fim de remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o ou deslocando-o para o património do empobrecido. Cfr. Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, pág. 36.
Para que haja pretensão de enriquecimento, isto é, uma obrigação em que é devedor o enriquecido e credor aquele que suporta o enriquecimento, é necessária a verificação cumulativa de três requisitos: que haja um enriquecimento de alguém; que o enriquecimento careça de causa justificativa; e que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. A. Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, pág. 480 e seguintes; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 410.
O requisito mais controvertido é o da causa do enriquecimento, sendo certo que o artigo 473º não o define, limitando-se a facultar «algumas indicações capazes de, como meros subsídios, auxiliarem a sua formulação». É essa a principal finalidade do nº 2 do preceito, quando afirma que «a obrigação de restituir tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou» Cfr. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pág. 454.
A causa do enriquecimento pode resultar do fim imediato da prestação e do fim típico do negócio. Por isso, se a obrigação não existe ou se o fim do negócio falha, deixa de haver causa para a prestação e obrigação resultante do negócio. Por outro lado, carece também de causa a deslocação patrimonial, sempre que a ordenação substancial dos bens aprovada pelo direito a atribua a outro, isto é, que seja substancialmente ilegítima e injusta.
Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa». A. Varela, ob. cit., pág. 487”.

Assim, perante as normas em apreço, para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos:
a) existência de um enriquecimento;
b) enriquecimento verificado à custa de outrem;
c) inexistência de causa justificativa desse enriquecimento e
d) ausência de outro meio jurídico para se obter a indemnização devida.

A resposta tem de ser negativa.
Os réus não enriqueceram à custa do autor, pois que o dinheiro que levantaram, na parte que não correspondia a parte do preço da venda do imóvel, é inferior à quantia que pertencia ao marido e pai, do qual são os únicos herdeiros e que, portanto, lhes era legítimo que retirassem da conta bancária também titulada pelo autor.     

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - Não existe qualquer nulidade da sentença quando, invocado pelo autor o instituto do enriquecimento sem causa, o Tribunal considera a causa de pedir alegada e faz a sua subsunção a instituto jurídico diferente.
2 - Numa ação em que se discute se determinada quantia em dinheiro pertence em exclusivo a um de três titulares de uma conta bancária, não constitui matéria de facto a afirmação de que determinado montante “pertence” a uma das partes, sendo necessário alegar e demonstrar factos de onde se possa afirmar a existência do direito de propriedade.
3 – Apurando-se que parte da quantia depositada na referida conta é proveniente da venda de um imóvel cuja aquisição estava registada em nome de apenas um dos titulares da conta, pode concluir-se pela afirmação do direito de propriedade exclusivo deste titular sobre a referida quantia.
4 – Não estando demonstrada tal realidade em relação à quantia restante, aplica-se o disposto no art.º 516.º do C. Civil.

VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelos réus, mantendo a condenação destes em restituir ao autor a quantia de 6.081,94 euros (seis mil e oitenta e um euros e noventa e quatro cêntimos), com os juros calculados nos termos da sentença de 1.ª Instância proferida, revogando-a quanto à restante quantia e, assim, absolvendo os réus do restante pedido formulado.
As custas da ação são suportadas por ambas as partes, na proporção do decaimento, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
As custas deste recurso são suportadas pelo recorrente, tendo em vista o seu decaimento parcial e, não tendo havido contra-alegações, o facto de, na parte restante, ter sido o único que dele teve proveito.
Guimarães, 04 de abril de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)